
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:VITORIA MARTINS DA SILVA
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: ALVACIR DE OLIVEIRA BERQUO NETO - GO20508-A
RELATOR(A):RUI COSTA GONCALVES

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
GAB. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1018301-80.2023.4.01.9999
PROCESSO REFERÊNCIA: 5346565-50.2021.8.09.0049
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
R E L A T Ó R I O
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS de sentença que julgou procedente a pretensão autoral e condenou-o a conceder a aposentadoria por incapacidade permanente à parte autora, desde a data do requerimento administrativo (Id n. 352173141 – p. 2-5).
Em suas razões recursais, a autarquia previdenciária alega a perda da qualidade de segurada da parte autora, ora apelada, na data do início da incapacidade, que teria ocorrido após o término do período de graça. Requer, assim, a reforma da sentença para que seja julgado improcedente o pedido (Id n. 352173141 – p. 16-19).
De outro lado, em suas contrarrazões, a apelada sustenta que, na data de início da incapacidade, ainda ostentava a qualidade de segurada, de modo que a sentença deve ser mantida (Id n. 352173141 – p. 37-40).
Contra a sentença foram opostos embargos de declaração pela parte autora (Id n. 352173141 – p. 9-13), mas, na sequência, houve a desistência do recurso (Id n. 352173141 – p. 14).
Posteriormente, depois de quase 1 (um) mês, a parte autora requereu a desconsideração da petição em que havia informado a desistência do recurso (Id n. 352173141 – p. 41).
É o relatório.

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
GAB. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1018301-80.2023.4.01.9999
PROCESSO REFERÊNCIA: 5346565-50.2021.8.09.0049
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
V O T O
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES (RELATOR):
O efeito devolutivo da apelação consagra o princípio tantum devolutum quantum appellatum e transfere ao Tribunal apenas o exame da matéria impugnada no recurso, nos termos dos arts. 1.002 e 1.013 do CPC/2015.
Desde logo, é importante registrar que, como visto, a parte autora, ora apelada, opôs embargos de declaração contra a sentença (Id n. 352173141 – p. 9-13), alegando, para tanto, a existência de erro material na data de início do benefício fixada na sentença, bem como de omissão quanto ao requerimento de tutela provisória de urgência antecipada formulado na petição inicial.
Sucede, porém, que, logo na sequência, em 11/8/2023, a parte autora peticionou informando que desistiu do recurso (Id n. 352173141 – p. 14), sendo relevante consignar que, nos termos do caput do art. 998 do CPC/2015, “[o] recorrente poderá, a qualquer tempo, sem a anuência do recorrido ou dos litisconsortes, desistir do recurso”.
A desistência do recurso é, consoante a lição de FREDIE DIDIER JR. e LEONARDO CARNEIRO DA CUNHA, “ato dispositivo que independe de consentimento da parte adversária (CPC, art. 998) e de homologação judicial para a produção de efeitos. E isso porque os atos praticados pelas partes produzem efeitos imediatos (CPC, art. 200), somente necessitando de homologação para produzir efeitos a desistência da ação (CPC, art. 200, parágrafo único), e não a desistência do recurso. Esta, como visto, independe de homologação (Curso de direito processual civil, v. 3. 16. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2019. p. 131).
Sendo assim, é irrelevante que, em 6/9/2023 (ou seja, depois de quase 1 – um – mês), logo após apresentar suas contrarrazões à apelação interposta pelo INSS, a parte autora tenha peticionado requerendo a desconsideração da petição em que havia informado a desistência do recurso, na medida em que referida desistência já havia se consumado.
Concessão de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez
De acordo com os arts. 59 e 60, § 1º, da Lei n. 8.213/91, o auxílio-doença – atual auxílio por incapacidade temporária – será devido ao segurado que ficar incapacitado temporariamente para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de quinze dias consecutivos. Será devido ao segurado empregado desde o início da incapacidade e, ao segurado que estiver afastado da atividade por mais de trinta dias, a partir da entrada do requerimento.
