
POLO ATIVO: JOSIANE DA SILVA LUCAS
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: SONIA CASTILHO ROCHA - RO2617-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR(A):URBANO LEAL BERQUO NETO

Gab. 25 - DESEMBARGADOR FEDERAL URBANO LEAL BERQUÓ NETO
PROCESSO: 1027756-06.2022.4.01.9999 PROCESSO REFERÊNCIA: 7002263-72.2020.8.22.0008
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
POLO ATIVO: JOSIANE DA SILVA LUCAS
REPRESENTANTES POLO ATIVO: SONIA CASTILHO ROCHA - RO2617-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR: URBANO LEAL BERQUO NETO
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação interposta pela autora em face de sentença que julgou improcedente a pretensão para concessão de benefício de salário-maternidade de trabalhadora rural, segurada especial, em decorrência do nascimento da criança Samuel Oliveira da Silva Lucas, ocorrido em 10/10/2019.
Em suas razões, requer a reforma da sentença para que seja julgado procedente o pedido, ao argumento de que faz jus ao benefício pleiteado.
Oportunizado, o lado recorrido não apresentou contrarrazões.
Com vistas dos autos, o Ministério Público Federal deixou de se manifestar quanto ao mérito, por não vislumbrar a presença de interesse público a justificar a sua intervenção.
É o relatório.

Gab. 25 - DESEMBARGADOR FEDERAL URBANO LEAL BERQUÓ NETO
PROCESSO: 1027756-06.2022.4.01.9999 PROCESSO REFERÊNCIA: 7002263-72.2020.8.22.0008
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
POLO ATIVO: JOSIANE DA SILVA LUCAS
REPRESENTANTES POLO ATIVO: SONIA CASTILHO ROCHA - RO2617-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR: URBANO LEAL BERQUO NETO
V O T O
Presentes os pressupostos recursais, conheço do recurso.
Mister a depuração do cerne da pretensão, ora vertida em base recursal, lembrando que se trata de conflito de interesses condizente ao benefício de salário-maternidade de trabalhadora rural, segurada especial, em que a autora sustenta o desacerto do julgado que se deu ao argumento de que o vínculo urbano do cônjuge da autora faz prova contrária a qualidade de segurada especial por ela ostentada.
O benefício de salário-maternidade é devido à segurada especial que atender aos requisitos estabelecidos na Lei 8.213/91 (art. 25, III) e no § 2º do art. 93 do Regulamento aprovado pelo Decreto 3.048/99: exercício de atividade rural nos últimos dez meses imediatamente anteriores à data do parto ou do requerimento do benefício, quando requerido antes do parto, mesmo que de forma descontínua.
A concessão do benefício pleiteado pela parte autora, portanto, exige a demonstração do trabalho rural, em regime de subsistência, no prazo mínimo de 10 (dez) meses, ainda que descontínuos, mediante início razoável de prova material, corroborada com prova testemunhal, ou prova documental plena, inadmissível a prova exclusivamente testemunhal.
No que tange à caracterização da condição de segurada especial, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de Incidente de Uniformização de Jurisprudência, firmou o entendimento de que para o reconhecimento do tempo de serviço do trabalho rural, apesar de não haver exigência legal de que o documento apresentado como início de prova material abranja todo o período que se busca comprovar, é preciso que tal prova seja contemporânea ao menos por uma fração do lapso de trabalho rural pretendido (Pet 7.475/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 09/11/2016, DJe 29/11/2016).
É pacífica a jurisprudência do STJ e desta Corte no sentido de que o rol do art. 106 da Lei 8.213/91 é meramente exemplificativo, (STJ AgRG no REsp 1073730/CE) sendo admissíveis, portanto, outros documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, além dos ali previstos.
São idôneos, portanto, dentre outros, a ficha de alistamento militar, o certificado de dispensa de incorporação (CDI), o título eleitoral em que conste como lavrador a profissão do segurado (STJ, AgRG no REsp 939191/SC); a certidão de casamento, a carteira de sindicato rural com comprovantes de recolhimento de contribuições, o boletim escolar de filhos que tenham estudado em escola rural (STJ AgRG no REsp 967344/DF); certidão de casamento que atesta a condição de lavrador do cônjuge ou do próprio segurado (STJ, AR 1067/SP, AR 1223/MS); declaração de Sindicato de Trabalhadores Rurais, devidamente homologada pelo Ministério Público (STJ, AR 3202/CE).
