Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0000966-83.2020.4.03.6323
Relator(a)
Juiz Federal CAIO MOYSES DE LIMA
Órgão Julgador
10ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
30/09/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 21/10/2021
Ementa
E M E N T A
Dispensada a ementa, nos termos do art. 46 da Lei nº 9.099/95.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
10ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000966-83.2020.4.03.6323
RELATOR:29º Juiz Federal da 10ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: ROSELI APARECIDA JULIO
Advogado do(a) RECORRIDO: CARLA REGINA TOSATO CAMPARIM - SP193939-N
OUTROS PARTICIPANTES:
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000966-83.2020.4.03.6323
RELATOR:29º Juiz Federal da 10ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: ROSELI APARECIDA JULIO
Advogado do(a) RECORRIDO: CARLA REGINA TOSATO CAMPARIM - SP193939-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
JUIZ FEDERAL CAIO MOYSÉS DE LIMA: Trata-se de ação proposta por ROSELI APARECIDA
JULIO em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, que tem por objeto o
restabelecimento do benefício de aposentadoria por invalidez identificado pelo NB
32/505.428.028-2, cessado em 17/09/2018, com pagamento de mensalidade de recuperação
até 17/03/2020.
A sentença julgou PROCEDENTE o pedido formulado na inicial, para condenar o INSS a (i)
restabelecer o benefício de aposentadoria por invalidez identificado pelo NB 32/505.428.028-2,
a partir de 17/09/2018 (data da cessação), com DIP na data sentença; e (ii) pagar as parcelas
vencidas entre a data da cessação do benefício e a data do seu efetivo restabelecimento,
acrescidas de juros de mora de 0,5% e atualização monetária pelo INPC.
Diz a sentença:
"[...]
No que concerne à incapacidade, a médica perita que examinou a parte fez constar de seu
laudo que a autora, com “61 anos, escolaridade: 4° ano do Primeiro Grau, relata que trabalhava
como empregada doméstica, sendo que não exerce suas atividades laborais há 15 anos. A
requerente refere Epilepsia desde 1981, tendo recebido benefício previdenciário em seu valor
integral até 2018, com redução progressiva dos valores da parcela, até 17/03/2020 (DCB). Está
recebendo o auxílio- emergencial concedido pelo Governo Federal, graças a pandemia pelo
covid 19. A aposentadoria por invalidez previdenciária foi concedida pelo INSS em 2004, após
avaliação pericial. A cessação do benefício foi deliberada em perícia médica efetuada em
17/09/2018. Pericianda refere epilepsia desde os 18 anos de idade, atualmente em uso de
Gardenal 100 mg (1cp) ao dia. Nega crises convulsivas atuais. Nega crises em 2020”.
Em suma, após entrevistar a autora, analisar toda a documentação médica que lhe foi
apresentada e examinar clinicamente a pericianda, a médica perita concluiu que a autora é
portadora de “epilepsia” (quesito 1), doença que, atualmente, não lhe causa incapacidade para
o trabalho (quesito 4), afinal, segundo explicou a perita, a autora apresenta “bom controle da
doença, sem crises convulsivas em 2020, em uso regular da medicação” (quesito 2).
Apesar de não se ter atestado a presença de incapacidade para o trabalho, convenço - me de
que no contexto em que está inserida a autora ela é, nos termos da Lei, considerada uma
pessoa incapaz. É preciso ponderar, no caso concreto, que se trata de pessoa com idade
avançada (61 anos), com baixa escolaridade (4ª série), portadora de epilepsia desde 1977 e
afastada do mercado de trabalho há 17 anos, em gozo de benefício por incapacidade mantido
pelo INSS. Considerando as condições pessoais, sociais, econômicas e culturais da autora, não
há como deixar de considerá-la uma pessoa incapaz, afinal, se não bastasse a doença
incurável de que é portadora (embora com sintomas remitidos no momento), é sabido que trata-
se de doença estigmatizante e que a sociedade discrimina pessoas com as características da
autora, negandos-lhe acesso ao mercado de trabalho. Assim, por não estar vinculado ao laudo,
convenço-me pelas razões acima expostas da incapacidade total e definitiva da autora para o
trabalho.
É oportuno salientar que, a menos que houvesse mudança no quadro de saúde da autora
desde que o INSS, há quase duas décadas, deferiu-lhe a aposentadoria por invalidez, a
cessação do benefício diante de nova interpretação do contexto fático fere frontalmente a
segurança jurídica. Veja que não houve recuperação da capacidade laboral da autora, mas sim,
uma opinião médica diferente daquela que lhe assegurou a percepção da aposentadoria por
invalidez durante longos anos frente a um mesmo contexto fático.
