
POLO ATIVO: LUCINEIA AMARO DOS SANTOS
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: LENNON FERNANDES CARDOSO - GO45697
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR(A):RUI COSTA GONCALVES

Gab. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
R E L A T Ó R I O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pela parte autora contra sentença que julgou improcedente seu pedido de concessão do benefício de salário-maternidade na condição de segurada especial. Em suas razões alegou apresentar os requisitos legais para concessão do benefício e requereu a procedência do pedido.
Sem contrarrazões do INSS.
É o relatório.

Processo Judicial Eletrônico
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
V O T O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES (RELATOR):
Pressupostos e recebimento da apelação
Presente os pressupostos de admissibilidade, recebo a apelação em seu duplo efeito, nos termos dos arts. 1.011 e 1.012, ambos do CPC.
O efeito devolutivo da apelação consagra o princípio tantum devolutum quantum appellatum e transfere ao Tribunal apenas o exame da matéria impugnada no recurso, nos termos dos arts. 1.002 e 1.013 do CPC/2015.
Requisitos jurídicos
O objeto da presente demanda é o instituto do salário-maternidade, previsto no artigo 7º da Constituição Federal, que, em seu inciso XVIII, aduz que é devido “licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias”.
O Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento das ADIs 2.110 e 2.111 declarou a inconstitucionalidade da exigência de carência para a fruição de salário-maternidade, prevista no art. 25, inc. III, da Lei nº 8.213/1991, na redação dada pelo art. 2º da Lei nº 9.876/1999. A exigência de cumprimento de carência apenas para algumas categorias de trabalhadoras, como era o caso das trabalhadoras rurais (seguradas especiais) e das seguradas contribuintes individuais e facultativas, violava o princípio da isonomia, de modo que se estabeleceu critérios de interpretação judicial mais benéfico quanto aos meses necessários à implementação da carência.
Assim, no julgamento da ADI 2.110, o STF, por maioria, com base no voto do ministro Edson Fachin, declarou a inconstitucionalidade da norma que passou a exigir carência de 10 meses de contribuição para a concessão do salário-maternidade para as trabalhadoras autônomas (contribuintes individuais), para as trabalhadoras rurais (seguradas especiais) e para as contribuintes facultativas. Para os ministros que acompanharam o voto vencedor em comento, a exigência de cumprimento de carência apenas para algumas categorias de trabalhadoras viola o princípio da isonomia. Consta da certidão do julgamento da ADI 2.110, no que se refere ao salário-maternidade, o seguinte (original sem destaque): "Decisão: O Tribunal, por maioria, conheceu parcialmente das ADIs 2.110 e 2.111 e, na parte conhecida, (a) julgou parcialmente procedente o pedido constante da ADI 2.110, para declarar a inconstitucionalidade da exigência de carência para a fruição de salário-maternidade, prevista no art. 25, inc. III, da Lei nº 8.213/1991, na redação dada pelo art. 2º da Lei nº 9.876/1999, vencidos, nesse ponto, os Ministros Nunes Marques (Relator), Alexandre de Moraes, André Mendonça, Cristiano Zanin e Gilmar Mendes; e (b) julgou (...)".
Portanto, a concessão do benefício previdenciário intitulado salário-maternidade depende tão somente da comprovação da qualidade de segurado(a) do(a) requerente e observância dos demais requisitos legais da legislação de regência (arts. 71 e conexos da Lei 8.213/1991 e § 2º do art. 93 do Regulamento aprovado pelo Decreto 3.048/1999).
Situação tratada
Houve requerimento administrativo em 05/10/2019 (rolagem única PJe/TRF-1, p. 57/58).
A autora postula o benefício de salário-maternidade em decorrência do nascimento de seu filho, ocorrido em 5/9/2019, conforme certidão de nascimento anexada (rolagem única PJe/TRF-1, p. 17 - consta no referido documento o registro da qualificação profissional do genitor como lavrador). A requerente anexou ainda, dentre outros documentos, sua certidão de casamento (2018), constando o registro de qualificação profissional do cônjuge da autora como lavrador.
