
POLO ATIVO: RAYANE DOS SANTOS MIRANDA
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: CAMILA CANTALAMESSA DA SILVA - TO8860-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR(A):RUI COSTA GONCALVES

Gab. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
R E L A T Ó R I O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pela parte autora em face de sentença que julgou improcedente o pedido de concessão do benefício de salário maternidade.
Em suas razões, a autora alegou preencher os requisitos para concessão do benefício. Requereu a reforma da sentença para julgar procedente o pedido. Alternativamente, requereu a anulação da sentença.
Sem contrarrazões do INSS.
É o relatório.

Processo Judicial Eletrônico
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
V O T O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES (RELATOR):
Pressupostos e recebimento da apelação
Presente os pressupostos de admissibilidade, recebo a apelação em seu duplo efeito, nos termos dos arts. 1.011 e 1.012, ambos do CPC.
O efeito devolutivo da apelação consagra o princípio tantum devolutum quantum appellatum e transfere ao Tribunal apenas o exame da matéria impugnada no recurso, nos termos dos arts. 1.002 e 1.013 do CPC/2015.
Requisitos jurídicos
O objeto da presente demanda é o instituto do salário-maternidade, previsto no artigo 7º da Constituição Federal, que, em seu inciso XVIII, aduz que é devido “licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias”.
O Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento das ADIs 2.110 e 2.111 declarou a inconstitucionalidade da exigência de carência para a fruição de salário-maternidade, prevista no art. 25, inc. III, da Lei nº 8.213/1991, na redação dada pelo art. 2º da Lei nº 9.876/1999. A exigência de cumprimento de carência apenas para algumas categorias de trabalhadoras, como era o caso das trabalhadoras rurais (seguradas especiais) e das seguradas contribuintes individuais e facultativas, violava o princípio da isonomia, de modo que se estabeleceu critérios de interpretação judicial mais benéfico quanto aos meses necessários à implementação da carência.
Assim, no julgamento da ADI 2.110, o STF, por maioria, com base no voto do ministro Edson Fachin, declarou a inconstitucionalidade da norma que passou a exigir carência de 10 meses de contribuição para a concessão do salário-maternidade para as trabalhadoras autônomas (contribuintes individuais), para as trabalhadoras rurais (seguradas especiais) e para as contribuintes facultativas. Para os ministros que acompanharam o voto vencedor em comento, a exigência de cumprimento de carência apenas para algumas categorias de trabalhadoras viola o princípio da isonomia. Consta da certidão do julgamento da ADI 2.110, no que se refere ao salário-maternidade, o seguinte (original sem destaque): "Decisão: O Tribunal, por maioria, conheceu parcialmente das ADIs 2.110 e 2.111 e, na parte conhecida, (a) julgou parcialmente procedente o pedido constante da ADI 2.110, para declarar a inconstitucionalidade da exigência de carência para a fruição de salário-maternidade, prevista no art. 25, inc. III, da Lei nº 8.213/1991, na redação dada pelo art. 2º da Lei nº 9.876/1999, vencidos, nesse ponto, os Ministros Nunes Marques (Relator), Alexandre de Moraes, André Mendonça, Cristiano Zanin e Gilmar Mendes; e (b) julgou (...)".
Portanto, a concessão do benefício previdenciário intitulado salário-maternidade depende tão somente da comprovação da qualidade de segurado(a) do(a) requerente e observância dos demais requisitos legais da legislação de regência (arts. 71 e conexos da Lei 8.213/1991 e § 2º do art. 93 do Regulamento aprovado pelo Decreto 3.048/1999).
Situação tratada
Houve requerimento administrativo em 10/4/2021 (rolagem única PJe/TRF-1, p. 37).
A autora postula o benefício de salário-maternidade em decorrência do nascimento de seu filho, ocorrido em 30/5/2016, conforme certidão de nascimento anexada (rolagem única PJe/TRF-1, p. 40/41 - consta no referido documento o registro da qualificação profissional do genitore da criança como lavrador).
O STJ possui o entendimento de que a certidão de nascimento da criança contendo a qualificação profissional de alguns de seus genitores como lavrador constitui início de prova material para fins de concessão de salário-maternidade. Ademais, a eficácia probatória de tal documento pode retroagir ou ser postergada para data posterior. Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. OFENSA AO ART. 1.022 DO CPC/2015 INEXISTENTE. CONTRARIEDADE AO ART. 333, I, DO CPC. RECURSO DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF. ATIVIDADE RURAL. RECONHECIMENTO. INÍCIO RAZOÁVEL DE PROVA MATERIAL. PROVA TESTEMUNHAL. PERÍODO DE CARÊNCIA. COMPROVAÇÃO. ALTERAÇÃO DO JULGADO QUE DEMANDA REEXAME DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.
