Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0001750-94.2020.4.03.6344
Relator(a)
Juiz Federal RODRIGO ZACHARIAS
Órgão Julgador
4ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
10/09/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 16/09/2021
Ementa
E M E N T A
Ementa dispensada
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
4ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0001750-94.2020.4.03.6344
RELATOR:10º Juiz Federal da 4ª TR SP
RECORRENTE: AUGUSTO CESAR DE OLIVEIRA
Advogado do(a) RECORRENTE: LARISSA MARANGONI DE SOUZA - SP445034
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0001750-94.2020.4.03.6344
RELATOR:10º Juiz Federal da 4ª TR SP
RECORRENTE: AUGUSTO CESAR DE OLIVEIRA
Advogado do(a) RECORRENTE: LARISSA MARANGONI DE SOUZA - SP445034
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Cuida-se de recurso interposta em face de sentença que julgou improcedente o pedido de
concessão do benefício de benefício assistencial.
Nas razões, requer, a parte autora, a reforma do julgado porquanto é pobre e encontra-se na
condição de deficiente, pelas razões que aduz.
Vieram os autos a esta 10 Cadeira da 4ª Turma Recursal.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0001750-94.2020.4.03.6344
RELATOR:10º Juiz Federal da 4ª TR SP
RECORRENTE: AUGUSTO CESAR DE OLIVEIRA
Advogado do(a) RECORRENTE: LARISSA MARANGONI DE SOUZA - SP445034
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Quanto ao mérito, discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do
benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93,
regulamentado, atualmente, pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
Essa lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu
artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o
postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar a
miserabilidade ou a hipossuficiência, ou seja, não possuir meios de prover a própria
manutenção nem de tê-la provida por sua família.
1.DA HIPOSSUFICIÊNCIA OU MISERABILIDADE
A respeito do requisito objetivo, o tema foi levado à apreciação do Pretório Excelso por meio de
uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, movida pelo Procurador Geral da República, quando,
em meio a apreciações sobre outros temas, decidiu que o benefício do art. 203, inciso V, da CF
só pode ser exigido a partir da edição da Lei n.° 8.742/93.
Trata-se da ADIN 1.232-2, de 27/08/98, publicada no DJU de 1/6/2001, Pleno, Relator Ministro
Maurício Correa, RTJ 154/818, ocasião em que o STF reputou constitucional a restrição
conformada no § 3o do art. 20 da Lei n.° 8.742/93.
Em controle difuso de constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal manteve o entendimento
(vide RE 213.736-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, informativo STF n.° 179; RE 256.594-6, Rel. Min.
Ilmar Galvão, DJ 28/4/2000, Informativo STF n.° 186; RE n.° 280.663-3, São Paulo, j.
06/09/2001, relator Maurício Corrêa).
Não obstante, o Superior Tribunal de Justiça, em vários precedentes, considerou que a
presunção objetiva absoluta de miserabilidade, da qual fala a Lei, não afasta a possibilidade de
comprovação da condição de miserabilidade por outros meios de prova (REsp n. 435.871, 5ª
Turma Rel. Min. Felix Fischer, j. 19/9/2002, DJ 21/10/2002, p. 61, REsp n. 222.764, STJ, 5ªT.,
Rel. Min. Gilson Dipp, j. 13/2/2001, DJ 12/3/2001, p. 512; REsp n. 223.603/SP, STJ, 5ª T., Rel.
Min. Edson Vidigal, DJU 21/2/2000, p. 163).
O Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade sem pronúncia de
nulidade do parágrafo 3º do artigo 20 da LOAS, que previa como critério para a concessão de
benefício a idosos ou deficientes a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do
salário mínimo, por considerar que esse critério está defasado para caracterizar a situação de
miserabilidade, cabendo a análise dessa condição no caso concreto (RE 567985)
Para além disso, foi declarada, no julgamento do RE 580963, a inconstitucionalidade sem
pronúncia de nulidade do parágrafo único do artigo 34 da Lei 10.471/2003 (Estatuto do Idoso),
sob o fundamento da inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de
deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em
relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo, o
que fere o princípio da isonomia.
As decisões concluíram que a mera interpretação gramatical do preceito, por si só, pode
resultar no indeferimento da prestação assistencial em casos que, embora o limite legal de
renda per capita seja ultrapassado, evidenciam um quadro de notória hipossuficiência
econômica.
Essa insuficiência da regra decorreria não só das modificações fáticas (políticas, econômicas e
sociais), mas principalmente das alterações legislativas que ocorreram no País desde a edição
da Lei Orgânica da Assistência Social, em 1993.
Assim, não há como considerar o critério previsto no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 como
absoluto e único para a aferição da situação de miserabilidade, até porque o próprio Estado
Brasileiro elegeu outros parâmetros, como os defluentes da legislação acima citada.
