
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:ARLENE LARANJA ALMEIDA APINAGE
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: PAMELA CRISTINA COSTA BRANDAO - TO8448-A e SAMUEL FERREIRA BALDO - TO1689-A
RELATOR(A):EULER DE ALMEIDA SILVA JUNIOR

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198): 1008746-73.2022.4.01.9999
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA (RELATOR):
Trata-se de recurso de apelação, interposto pelo INSS, com a finalidade de obter a reforma da sentença (ID 200709524 - Pág. 217 a 219), que concedeu o benefício de salário-maternidade, na condição de segurada especial, pelo RGPS.
Sem tutela provisória.
O recurso foi recebido e processado em ambos os efeitos.
Nas razões recursais (ID 200709524 - Pág. 227 a 230), pediu a reforma da sentença para a denegação do benefício concedido, sob a alegação de ausência de provas materiais contemporâneas e suficientes para comprovação da atividade rural, na condição de segurada especial, pelo tempo necessário para cumprimento da carência mínima do benefício. Sustentou que o cônjuge da autora possui vínculo urbano dentro do período de carência, o que é suficiente para descaracterizar sua condição de segurada especial.
Nas contrarrazões, foi pedida a manutenção da sentença recorrida.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198): 1008746-73.2022.4.01.9999
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA (RELATOR):
O recurso pode ser conhecido, porque presentes os pressupostos recursais (competência do relator e da turma julgadora, tempestividade, adequação e observância das normas pertinentes a eventual preparo recursal).
A concessão do benefício previdenciário intitulado salário-maternidade, na condição de segurado especial, que tenha por base atividades rurais, exercidas em regime de economia familiar ou regime equivalente, depende da demonstração, por prova idônea e suficiente (documental e testemunhal), da qualidade de segurado especial, observância do prazo de carência e demais requisitos legais da legislação de regência (arts. 25, III; 71 e conexos da Lei 8.213/1991 e § 2º do art. 93 do Regulamento aprovado pelo Decreto 3.048/1999).
O salário-maternidade, nas referidas condições, exige carência mínima de 10 (dez) meses, ainda que descontínuos, imediatamente anterior ao termo inicial legal abrangido pelo requerimento (28 dias antes do parto ou à data deste). A carência foi estipulada de forma peculiar a fim de afastar possibilidade de fraude, ou seja, vinculação ao RGPS após a gravidez, razão pela qual a situação de segurada da mãe ao tempo da presumida gravidez pode se apresentar mais relevante do que ao tempo do parto ou do requerimento administrativo, quando anterior ao parto. Sob outro aspecto, o INSS não se apresenta em mora antes da data do requerimento administrativo.
O reconhecimento da qualidade de segurada especial, trabalhadora rural, exige o preenchimento dos seguintes requisitos fundamentais: início de prova material da atividade rural exercida e a corroboração dessa prova indiciária por prova testemunhal.
O entendimento jurisprudencial dominante estabeleceu os seguintes critérios sobre a idoneidade e suficiência probatória do trabalho rural em regime de economia familiar ou equivalente, aplicáveis subsidiariamente à situação do salário-maternidade, observadas as devidas proporções (comparativamente à aposentadoria por idade): 1) necessidade de produção de prova documental plena ou início de prova material confirmada e complementada pela prova testemunhal (Súmula 149 do STJ e Súmula 27 do TRF1); 2) mitigação da prova documental legal estabelecida no art. 106 da Lei 8.213/1991; 3) utilização de CTPS como prova plena, quando seus dados forem inseridos no CNIS ou demonstrado o recolhimento de contribuições no período, ou como prova relativa, na forma da Súmula 75 da TNU; 4) contemporaneidade temporal ampliada da prova documental, nos termos da Súmula 577 do STJ c/c Súmulas 14 e 34 da TNU e Tese 2 da TNU; 5) mitigação da dimensão da propriedade em que se deu a atividade (Tese 1115 do STJ e Súmula 30 da TNU); 6) imediatidade da atividade ao tempo abrangido pelo requerimento, respeitado o direito adquirido quanto ao cumprimento pretérito de todas as condições (Tese 642 do STJ e Súmula 54 da TNU c/c art. 5º, XXXVI, da CF/88); 7) extensão da prova material da condição de rurícola em nome de membros do grupo familiar convivente, principalmente cônjuge, companheiros e filhos, assim como pai e mãe antes do casamento ou união estável (Súmula 06 da TNU c/c §4º do art. 16 da Lei 8.213/1991), possibilitada a desconsideração da atividade urbana de membro do grupo familiar convivente quando o trabalho rural se apresentar indispensável para a sobrevivência desse grupo familiar (Teses 532 e 533 do STJ e Súmula 41 do TNU); 8) na situação de atividade intercalada, a relativização de concorrência de trabalho urbano breve e descontinuado do próprio beneficiário ou de membros do grupo familiar convivente (Tese 37 da TNU, Tema 301 da TNU e Súmula 46 da TNU); 9) resguardo da atividade especial própria da mulher casada com marido trabalhador urbano ou mantida por pensão alimentícia deste (Tese 23 da TNU). 10) qualificação da atividade conforme a atividade do empregado e não de acordo com o ramo de atividade do empregador (Tese 115 da TNU), o que possibilita a utilização de vínculos formais de trabalho, com exercício de atividades agrárias, no prazo de carência do segurado especial; 11) possibilidade de consideração das atividades rurais exercidas por menor de idade em regime de economia familiar, nos termos da Súmula 5 da TNU e da Tese 219 da TNU (entre 12 e 14 anos até o advento da Lei 8.213/1991, e a partir de 14 anos após a referida data); 12) inclusão da situação do “boia-fria” como segurado especial (Tese 554 do STJ); 13) possibilidade de estabelecimento de residência do grupo familiar do segurado especial em aglomerado urbano, fora do local de exercício das atividades agrárias (inciso VII do art. 11 da Lei 8.213/1991, redação dada pela Lei 11.718/2008).