1. Inexiste a alegada negativa de prestação jurisdicional, visto que a Corte de origem apreciou todas as questões relevantes ao deslinde da controvérsia de modo integral e adequado, não padecendo o acórdão recorrido de qualquer omissão, contradição, obscuridade ou erro material. 2. A falta de impugnação caracteriza deficiência na motivação do Recurso Especial, o que impede o conhecimento do recurso, na esteira do enunciado da Súmula 284 do STF. 3. Consoante jurisprudência do STJ, "o registro civil de nascimento é documento hábil para comprovar a condição de rurícola da mãe, para efeito de percepção do benefício previdenciário de salário-maternidade. A propósito: 'É considerado início razoável de prova material o documento que seja contemporâneo à época do suposto exercício de atividade profissional, como a certidão de nascimento da criança" (AgRg no AREsp 455.579/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 6.5.2014)".
4. No tocante à contemporaneidade da prova material, o STJ, no julgamento do Recurso Especial 1.348.633/SP, processado sob o rito dos recursos repetitivos, consolidou o entendimento de que a prova material juntada aos autos possui eficácia probatória tanto para o período anterior quanto para o posterior à data do documento, desde que corroborado por robusta prova testemunhal.
5. Seguindo a linha de posicionamento firmado pelo STJ, o Tribunal a quo considerou que a autora demonstrou os requisitos para a concessão do benefício de salário-maternidade. A inversão do julgado exige nova incursão na seara fático-probatória dos autos, o que encontra óbice na Súmula 7/STJ.
6. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido.
(REsp n. 1.724.805/RS, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 10/4/2018, DJe de 25/5/2018.)
Os documentos anexados pela parte autora estão em nome do genitor da criança, tendo o INSS juntado aos autos o CNIS dele (rolagem única Pje/TRF-1, p. 133) em que consta a existência de vínculos laborais urbanos, situação apta a afastar a eficácia probatória pretendida. Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR RURAL. DESCARACTERIZAÇÃO. AGRAVO RETIDO. RITO SUMÁRIO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. VÍNCULOS URBANOS. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. IMPOSSIBILIDADE. 1. Admite-se o processamento de ações relativas à concessão de aposentadoria por idade de trabalhador rural pelo procedimento sumário. Precedentes desta Corte. 2. Para a aposentadoria de rurícola, a lei exige idade mínima de 60 (sessenta) anos para o homem e 55 (cinquenta e cinco) anos para a mulher, requisito que, in casu, está comprovado nos autos. 3. Ausência de comprovação do exercício de atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício (art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei n. 8.213/91), tendo em vista que consta dos autos documentos (CNIS - Cadastro Nacional de Informações Sociais) no sentido de que o cônjuge da autora exerceu atividades tipicamente urbanas por período considerável, ocasionando a impossibilidade de concessão do benefício pleiteado, uma vez que apresentou documentos em nome do marido, e o único, em nome da autora, não é contemporâneo aos fatos alegados. 4. A juntada de documentos pelo INSS na fase recursal não gera preclusão, uma vez que não houve ofensa ao devido processo legal e a parte teve a oportunidade de se manifestar após a sua juntada. 5. Não se admite prova exclusivamente testemunhal para a comprovação do exercício de atividade rural (Súmulas 149/STJ e 27/TRF da 1ª Região). 6. Agravo retido não provido. 7. Apelação do INSS e remessa oficial providas.
(AC 0002098-31.2006.4.01.9199, JUÍZA FEDERAL ANAMARIA REYS RESENDE (CONV.), TRF1 - SEGUNDA TURMA, e-DJF1 06/08/2009 PAG 270.)
Ainda, analisando os demais documentos anexados, constata-se que eles não gozam de formalidades suficientes a ensejar segurança jurídica para os fins probatórios visados pela parte autora pois demonstram tão somente a posse/propriedade/domínio de imóvel rural ou são declarações unilaterais. Nesse sentido a Jurisprudência:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. SALÁRIO-MATERNIDADE. TRABALHADORA RURAL. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL DO PERÍODO DE CARÊNCIA. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. INADMISSIBILIDADE. APELAÇÃO DO INSS PROVIDA. 1. O benefício de salário-maternidade é devido à segurada especial que atender aos requisitos estabelecidos na Lei 8.213/91 (art. 25, III) e no § 2º do art. 93 do Decreto 3.048/99. A demonstração do trabalho rural no prazo mínimo de 10 (dez) meses, ainda que descontínuos, deve ser realizada mediante início razoável de prova material, corroborada com prova testemunhal, ou prova documental plena, inadmissível a prova exclusivamente testemunhal (STJ, Súmula 149; TRF-1ª Região, Súmula 27). 2. Não servem como início de prova material do labor rural durante o período da carência, pois não revestidos das formalidades legais para comprovar a autenticidade, a segurança jurídica e quando tiverem sido confeccionados em momento próximo ao ajuizamento da ação ou à data do nascimento da criança. A certidão eleitoral (retificável a qualquer tempo) com anotação indicativa da profissão de rurícola, certidão de nascimento da criança e/ou certidão de casamento sem qualificação profissional, prontuários médicos, cartão da gestante, cartão de vacinas, carteira e ficha de filiação a sindicato de trabalhadores rurais, desacompanhado dos recolhimentos, CTPS sem anotações de vínculos rurais, documentos de terras em nome de terceiros, bem como declaração de terceiros. 