
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:MARIZA IHPROXO KRAHO
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: PEDRO LIMA DE SOUZA JUNIOR - TO7894-A e MAYARA ROSE VIEIRA SANTOS AMOURY - TO5613-A
RELATOR(A):URBANO LEAL BERQUO NETO

Gab. 25 - DESEMBARGADOR FEDERAL URBANO LEAL BERQUÓ NETO
PROCESSO: 1003852-54.2022.4.01.9999 PROCESSO REFERÊNCIA: 0003478-79.2020.8.27.2720
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:MARIZA IHPROXO KRAHO
REPRESENTANTES POLO PASSIVO: PEDRO LIMA DE SOUZA JUNIOR - TO7894-A e MAYARA ROSE VIEIRA SANTOS AMOURY - TO5613-A
RELATOR: URBANO LEAL BERQUO NETO
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação interposta pelo INSS em face de sentença que julgou procedente a pretensão contida na ação para concessão de benefício de salário-maternidade de trabalhadora rural indígena, segurada especial, em razão do nascimento da criança Nailza Cupêkwyj Krahô, ocorrido em 23.03.2015.
Em suas razões, requer a reforma da sentença para que seja julgado improcedente o pedido, ao argumento de que a autora não faz jus ao benefício pleiteado, posto que inexiste prova nos autos da sua condição de segurada especial e, pelo fato de que a autora contava, ao tempo do parto, com apenas 12 anos de idade, o que seria vedado, já que somente a partir dos dezesseis anos de idade se adquiri a qualidade de segurada.
Oportunizado, o lado recorrido apresentou contrarrazões.
Com vistas dos autos, o Ministério Público Federal exarou parecer favorável a pretensão autoral, pugnando pelo não provimento do recurso do INSS.
É o relatório.

Gab. 25 - DESEMBARGADOR FEDERAL URBANO LEAL BERQUÓ NETO
PROCESSO: 1003852-54.2022.4.01.9999 PROCESSO REFERÊNCIA: 0003478-79.2020.8.27.2720
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:MARIZA IHPROXO KRAHO
REPRESENTANTES POLO PASSIVO: PEDRO LIMA DE SOUZA JUNIOR - TO7894-A e MAYARA ROSE VIEIRA SANTOS AMOURY - TO5613-A
RELATOR: URBANO LEAL BERQUO NETO
V O T O
Presentes os pressupostos recursais, conheço do recurso.
Mister a depuração, de pronto, do cerne da pretensão, ora vertida em base recursal, lembrando que se trata de conflito de interesses condizente ao benefício de salário-maternidade de trabalhadora rural indígena, segurada especial, em que o recorrente sustenta o desacerto do julgado por considerar que inexiste condição de segurada especial da autora que contava com 12 anos de idade ao tempo do parto.
Quanto ao mérito, o benefício de salário-maternidade é devido à segurada especial que atender aos requisitos estabelecidos na Lei 8.213/91 (art. 25, III) e no § 2º do art. 93 do Regulamento aprovado pelo Decreto 3.048/99: exercício de atividade rural nos últimos dez meses imediatamente anteriores à data do parto ou do requerimento do benefício, quando requerido antes do parto, mesmo que de forma descontínua.
A concessão do benefício pleiteado pela parte autora, portanto, exige a demonstração do trabalho rural, em regime de subsistência, no prazo mínimo de 10 (dez) meses, ainda que descontínuos, mediante início razoável de prova material, corroborada com prova testemunhal, ou prova documental plena, inadmissível a prova exclusivamente testemunhal.
O INSS reconhece os direitos previdenciários a indígenas, na qualidade de segurados especiais, em razão das atividades rurícolas e de caça e pesca. Assim, o salário-maternidade é devido às mulheres indígenas de forma congênere ao da segurada especial que exerce atividade rural em regime de economia familiar.
Em reforço, verifica-se que este é o entendimento empregado pelo recorrente que concedeu benefício de salário-maternidade à autora em decorrência do nascimento de outros filhos, tendo negado o benefício objeto do presente processo sob o argumento da ausência de qualidade de segurada.
E neste ponto, a propósito, verifica-se que a sentença encontra-se bem fundamentada, com análise do conteúdo probatório dos autos que comprovam que a autora faz jus ao benefício em questão, razão pela qual deverá ser mantida, pois além de razoável, proporcional e ampla é suficientemente harmônica frente ao contexto fático-jurídico, cuja fundamentação é aqui invocada per relationem, em prestígio à atividade judicante do 1º grau de Jurisdição. Vejamos:
Cuida-se de demanda por meio da qual se pretende a concessão de salário-maternidade à Requerente relativamente ao nascimento da filha NAILZA CUPÊKWY KRAHÔ, nascida em 23/03/2015.
Dispõe o art. 71 da Lei 8.213/91 que “o salário maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data da ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade”.
