Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0000694-75.2019.4.03.6339
Relator(a)
Juiz Federal ISADORA SEGALLA AFANASIEFF
Órgão Julgador
13ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
11/11/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 24/11/2021
Ementa
E M E N T A
Direito Previdenciário. Tempo especial. Sentença de parcial procedência. Exposição ao frio como
“auxiliar de câmara fria”. Possibilidade de enquadramento legal nos itens 1.1.2 do Decreto
53.831/64 e 1.1.2 do Decreto 83.080/79. Para os demais períodos, não há comprovação à efetiva
exposição a fator agressivo. Ausência de informação quanto à metodologia de aferição do ruído.
Afasta alegação de cerceamento de defesa. Ônus probatório do qual não se desincumbiu a parte
autora. Recurso das partes aos quais se nega provimento.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
13ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000694-75.2019.4.03.6339
RELATOR:37º Juiz Federal da 13ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: HELIO DA SILVA
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Advogado do(a) RECORRIDO: JAQUELINE COSTA NETTO - SP412228-A
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo13ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000694-75.2019.4.03.6339
RELATOR:37º Juiz Federal da 13ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: HELIO DA SILVA
Advogado do(a) RECORRIDO: JAQUELINE COSTA NETTO - SP412228-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recursos interpostos pelo INSS e pela parte autora em face de sentença que julgou
parcialmente procedente o pedido para reconhecer como tempo especial o período de
08/11/1989 a 29/07/1994, indeferindo o pedido de concessão do benefício de aposentadoria por
tempo de contribuição.
A parte autora alega o cerceamento de defesa pelo indeferimento da produção de prova que
considera essencial para o deslinde feito. Requer assim, a anulação da r. sentença a quo ou o
deferimento da prova pericial pleiteada para permitir a ampla defesa. No mérito, pugna pela
reforma da sentença, aduzindo que sempre trabalhou exposto a agentes nocivos ruído e frio.
Aduz que: a) no período de 01/08/1994 até 18/03/1996 o Recorrente trabalhou para a
Cooperativa Agrícola de Cotia, exercendo a função de serviços gerais, sendo que a anotação
na CTPS basta para o reconhecimento da especialidade; b) no período de 02/08/2010 até
14/12/2018 (DER) o Recorrente trabalhou para a empresa Artabas – Artefatos de Arame Bastos
Ltda., sendo que no referido período exerceu as funções de operador de máquina de dobrar
chapa e inspetor de linha de produção, estando sujeito ao agente físico ruído no patamar de
87,6 dB, ou seja, superior ao limite previsto em Lei (85 dB). Requer seja anulada a sentença ou,
em caso de rejeição da preliminar arguida, requer o provimento dos pedidos, com a finalidade
de reconhecer o trabalho em condições especiais nos períodos descritos.
Por sua vez, o INSS sustenta que a r. sentença baseou-se, para o reconhecimento do período
de tempo especial no lapso de 08/11/1989 a 29/07/1994 na cópia da CTPS onde consta que a
parte autora exercera a função de “Auxiliar de Câmara Fria”. Ocorre que não há, nos autos,
qualquer prova técnica de que a parte autora em câmaras frigoríficas, em fabricação de gelo ou
com temperaturas excessivamente baixas (inferiores a 12° C). Ocorre que, assim como os
agentes físicos ruído e calos, a exposição ao frio sempre demandou laudo técnico para fins de
sua caracterização como atividade especial. Requer a reforma da sentença.
A parte autora apresentou contrarrazões.
É o breve relatório.
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo13ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000694-75.2019.4.03.6339
RELATOR:37º Juiz Federal da 13ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: HELIO DA SILVA
Advogado do(a) RECORRIDO: JAQUELINE COSTA NETTO - SP412228-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Inicialmente, afasto a preliminar de cerceamento de defesa.
A Lei n. 9.099/95, art. 33, e o CPC, art. 370, apontam para possibilidade de limitação de meios
de prova excessivos, impertinentes ou protelatórios.