Por tudo isso, convenço-me de que a cessação da aposentadoria por invalidez NB
505.428.028-2 pelo INSS foi indevida, já que a autora ainda se mantinha incapaz quando o
INSS cessou-lhe a prestação. Entendo cabível, ainda, o deferimento da tutela de urgência para
o imediato restabelecimento da aposentadoria, dado o caráter alimentar próprio do benefício
(evidenciando urgência), além da certeza própria da cognição exauriente inerente ao momento
processual.
Antes de passar ao dispositivo, consigno que eventual reforma desta sentença isenta a parte
autora de devolver as parcelas recebidas no curso do processo, a menos que decida de
maneira diversa o r. juízo ad quem."
O INSS recorre, sustentando que é indevido o restabelecimento do benefício de aposentadoria
por invalidez, tendo em vista que o laudo pericial foi claro no sentido de que a enfermidade que
acomete a autora não afeta sua capacidade laborativa.
Requer, assim, a reforma da sentença, para que a ação seja julgada improcedente. Pede,
ainda, a devolução dos valores pagos por força de tutela antecipada.
A autora ofertou contrarrazões.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000966-83.2020.4.03.6323
RELATOR:29º Juiz Federal da 10ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: ROSELI APARECIDA JULIO
Advogado do(a) RECORRIDO: CARLA REGINA TOSATO CAMPARIM - SP193939-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
JUIZ FEDERAL CAIO MOYSÉS DE LIMA (RELATOR):
Cessação da aposentadoria por invalidez. Nos termos do art. 47 da Lei nº 8.213/91, a
aposentadoria por invalidez pode ser cessada quando verificada a recuperação da capacidade
de trabalho do segurado, mesmo que parcial.
Note-se, contudo, que a legislação previdenciária não contempla a possibilidade de alteração
da espécie de benefício por “desqualificação” da incapacidade de “permanente” para
“temporária”. Assim, ainda que o prognóstico inicial desfavorável que motivou a concessão do
benefício se torne favorável com o passar dos anos (por evolução da medicina, por exemplo), a
aposentadoria por invalidez, desde que validamente concedida, não poderá ser cessada senão
após efetiva recuperação total ou parcial da capacidade laborativa. Portanto, não é suficiente
para justificar a cessação do benefício com fulcro no art. 49 da Lei nº 8.213/91 a conclusão de
que a incapacidade passou de “total e permanente” para “total e temporária”.
Ademais, cumpre observar que, nos termos do art. 101, § 1º, da Lei nº 8.213/91, são isentos de
exame médico de reavaliação os aposentados por invalidez com: (i) 55 anos de idade ou mais,
desde que passados ao menos 15 anos da concessão da aposentadoria por invalidez ou do
auxílio-doença que a precedeu; e (ii) 60 anos de idade ou mais, independentemente do tempo
decorrido desde a concessão do benefício. O art. 43, § 5º, da Lei nº 8.213/91, modificado pela
Lei nº 13.847/2019, também passou a isentar os portadores do vírus HIV/AIDS do exame
médico de reavaliação a partir de sua publicação em 19/06/2019.
Isso significa que, uma vez completados esses requisitos, o exame médico torna-se irrelevante
para fins de manutenção da aposentadoria, ou seja, o direito ao benefício estabiliza-se em
definitivo, tornando-se direito adquirido do segurado, independentemente da recuperação da
capacidade de trabalho. Desse modo, decorrido certo lapso temporal, o legislador busca
privilegiar a segurança jurídica, presumindo que, uma vez atingida certa idade e/ou decorrido
certo tempo de afastamento da atividade habitual, não é mais razoável exigir ou esperar que o
segurado retorne ao mercado de trabalho.
O § 2º do mesmo art. 101 confirma essa interpretação ao definir as hipóteses em que não se
aplica a isenção, a saber:
a) quando se verificar a necessidade de assistência permanente de outra pessoa para a
concessão do acréscimo de 25% sobre o valor do benefício, conforme dispõe o art. 45;
b) quando se verificar a recuperação da capacidade de trabalho, mediante solicitação do
aposentado ou pensionista que se julgar apto;
c) para subsidiar autoridade judiciária na concessão de curatela, conforme dispõe o art. 110.
Com efeito, uma vez que nas três hipóteses o que se tem em vista é sempre a proteção do
interesse do próprio segurado, conclui-se que a isenção existe exclusivamente em favor do
segurado, não da autarquia previdenciária. Logo, a previsão dessas hipóteses está em linha
com a afirmação anterior de que a finalidade da isenção é estabilizar a situação do aposentado
por invalidez.