A aposentadoria por invalidez – atual aposentadoria por incapacidade permanente –, por sua vez, é devida ao segurado que estiver ou não em gozo de auxílio por incapacidade temporária e comprovar, por exame médico-pericial, a incapacidade total e definitiva para o trabalho e for considerado insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, sendo devida a partir do dia imediato ao da cessação do auxílio por incapacidade temporária, nos termos dos arts. 42 e 43 da Lei n. 8.213/91.
Requisitos
Os requisitos indispensáveis para a concessão de auxílio por incapacidade temporária ou aposentadoria por incapacidade permanente são: a) a qualidade de segurado; b) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, salvo nas hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei n. 8.213/91; c) a incapacidade parcial ou total e temporária (auxílio-doença) ou permanente e total (aposentadoria por invalidez) para atividade laboral.
Manutenção/perda da qualidade de segurado
O art. 15, § 4º, da Lei n. 8.213/91 dispõe que “a perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao final dos prazos fixados neste artigo”. No caso do segurado facultativo, 6 (seis) meses após a cessação das contribuições (inc. VI).
A qualidade de segurado será mantida por tempo indeterminado para aquele que estiver em gozo de benefício previdenciário (p.ex., auxílio por incapacidade temporária) e por até 12 (doze) meses para o que deixar de exercer atividade remunerada, podendo ser prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se já tiverem sido recolhidas mais de 120 contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado (incisos I, II e § 1º).
Esses prazos serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social (§ 2º), podendo ser provado por outros meios admitidos em Direito (enunciado 27 da Súmula da TNU).
A jurisprudência se consolidou no sentido de que não perde a qualidade de segurado aquele que deixa de exercer suas atividades laborais em decorrência de agravamento de patologia incapacitante.
Também em consonância com a jurisprudência, ainda que não haja disposição expressa da Lei n. 8.213/91 neste sentido, o período de graça após a cessação de benefício por incapacidade é de até 12 meses, nos termos do art. 13, II, do Regulamento da Previdência Social (Decreto n. 3.048/99).
Por outro lado, em conformidade com a tese fixada pela Turma Nacional de Uniformização por ocasião da apreciação do Tema n. 251, “[o] início da contagem do período de graça para o segurado que se encontra em gozo de auxílio-doença, para fins de aplicação do disposto no artigo 15, inciso II e parágrafos 1º e 2° da lei nº 8.213/91, é o primeiro dia do mês seguinte à data de cessação do benefício previdenciário por incapacidade”.
Da qualidade de segurada da parte autora
A incapacidade não foi contestada no recurso interposto pelo INSS, havendo controvérsia somente quanto à manutenção da qualidade de segurada da parte autora, ora apelada.
Depreende-se do extrato de relações previdenciárias do CNIS, assim como do extrato de dossiê previdenciário (Id n. 352173141 – p. 20-29), que:
1) Entre abril de 2006 e fevereiro de 2012, a apelada pagou 71 (setenta e uma) contribuições na qualidade de segurada obrigatória.
2) Posteriormente, sem perder a qualidade de segurada, entre maio de 2012 e maio de 2017 e julho de 2017 a outubro do mesmo ano, a apelada pagou, como segurada facultativa, 65 (sessenta e cinco) contribuições.
3) Na sequência, ainda sem perder a qualidade de segurada, a apelada gozou de auxílio-doença de 29 de setembro de 2017 a 23 de julho de 2018 e de 1º de abril de 2019 a 24 de dezembro de 2019.
Por outro lado, conforme o laudo médico-pericial (Id n. 352173140 – p. 101-111), a apelada, nascida em 24.10.1956, com primeiro grau incompleto e até então empregada doméstica, é portadora de lombociatalgia (CID M54-5) e síndrome do manguito rotador (CID M 75-1), encontrando-se, por conseguinte, total e permanentemente incapacitada, provavelmente desde 19.2.2021, com sequelas graves e permanentes, em decorrência da progressão das doenças/lesões/moléstias que tiveram início há aproximadamente 10 (dez) anos, tendo o médico perito pontuado, ainda, que mínimos esforços colocam a saúde da periciada em risco e que o seu perfil biopsicossocial não é favorável para reabilitação.