Igualmente aceitáveis documentos tais como certidões do INCRA, guias de recolhimento de ITR, documentos fiscais de venda de produtos rurais, recibos de pagamento a sindicato rural, certidão de registro de imóveis relativos à propriedade rural, contratos de parceria agrícola e todos outros que indiciem a ligação da parte autora com o trabalho e a vida no meio rural, bem como a CTPS com anotações de trabalho rural da parte autora, que é considerada prova plena do período nela registrado e início de prova material para o restante do período de carência (REsp 310.264/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 6ª Turma, DJ 18.02.2002, p. 530; AC 2004.38.03.000757-8/MG, Rel. Desembargadora Federal Neuza Maria Alves da Silva, Segunda Turma, e-DJF1 p.33 de 17/07/2008, AC 0004262-35.2004.4.01.3800/MG, Rel. Juiz Federal Miguel Ângelo de Alvarenga Lopes, 3ª Turma Suplementar, e-DJF1 p.191 de 02/03/2011).
No caso dos autos, a autora postula o benefício de salário-maternidade rural, segurada especial, em decorrência dos nascimentos de seu filho, ocorrido em 10/10/2019.
Com o propósito de comprovar a sua condição de segurada especial juntou aos autos diversos documentos indicando o labor rural, dentre os quais se destacam aqueles produzidos durante o período de carência pretendido, a saber:
- Certidão de nascimento do filho em virtude do qual se postula o benefício, lavrada no mesmo dia do nascimento, de onde se extrai o endereço da autora em meio rural, junto à Projeto de Assentamento do INCRA, o que é prova indiciária de que nos dez meses que antecederam ao parto a autora vivia e tirava seu sustento do campo;
- Inscrição de produtor rural, em nome do cônjuge da autora, datado em 17/04/2019 e, portanto, momento que inexistia vínculo empregatício de natureza urbana;
- Contrato de arrendamento rural, em nome do cônjuge da autora, datado em 17/04/2019 e, portanto, em momento que inexistia qualquer vínculo empregatício de natureza urbana.
Registra-se, por oportuno, que em consonância com entendimento do STJ os dados constantes nas certidões de vida civil são hábeis a comprovação da condição de rurícola para fins previdenciários, em especial quando inexiste qualquer indicativo de fraude que macule o seu conteúdo, razão pela qual, ainda que não se levasse em consideração os documentos apresentados em nome do cônjuge da autora, a certidão de nascimento da criança em virtude da qual se postula o benefício é documento idôneo para servir como lastro probatório.
Com efeito, diante das dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores rurais para comprovar o exercício de atividade rurícola, em razão das peculiaridades inerentes ao meio campestre, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem adotado a solução pro mísero, em que se admite a prova testemunhal para demonstrar a qualidade de segurada, desde que acompanhada de início de prova material, situação externada no caso dos autos.
Ademais, conquanto o STJ tenha firmado entendimento segundo o qual, em exceção a regra, a extensão de provas em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola (Tema 533), no caso dos autos verifica-se que o cônjuge da autora manteve vínculo empregatício de natureza urbana de curta duração (de 21/05/2019 a 28/09/2019), o que não é suficiente para descaracterizar um trabalhador como segurado especial.
Verifica-se, ao demais, que os documentos retromencionados foram produzidos em momento em que o cônjuge da autora não mantinha vínculo de natureza urbana, de modo que o referido registro contido no CNIS do cônjuge não pode ser utilizado em desfavor da autora.
Como visto, há prova indiciária da qualidade de segurada especial da autora e as testemunhas informam conhecê-la desde a infância, asseverando que ela sempre morou em meio rural, onde permaneceu mesmo após o casamento. As testemunhas informaram, ainda, que presenciaram o labor rural da autora durante o período gestacional. Verifica-se, portanto, que a prova testemunhal corrobora, de forma segura, a prova indiciária, sendo que as informações colhidas da prova oral se encontram em consonância com os demais elementos de prova, havendo nos autos outros elementos de prova que, embora extemporâneos, testificam as informações colhidas, a exemplo da certidão de casamento da autora onde a qualificação dos cônjuges é a de trabalhadores rurais, bem como a nota fiscal de venda de café, datada em 2018, desvelando-se que ao menos desde o ano de 2015 a autora já tirava o sustento das lides no campo, mantendo sua qualidade de segurada até o período de prova pretendido.
