
POLO ATIVO: ORISMAR DA COSTA SILVA e outros
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: SAMUEL FERREIRA CAMPOS - MA20437
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS e outros
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: SAMUEL FERREIRA CAMPOS - MA20437
RELATOR(A):EULER DE ALMEIDA SILVA JUNIOR
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198): 1019089-94.2023.4.01.9999
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelas partes em face de sentença, que concedeu aposentadoria por invalidez ao segurado especial pelo RGPS (ID 356179153 - pág. 137 141 e 162 a 164).
Não foi concedida a tutela de urgência.
Os recursos foram recebidos e processados em ambos os efeitos (§ 1º do art. 1.012 e conexos do CPC/2015), a exceção da tutela provisória mencionada, que foi executada independentemente da preclusão da decisão que a concedeu.
Nas razões recursais, autor-recorrente pugnou pela modificação da DIB para coincidir com a data de início da incapacidade certificada pelo perito, em 14/03/2019, ou, alternativamente, para coincidir com a data do requerimento administrativo, em 29/07/2019.
O INSS pediu a reforma da sentença para concessão do auxílio-doença desde 01/01/2021 e cessação após 12 meses, ante a comprovação da incapacidade total e temporária, atestada em perícia médica, passível de recuperação.
Em suas contrarrazões, o autor-recorrido pediu a manutenção da sentença recorrida, porque foram consideradas as condições pessoais do requerente para deferimento de benefício mais vantajoso.
O INSS não apresentou contrarrazões (ID 356179153 - Pág. 206).
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198): 1019089-94.2023.4.01.9999
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA (RELATOR):
Os recursos podem ser conhecidos, porque presentes os pressupostos recursais(competência do relator e da turma julgadora, tempestividade, adequação e observância das normas pertinentes a eventual preparo recursal).
A concessão benefício previdenciário em face de atividades rurais, exercidas em regime de economia familiar, depende da demonstração, por prova idônea e suficiente (testemunhal com ao menos início de prova material contemporânea à prestação laboral), da condição de segurado especial, observância do prazo de carência e demais requisitos legais da legislação de regência (arts. 11, VII; 39, II;55; 142 e dispositivos conexos da Lei 8.213/1991).
O entendimento jurisprudencial dominante estabeleceu os seguintes critérios sobre a idoneidade e suficiência probatória do trabalho rural em regime de economia familiar: 1) necessidade de produção de prova documental plena ou início de prova material confirmada e complementada pela prova testemunhal (Súmula 149 do STJ e Súmula 27 do TRF1); 2) mitigação da prova documental legal estabelecida no art. 106 da Lei 8.213/1991; 3) contemporaneidade temporal ampliada da prova documental, nos termos da Súmula 577 do STJ c/c Súmulas 14 e 34 da TNU e Tema 2 da TNU; 4) imediatidade da atividade ao tempo do requerimento, ressalvado o direito adquirido quanto ao cumprimento pretérito de todas as condições (Tese 642 do STJ e Súmula 54 da TNU c/c art. 5º, XXXVI, da CF/88); 5) possibilidade de estabelecimento de residência do grupo familiar do segurado especial em aglomerado urbano, fora do local de exercício das atividades agrárias (inciso VII do art. 11 da Lei 8.213/1991, redação dada pela Lei 11.718/2008).
Desta forma, para comprovar o trabalho rural em regime de economia familiar, é necessário apresentar documentos ou um começo de evidências materiais, que podem ser complementados pela prova testemunhal. Isso está de acordo com Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Súmula 27 do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1).
Assim, o uso de documentos legais para comprovar o trabalho rural pode ser flexibilizado, de acordo com o artigo 106 da Lei 8.213/1991.
De acordo com o art. 11, VII, a, I da Lei 8.213/1991, é considerado segurado especial o produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade agropecuária.
Importante destacar que o agricultor qualificado como segurado especial é aquele que desempenha suas atividades laborais em regime de economia familiar, com a prática de cultivo da terra, criação de gado, pesca ou outras atividades rurais de subsistência.
Consoante a Lei 8.213/91, a aposentadoria por invalidez ou aposentadoria por incapacidade permanente tem valor equivalente a 100% do salário-de-benefício, sendo devido ao filiado ao RGPS que, mantendo a qualidade de segurado, seja acometido de incapacidade total e definitiva para o trabalho, sem perspectiva de reabilitação profissional. O benefício de auxílio-doença ou auxílio por incapacidade temporária, por sua vez, com valor equivalente a 91% do salário-de-benefício, é devido ao filiado ao RGPS, com qualidade de segurado, que fique incapacitado em caráter provisório para exercer sua atividade laboral. Para ambos os benefícios, o filiado segurado especial deverá comprovar cumprimento de carência de 12 meses, art. 39 da Lei de Benefícios.
