
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:PATRICIA SMIKADI DE BRITO XERENTE
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: ARIANE DE PAULA MARTINS TATESHITA - TO4130-S
RELATOR(A):MARCELO VELASCO NASCIMENTO ALBERNAZ
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1025275-70.2022.4.01.9999
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: PATRICIA SMIKADI DE BRITO XERENTE
Advogado do(a) APELADO: ARIANE DE PAULA MARTINS TATESHITA - TO4130-S
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS contra sentença na qual foi julgado procedente o pedido de salário-maternidade rural.
Por sua vez, o INSS sustenta em suas razões que, na data do nascimento da criança, a autora possuía 13 anos e 10 meses, assim, a concessão do benefício a ela fere a Constituição Federal, que veda o trabalho aos menores de 16 anos. Ademais, aduz que não há início de prova material do efetivo labor rural. Assim, requer a reforma da sentença, com a improcedência do pedido.
Apresentadas as contrarrazões, a parte autora pugna pela manutenção da sentença.
É o relatório.
Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ
Relator
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1025275-70.2022.4.01.9999
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: PATRICIA SMIKADI DE BRITO XERENTE
Advogado do(a) APELADO: ARIANE DE PAULA MARTINS TATESHITA - TO4130-S
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ (RELATOR):
Preliminarmente, consigno que o recurso preenche os requisitos subjetivos e objetivos de admissibilidade.
DO MÉRITO
O benefício de salário-maternidade é devido às seguradas do Regime Geral de Previdência Social, pelo período de 120 dias, na forma prevista nos arts.
No caso de segurada especial, há necessidade de se demonstrar o efetivo exercício da atividade campesina, ainda que de forma descontínua, nos 10 meses imediatamente anteriores ao do início do benefício, conforme dispõe o art. 93, §2º, do Decreto nº 3.048/99. Por sua vez, o art. 55, §3º, da mesma Lei, dispõe que “a comprovação do tempo de serviço para os fins a que se destina (...) só produzirá efeito quando baseada em início de prova material contemporânea dos fatos não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, na forma prevista no regulamento”.
O art. 106 da Lei nº 8.213/91 elenca diversos documentos aptos à comprovação do exercício de atividade rural, sendo pacífico na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que tal rol é meramente exemplificativo (REsp 1.719.021/SP, Segunda Turma, Relator Ministro Herman Benjamin, julgado em 1º/3/2018, DJe 23/11/2018).
Assim, a fim de comprovar o tempo de serviço rural, a jurisprudência admite outros documentos além dos previstos na norma legal, tais com a certidão de casamento, a carteira de sindicato rural com comprovantes de recolhimento de contribuições, o boletim escolar de filhos que tenham estudado em escola rural (STJ AgRG no REsp 967344/DF), certidão de casamento que atesta a condição de lavrador do cônjuge ou do próprio segurado (STJ, AR 1067/SP, AR1223/MS); declaração de Sindicato de Trabalhadores Rurais, devidamente homologada pelo Ministério Público (STJ, AR3202/CE), desde que contemporâneos ao período que se pretende comprovar.
Convém registrar, ainda, que documentos tais como carteiras, comprovantes e declarações de sindicatos sem a devida homologação do INSS e do Ministério Público; a certidão eleitoral com anotação indicativa da profissão de lavrador; declarações escolares, de Igrejas, de ex-empregadores e afins; prontuários médicos em que constem as mesmas anotações; além de outros que a esses possam se assemelhar não são aptos a demonstrar o início de prova material, na medida em que não se revestem de maiores formalidades.
No que se refere ao presente caso, a parte autora trouxe aos autos os seguintes documentos: certidão de nascimento da filha em relação à qual pleiteia o benefício, ocorrido em 21/12/2018; certidão de nascimento da própria autora, ocorrido em 2/2/2005, em que consta a qualificação dos pais como lavradores; certidão de exercício de atividade rural emitida pela FUNAI em 8/3/2021, na qual se declara que a autora exerce atividade rural na Aldeia Cabeçeira da Água Fria desde 10/5/2012 (ID 256726536, fls. 19 – 27).