Posto isto, DOU PROVIMENTO ao recurso interposto pela autora para, reformando a sentença, reconhecer o direito da autora ao benefício de salário-maternidade, na qualidade de segurada especial, equivalente a quatro prestações do salário mínimo vigente à época do parto.
A atualização dos juros e da correção monetária deve incidir nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, em sua versão já atualizada, conforme parâmetros fixados no julgado do REsp 1.492.221 STJ (Tema 905) e da EC 113/2021.
Condeno o INSS ao pagamento de honorários de sucumbência, estes fixados em 10% sobre o valor da condenação.
É o voto.
Desembargador Federal URBANO LEAL BERQUÓ NETO
Relator

Gab. 25 - DESEMBARGADOR FEDERAL URBANO LEAL BERQUÓ NETO
PROCESSO: 1027756-06.2022.4.01.9999 PROCESSO REFERÊNCIA: 7002263-72.2020.8.22.0008
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
POLO ATIVO: JOSIANE DA SILVA LUCAS
REPRESENTANTES POLO ATIVO: SONIA CASTILHO ROCHA - RO2617-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. TRABALHADORA RURAL. SEGURADA ESPECIAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL VÁLIDA. TEMA 533 STJ. INAPLICÁVEL. PROVA TESTEMUNHAL SATISFATÓRIA. RECURSO PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA.
1. O benefício de salário-maternidade é devido à segurada especial que atender aos requisitos estabelecidos na Lei 8.213/91 (art. 25, III) e no § 2º do art. 93 do Decreto 3.048/99. A demonstração do trabalho rural no prazo mínimo de 10 (dez) meses, ainda que descontínuos, deve ser comprovado mediante início razoável de prova material, corroborada com prova testemunhal, ou prova documental plena, inadmissível a prova exclusivamente testemunhal (STJ, Súmula 149; TRF/1ª Região, Súmula 27).
2. No caso dos autos, a autora postula o benefício de salário-maternidade rural, segurada especial, em decorrência do nascimento de seu filho, ocorrido em 10/10/2019. Com o propósito de comprovar a sua condição de segurada especial juntou aos autos diversos documentos indicando o labor rural, dentre os quais se destacam aqueles produzidos durante o período de carência pretendido: certidão de nascimento do filho em virtude do qual se postula o benefício, de onde se extrai o endereço da autora em meio rural, junto à Projeto de Assentamento do INCRA; inscrição de produtor rural e contrato de arrendamento rural em nome do cônjuge da autora, datados em momento que inexistia vínculo empregatício de natureza urbana em nome do titular;
3. Conquanto o STJ tenha firmado entendimento segundo o qual, em exceção a regra, a extensão de provas em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola (Tema 533), no caso dos autos verifica-se que o cônjuge da autora manteve vínculo empregatício de natureza urbana de curta duração (de 21/05/2019 a 28/09/2019), o que não é suficiente para descaracterizar um trabalhador como segurado especial. Ademais, verifica-se que os documentos retromencionados foram produzidos em momento em que o cônjuge da autora não mantinha vínculo de natureza urbana, de modo que o referido registro no CNIS não pode ser utilizado em desfavor da autora.
4. Com efeito, diante das dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores rurais para comprovar o exercício de atividade rurícola, em razão das peculiaridades inerentes ao meio campestre, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem adotado a solução pro mísero, em que se admite a prova testemunhal para demonstrar a qualidade de segurada, desde que acompanhada de início de prova material, situação externada no caso dos autos. Como visto, há prova indiciária da qualidade de segurada especial da autora e as testemunhas informam conhecê-la desde a infância, informando que ela sempre morou em meio rural, onde permaneceu mesmo após o casamento. As testemunhas informaram, ainda, que presenciaram o labor rural da autora durante o período gestacional. Verifica-se que a prova testemunhal corrobora, de forma segura, a prova indiciária, sendo que as informações colhidas da prova oral se encontram em consonância com os demais elementos de prova, havendo nos autos, ainda, certidão de casamento da autora onde a qualificação dos cônjuges é a de trabalhadores rurais e nota fiscal de venda de café datada em 2018, desvelando-se que ao menos desde o ano de 2015 a autora já tirava o sustento das lides no campo, mantendo sua qualidade de segurada até o período de prova pretendido.
5. Apelação a que se dá provimento.
A C Ó R D Ã O
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, DAR PROVIMENTO a apelação interposta pela autora, nos termos do voto do relator.
Desembargador Federal URBANO LEAL BERQUÓ NETO
Relator