No que toca à produção de prova sobre trabalho em condições nocivas à saúde, o art. 67, §3º,
do Decreto n. 3.048/99, “a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos
será feita mediante formulário emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo
técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de
segurança do trabalho”. O formulário em questão, por sua vez, está descrito nos §§8º a 10 do
mesmo artigo, os quais regulamentam a emissão do perfil profissiográfico previdenciário – PPP.
Esse é o meio de prova pertinente para tanto, ao qual o ordenamento jurídico atribui, como
regra, valor probatório suficiente para comprovar o exercício do trabalho em condições
especiais.
Eventualmente, pode haver prova técnica para a comprovação da exposição do segurado a
agentes nocivos em sua jornada de trabalho. Porém, a medida é excepcional, haja vista a
dificuldade que oferece à demonstração, de forma fidedigna, das condições de exercício de
atividade laboral em época pretérita. Jamais será obtida, por meio dessa prova pericial indireta,
a identidade das condições em que o labor do segurado efetivamente se dava à época, pelo
que seu valor probatório é diminuto, e seu deferimento, excepcional.
O tema foi objeto de pronunciamento da Turma Nacional de Uniformização:
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO ESPECIAL. PERÍCIA POR SIMILARIDADE. POSSIBILIDADE,
DESDE QUE PRESENTES DETERMINADOS REQUISITOS. QUESTÃO DE ORDEM N.
20/TNU. INCIDENTE PARCIALMENTE PROVIDO.
- Trata-se de incidente de uniformização movido pela parte autora em face de acórdão de
Turma Recursal de São Paulo, que manteve a sentença para deixar de reconhecer como
especiais os períodos em que houve perícia indireta (por similaridade). Pois bem.
- Quanto ao ponto controverso, a Turma de Origem assim consignou, in verbis: “(...) Importante
destacar que o laudo pericial realizado em empresas similares não deve ser admitido, uma vez
que não reflete as reais condições de trabalho em que a parte efetivamente exerceu suas
atividades, esmaecendo, pois, o caráter de certeza de que se espera da perícia técnica. Não se
trata de confiar ou não na habilidade do perito, mas da necessidade de se apurar, por
instrumentação técnica, o que nenhum outro elemento pode suprir, as reais condições de
trabalho por parte do autor. Acrescento que até mesmo a perícia realizada na própria empresa,
porém com maquinário ou disposição física (“layout”) alterados, deve ser analisada com
ressalvas, ou até mesmo desconsiderada. (...)”.
- Consoante já decidiu a TNU, a impossibilidade de o segurado requerer administrativamente
seu benefício munido de todos os documentos, em virtude da omissão de seu empregador
quanto à emissão dos competentes laudos técnico, não deve prejudicar a parte autora
(PEDILEF 200470510073501, Rel. Juiz Federal Derivaldo de Figueiredo Bezerra Filho, Dj
16/02/2009). Aliás, a jurisprudência da TNU aponta no sentido de que não pode o empregado
ser penalizado pelo não cumprimento de obrigação imposta ao empregador.
- Ora, em se tratando de empresa que teve suas atividades encerradas, a solução para a busca
da melhor resposta às condições de trabalho, com a presença ou não de agentes nocivos, é a
realização de perícia indireta (por similaridade) em estabelecimento e local de atividades
semelhantes àquele em que laborou originariamente o segurado, onde certamente estarão
presentes eventuais agentes nocivos.
- A perícia indireta ou por similaridade é um critério jurídico de aferição que se vale do
argumento da primazia da realidade, em que o julgador faz uma opção entre os aspectos
formais e fáticos da relação jurídica sub judice, para os fins da jurisdição.