O INSS aduz, em suas razões recursais, que o quadro de incapacidade total e permanente teve início somente após o transcurso do período de graça subsequente à cessação do último auxílio-doença percebido pela Apelada, que, nos termos do art. 15, VI, da Lei n. 8.213/91, seria de 6 (seis) meses.
Entretanto, não assiste razão à autarquia previdenciária, na medida em que, conforme destacado anteriormente, o período de graça após a cessação de benefício por incapacidade é de até 12 (doze) meses, nos termos do art. 13, II, do Regulamento da Previdência Social (Decreto n. 3.048/99).
Ademais, em razão do pagamento de mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarretasse a perda de sua qualidade de segurada, a apelada faz jus à prorrogação do período de graça para até 24 (vinte e quatro) meses, nos moldes do § 4º do art. 15 da Lei 8.213/91.
Diante desse panorama, considerando-se que (1) o último auxílio-doença gozado pela apelada cessou em dezembro de 2019, que (2) a apelada faz jus à prorrogação do período de graça por até 24 (vinte e quatro) meses e que (3) o quadro de incapacidade total e permanente teve início em fevereiro de 2021, conclui-se que, nesta ocasião, a apelada conservava sua qualidade de segurada, de modo que se impõe a manutenção da sentença em que se determinou ao INSS a concessão de aposentadoria por invalidez (aposentadoria por incapacidade permanente) à parte autora, ora apelada.
Conclusão
Ante o exposto, nego provimento à apelação do INSS.
Nos termos da tese fixada pelo Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial n. 1.864.633/RS, que tramitou sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.059), honorários de sucumbência majorados em 2 (dois) pontos percentuais, nos moldes do art. 85, § 11, do CPC/2015.
É o voto.

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
GAB. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1018301-80.2023.4.01.9999
PROCESSO REFERÊNCIA: 5346565-50.2021.8.09.0049
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: VITORIA MARTINS DA SILVA
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. SEGURADO URBANO. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE (APOSENTADORIA POR INVALIDEZ). MANUTENÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADO NA DATA DA INCAPACIDADE COMPROVADA. PERÍODO DE GRAÇA. APELAÇÃO DO INSS NÃO PROVIDA.
1. Trata-se de apelação interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS de sentença que julgou procedente a pretensão autoral e condenou-o a conceder a aposentadoria por incapacidade permanente à parte autora. Incapacidade não contestada no recurso, há controvérsia quanto à eventual perda da qualidade de segurada da parte autora na data do início da incapacidade.
2. Os requisitos indispensáveis para a concessão de auxílio-doença (atual auxílio por incapacidade temporária) ou aposentadoria por invalidez (atual aposentadoria por incapacidade permanente) são: a) a qualidade de segurado; b) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, salvo nas hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei n. 8.213/91; c) a incapacidade parcial ou total e temporária (auxílio-doença) ou permanente e total (aposentadoria por invalidez) para atividade laboral.
3. A qualidade de segurado será mantida por tempo indeterminado para aquele que estiver em gozo de benefício previdenciário (p.ex. auxílio por incapacidade temporária) e por até 12 (doze) meses para o que deixar de exercer atividade remunerada, podendo ser prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se já tiverem sido recolhidas mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado (art. 15, incisos, I, II e § 1º, da Lei n. 8.213/91). Esses prazos serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social (§ 2º), podendo ser provado por outros meios admitidos em Direito (enunciado 27 da Súmula da TNU).