Deve-se verificar, na questão in concreto, a ocorrência de situação de pobreza - entendida
como a de falta de recursos e de acesso ao mínimo existencial -, a fim de se concluir por devida
a prestação pecuniária da assistência social constitucionalmente prevista.
Sendo assim, ao menos desde 14/11/2013 (RE 580963 e RE 567985), o critério da
miserabilidade do § 3º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93 não impede o julgador de levar em conta
outros dados, a fim de identificar a situação de vida do idoso ou do deficiente, principalmente
quando estiverem presentes peculiaridades, a exemplo de necessidades especiais com
medicamentos ou com educação.
Nesse diapasão, apresento alguns parâmetros razoáveis, norteadores da análise individual de
cada caso:
a) todos os que recebem renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo são miseráveis;
b) nem todos que percebem renda familiar per capita superior a ¼ e inferior a ½ salário mínimo
são miseráveis;
c) nem todos que percebem renda familiar per capita superior a ½ salário mínimo deixam de ser
miseráveis;
d) todos que perceberem renda mensal familiar superior a um salário mínimo (artigo 7º, IV, da
Constituição Federal) não são miseráveis.
No mais, a mim me parece que, em todos os casos, outras circunstâncias diversas da renda
devem ser levadas em conta, mormente se o patrimônio do requerente também se subsume à
noção de hipossuficiência. Vale dizer, é de ser apurado se o interessado possui poupança, se
vive em casa própria, com ou sem ar condicionado, se possui veículo, telefones celulares, plano
de saúde, auxílio permanente de parentes ou terceiros etc.
2.CONCEITO DE FAMÍLIA
Para se apurar se a renda per capita do requerente atinge, ou não, o âmbito da
hipossuficiência, faz-se mister abordar o conceito de família.
O artigo 20 da Lei n. 8.742/93 estabelecia, ainda, para efeitos da concessão do benefício, os
conceitos de família (conjunto de pessoas do art. 16 da Lei n. 8.213/91, desde que vivendo sob
o mesmo teto - § 1º), de pessoa portadora de deficiência (aquela incapacitada para a vida
independente e para o trabalho - § 2º) e de família incapacitada de prover a manutenção da
pessoa portadora de deficiência ou idosa (aquela com renda mensal per capita inferior a um
quarto do salário mínimo - § 3º).
A Lei n. 12.435, vigente desde 7/7/2011, alterou os §§ 1º e 2º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93,
estabelecendo que a família, para fins de concessão do benefício assistencial, deve ser aquela
composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a
madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores
tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Ao mesmo tempo, o dever de sustento familiar (dos pais em relação aos filhos e destes em
relação àqueles) não pode ser substituído pela intervenção Estatal, pois o próprio artigo 203, V,
da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o sustento não puder ser
provido pela família. Essa conclusão tem arrimo no próprio princípio da solidariedade social,
conformado no artigo 3º, I, do Texto Magno.
O que quero dizer é que, à guisa de regra mínima de coexistência entre as pessoas em
sociedade, a técnica de proteção social prioritária é a família, em cumprimento ao disposto no
artigo 229 da Constituição Federal, in verbis: " Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os
filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice,
carência ou enfermidade."
3.SUBSIDIARIEDADE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL
Por conseguinte, à vista da preponderância do dever familiar de sustento, hospedado no artigo
229 da Constituição da República, a Assistência Social, tal como regulada na Lei nº 8.742/93,
terá caráter subsidiário em relação às demais técnicas de proteção social (previdência social,
previdência privada, caridade, família, poupança etc), dada a gratuidade de suas prestações.
Com efeito, levando-se em conta o alto custo do pretendido “Estado de bem-estar social”,
forjado no Brasil pela Constituição Federal de 1988 quando a grande maioria dos países
europeus já haviam reconhecido sua inviabilidade financeira, forçoso é reconhecer que a
assistência social, a par da dimensão social do princípio da dignidade da pessoa humana
(artigo 1º, III, do CF), só deve ser prestada em casos de real necessidade, sob pena de
comprometer – dada a crescente dificuldade de custeio – a proteção social da coletividade, não
apenas das futuras gerações, mas também da atual.
De fato, o benefício previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal tem o valor de 1 (um)
salário mínimo, ou seja, a mesma quantia paga a milhões de brasileiros que se aposentaram no
Regime Geral de Previdência Social mediante o pagamento de contribuições, durante vários
anos.
De modo que a assistência social deve ser fornecida com critério, pois do contrário se gerarão
privilégios e desigualdades, em oposição à própria natureza dos direitos sociais que é a de
propiciar igualdade, isonomia de condições a todos, observados os fins sociais (não individuais)
da norma, à luz do artigo 5º da LINDB.
