
POLO ATIVO: POLLYANA MORAIS DOS SANTOS
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
RELATOR(A):EULER DE ALMEIDA SILVA JUNIOR

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198): 1018455-06.2020.4.01.9999
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pela parte autora em face de sentença (ID 70359060 - Pág. 1 a 4) que não concedeu salário-maternidade por nascimento de filho próprio à segurada especial.
Sem tutela provisória.
O recurso foi recebido e processado em ambos os efeitos.
Nas razões recursais (ID 70359077 - Pág. 2 a 11), pediu a reforma da sentença para a concessão do benefício, sob a alegação de apresentação de provas idôneas e suficientes para comprovação da atividade rural e qualidade de segurada especial, anterior à data do parto.
Intimado, o recorrido não apresentou contrarrazões.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198): 1018455-06.2020.4.01.9999
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA (RELATOR):
O recurso pode ser conhecido, porque presentes os pressupostos recursais (competência do relator e da turma julgadora, tempestividade, adequação, congruência, dialeticidade e observância das normas pertinentes a eventual preparo recursal).
A concessão do benefício previdenciário intitulado salário-maternidade à segurado especial, que tenha por base atividades rurais, exercidas em regime de economia familiar ou regime equivalente, depende da demonstração, por prova idônea e suficiente (documental e testemunhal), da qualidade de segurado especial e observância dos demais requisitos legais da legislação de regência (arts. 71 e conexos da Lei 8.213/1991 e § 2º do art. 93 do Regulamento aprovado pelo Decreto 3.048/1999).
O entendimento jurisprudencial dominante estabeleceu os seguintes critérios sobre a idoneidade e suficiência probatória do trabalho rural em regime de economia familiar ou equivalente, aplicáveis subsidiariamente à situação do salário-maternidade, observadas as devidas proporções (comparativamente à aposentadoria por idade e outros benefícios): 1) necessidade de produção de prova documental plena ou início de prova material confirmada e complementada pela prova testemunhal (Súmula 149 do STJ e Súmula 27 do TRF1); 2) mitigação da prova documental legal estabelecida no art. 106 da Lei 8.213/1991; 3) utilização de CTPS como prova plena, quando seus dados forem inseridos no CNIS ou demonstrado o recolhimento de contribuições no período, ou como prova relativa, na forma da Súmula 75 da TNU; 4) contemporaneidade temporal ampliada da prova documental, nos termos da Súmula 577 do STJ c/c Súmulas 14 e 34 da TNU e Tese 2, 11 e 17 da TNU; 5) mitigação da dimensão da propriedade em que se deu a atividade (Tese 1115 do STJ e Súmula 30 da TNU); 6) imediatidade da atividade ao tempo abrangido pelo requerimento, respeitado o direito adquirido quanto ao cumprimento pretérito de todas as condições (Tese 642 do STJ e Súmulas 54 e 11 da TNU c/c art. 5º, XXXVI, da CF/88); 7) extensão da prova material da condição de rurícola em nome de membros do grupo familiar convivente, principalmente cônjuge, companheiros e filhos, assim como pai e mãe antes do casamento ou união estável (Súmula 06 da TNU c/c §4º do art. 16 da Lei 8.213/1991), possibilitada a desconsideração da atividade urbana de membro do grupo familiar convivente quando o trabalho rural se apresentar indispensável para a sobrevivência desse grupo familiar (Teses 532 e 533 do STJ e Súmula 41 do TNU); 8) na situação de atividade intercalada, a relativização de concorrência de trabalho urbano breve e descontinuado do próprio beneficiário ou de membros do grupo familiar convivente (Tese 37 da TNU, Tema 301 da TNU e Súmula 46 da TNU); 9) resguardo da atividade especial própria da mulher casada com marido trabalhador urbano ou mantida por pensão alimentícia deste (Tese 23 da TNU). 10) qualificação da atividade conforme a atividade do empregado e não de acordo com o ramo de atividade do empregador (Tese 115 da TNU), o que possibilita a utilização de vínculos formais de trabalho, com exercício de atividades agrárias, como segurado especial; 11) possibilidade de consideração das atividades rurais exercidas por menor de idade em regime de economia familiar, nos termos da Súmula 5 da TNU e da Tese 219 da TNU (entre 12 e 14 anos até o advento da Lei 8.213/1991, e a partir de 14 anos após a referida data); 12) inclusão da situação do “boia-fria” como segurado especial (Tese 554 do STJ); 13) possibilidade de estabelecimento de residência do grupo familiar do segurado especial em aglomerado urbano, fora do local de exercício das atividades agrárias (inciso VII do art. 11 da Lei 8.213/1991, redação dada pela Lei 11.718/2008).