Em suma, a cessação da aposentadoria por invalidez, apesar de contemplada na legislação
previdenciária, requer a presença dos seguintes requisitos:
1º) que haja efetiva recuperação, parcial ou total, da capacidade de trabalho, não sendo
suficiente a mera desqualificação da incapacidade de “permanente” para “temporária”;
2º) que o segurado não tenha ainda adquirido o direito à isenção de exame médico prevista no
art. 101, § 1º, da Lei nº 8.213/91.
Caso concreto. A autora, 61 anos, com estudo até a 4ª série, exercia a atividade de empregada
doméstica. Gozou de auxílio-doença nos períodos de 10/05/2002 a 10/05/2004, de 05/07/2004
a 05/09/2004, e de 07/10/2004 a 19/10/2004, tendo sido este último convertido em
aposentadoria por invalidez a partir de 20/10/2004.
A aposentadoria foi cessada em 17/09/2018, com pagamento de mensalidades de recuperação
até 17/03/2020 (cf. CNIS – ID 177994331). A perícia administrativa de reavaliação, realizada 14
anos após a concessão da aposentadoria por invalidez, concluiu que houve recuperação da
capacidade laborativa.
No curso da instrução processual, essa conclusão foi confirmada pela perícia judicial realizada
em 13/11/2020, por clínico geral, que constatou que a autora, embora portadora de epilepsia,
não apresenta incapacidade para o trabalho:
"Epilepsia é um distúrbio cerebral causado pela predisposição permanente do cérebro em gerar
crises epilépticas espontâneas, recorrentes, acompanhadas de consequências neurobiológicas,
cognitivas e sociais. As crises epilépticas são definidas como manifestações clínicas que
refletem disfunção temporária de um conjunto de neurônios. Dependendo da localização, as
crises podem ser focais, ou seja, com início em uma região restrita do encéfalo, ou
generalizada, quando as descargas se originam concomitantemente nos dois hemisférios. As
crises focais podem ser simples, quando há preservação da consciência durante o ictus (crise
epiléptica), ou complexas, quando há perda de consciência.
As epilepsias podem ser tratadas com drogas antiepilépticas e, em casos de refratariedade das
crises ao tratamento medicamentoso, a cirurgia para remoção do foco epiléptico é uma
alternativa. Existem mais de vinte drogas disponíveis no mercado atualmente e a escolha
depende de fatores como o tipo de crise, a frequência com que ocorre, a idade e estilo de vida
do paciente. As drogas antiepilépticas geralmente são eficazes quando administradas em
monoterapia, mas admitem-se politerapias (mais de uma droga concomitantemente) quando a
monoterapia falha em controlar a crise do paciente.
Requerente com bom controle da doença, sem crises convulsivas em 2020, em uso regular da
medicação."
O laudo pericial é coerente e está bem fundamentado. As conclusões do perito baseiam-se no
exame clínico da parte autora e na análise de toda a documentação médica juntada aos autos.
É certo que a documentação médica menciona a existência de enfermidade, mas daí não
resulta necessariamente incapacidade laborativa ou deficiência, conforme bem esclarecido no
laudo pericial.
Observo, por outro lado, que as condições pessoais e sociais da autora não a impedem de
retornar ao mercado de trabalho, já que a profissão por ela antes exercida mostra-se
plenamente compatível com seu grau de escolaridade e faixa etária.
No que toca à devolução dos valores recebidos pela parte autora por força de tutela antecipada,
a decisão proferida nos autos da QO no RECURSO ESPECIAL Nº 1.734.627/SP (Tema 692),
em trâmite perante o Superior Tribunal de Justiça, determinou a suspensão da tramitação das
ações que versem sobre a questão.
Assim, é de rigor o sobrestamento do feito em relação ao pedido subsidiário de devolução dos
valores recebidos pela parte autora por força da tutela antecipada.
Diante do exposto, dou provimento ao recurso da parte ré para julgar improcedente a ação e
determinar a cessação do benefício de aposentadoria por invalidez concedido judicialmente.
Quanto ao pedido de devolução dos valores recebidos por força da tutela antecipada, determino
o sobrestamento do feito.
Oficie-se com brevidade ao INSS para a cessação do benefício identificado pelo NB
32/505.428.028-2.
Sem condenação em honorários, porque somente o recorrente vencido deve arcar com as
verbas sucumbenciais, nos termos do art. 55 da Lei nº 9.099/95, combinado com o art. 1º da Lei
nº 10.259/2001.
É o voto.
E M E N T A
Dispensada a ementa, nos termos do art. 46 da Lei nº 9.099/95. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Turma
Recursal do Juizado Especial Federal da Terceira Região - Seção Judiciária de São Paulo, por
unanimidade, dar provimento ao recurso da parte ré, e, quanto ao pedido de devolução dos
valores recebidos por força da tutela antecipada, determino o sobrestamento do feito, nos
termos do voto do Juiz Federal Relator, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