Os critérios jurisprudenciais que implicam interpretação extensiva à legislação de regência deverão ser aplicados com razoável parcimônia, pois, em dado caso concreto, uma única situação excepcional (quando relevante, intensa e abrangente) ou o conjunto de situações excepcionais (ainda que acessórias e menos abrangentes, quando individualmente consideradas) pode descaracterizar a situação de segurado especial em regime de economia familiar e, consequentemente, permitir a exclusão dos períodos descaracterizados do prazo de carência do benefício rural.
Em razão do nascimento da filha Tânia Almeida Vieira Apinajé, ocorrido em 22/09/2016 (ID 200709524 - Pág. 18), a autora postula o benefício de salário-maternidade, na condição de segurada especial. Apresentou requerimento administrativo em 30/11/2018 (ID 200709524 - Pág. 87).
A autora juntou os seguintes documentos: certidão de nascimento da filha (22/09/2016), em virtude do qual se postula o benefício previdenciário de onde se extrai a qualificação de lavradora da autora (ID 200709524 - Pág. 18 e 19); certidão de exercício de atividade rural expedida pela Funai, na qual informa o exercício da atividade rural em regime de economia familiar em terra indígena, no período de 08/05/2011 a 30/11/2018 (ID 200709524 - Pág. 20 e 21); INBEN comprovando de recebimento pela autora de salário-maternidade, como segurada especial, em decorrência do nascimento de outro filho, com DIB em 20/09/2012 e DCB em 17/01/2013 (ID 200709524 - Pág. 48); certidão de exercício de atividade rural expedida pela Funai em 07/12/2016, na qual informa que a autora exerce atividade rural em regime de economia familiar no período de 08/05/2011 a 07/12/2016, na Aldeia Prata (ID 200709524 - Pág. 37 e 38).
Os referidos documentos são idôneos, válidos e suficientes como início de prova material do exercício da atividade rural no período exigido para a concessão do benefício postulado (últimos dez meses anteriores à data do parto).
A prova testemunhal produzida durante a instrução processual (ID 200709524 - Pág. 223, link https://vc.tjto.jus.br/file/share/302aa5192e194b78b3b23dc47d7d9924) foi idônea e suficiente para demonstrar o exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, e se encontra amparada por início de prova documental contemporânea à prestação laboral que se pretende reconhecida em juízo.
A sentença recorrida analisou especificamente a situação da autora, quando concluiu o seguinte (ID 200709524 - Pág. 218 e 219):
“Como início de prova material do trabalho rural a autora apresentou alguns documentos conforme se verifica no evento – 1, mormente extrato dando conta de já ter sido deferido outro benefício semelhante em razão do nascimento de outra filha da mesma, além de outros documentos que demonstra que a mesma exercia atividade rural. Destarte, a prova documental é suficiente para ser reconhecida como princípio. Ainda, se tem a situação de que um pai da criança exercia atividade urbana no período próximo ao nascimento, conforme documentado pela parte ré, contudo, a parte autora informou se tratar de brigadista e ser temporário e o fato de tal exercício de atividade, por si só, não é suficiente para afastar o regime de subsistência. Da mesma forma foi produzia prova oral onde foram ouvidas a parte autora e uma testemunha, corroborando a atividade rural daquela no período de carência. Desse modo, existindo início de prova material e prova testemunhal acerca da condição de rurícola da autora, a mesma faz jus ao benefício pleiteado. Ressalte-se que não se tem a ocorrência de periciarão no caso”.