Quanto aos documentos de registros civis que indicam a qualificação profissional do cônjuge como trabalhador rural, o STJ entende que tais documentos consubstanciam início de prova material, se amparada por robusta prova testemunhal. Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. VALIDADE DOS DOCUMENTOS DE REGISTROS CIVIS. COMPLEMENTAÇÃO COM ROBUSTA PROVA TESTEMUNHAL. EFICÁCIA PROBATÓRIA QUE ALCANÇA OS PERÍODOS ANTERIOR E POSTERIOR À DATA DO DOCUMENTO. PEDIDO DE SUSPENSÃO DO FEITO. REPETITIVO COM TESE DIVERSA.
1. O labor campesino, para fins de percepção de aposentadoria rural por idade, deve ser demonstrado por início de prova material e ampliado por prova testemunhal, ainda que de maneira descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento, pelo número de meses idêntico à carência.
2. São aceitos, como início de prova material, documentos de registros civis que apontem o efetivo exercício de labor no meio rural, tais como certidões de casamento, de nascimento de filhos e de óbito. desde complementada com robusta e idônea prova testemunhal.
3. No julgamento do Resp 1.348.633/SP, da relatoria do Ministro Arnaldo Esteves Lima, submetido ao rito do art. 543-C do CPC, esta Corte, examinando a matéria concernente à possibilidade de reconhecimento do período de trabalho rural anterior ao documento mais antigo apresentado, consolidou o entendimento de que a prova material juntada aos autos possui eficácia probatória tanto para o período anterior quanto para o posterior à data do documento, desde que corroborado por robusta prova testemunhal.
4. São distintas as questões discutidas no recurso representativo da controvérsia apontado pelo INSS ( REsp 1.354.980/SP) e no presente feito. Neste recurso discute-se a necessidade de o início de prova material ser contemporâneo ao período imediatamente anterior ao requerimento administrativo para fins de concessão de aposentadoria a trabalhador rural. Já no recurso especial apontado pelo INSS a questão decidida não se refere especificamente à contemporaneidade dos documentos apresentados.
5. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no AREsp n. 329.682/PR, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 15/10/2015, DJe de 29/10/2015.)
Ressalte-se o entendimento manifestado no julgamento REsp 267.355/MS, relatado pelo Ministro Jorge Scartezzini, publicado no DJ 20.11.2000: “A qualificação profissional de lavrador ou agricultor do marido, constante dos assentamentos de registro civil, é extensível à esposa, e constitui indício aceitável de prova material do exercício da atividade rural...”.
Ainda, verifica-se que as demais provas anexadas estão em harmonia com o início de prova material apresentado.
Outrossim, no CNIS da autora (rolagem única PJe/TRF-1, p. 41/42), não consta a existência de vínculos laborais urbanos.
Já quanto aos vínculos laborais urbanos desempenhados pelo cônjuge da autora, esses são longínquos e não afastam a eficácia probatória dos documentos trazidos pela autora.
Outrossim, em audiência, perguntada se o cônjuge era empregado na fazenda, a autora, embora tenha respondido positivamente, em seguida afirmou que a carteira de trabalho dele não era assinada e que metade da produção era do proprietário e a outra metade destina ao sustento do seu grupo familiar. Assim, tal relação de trabalho em nada se enquadra com a relação de emprego prevista na CLT e, portanto, não afasta a qualidade de segurado especial pleiteada.
A prova testemunhal corroborou os documentos acostados aos autos e atesta a atividade rural desempenhada pela parte autora.
Acrescente-se que o INSS não apresentou provas acerca da existência de fato impeditivo, extintivo ou modificativo do direito do autor, não se desincumbindo de seu ônus probatório, nos termos do art. 373, II, do CPC.