Pertinente, in casu, o ensinamento do professor de direito previdenciário Wagner Balera,
quando pondera a respeito da dimensão do princípio da subsidiariedade: "O Estado é,
sobretudo, o guardião dos direitos e garantias dos indivíduos. Cumpre-lhe, assinala Leão XIII,
agir em favor dos fracos e dos indigentes exigindo que sejam, por todos respeitados os direitos
dos pequenos. Mas, segundo o princípio da subsidiariedade - que é noção fundamental para a
compreensão do conteúdo da doutrina social cristã - o Estado não deve sobrepor-se aos
indivíduos e aos grupos sociais na condução do interesse coletivo. Há de se configurar uma
permanente simbiose entre o Estado e a sociedade, de tal sorte que ao primeiro não cabe
destruir, nem muito menos exaurir a dinâmica da vida social I (é o magistério de Pio XI, na
Encíclica comemorativa dos quarenta anos da 'Rerum Novarum', a 'Quadragésimo Anno',
pontos 79-80)." (Centenárias Situações e Novidade da 'Rerum Novarum', p. 545).
Por fim, quanto a esse tópico, lícito é inferir que quem está coberto pela previdência social está,
em regra, fora da abrangência da assistência social. Nesse sentido, prelecionou Celso Bastos,
in verbis: “A assistência Social tem como propósito satisfazer as necessidades de pessoas que
não podem gozar dos benefícios previdenciários, mas o faz de uma maneira comedida, para
não incentivar seus assistidos à ociosidade. Concluímos, portanto, que os beneficiários da
previdência social estão automaticamente excluídos da assistência social. O benefício da
assistência social, frise-se, não pode ser cumulado pelo beneficiário com qualquer outro no
âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o de assistência médica” (Celso Bastos e
Ives Gandra Martins, in Comentários à Constituição do Brasil, 8o Vol., Saraiva, 2000, p. 429).
4.IDOSOS E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
Na hipótese de postulante idoso, a idade mínima de 70 (setenta) anos foi reduzida para 67
(sessenta e sete) anos pela Lei n. 9.720/98, a partir de 1º de janeiro de 1998, e, mais
recentemente, para 65 (sessenta e cinco) anos, com a entrada em vigor do Estatuto do Idoso
(Lei n. 10.741/03).
No que se refere ao conceito de pessoa portadora de deficiência - previsto no § 2º da Lei n.
8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 13.146/2015 -, passou a ser considerada aquela com
impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com diversas barreiras, possam obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas.
CASO CONCRETO
No caso dos autos, verifico que a r. sentença recorrida foi clara e motivada, com uma linha de
raciocínio razoável e coerente, baseando-se nas provas constantes nos autos.
Eis os fundamentos da r. sentença, muito bem fundamentada, sem formatação original:
“No caso, o pedido improcede porquanto, realizada prova pericial médica, não restou
demonstrada a deficiência a que alude o art. 20, § 2º da Lei 8.742/93 (redação dada pela Lei
12.435/11): Perícia para concessão do benefício de prestação continuada: no momento,
clinicamente, o periciando encontra-se APTO ao exercício de atividade labotrativa. A prova
técnica, produzida em juízo sob o crivo do contraditório e por profissional equidistante das
partes, é clara e induvidosa a respeito do quadro de saúde da parte autora, prevalecendo sobre
os atestados de médicos particulares. Em conclusão, a valoração das provas permite firmar o
convencimento sobre a ausência do direito invocado na inicial, posto que não atendido um dos
requisitos cumulativos do benefício assistencial, o da deficiência.” (sem destaques).
Contudo, o autor é portador do vírus HIV e, em consequência de toxoplasmose, perdeu a visão
de um olho. Tal contexto faz com que, malgrado não incapaz para o trabalho de modo
omniprofissional, deva ser considerado pessoa com deficiência, à luz do art. 20, § 2º, da LOAS.
Nada obstante, o estudo social – instruído por fotografias – demonstra que o autora, embora
declare recebeu mensalmente pouco menos de trezentos reais, aponta despesas na ordem de
um mil reais, indicando omissão de receitas.
As fotografias da residência do autor mostram um local simples mas digno.
Reputo, assim, não comprovada a miserabilidade, tal como entendeu o INSS na fase
administrativa.
Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de
atender a um público maior, para socorrer os desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja,
àquelas pessoas que sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo
fato de não terem renda ou de ser essa insignificante.
As regras do §§ 1º e 3º do artigo 20 da LOAS não podem ser reduzida ao critério matemático,
cabendo a aferição individual da situação socioeconômica. Essa a ratio do RE nº 580963.
Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO.
No caso de a parte autora estar assistida por advogado, condeno a parte recorrente ao
pagamento de honorários advocatícios, que fixo em 10% do valor da causa, nos termos do art.
85, em especial seus parágrafos 2º, 3º e 4º do Código de Processo Civil vigente, bem como art.
55 da Lei nº 9099/95, suspensa a cobrança mercê da justiça gratuita.
É como voto.
E M E N T A
Ementa dispensada
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma, por
unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo
parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