Os critérios jurisprudenciais que implicam interpretação extensiva à legislação de regência deverão ser aplicados com razoável parcimônia, pois, em dado caso concreto, uma única situação excepcional (quando relevante, intensa e abrangente) ou o conjunto de situações excepcionais (ainda que acessórias e menos abrangentes, quando individualmente consideradas) pode descaracterizar a situação de segurado especial em regime de economia familiar.
Possui especial relevância as Teses 11 e 17 da TNU, nos seguintes termos:
Tema 11 da TNU. A exigência de início de prova material contemporânea para concessão do salário-maternidade à segurada especial pode ser flexibilizada.
Tema 17 da TNU. A exigência de início de prova material para concessão do salário-maternidade à segurada especial pode ser flexibilizada.
As referidas teses foram potencializadas no julgamento da ADI 2.110, no qual o STF, por maioria, com base no voto do ministro Edson Fachin, declarou a inconstitucionalidade da norma que passou a exigir carência de 10 meses de contribuição para a concessão do salário-maternidade para as trabalhadoras autônomas (contribuintes individuais), para as trabalhadoras rurais (seguradas especiais) e para as contribuintes facultativas. Para os ministros que acompanharam o voto vencedor em comento, a exigência de cumprimento de carência apenas para algumas categorias de trabalhadoras viola o princípio da isonomia. Consta da certidão do julgamento da ADI 2.110, no que se refere ao salário-maternidade, o seguinte (original sem destaque): "Decisão: O Tribunal, por maioria, conheceu parcialmente das ADIs 2.110 e 2.111 e, na parte conhecida, (a) julgou parcialmente procedente o pedido constante da ADI 2.110, para declarar a inconstitucionalidade da exigência de carência para a fruição de salário-maternidade, prevista no art. 25, inc. III, da Lei nº 8.213/1991, na redação dada pelo art. 2º da Lei nº 9.876/1999, vencidos, nesse ponto, os Ministros Nunes Marques (Relator), Alexandre de Moraes, André Mendonça, Cristiano Zanin e Gilmar Mendes; e (b) julgou (...)".
Em decorrência do nascimento do filho, Kaike Emanuel Morais do Nascimento, ocorrido em 07/04/2016 (ID 70355561 - Pág. 1), a autora postula o benefício de salário-maternidade, na condição de segurada especial. Apresentou requerimento administrativo com DER em 10/10/2018 (ID 70359025 - Pág. 10).