No tocante à incapacidade, deverá ser comprovada por laudo pericial produzido em juízo, submetidos à impugnação das partes e a esclarecimentos quando necessários, com descrição do tempo de duração e grau de acometimento da doença.
No caso concreto, a qualidade de segurado, comprovada em audiência de instrução, com oitiva das testemunhas, é fato incontroverso, restringindo a discussão apenas quanto a incapacidade laboral (qualidade de segurado), conforme art. 374, III, do CPC.
O laudo médico produzido em juízo atestou a incapacidade total e temporária para atividade laboral declarada (ID 356179153 – pág. 91 a 93). O perito relatou:
No momento, conforme exame médico pericial realizado, o periciando apresenta incapacidade temporária e total para realizar suas atividades laborais habituais, apresenta lesão na região anterior da perna direita no terço médio com tecido de granulação e de coloração avermelhada, apresenta lesão na perna direita na região anterior no terço médio, com saída de secreção purulenta (osteomielite?), necessitou afastar-se de suas atividades laborais habituais, desde a data de 14/03/2019, conforme documento constante na página de nº 05 com ID (25566516) do processo, e necessita afastar-se de suas atividades laborais habituais a princípio por mais vinte e quatro meses a partir desta data, para estabilização do seu quadro clínico atual, e após esse período sugiro nova avaliação médica para verificar seu quadro clínico e capacidade laborativa atualizados, não pode realizar atividades laborais que exijam a força e as habilidades do seu membro inferior direito, mas pode realizar outras atividades laborais que não se enquadrem nessas situações, e não apresenta deficiência ou enfermidade que o incapacite para realizar suas atividades da vida diária.
Ainda que consideradas as condições pessoais do requerente, a possibilidade de recuperação laboral inviabiliza a concessão de aposentadoria por invalidez.
A sentença proferida deve ser reformada, porque os dispositivos constitucionais e legais referidos na fase recursal devem ser interpretados conforme o entendimento jurisprudencial adiante (original sem destaque):
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. TRABALHADOR RURAL. ARTIGO 59, CAPUT, DA LEI Nº 8.213/91. COMPROVAÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADO. LAUDO PERICIAL. INCAPACIDADE LABORAL PARCIAL E TEMPORÁRIA. POSSIBILIDADE DE REABILITAÇÃO. 1. Os requisitos indispensáveis para a concessão do benefício previdenciário de auxílio-doença/aposentadoria por invalidez são: a) a qualidade de segurado; b) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, salvo nas hipóteses previstas no art. 26, II, e 39, I, da Lei 8.213/91, e c) incapacidade para o trabalho ou atividade habitual por mais de 15 dias ou, na hipótese da aposentadoria por invalidez, incapacidade (permanente e total) para atividade laboral. 3. Tendo sido constatado no laudo pericial que a segurada é portadora de incapacidade laboral parcial e temporária, tem condições de ser reabilitada, tem direito ao benefício de auxílio-doença, presentes os demais requisitos do artigo 59, caput, da Lei n.º 8.213/91. 4. Apelação do INSS a que se nega provimento. (AC 1023404-39.2021.4.01.9999, DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS, TRF1 - NONA TURMA, PJe 22/08/2023 PAG).
A jurisprudência deste Tribunal firmou-se no sentido de que "A DIB será a data do requerimento administrativo ou o dia imediato ao da cessação do benefício de auxílio por incapacidade temporária. Não havendo requerimento, será a data da citação ou a data do laudo médico pericial, observando-se, em todos os casos, os limites do pedido autoral e da pretensão recursal" (AC 1020977-40.2019.4.01.9999, DESEMBARGADOR FEDERAL JOAO LUIZ DE SOUSA, TRF1 - SEGUNDA TURMA, PJe 19/04/2023 PAG).
É possível a concessão da tutela recursal, porque presentes os requisitos legais.
Honorários recursais, quando devidos, na forma da legislação de regência (§11 do art. 85, do CPC do c/c 5º, XXXV, da CF/88 e Súmula 26-TRF da 1ª Região), observada eventual inexigibilidade (§3º do art. 98 do CPC/2015).