Assim, presente a qualidade de segurada especial e comprovada ocorrência do fato gerador, constata-se que a autora faz jus à concessão do salário-maternidade.
Data inicial do benefício
Nos termos da Lei 8.213/91, art. 49, I, “b”, o benefício previdenciário vindicado é devido a partir da data do requerimento administrativo, observada a prescrição quinquenal. Em caso de ausência de tal requerimento, o benefício será devido a contar da citação. No caso, a DIB é a data do requerimento administrativo (Recurso Especial Representativo de Controvérsia. Art. 543-C do CPC. REsp 1369165/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 26/02/2014, DJe 07/03/2014).
Consectários
A correção monetária pela TR, na forma do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, nas condenações impostas à Fazenda Pública, foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, oportunidade em que a Corte Constitucional entendeu ser legítima a atualização monetária pelo IPCA-E (Repercussão Geral no RE nº 870.947/SE).
Os juros de mora, nas condenações oriundas de relação jurídica não tributária, devem ser fixados segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009) (Repercussão Geral no RE n. 870.947/SE).
Dessa forma, a correção monetária e os juros de mora, a incidir sobre as parcelas vencidas, devem ocorrer de acordo com o Manual de Cálculo da Justiça Federal, atendendo aos parâmetros estabelecidos no julgamento do RE-RG nº 870.947/SE (Tema 810) e do REsp nº 1.495.146/MG (Tema 905).
Dos honorários sucumbenciais
Inverto os honorários sucumbenciais arbitrados pelo juízo a quo, a teor do disposto no art. 85, §§ 2º, 3º e 11º do CPC, devendo-se observar teor da súmula 111, do STJ.
Honorários recursais
Nos termos do julgamento do REsp 1.864.633/RS, que tramitou sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.059 do STJ), a majoração dos honorários de sucumbência pressupõe que o recurso tenha sido integralmente desprovido ou não conhecido pelo tribunal, desse modo, não se aplica o art. 85, § 11, do CPC ao caso dos autos.
Conclusão
Ante o exposto, dou provimento à apelação da autora, para que o INSS lhe conceda o benefício de salário-maternidade, nos termos da fundamentação supra.
É o voto.

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
GAB. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1001315-51.2023.4.01.9999
PROCESSO REFERÊNCIA: 5311056-34.2021.8.09.0154
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: LUCINEIA AMARO DOS SANTOS
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. TRABALHADORA RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO POR PROVA TESTEMUNHAL. QUALIDADE DE SEGURADA E FATO GERADOR DEMONSTRADOS. REQUISITOS LEGAIS COMPROVADOS. ADI N. 2.110 E N. 2.111. SENTENÇA REFORMADA. APELAÇÃO DA AUTORA PROVIDA.
1. O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte dias), com início no período entre vinte e oito dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade.
2. O Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento das ADIs 2.110 e 2.111 declarou a inconstitucionalidade da exigência de carência para a fruição de salário-maternidade, prevista no art. 25, inc. III, da Lei nº 8.213/1991, na redação dada pelo art. 2º da Lei nº 9.876/1999. A exigência de cumprimento de carência apenas para algumas categorias de trabalhadoras (contribuintes individuais, seguradas especiais e contribuintes facultativas), violava o princípio da isonomia, de modo que se estabeleceu critérios de interpretação judicial mais benéfico quanto aos meses necessários à implementação da carência.
4. Demonstrados o nascimento e a qualidade de segurada anterior ao parto, a autora faz jus ao benefício de salário-maternidade.
5. Não se aplica o art. 85, § 11, do CPC ao caso dos autos, tendo em vista o que foi decidido no Tema 1.059/STJ.
6. Apelação da autora provida, para que o INSS lhe conceda o benefício de salário-maternidade.
A C Ó R D Ã O
Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF, data da sessão de julgamento.
Desembargador Federal RUI GONÇALVES
Relator