Outrossim, o salário-maternidade é devido à segurada especial desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, nos 10 (dez) meses imediatamente anteriores à data do parto ou do requerimento do benefício, quando requerido antes do parto, mesmo que de forma descontínua (Lei de Benefícios, art. 25, inciso III, c/c art. 93, §2º do Decreto 3.048/99).
(...)
Compulsando os autos, verifica-se que foram acostados como início de prova material do cumprimento do período de carência relativo à condição de segurada especial os seguintes documentos que indicam o exercício de atividades laborais ligadas ao meio rural, tendo em vista que o rol do art. 106 da Lei nº 8.213/91 é meramente exemplificativo:
Certidão de Exercício de Atividade Rural nº 80/12/2019, expedida em 11/12/2019 pela FUNAI, informando que a autora, no período de 22/03/2015 a 13/06/2018, exerceu atividade rural em regime de economia familiar (evento 9 - PROCADM4, pag. 30).
Sublinhe-se que, de acordo com a Instrução Normativa do INSS nº 77/2015, considera-se comprovada a atividade rural do indígena pela certidão da Fundação Nacional do Índio – FUNAI. In verbis:
Art. 39. São considerados segurados especiais o produtor rural e o pescador artesanal ou a este assemelhado, desde que exerçam atividade rural individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros.
[...]
§ 4º Enquadra-se como segurado especial o indígena reconhecido pela Fundação Nacional do Índio - FUNAI, inclusive o'artesão que utilize matéria-prima proveniente de extrativismo vegetal,desde que atendidos os demais requisitos constantes no inciso V do art. 42, independentemente do local onde resida ou exerça suas atividades,sendo irrelevante a definição de indígena aldeado, não-aldeado,em vias de integração, isolado ou integrado, desde que exerça atividade rural individualmente ou em regime de economia familiar e faça dessas atividades o principal meio de vida e de sustento. (grifo não original).
(...)
De igual modo, a prova oral colhida foi robusta o suficiente para confirmar as declarações da Requerente sobre a atividade campesina em regime de economia familiar de subsistência de que trata o artigo 11, VII, § 1º da Lei 8.213/91, pelo período correspondente à carência exigida.
Com efeito, a testemunha Joana Dias de Souza (evento 47) afirmou, em síntese:
Que conhece a autora. Que a autora nasceu na Aldeia Cachoeira e vive lá até hoje. Que eles vivem da roça. Que os filhos da autora também nasceram na aldeia. Que conhece eles desde que começou a trabalhar na FUNAI, que se aposentou em 2019.
(...)
Por consectário lógico, sem mais delongas, conclui-se que a parte autora tem direito aos benefícios previdenciários de salário-maternidade, na condição de segurada especial, a partir da data do parto do filho, isto é, DIB em 23/03/2015 (evento 01 – PROCADM5, pág. 29) pelo prazo de 120 dias (art. 71 da Lei de Benefícios).
Registra-se, por oportuno, que o apelante não impugnou especificamente nenhum argumento e/ou documento/prova relacionados pelo julgador monocrático, tampouco trouxe qualquer argumentos capaz de demonstrar o desacerto do julgador.
Desse modo, a sentença de primeiro grau se encontra bem fundamentada quanto à análise de todo o conjunto probatório e não existem elementos nos autos que possa infirmar o quanto ali consignado, restando claro que a irresignação do INSS se sustenta, unicamente, no fato de que a autora, ao tempo do parto, era menor de dezesseis anos, pois contava com 12 anos de idade.
Ocorre, no entanto, que nos termos da jurisprudência deste TRF da 1ª Região e do STJ, é possível reconhecer o direito ao benefício previdenciário à mãe indígena menor de 16 anos, uma vez que a vedação constitucional ao trabalho ao menor de 16 anos, constante do art. 7º, XXXIII da CF/88, é norma de garantia do trabalhador, que visa à proteção da criança, não podendo ser interpretada em seu desfavor quando efetivamente comprovada a atividade rural.