- Porém, somente se as empresas nas quais a parte autora trabalhou estiverem inativas, sem
representante legal e não existirem laudos técnicos ou formulários poder-se-ia aceitar a perícia
por similaridade, como única forma de comprovar a insalubridade no local de trabalho. Tratar-
se-ia de laudo pericial comparativo entre as condições alegadas e as suportadas em outras
empresas, supostamente semelhantes, além da oitiva de testemunhas. No caso, contudo,
devem descrever: (i) serem similares, na mesma época, as características da empresa
paradigma e aquela onde o trabalho foi exercido, (ii) as condições insalubres existentes, (iii) os
agentes químicos aos quais a parte foi submetida, e (iv) a habitualidade e permanência dessas
condições.
- Com efeito, são inaceitáveis laudos genéricos, que não traduzam, com precisão, as reais
condições vividas pela parte em determinada época e não reportem a especificidade das
condições encontradas em cada uma das empresas. Ademais, valendo-se o expert de
informações fornecidas exclusivamente pela autora, por óbvio a validade das conclusões está
comprometida. Destarte, não há cerceamento do direito de defesa no indeferimento ou não
recebimento da perícia indireta nessas circunstâncias, sem comprovação cabal da similaridade
de circunstâncias à época.
- Oportuno destacar que será ônus do autor fornecer qualquer informação acerca das atividades
por ele executadas, das instalações das empresas, em qual setor trabalhou ou o agente
agressivo a que esteve exposto, ou seja, todos os parâmetros para a realização da prova
técnica.
- No mesmo sentido se posicionou esta Corte, por ocasião do julgamento do PEDILEF
0032746-93.2009.4.03.6301, de minha relatoria.
- Portanto, fixa-se a tese de que é possível a realização de perícia indireta (por similaridade) se
as empresas nas quais a parte autora trabalhou estiverem inativas, sem representante legal e
não existirem laudos técnicos ou formulários, ou quando a empresa tiver alterado
substancialmente as condições do ambiente de trabalho da época do vínculo laboral e não for
mais possível a elaboração de laudo técnico, observados os seguintes aspectos: (i) serem
similares, na mesma época, as características da empresa paradigma e aquela onde o trabalho
foi exercido, (ii) as condições insalubres existentes, (iii) os agentes químicos aos quais a parte
foi submetida, e (iv) a habitualidade e permanência dessas condições.
- Diante do exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO AO INCIDENTE, para determinar o retorno
dos autos à Turma de Origem, nos termos da Questão de Ordem n. 20/TNU, a fim de que se
avalie se a perícia por similaridade realizada atentou aos pressupostos acima descritos.
(Acórdão 00013233020104036318, Relator JUIZ FEDERAL FREDERICO AUGUSTO
LEOPOLDINO KOEHLER, j. 22/06/2017, DOU 12/09/2017 PÁG. 49/58, negritei).
O julgado enuncia os requisitos a serem observados para o deferimento desta espécie de
perícia.
O primeiro é a demonstração de necessidade desse meio de produção de prova. Deve ser
demonstrada documentalmente a inatividade da empresa em que teria laborado em condições
especiais e a ausência de representante legal que possa atestar as condições em que o
trabalho foi prestado, de forma a comprovar a impossibilidade de produção da prova
documental exigida pela legislação previdenciária para a demonstração do fato, quais sejam, os
formulários específicos e, quando for o caso, o laudo técnico.
Comprovado esse primeiro fato, cabe à parte autora, ainda, demonstrar a utilidade e pertinência
da produção de prova pericial por similaridade. Isso implica especificar, de forma clara e
concreta, o objeto da prova e os pontos controvertidos sobre os quais a perícia incidirá. Deve
haver demonstração ainda de possibilidade de que esse meio de prova ostente valor probatório
num processo judicial, ou seja, ser útil e pertinente.
A ausência de apresentação de elementos de convicção suficientes para demonstrar a
pertinência e oportunidade da produção da prova, como acima descrito, torna a prova pericial
um ato processual inútil, que não possuirá valor probatório suficiente para comprovar o fato
pretendido pela parte autora.