A sentença recorrida encontra-se regular, sob aspectos formais e materiais, foi proferida após o devido processo legal, quando analisou, fundamentada e adequadamente, os aspectos relevantes da relação jurídica de direito material deduzida em juízo, inclusive os fatos jurígenos, mediante a aplicação da tutela jurídica cabível, prevista no ordenamento jurídico vigente, em favor do legítimo titular do interesse subordinante, conforme a situação fática comprovada na causa.
Não impede a concessão do benefício as breves anotações de atividades formais do pai da criança (ID 200709524 - Pág. 98). A parte autora apresentou qualificação como solteira. O INSS não demonstrou que o pai da criança compõe o regime de economia familiar da mãe. A atividade do pai da criança é com o IBAMA, o que pode implicar exercício de atividade agrária equiparável à regime de economia familiar. Caberia ao INSS esclarecer o vínculo laboral e familiar nos termos do art. 373 do CPC/2015.
Demonstradas a maternidade, a atividade rural e a qualidade de segurada especial durante o período de carência, faz jus a parte autora ao benefício de salário-maternidade.
Ante o exposto, conheço do recurso para, no mérito, negar-lhe provimento e manter a sentença recorrida nos termos em que foi concedida.
Majoro os honorários advocatícios de sucumbência em 1% sobre a base de cálculo da sentença recorrida, levando-se em consideração a atividade adicional na fase recursal (§11 do art. 85, do CPC/2015, c/c art. 5º, XXXVI, da CF/88 e Súmula 26-TRF da 1ª Região).
É o voto.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
PROCESSO: 1008746-73.2022.4.01.9999
PROCESSO DE REFERÊNCIA: 0002655-79.2019.8.27.2740
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: ARLENE LARANJA ALMEIDA APINAGE
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. RGPS. SALÁRIO-MATERNIDADE. TRABALHADORA RURAL. SEGURADA ESPECIAL. PROVA DOCUMENTAL IDÔNEA, VÁLIDA E SUFICIENTE. CORROBORADA POR PROVA TESTEMUNHAL. REQUISITOS LEGAIS COMPROVADOS. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. SENTENÇA MANTIDA.
1. O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte dias), com início no período entre vinte e oito dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade.
2. A concessão do benefício previdenciário intitulado salário-maternidade, na condição de segurado especial, que tenha por base atividades rurais, exercidas em regime de economia familiar ou regime equivalente, depende da demonstração, por prova idônea e suficiente (documental e testemunhal), da condição de segurado especial, observância do prazo de carência e demais requisitos legais da legislação de regência (arts. 25, III; 71 e conexos da Lei 8.213/1991 e § 2º do art. 93 do Regulamento aprovado pelo Decreto 3.048/1999).
3. Em razão do nascimento da filha Tânia Almeida Vieira Apinajé, ocorrido em 22/09/2016 (ID 200709524 - Pág. 18), a autora postula o benefício de salário-maternidade, na condição de segurada especial. A autora juntou os seguintes documentos: certidão de nascimento da filha (22/09/2016), em virtude do qual se postula o benefício previdenciário de onde se extrai a qualificação de lavradora da autora (ID 200709524 - Pág. 18 e 19); certidão de exercício de atividade rural expedida pela Funai, na qual informa o exercício da atividade rural em regime de economia familiar em terra indígena, no período de 08/05/2011 a 30/11/2018 (ID 200709524 - Pág. 20 e 21); INBEN comprovando de recebimento pela autora de salário-maternidade, como segurada especial, em decorrência do nascimento de outro filho, com DIB em 20/09/2012 e DCB em 17/01/2013 (ID 200709524 - Pág. 48); certidão de exercício de atividade rural expedida pela Funai em 07/12/2016, na qual informa que a autora exerce atividade rural em regime de economia familiar no período de 08/05/2011 a 07/12/2016, na Aldeia Prata (ID 200709524 - Pág. 37 e 38).
4. A circunstância de um dos integrantes do núcleo familiar desempenhar atividade urbana não implica, por si só, a descaracterização da qualidade do segurado especial de quem postula o benefício, porquanto restou demonstrada a indispensabilidade do labor agrícola para a subsistência do núcleo familiar.
5. Prova documental idônea, válida e suficiente para a concessão da pretensão, corroborada por prova testemunhal. Demonstradas a maternidade, a atividade rural e a qualidade de segurada especial durante o período de carência.
6. Concedido o benefício de salário-maternidade para segurada especial em razão da satisfação dos requisitos legais.
7. Apelação não provida. Sentença mantida.
ACÓRDÃO
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, negar provimento à apelação cível, nos termos do voto do Relator.
Desembargador Federal EULER DE ALMEIDA
