
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:ADELAIDE DA SILVA
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: ANDERSON MACOHIN - SC23056-A e THAUANA OLIVEIRA E COSTA NAWA - AC4112-A
RELATOR(A):NILZA MARIA COSTA DOS REIS

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
APELAÇÃO CÍVEL (198)1018588-82.2019.4.01.9999
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS (RELATORA):
Trata-se de apelação interposta pelo INSS, de sentença na qual foi acolhido o pedido inicial de concessão do benefício de salário-maternidade a trabalhadora rural (fls. 72/77).
Em suas razões, o INSS pede o recebimento do seu recurso no efeito suspensivo. No mérito, pleiteia a reforma da sentença para que seja julgado improcedente o pedido, sustentando a impossibilidade de reconhecimento da qualidade de segurado especial ao menor de 16 anos, além da ausência de um início de prova material necessária ao deferimento do benefício (fls.83/92).
Contrarrazões apresentadas,
É o relatório.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
VOTO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS (RELATORA):
O recurso reúne os requisitos de admissibilidade, merecendo ser conhecido.
Observa-se que o recurso de apelação interposto contra a sentença que concede benefício previdenciário – prestação alimentar – deve ser recebido tão somente no efeito devolutivo, especialmente quando não demonstrado risco de lesão grave e de difícil reparação. Além disso, a providência torna-se desarrazoada quando o julgamento do recurso confirma o direito ao benefício e é incabível outro recurso com efeito suspensivo a partir deste julgado.
Mérito.
A Constituição Federal, no artigo 7º, inciso XVIII, garante a licença à gestante, com a duração de 120 (cento e vinte) dias, sem prejuízo do emprego e do salário.
O benefício de salário-maternidade está regulamentado no art. 71 da Lei n. 8.213/91, que assim dispõe:
"Art. 71. O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade."
Em relação à segurada especial, o art. 39, parágrafo único, do mesmo diploma legal, assim estabelece:
"Art. 39. Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do caput do art. 11 desta Lei, fica garantida a concessão:
(...)
Parágrafo único. Para a segurada especial fica garantida a concessão do salário-maternidade no valor de 1 (um) salário mínimo, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, nos 12 (doze) meses imediatamente anteriores ao do início do benefício."
Dessa forma, para a concessão do benefício, sem que haja a necessidade de recolhimento de contribuições previdenciárias, é indispensável a comprovação de efetivo exercício de atividade atribuída legalmente ao segurado especial, assim definida na Lei n. 8.213/91:
"Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:
(...)
VII – como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de:
a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade:
1. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais;
(...)
§ 1º Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes."
A par disso, o aludido dispositivo legal exige a comprovação do efetivo desempenho da atividade em regime de economia familiar, nos moldes nele referidos, o que reivindica a existência de prova material passível de ser confirmada através de robusta prova testemunhal.
No caso do salário-maternidade, o exercício de atividade rural deve ser devidamente comprovado durante o período de carência legalmente indicado para a concessão do benefício.
Das provas – qualidade de segurado
Registre-se que “A jurisprudência pátria, considerando a situação peculiar do trabalhador rural e a dificuldade encontrada por esses trabalhadores em comprovar a atividade rural, em qualquer de suas formas, permite que outros documentos (dotados de fé pública) não especificados em lei, sejam considerados para fins de concessão do benefício previdenciário” (AC 0031039-78.2012.4.01.9199, DESEMBARGADOR FEDERAL PEDRO BRAGA FILHO, TRF1 - SEGUNDA TURMA, PJe 20/03/2023 PAG.).
Ademais, é pacífica a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o rol do art. 106 da Lei n. 8.213/91 tem natureza meramente exemplificativa (AgRG no REsp 1073730/CE), sendo admissíveis, portanto, outros documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, além daqueles nele indicados.
Do caso concreto
De início, nas razões da apelação, a Autarquia alegou que não é cabível a concessão de salário-maternidade para autora, na condição de segurada especial, uma vez que "a Constituição Federal veda o labor ao menor de 16 anos de idade".
O inciso XXXIII do artigo 7º da Constituição Federal estabelece:
"a proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos" (redação dada pela Emenda Constitucional nº 20/1998).
A norma em questão tem caráter protetivo, visando a coibir a exploração do trabalho de crianças e adolescentes, preservando seu direito à educação, ao lazer e à saúde.
Nestes termos, não é cabível que as regras de proteção das crianças e adolescentes sejam utilizadas com o escopo de restringir direitos previdenciários reconhecidos aos demais trabalhadores.
Assim, nos casos em que ocorre a prestação do trabalho por menor de 16 (dezesseis) anos de idade, é preciso assegurar-lhe a proteção do sistema previdenciário.
Neste sentido, conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça, "não é admissível que o não preenchimento do requisito etário para filiação ao RGPS, por uma jovem impelida a trabalhar antes mesmo dos seus dezesseis anos, prejudique o acesso ao benefício previdenciário, sob pena de desamparar não só a adolescente, mas também o nascituro" ; "comprovado o exercício de trabalho rural pela menor de 16 anos durante o período de carência do salário-maternidade (10 meses), é devida a concessão do benefício" (REsp 1440024/RS , Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 18/08/2015, DJe 28/08/2015).
Sendo assim, afasta-se a alegação de que a autora não faz jus ao benefício porque contava menos de 16 (dezesseis) anos de idade no período de carência.