3. O pleito encontra óbice na ausência de início de prova material, pois não ficou comprovado o exercício de atividade rural no período de carência (art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei n. 8.213/91), tendo em vista que os documentos apresentados pela autora não são suficientes para comprovar o efetivo exercício campesino em regime de economia familiar. 4. A autora postula o benefício de salário-maternidade em decorrência do nascimento de seu filho, ocorrido em 11/03/2016 certidão de nascimento de fl. 21, sem qualificação profissão dos genitores, e, com o propósito de comprovar a sua condição de trabalhadora rural, juntou os seguintes documentos: certidão de nascimento de outro filho sem qualificação profissional dos pais; declaração de atividade rural, emitida pelo sindicato, com data de filiação em 26.04.2018, após o parto da criança; Declaração do proprietário, Sr. José Maria de Sousa, em que autora exerce atividade agrícola, em regime de economia familiar, datada após o parto da criança. 5. O Reconhecimento de tempo de serviço rural exige início razoável de prova material corroborada por prova testemunhal robusta, não sendo admissível prova exclusivamente testemunhal. 6. A coisa julgada opera secundum eventum litis ou secundum eventum probationis, permitindo a renovação do pedido ante novas circunstâncias ou novas provas. 7. Honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, nos termos do art. 85, §§ 2º e 4, III, do CPC, ficando suspensa a execução, enquanto perdurar a situação de pobreza da requerente pelo prazo máximo de cinco anos, quando estará prescrita.. 8. Apelação do INSS provida para julgar improcedente o pedido inicial.
(AC 1002990-83.2022.4.01.9999, DESEMBARGADOR FEDERAL CÉSAR JATAHY, TRF1 - SEGUNDA TURMA, PJe 17/08/2022 PAG.)
Ademais, não é possível a comprovação da atividade laborativa do trabalhador rural com base em prova exclusivamente testemunhal. Nesse sentido:
"Súmula n. 27: Não é admissivel prova exclusivamente testemunhal para reconhecimento de tempo de exercício de atividade urbana e rural (Lei n. 2 8213/91, art. 55, parágrafo 32)."
"Súmula 149, STJ: A prova exclusivamente testemunhal não basta à com provação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário. "
Ausente a qualidade de segurada, a autora não faz jus ao benefício de salário-maternidade.
Segundo a orientação do e. Superior Tribunal de Justiça, em julgamento sob a sistemática dos recursos repetitivos, “a ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários a tal iniciativa" (REsp 1.352.721, Tema 629).
Diante da ausência do requisito legal da prova da qualidade de segurada da parte autora, não é possível a concessão do benefício pleiteado. Portanto, deve ser reformada a sentença que julgou improcedente o pedido, para extinguir o processo, sem resolução de mérito, conforme entendimento do STJ no precedente citado.
Conclusão
Ante o exposto, de ofício, extingo o processo, sem resolução do mérito, e julgo prejudicada a apelação da parte autora.
É o voto.

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
GAB. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1010624-62.2024.4.01.9999
PROCESSO REFERÊNCIA: 0001232-67.2021.8.27.2723
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: RAYANE DOS SANTOS MIRANDA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. TRABALHADORA RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO POR PROVA TESTEMUNHAL. QUALIDADE DE SEGURADA E FATO GERADOR DEMONSTRADOS. REQUISITOS LEGAIS COMPROVADOS. ADI N. 2.110 E N. 2.111. SENTENÇA REFORMADA. APELAÇÃO DA AUTORA PROVIDA
1. O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte dias), com início no período entre vinte e oito dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade.
2. O Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento das ADIs 2.110 e 2.111 declarou a inconstitucionalidade da exigência de carência para a fruição de salário-maternidade, prevista no art. 25, inc. III, da Lei nº 8.213/1991, na redação dada pelo art. 2º da Lei nº 9.876/1999. A exigência de cumprimento de carência apenas para algumas categorias de trabalhadoras (contribuintes individuais, seguradas especiais e contribuintes facultativas), violava o princípio da isonomia, de modo que se estabeleceu critérios de interpretação judicial mais benéfico quanto aos meses necessários à implementação da carência.
3. Os documentos anexados pela parte autora estão em nome do genitor da criança, tendo o INSS juntado aos autos o CNIS dele, constando diversos vínculos laborais urbanos, situação apta a afastar a eficácia probatória pretendida.
4. Ausente a qualidade de segurada, a autora não faz jus ao benefício de salário-maternidade.
5. Processo extinto, sem resolução do mérito, em razão da ausência de início de prova material suficiente para o reconhecimento da qualidade de segurada; apelação da parte autora prejudicada.
A C Ó R D Ã O
Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, extinguir o processo, sem resolução de mérito e julgar prejudicada a apelação, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF, data da sessão de julgamento.
Desembargador Federal RUI GONÇALVES