Ante o exposto, conheço dos recursos das partes para, no mérito, negar provimento à apelação do autor-recorrente, dar provimento à apelação do INSS, reformar a sentença recorrida e condenar o INSS a implantar o benefício de auxílio-doença, em valor a ser calculado pela autarquia, com DIB em 29/07/2019 e DCB em 120 dias a partir da intimação do acórdão deste julgado, nos termos do art. 60, §§ 9º e 10, da Lei 8.213/91, assegurada a possibilidade de requerimento de prorrogação do benefício pela parte autora (Teses 164 e 277 da TNU).
Sobre os valores devidos a título de retroativo, deverão incidir correção monetária e juros nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal na versão vigente ao tempo da execução do julgado, ressalvados os valores alcançados pela prescrição quinquenal e o montante pago administrativamente ou em cumprimento de decisão judicial.
Defiro os efeitos da antecipação da tutela em grau recursal, porque presentes os requisitos autorizadores da probabilidade do direito da parte autora, nos termos dos fundamentos acima expostos e o perigo de dano da demora na concessão do benefício, em face de sua natureza alimentícia. Assim, deve o INSS implantar o benefício no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da intimação deste julgado, sob as penas da lei, prosseguindo-se eventual incidente de execução nos autos principais, caso já baixados à origem, ou mediante execução provisória (em autos desmembrados) caso os autos principais estejam ainda na instância recursal.
Arbitro os honorários advocatícios de sucumbência em 10% sobre o valor atualizado das parcelas vencidas até a data do acórdão deste julgado, em favor da parte autora-recorrente (art. 85 do CPC/2015 c/c Súmula 111 do STJ).
É o voto.
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
PROCESSO: 1019089-94.2023.4.01.9999
PROCESSO DE REFERÊNCIA: 0800875-51.2019.8.10.0119
RECORRENTE: ORISMAR DA COSTA SILVA e outros
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS e outros
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. RGPS. RURAL. AUXÍLIO-DOENÇA. INCAPACIDADE TOTAL E TEMPORÁRIA. POSSIBILIDADE DE REABILITAÇÃO. QUALIDADE DE SEGURADO ESPECIAL COMPROVADA. SENTENÇA REFORMADA. APELAÇÃO DO INSS PROVIDA. APELAÇÃO DO REQUERENTE NÃO PROVIDA.
1. A concessão do benefício previdenciário ou o reconhecimento de tempo de serviço em face de atividades rurais, exercidas em regime de economia familiar, depende da demonstração, por prova idônea e suficiente (testemunhal com ao menos início de prova material contemporânea à prestação laboral), da condição de segurado especial, observância do prazo de carência e demais requisitos legais da legislação de regência (arts. 11, VII; 39, II; 55; 142 e dispositivos conexos da Lei 8.213/1991).
2. Os benefícios previdenciários decorrentes de incapacidade (aposentadoria por invalidez, aposentadoria por incapacidade permanente, auxílio-doença e auxílio por incapacidade temporária) são devidos ao filiado ao RGPS, com qualidade de segurado, que fique incapacitado para exercer sua atividade laboral por mais de 15 dias consecutivos, que comprove o cumprimento de carência e demais requisitos legais da legislação de regência (arts. 11, 15, 25, 26, 42, 59 e demais dispositivos conexos da Lei 8.213/91).
3. Qualidade de segurado especial comprovada mediante oitiva de testemunhas em audiência de instrução.
4. A incapacidade laboral total e temporária foi atestada por laudo médico pericial, com possibilidade de recuperação após tratamento clínico.
5. Sentença reformada para implantação de benefício por incapacidade temporária (auxílio-doença), desde o requerimento administrativo, e cessação (DCB) em 120 dias a partir da intimação do acórdão deste julgado nos termos do art. 60, §§ 9º e 10, da Lei 8.213/91, assegurada a possibilidade de requerimento de prorrogação do benefício pela parte autora (Teses 164 e 277 da TNU).
6. Apelação do INSS provida. Apelação do requerente não provida. Sentença reformada. Tutela de urgência concedida.
ACÓRDÃO
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, conhecer dos recursos das partes para, no mérito, negar provimento à apelação do autor-recorrente, dar provimento à apelação do INSS, reformar a sentença recorrida e condenar o INSS a implantar o benefício de auxílio-doença, nos termos do voto do Relator.
Desembargador Federal EULER DE ALMEIDA