No caso em discussão, a prova técnica requerida pela parte autora não preenche os requisitos
em questão, uma vez que a empresa/empregador se encontra ativa e não restou demonstrada
a recusa no fornecimento da documentação (formulários PPP), razão pela qual não há que se
falar em cerceamento de defesa a ensejar o retorno dos autos à origem.
Ademais, verifica-se que a parte autora foi intimada pelo juízo de origem a “juntar aos autos
laudos técnicos individuais das condições ambientais, formulados por médico do trabalho ou
engenheiro de segurança do trabalho, referentes aos períodos tidos por especiais após o ano
de 1997, no prazo de 30 dias” (evento 12), tendo se limitado a afirmar que os documentos já
estavam acostados aos autos (fls. 12/17, evento 02).
Ora, o ônus de comprovar os fatos constitutivos de seu alegado direito é do autor, que não pode
transferi-lo ao Poder Judiciário por mera comodidade.
Desse modo, não há que se falar em cerceamento de defesa e consequentemente em nulidade
da sentença, razão pela qual rejeito a preliminar levantada, ressaltando que a questão da prova
será examinada com mais profundidade quando da análise do mérito, o que passo a fazer em
seguida.
No mérito, a matéria trazida a esta Turma Recursal refere-se ao alegado exercício de atividade
especial pela parte autora e seus consectários.
O § 7º do art. 201, da Constituição Federal, estabeleceu os requisitos para a concessão da
aposentadoria por tempo de contribuição, dispondo:
§ 7º. É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei,
obedecidas as seguintes condições: I – trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta
anos de contribuição, se mulher; (...).
Por outro lado, tratando-se de pedido de concessão da aposentadoria por tempo de
contribuição em que o autor requer o reconhecimento de tempo de serviço especial e a
conversão em comum, necessário tecer considerações a respeito da aposentadoria especial.
A aposentadoria especial foi instituída pela Lei n.º 3.807/60, em seu art. 31, e exigia idade
mínima de 50 anos, com 15, 20 ou 25 anos de atividades perigosas, penosas ou insalubres.
Atualmente, há previsão nos arts. 201, §1° da Constituição Federal de 1988 e 15 da EC 20/98,
além dos art. 57 e 58 da Lei de Benefícios atual.
A regra prevista no art. 57 da Lei n° 8.213/91 prevê a concessão do benefício para quem, uma
vez cumprida a carência, comprovar ter trabalhado em serviço sujeito a agentes nocivos, que
prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco)
anos.
Trata-se de benefício decorrente do trabalho realizado em condições prejudiciais à saúde
(perfeito equilíbrio biológico do ser humano) ou à integridade física (preservação integral do
organismo, sem afetação prejudicial por ação exterior) do segurado, como nas atividades
penosas, perigosas ou insalubres, de acordo com a previsão da lei.
A aposentadoria especial é de natureza extraordinária, ou seja, uma espécie do gênero
aposentadoria por tempo de serviço/contribuição (da qual a aposentadoria do professor é uma
subespécie), pois o beneficiário, sujeito a condições agressivas, pode se aposentar com 15, 20
ou 25 anos de serviço.
Nas últimas décadas, foram introduzidas várias modificações quanto a este benefício. A Lei n.º
9.032/95 redefiniu o art. 57 da Lei n° 8.213/91: a) alterando o coeficiente do salário-de-
benefício, unificado em 100%; b) impondo a necessidade de prova das condições ambientais; c)
cometendo ao MPAS a atribuição de fixar os critérios de conversão; d) eliminando o cômputo do
tempo de serviço do dirigente sindical; e) vedando a volta ao trabalho do aposentado.
A Lei n° 9.528/97, desde a MP n° 1523/96: a) prescreveu a possibilidade de o Poder Executivo
relacionar os agentes nocivos; b) recriou o SB-40, sob o nome de DSS 8030; c) instituiu o laudo
técnico; d) exigiu referência à tecnologia diminuidora da nocividade; e) fixou multa para
empresa sem laudo técnico atualizado; f) instituiu o perfil profissiográfico e revogou a Lei n.º
8.641/93 (telefonistas).