Neste sentido, oportuno a transcrição do julgado do Colendo Superior Tribunal de Justiça:
PREVIDENCIÁRIO. (...). SALÁRIO-MATERNIDADE. TRABALHADORA RURAL MENOR DE 16 ANOS. ATIVIDADE CAMPESINA COMPROVADA. ART. 11, VII, c, § 6º. DA LEI 8.213/91. CARÁTER PROTETIVO DO DISPOSITIVO LEGAL. NORMA DE GARANTIA DO MENOR NÃO PODE SER INTERPRETADA EM SEU DETRIMENTO. IMPERIOSA PROTEÇÃO DA MATERNIDADE, DO NASCITURO E DA FAMÍLIA. DEVIDA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. RECURSO ESPECIAL DO INSS DESPROVIDO. 1. O sistema de Seguridade Social, em seu conjunto, tem por objetivo constitucional proteger o indivíduo, assegurando seus direitos à saúde, assistência social e previdência social; traduzindo-se como elemento indispensável para garantia da dignidade humana. 2. A intenção do legislador infraconstitucional ao impor o limite mínimo de 16 anos de idade para a inscrição no RGPS era a de evitar a exploração do trabalho da criança e do adolescente, ancorado no art. 7º., XXXIII da Constituição Federal. 3. Esta Corte já assentou a orientação de que a legislação, ao vedar o trabalho infantil, teve por escopo a sua proteção, tendo sido estabelecida a proibição em benefício do menor e não em seu prejuízo, aplicando-se o princípio da universalidade da cobertura da Seguridade Social. 4. Desta feita, não é admissível que o não preenchimento do requisito etário para filiação ao RGPS, por uma jovem impelida a trabalhar antes mesmo dos seus dezesseis anos, prejudique o acesso ao benefício previdenciário, sob pena de desamparar não só a adolescente, mas também o nascituro, que seria privado não apenas da proteção social, como do convívio familiar, já que sua mãe teria de voltar às lavouras após seu nascimento. 5. Nessas condições, conclui-se que, comprovado o exercício de trabalho rural pela menor de 16 anos durante o período de carência do salário-maternidade (10 meses), é devida a concessão do benefício. (...)” (1ª Turma do STJ, REsp nº 1.440.024/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe 28/08/2015.) Sem grifos no original
Não se admite, portanto, que o benefício seja indeferido pelo não preenchimento do requisito etário para filiação ao RGPS, prejudicando o acesso ao benefício previdenciário e desamparando não só a adolescente, ora autora, como também o nascituro, que seria privado, a um só tempo, da proteção social e do convívio familiar, posto que sua genitora seria compelida a voltar às lavouras após o nascimento, o que prejudicaria o fortalecimento de vínculos, os cuidados na primeira infância e colocaria o nascituro em situação de risco.
Posto isto, NEGO PROVIMENTO ao recurso interposto pelo INSS, nos termos da fundamentação supra.
Em razão do não provimento recursal, fixo os honorários de sucumbência em 11% do valor da condenação, eis que majoro em um ponto percentual o parâmetro fixado na origem.
É o voto.
Desembargador Federal URBANO LEAL BERQUÓ NETO
Relator

Gab. 25 - DESEMBARGADOR FEDERAL URBANO LEAL BERQUÓ NETO
PROCESSO: 1003852-54.2022.4.01.9999 PROCESSO REFERÊNCIA: 0003478-79.2020.8.27.2720
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:MARIZA IHPROXO KRAHO
REPRESENTANTES POLO PASSIVO: PEDRO LIMA DE SOUZA JUNIOR - TO7894-A e MAYARA ROSE VIEIRA SANTOS AMOURY - TO5613-A
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. TRABALHADORA RURAL INDÍGENA. SEGURADA ESPECIAL. SEGURADA MENOR DE 16 ANOS DE IDADE. NORMA DE GARANTIA DO MENOR. VEDADA INTERPRETAÇÃO DESFAVORÁVEL. PROTEÇÃO DA MATERNIDADE DO NASCITURO E DA FAMÍLIA.
1. O benefício de salário-maternidade é devido à segurada especial que atender aos requisitos estabelecidos na Lei 8.213/91 (art. 25, III) e no § 2º do art. 93 do Decreto 3.048/99. A demonstração do trabalho rural no prazo mínimo de 10 (dez) meses, ainda que descontínuos, deve ser comprovado mediante início razoável de prova material, corroborada com prova testemunhal, ou prova documental plena, inadmissível a prova exclusivamente testemunhal (STJ, Súmula 149; TRF/1ª Região, Súmula 27), caso externado neste particular.
2. O INSS reconhece os direitos previdenciários a indígenas, na qualidade de segurados especiais, em razão das atividades rurícolas e de caça e pesca. Assim, o salário-maternidade é devido às mulheres indígenas de forma congênere ao da segurada especial que exerce atividade rural em regime de economia familiar.
3. Nos termos da jurisprudência deste TRF da 1ª Região e do STJ, é possível reconhecer o direito ao benefício previdenciário à mãe indígena menor de 16 anos, uma vez que a vedação constitucional ao trabalho ao absolutamente incapaz, constante do art. 7º, XXXIII da CF/88, é norma de garantia do trabalhador, que visa à proteção da criança, não podendo ser interpretada em seu desfavor quando efetivamente comprovada a atividade rural.
4. Não se admite, portanto, que o benefício seja indeferido pelo não preenchimento do requisito etário para filiação ao RGPS, prejudicando o acesso ao benefício previdenciário e desamparando não só a adolescente como também o nascituro, que seria privado, a um só tempo, da proteção social e do convívio familiar, posto que sua genitora seria compelida a voltar às lavouras após o nascimento, o que prejudicaria o fortalecimento de vínculos, os cuidados na primeira infância e colocaria o nascituro em situação de risco.
5. Apelação que se nega provimento.
A C Ó R D Ã O
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO à apelação interposta, nos termos do voto do relator.
Desembargador Federal URBANO LEAL BERQUÓ NETO
Relator