Conforme se observa dos autos, a parte autora ajuizou a presente ação em 10/09/2019, após o indeferimento do seu requerimento administrativo do benefício, apresentando os seguintes documentos: a) cópia da certidão de nascimento do filho, Lucas Leives da Silva, ocorrido em 10/01/2013, sem conter informações sobre a qualificação profissional dos genitores; b) certidão emitida pelo ICMBio, em 14/10/2015, acerca de sua residência na reserva extrativista Chico Mendes, no Seringal Sibéria, município de Xapuri, e do exerício de atividade econômica de extrativismo vegetal; c) certidão eleitoral emitida em 2015; d) ficha de atendimento hospitalar; e) declaração de exercício de atividade rural emitida pelo sindicato dos trabalhadores rurais de Xapuri, em 14/10/2015, e ficha sindical da autora, com data de cadastramento em 12/02/2015.
Verifica-se, todavia, que a certidão de nascimento do filho não faz qualquer menção à profissão dos seus genitores, além de se tratar de documento extemporâneo, já que produzido após o parto.
Os demais documentos que referem o labor rural não nãopossuem força probatória, pois foram emitidos em 2015, e, portanto, em data posterior ao nascimento da criança.
Importa registrar que as declarações particulares, ainda que acompanhadas de registros de propriedades rurais em nome de terceiros, constituem única e exclusivamente prova testemunhal instrumentalizada, não suprindo a indispensabilidade de início de prova material’. (AC 0030638- 45.2013.4.01.9199 / MG, Rel. JUIZ FEDERAL JAMIL ROSA DE JESUS OLIVEIRA (CONV.), PRIMEIRA TURMA, e-DJF1 p.138 de 17/12/2014)
De fato, resta evidenciado nos autos que os documentos apresentados pela parte autora não podem ser considerados um início razoável de prova material da sua condição de segurada especial, a exigir comprovação do efetivo exercício do labor campesino, tornando impossível, como consequência, o reconhecimento do tempo de desenvolvimento dessa atividade apenas e tão-somente através da prova testemunhal, conforme dispõe o enunciado da Súmula n. 149 do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
“A prova exclusivamente testemunhal não basta a comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário”.
Por outro lado, devo registrar que no julgamento do REsp 1352721/SP, em sede de recurso repetitivo, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que “A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa” (REsp n. 1.352.721/SP, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Corte Especial, julgado em 16/12/2015, DJe de 28/4/2016).
Nesse contexto, inexistindo o atendimento de um dos requisitos necessários ao reconhecimento da qualidade de segurada especial, qual seja, o início de prova material da atividade rural exercida, carece a autora de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo.
Com esses fundamentos, julgo extinto o processo, sem resolução do mérito, com base no art. 485, inciso IV, do Código de Processo Civil, e declaro prejudicada a apelação interposta pelo INSS.
É como voto.
Brasília, 24 de julho de 2024.
Desembargadora Federal NILZA REIS
Relatora

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
APELAÇÃO CÍVEL (198)1018588-82.2019.4.01.9999
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
ADELAIDE DA SILVA
Advogados do(a) APELADO: ANDERSON MACOHIN - SC23056-A, THAUANA OLIVEIRA E COSTA NAWA - AC4112-A
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. TRABALHADORA RURAL. MENOR DE 16 ANOS DE IDADE. AUSÊNCIA DE UM INÍCIO DE PROVA MATERIAL DO EFETIVO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE CAMPESINA. IRRELEVÃNCIA DA PROVA TESTEMUNHAL. CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. EXAME DA APELAÇÃO PREJUDICADO.
1. A norma do inciso XXXIII do artigo 7º da Constituição Federal visa a coibir a exploração do trabalho de crianças e adolescentes, preservando seu direito à educação, ao lazer e à saúde. Não é cabível que as regras de proteção das crianças e adolescentes sejam utilizadas com o escopo de restringir direitos previdenciários.
2. A segurada especial definida no art. 39, parágrafo único, da Lei n. 8.213/91, faz jus ao benefício de salário-maternidade, mediante a comprovação do exercício de atividade rural nos últimos 10 (dez) meses imediatamente anteriores ao parto (art. 71 da Lei 8.213/91 e art. 93, § 2º. do Decreto 3.048/99).
3. Não tendo sido apresentado um início razoável de prova material suficiente para a comprovação do efetivo exercício da atividade rural, pelo período de carência legalmente exigido, o direito ao salário-maternidade não se configura, porque o tempo de labor campesino não pode ser reconhecido apenas e tão-somente através da prova testemunhal (Súmula nº 149, Superior Tribunal de Justiça).
4. O Superior Tribunal de Justiça decidiu, em sede de recurso repetitivo, que, nas ações previdenciárias, a ausência de prova a instruir a inicial implica o reconhecimento de ausência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem resolução do mérito, possibilitando à parte autora propor novamente a ação, desde que apresente novos elementos probatórios (Tema 629).
5. Processo julgado extinto, de ofício, sem apreciação do mérito. Exame da apelação do INSS prejudicado.
ACÓRDÃO
Decide a Nona Turma, por unanimidade, extinguir o processo, sem resolução do mérito, dando por prejudicado o exame do recurso de apelação interposto pelo INSS, nos termos do voto da Relatora.
Brasília, 24 de julho de 2024.
Desembargadora Federal NILZA REIS Relatora