Foram juntados os seguintes documentos: caderneta de vacinação da autora, na qual consta seu endereço em Assentamento Paciência, localizado no município de Palmeirante/TO (ID 70355559 - Pág. 3); certidão de nascimento do filho, em virtude do qual se postula o benefício previdenciário, registrado em 15/04/2016, de onde se extrai a profissão de lavradora da autora e a indicação de endereço residencial em Chácara São Jorge, município de Palmeirante/TO (ID 70355561 - Pág. 1); declaração de comodato datada de 08/11/2018, na qual Maria Alexandrina Ferreira de Morais (avó materna da autora) informa que a autora e seus genitores residem na Chácara São Jorge em regime de comodato, por ter cedido 2,42 hectares de terra no ano de 2002 (ID 70359016 - Pág. 1); declaração do INCRA, na qual informa que Maria Alexandrina Ferreira de Morais (avó materna da autora) é assentada no lote 36 com área de 38,5528 hectares no PA Paciência desde 10/2004 até a presente data (ID 70359016 - Pág. 2); comprovante de endereço rural em nome de Maria Alexandrina Ferreira de Morais (avó materna da autora), em Chácara São Jorge, em 29/03/2017 (ID 70359019 - Pág. 1); certidão de nascimento da autora, com registro feito em 14/06/1996, na qual seu genitor está qualificado como lavrador (ID 70359018 - Pág. 2); caderneta de saúde da criança, de onde se extrai o endereço rural da autora em Chácara São Jorge, em 21/06/2016 (ID 70359024 - Pág. 3 e 4); dados cadastrais da autora no CNIS, com data de atualização em 30/11/2015, de onde se extrai o endereço residencial em Chácara São Jorge, município de Palmeirante/TO (ID 70359031 - Pág. 3); CNIS da autora sem registro de vínculos de qualquer natureza (ID 70359031 - Pág. 14).
Os referidos documentos são idôneos, válidos e suficientes como início de prova material do exercício da atividade rural para a concessão do benefício postulado.
Admite-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental. Os documentos em nome de avós são válidos como início de prova material, se a atividade rural é exercida na mesma propriedade em regime de economia familiar.
Cumpre ressaltar que, para caracterizar o início de prova material, deve-se presumir a continuidade do labor rural nos períodos imediatamente próximos à data do documento, sobretudo no período anterior à comprovação, sendo inerente à informalidade do trabalho campesino a escassez documental.
A própria certidão de nascimento do filho em virtude do qual se postula o salário-maternidade constitui início de prova material, segundo entendimento pacificado do STJ, no sentido de reconhecer como início probatório as certidões da vida civil, como bem se verifica.
A prova testemunhal produzida durante a instrução processual (ID 70359080, ID 70359081 e ID 70359082) foi idônea e suficiente para demonstrar o exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, e se encontra amparada por início de prova documental contemporânea à prestação laboral que se pretende reconhecida em juízo.
Comprovada a qualidade de trabalhadora rural anterior à data do parto (07/04/2016), mediante início de prova material devidamente complementada pela prova testemunhal e a ocorrência do parto em data não alcançada pela prescrição, deve ser reconhecido o direito da parte autora ao benefício de salário-maternidade, na condição de segurada especial, direito que lhe é pertinente e está em conformidade com a legislação previdenciária.
A sentença recorrida deve ser reformada, porque os dispositivos constitucionais e legais referidos na fase recursal devem ser interpretados conforme o entendimento jurisprudencial dominante.
A atualização monetária e juros moratórios, incidentes sobre as parcelas pretéritas, devem ser calculados na forma do Manual de Cálculos da Justiça Federal, em sua versão vigente ao tempo da execução do julgado. O referido ato incorporou, progressivamente, as determinações legais e jurisprudenciais supervenientes (Tema 810 do STF, Tema 905 do STJ e art. 3º e conexos da EC 113/2021), o que implica perda de objeto da matéria correlata.
Honorários recursais, quando devidos, na forma da legislação de regência (§11 do art. 85, do CPC/2015, c/c art. 5º, XXXVI, da CF/88 e Súmula 26-TRF da 1ª Região), observada eventual inexigibilidade (§3º do art. 98 do CPC/2015).
Ante o exposto, conheço do recurso para, no mérito, dar-lhe provimento e reformar a sentença proferida, para condenar o INSS a conceder salário-maternidade à autora, na qualidade de segurada especial, equivalente a quatro prestações do salário mínimo vigente à época do parto.