Da análise das provas apresentadas, verifica-se que a certidão de nascimento da própria autora, ocorrido em 2/2/2005, em que consta a qualificação dos pais como lavradores, e a certidão de exercício de atividade rural emitida pela FUNAI em 8/3/2021, na qual se declara que a autora exerce atividade rural na Aldeia Cabeçeira da Água Fria desde 10/5/2012, constituem início de prova material do labor rurícola exercido pela autora durante o período de carência, por serem antecedentes ao nascimento da criança em relação à qual se pleiteia o benefício, ocorrido em 21/12/2018.
De outra parte, a alegação do INSS de que o reconhecimento do benefício à autora fere a Constituição Federal, que veda o trabalho aos menores de 16 anos, não merece prosperar.
Consoante o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a norma que impõem o limite mínimo de 16 anos de idade para ingressar no RGPS tem o objetivo de proteger o menor, não podendo ser usada em seu prejuízo. Assim, “não é admissível que o não preenchimento do requisito etário para filiação ao RGPS, por uma jovem impelida a trabalhar antes mesmo dos seus dezesseis anos, prejudique o acesso ao benefício previdenciário, sob pena de desamparar não só a adolescente, mas também o nascituro, que seria privado não apenas da proteção social, como do convívio familiar, já que sua mãe teria de voltar às lavouras após seu nascimento”. Confira-se:
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. SALÁRIO-MATERNIDADE. TRABALHADORA RURAL MENOR DE 16 ANOS. ATIVIDADE CAMPESINA COMPROVADA. ART. 11, VII, c, § 6o. DA LEI 8.213/91. CARÁTER PROTETIVO DO DISPOSITIVO LEGAL. NORMA DE GARANTIA DO MENOR NÃO PODE SER INTERPRETADA EM SEU DETRIMENTO. IMPERIOSA PROTEÇÃO DA MATERNIDADE, DO NASCITURO E DA FAMÍLIA. DEVIDA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. RECURSO ESPECIAL DO INSS DESPROVIDO.
1. O sistema de Seguridade Social, em seu conjunto, tem por objetivo constitucional proteger o indivíduo, assegurando seus direitos à saúde, assistência social e previdência social; traduzindo-se como elemento indispensável para garantia da dignidade humana.
2. A intenção do legislador infraconstitucional ao impor o limite mínimo de 16 anos de idade para a inscrição no RGPS era a de evitar a exploração do trabalho da criança e do adolescente, ancorado no art. 7o., XXXIII da Constituição Federal.
3. Esta Corte já assentou a orientação de que a legislação, ao vedar o trabalho infantil, teve por escopo a sua proteção, tendo sido estabelecida a proibição em benefício do menor e não em seu prejuízo, aplicando-se o princípio da universalidade da cobertura da Seguridade Social.
4. Desta feita, não é admissível que o não preenchimento do requisito etário para filiação ao RGPS, por uma jovem impelida a trabalhar antes mesmo dos seus dezesseis anos, prejudique o acesso ao benefício previdenciário, sob pena de desamparar não só a adolescente, mas também o nascituro, que seria privado não apenas da proteção social, como do convívio familiar, já que sua mãe teria de voltar às lavouras após seu nascimento.
5. Nessas condições, conclui-se que, comprovado o exercício de trabalho rural pela menor de 16 anos durante o período de carência do salário-maternidade (10 meses), é devida a concessão do benefício.
6. Na hipótese, ora em exame, o Tribunal de origem, soberano na análise do conjunto fático-probatório dos autos, asseverou que as provas materiais carreadas aliadas às testemunhas ouvidas, comprovam que a autora exerceu atividade campesina pelo período de carência exigido por lei, preenchendo todos os requisitos para a concessão do benefício.