4. Em consonância com a jurisprudência, ainda que não haja disposição expressa da Lei n. 8.213/91 neste sentido, o período de graça após a cessação de benefício por incapacidade é de até 12 meses, nos termos do art. 13, II, do Regulamento da Previdência Social (Decreto n. 3.048/99).
5. Por outro lado, em conformidade com a tese fixada pela Turma Nacional de Uniformização por ocasião da apreciação do Tema n. 251, “[o] início da contagem do período de graça para o segurado que se encontra em gozo de auxílio-doença, para fins de aplicação do disposto no artigo 15, inciso II e parágrafos 1º e 2° da lei nº 8.213/91, é o primeiro dia do mês seguinte à data de cessação do benefício previdenciário por incapacidade”.
5. Depreende-se do extrato de relações previdenciárias do CNIS, assim como do extrato de dossiê previdenciário, que, entre abril de 2006 e fevereiro de 2012, a apelada pagou 71 (setenta e uma) contribuições na qualidade de segurada obrigatória. Posteriormente, sem perder a qualidade de segurada, entre maio de 2012 e maio de 2017 e julho de 2017 a outubro do mesmo ano, a apelada pagou, como segurada facultativa, 65 (sessenta e cinco) contribuições. Na sequência, ainda sem perder a qualidade de segurada, a apelada gozou de auxílio-doença de 29 de setembro de 2017 a 23 de julho de 2018 e de 1º de abril de 2019 a 24 de dezembro de 2019.
6. De acordo com o laudo médico-pericial, a apelada, nascida em 24.10.1956, com primeiro grau incompleto e até então empregada doméstica, é portadora de lombociatalgia (CID M54-5) e síndrome do manguito rotador (CID M 75-1), encontrando-se, por conseguinte, total e permanentemente incapacitada, provavelmente desde 19.2.2021, com sequelas graves e permanentes, em decorrência da progressão das doenças/lesões/moléstias que tiveram início há aproximadamente 10 (dez) anos, tendo o médico perito pontuado, ainda, que mínimos esforços colocam a saúde da periciada em risco e que o seu perfil biopsicossocial não é favorável para reabilitação.
7. O INSS aduz, em suas razões recursais, que o quadro de incapacidade total e permanente teve início somente após o transcurso do período de graça subsequente à cessação do último auxílio-doença percebido pela apelada, que, nos termos do art. 15, VI, da Lei n. 8.213/91, seria de 6 (seis) meses. Entretanto, não assiste razão à autarquia previdenciária, na medida em que, conforme destacado anteriormente, o período de graça após a cessação de benefício por incapacidade é de até 12 (doze) meses, nos termos do art. 13, II, do Regulamento da Previdência Social (Decreto n. 3.048/99). Ademais, em razão do pagamento de mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarretasse a perda de sua qualidade de segurada, a apelada faz jus à prorrogação do período de graça para até 24 (vinte e quatro) meses, nos moldes do § 4º do art. 15 da Lei 8.213/91.
8. Diante desse panorama, considerando-se que (1) o último auxílio-doença gozado pela apelada cessou em dezembro de 2019, que (2) a apelada faz jus à prorrogação do período de graça por até 24 (vinte e quatro) meses e que (3) o quadro de incapacidade total e permanente teve início em fevereiro de 2021, conclui-se que, nesta ocasião, a apelada conservava sua qualidade de segurada, de modo que se impõe a manutenção da sentença em que se determinou ao INSS a concessão de aposentadoria por invalidez (aposentadoria por incapacidade permanente) à parte autora, ora apelada.
9. Honorários de sucumbência majorados em 2 (dois) pontos percentuais, nos termos do art. 85, § 11, do CPC/2015 e da tese fixada pelo Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial n. 1.864.633/RS, sob a sistemática dos recursos repetitivos (Tema 1.059).
10. Apelação do INSS não provida.
A C Ó R D Ã O
Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO à apelação do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, nos termos do voto do relator.
Brasília/DF, data da assinatura eletrônica.
Desembargador Federal RUI GONÇALVES
Relator