Quanto à verba honorária, inverto-a em favor da parte autora, fixando-a em 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a data do acórdão deste julgado, a teor do disposto no art. 85, §§ 2º e 3º e art. 11, ambos do CPC/2015 c/c Súmula 111 do STJ.
É o voto.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
PROCESSO: 1018455-06.2020.4.01.9999
PROCESSO DE REFERÊNCIA: 0005771-14.2018.8.27.2713
RECORRENTE: POLLYANA MORAIS DOS SANTOS
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. RGPS. SALÁRIO-MATERNIDADE. TRABALHADORA RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADA POR PROVA TESTEMUNHAL. REQUISITOS LEGAIS COMPROVADOS. SENTENÇA REFORMADA.
1. O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte dias), com início no período entre vinte e oito dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade.
2. A concessão do respectivo benefício previdenciário, na qualidade de segurado especial, que tenha por base atividades rurais, exercidas em regime de economia familiar ou regime equivalente, depende da demonstração, por prova idônea e suficiente (documental e testemunhal), da condição de segurado especial, e observância dos demais requisitos legais da legislação de regência (art. 71 e conexos da Lei 8.213/1991 e § 2º do art. 93 do Regulamento aprovado pelo Decreto 3.048/1999).
3. Em decorrência do nascimento do filho, Kaike Emanuel Morais do Nascimento, ocorrido em 07/04/2016 (ID 70355561 - Pág. 1), a autora postula o benefício de salário-maternidade, na condição de segurada especial. Apresentou requerimento administrativo com DER em 10/10/2018 (ID 70359025 - Pág. 10).
4. Foram juntados os seguintes documentos: caderneta de vacinação da autora, na qual consta seu endereço em Assentamento Paciência, localizado no município de Palmeirante/TO (ID 70355559 - Pág. 3); certidão de nascimento do filho, em virtude do qual se postula o benefício previdenciário, registrado em 15/04/2016, de onde se extrai a profissão de lavradora da autora e a indicação de endereço residencial em Chácara São Jorge, município de Palmeirante/TO (ID 70355561 - Pág. 1); declaração de comodato datada de 08/11/2018, na qual Maria Alexandrina Ferreira de Morais (avó materna da autora) informa que a autora e seus genitores residem na Chácara São Jorge em regime de comodato, por ter cedido 2,42 hectares de terra no ano de 2002 (ID 70359016 - Pág. 1); declaração do INCRA, na qual informa que Maria Alexandrina Ferreira de Morais (avó materna da autora) é assentada no lote 36 com área de 38,5528 hectares no PA Paciência desde 10/2004 até a presente data (ID 70359016 - Pág. 2); comprovante de endereço rural em nome de Maria Alexandrina Ferreira de Morais (avó materna da autora), em Chácara São Jorge, em 29/03/2017 (ID 70359019 - Pág. 1); certidão de nascimento da autora, com registro feito em 14/06/1996, na qual seu genitor está qualificado como lavrador (ID 70359018 - Pág. 2); caderneta de saúde da criança, de onde se extrai o endereço rural da autora em Chácara São Jorge, em 21/06/2016 (ID 70359024 - Pág. 3 e 4); dados cadastrais da autora no CNIS, com data de atualização em 30/11/2015, de onde se extrai o endereço residencial em Chácara São Jorge, município de Palmeirante/TO (ID 70359031 - Pág. 3); CNIS da autora sem registro de vínculos de qualquer natureza (ID 70359031 - Pág. 14).
5. Demonstradas a maternidade, a atividade rural e a qualidade de segurada especial anterior ao parto, faz jus a parte autora ao benefício de salário-maternidade.
6. Apelação provida. Sentença reformada para concessão de salário-maternidade à segurada especial em razão da satisfação dos requisitos legais.
ACÓRDÃO
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, dar provimento à apelação cível, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF, data e assinatura eletrônicas.
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Desembargador Federal EULER DE ALMEIDA