7. Recurso Especial do INSS desprovido.
(REsp n. 1.440.024/RS, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 18/8/2015, DJe de 28/8/2015.) (destaquei)
Dessa forma, tendo em vista que a prova testemunhal colhida nos autos corrobora a pretensão da autora e, ainda, que o INSS não trouxe aos autos outros documentos aptos a desconstituir a qualidade de segurada especial da parte, deve ser deferido o benefício de salário-maternidade, nos termos da sentença.
DOS CONSECTÁRIOS
Honorários advocatícios
Honorários advocatícios majorados na fase recursal em R$2.000,00 (dois mil reais), além do montante já fixado pelo Juízo de origem (art. 85, §11, CPC).
Despesas processuais
"Nas causas ajuizadas perante a Justiça Estadual, no exercício da jurisdição federal (§3º do art. 109 da CF/88), o INSS está isento das custas somente quando lei estadual específica prevê a isenção, como ocorre nos estados de Minas Gerais, Goiás, Rondônia, Mato Grosso, Bahia, Acre, Tocantins e Piauí (AC 0024564-48.2008.4.01.9199, Rel. Desembargador Federal Francisco de Assis Betti, Segunda Turma, e-DJF1 28/05/2020)" (AC 1026342-07.2021.4.01.9999, DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA, TRF1 - PRIMEIRA TURMA, PJe 26/07/2023).
O INSS é isento de custas na Justiça Federal.
Juros de mora e correção monetária
As parcelas vencidas devem ser acrescidas de correção monetária pelo INPC e juros moratórios nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, que se encontra atualizado nos termos do julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 870.947-SE em sede de repercussão geral (Tema 810) e pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.495.146/MG (Tema 905).
CONCLUSÃO
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação interposta pelo INSS.
É como voto.
Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ
Relator
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1025275-70.2022.4.01.9999
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: PATRICIA SMIKADI DE BRITO XERENTE
Advogado do(a) APELADO: ARIANE DE PAULA MARTINS TATESHITA - TO4130-S
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO POR PROVA TESTEMUNHAL. APELAÇÃO NÃO PROVIDA.
1. O benefício de salário-maternidade é devido às seguradas do Regime Geral de Previdência Social, pelo período de 120 dias, na forma prevista nos arts. 71 a 73 da Lei nº 8.213/91.
2. Da análise das provas apresentadas, verifica-se que a certidão de nascimento da própria autora, ocorrido em 2/2/2005, em que consta a qualificação dos pais como lavradores, e a certidão de exercício de atividade rural emitida pela FUNAI em 8/3/2021, na qual se declara que a autora exerce atividade rural na Aldeia Cabeçeira da Água Fria desde 10/5/2012, constituem início de prova material do labor rurícola exercido pela autora durante o período de carência, por serem antecedentes ao nascimento da criança em relação à qual se pleiteia o benefício, ocorrido em 21/12/2018.
3. De outra parte, a alegação do INSS de que o reconhecimento do benefício à autora fere a Constituição Federal, que veda o trabalho aos menores de 16 anos, não merece prosperar. Consoante o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a norma que impõem o limite mínimo de 16 anos de idade para ingressar no RGPS tem o objetivo de proteger o menor, não podendo ser usada em seu prejuízo. Assim, “não é admissível que o não preenchimento do requisito etário para filiação ao RGPS, por uma jovem impelida a trabalhar antes mesmo dos seus dezesseis anos, prejudique o acesso ao benefício previdenciário, sob pena de desamparar não só a adolescente, mas também o nascituro, que seria privado não apenas da proteção social, como do convívio familiar, já que sua mãe teria de voltar às lavouras após seu nascimento”.
4. Dessa forma, tendo em vista que a prova testemunhal colhida nos autos corrobora a pretensão da autora e, ainda, que o INSS não trouxe aos autos outros documentos aptos a desconstituir a qualidade de segurada especial da parte, deve ser deferido o benefício de salário-maternidade, nos termos da sentença.
5. Apelação do INSS desprovida.
ACÓRDÃO
Decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF.
Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ
Relator