Assim, a evolução legislativa gerou o seguinte quadro para se comprovar a atividade especial:
-Para o trabalho exercido até 28 de abril de 1995, véspera da publicação da Lei nº 9.032, de
1995, bastava o enquadramento da atividade especial de acordo com a categoria profissional a
que pertencia o trabalhador, segundo os agentes nocivos constantes nos róis dos Decretos nº
53.831/64 e 83.080/79;
- para períodos laborados entre 29 de abril de 1995, data da publicação da Lei nº 9.032, de
1995, a 13 de outubro de 1996, véspera da publicação da MP nº 1.523, de 1996, passou-se a
exigir a efetiva exposição aos agentes nocivos, por meio de formulário específico, nos termos
da regulamentação;
- Após a edição da MP n.º 1.523, de 11.10.1996, vigente em 14 de outubro de 1996, tornou-se
legitimamente exigível a apresentação de laudo técnico a corroborar as informações constantes
nos formulários SB 40, DSS 8030 ou PPP.
Esclareça-se que o laudo técnico pode não estar presente nos autos, desde que haja menção
no formulário juntado, de que as informações nele constantes foram retiradas de laudos
devidamente elaborados, com menção aos seus responsáveis.
Esse é o panorama para todos os agentes agressivos, exceto para o ruído e calor, que sempre
estiveram sujeitos aos imprescindíveis laudos a amparar as conclusões dos formulários.
Para a demonstração da exposição aos agentes agressivos ruído e calor, sempre foi exigida a
apresentação de laudo técnico, conforme o Decreto nº 72.771/73 e a Portaria nº 3.214/78,
respectivamente, independentemente do período em que o trabalho foi efetivamente exercido,
pois só a medição técnica possui condições de aferir a intensidade da referida exposição,
consoante a jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça (AgRg no REsp
941.885/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 19/06/2008, DJe
04/08/2008; AgRg no REsp 877.972/SP, Rel. Ministro HAROLDO RODRIGUES
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/CE), SEXTA TURMA, julgado em 03/08/2010, DJe
30/08/2010).
RUÍDO
Além de prova específica, por meio de laudo técnico, o agente agressivo “ruído” passou por
uma evolução legislativa quanto aos níveis caracterizadores da atividade especial.
Assim, no que se refere aos níveis de ruído para caracterização de atividade laborativa
especial, entende esta Magistrada, na esteira de remansosa jurisprudência, que, até a edição
do Decreto nº 2.172, de 05/03/1997, a atividade sujeita ao agente agressivo ruído deve ser
considerada especial se for superior a 80 (oitenta) decibéis.
Na verdade, até a edição do aludido Decreto 2.172, de 05/03/1997, aplicavam-se
concomitantemente os anexos dos Decretos 53.831/64 e 83.080/79. O item 1.1.6 do anexo ao
Decreto 53.831/64 previa o enquadramento como especial de atividade que sujeitasse o
trabalhador a ruído superior a apenas 80 decibéis. O Decreto 83.080/79, por sua vez, no item
1.1.5 do anexo I, exigia nível de ruído superior a 90 decibéis para a atividade ser considerada
em condições especiais.
Considerando que um decreto complementava o outro e não excluíam as atividades e os
agentes previstos em um, mas não repetidas em outro, surgiu aí a característica antinomia.
No caso, como forma de resolvê-la, há de ser aplicada a norma que mais tutela a saúde e a
integridade física da pessoa humana, devendo-se aplicar o anexo do Decreto n.º 53.831/64, em
detrimento do Decreto n.º 83.080/79.
A propósito, temos o julgado abaixo:
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. PREVIDENCIÁRIO. CONVERSÃO DE TEMPO DE SERVIÇO
ESPECIAL EM COMUM. EXPOSIÇÃO A RUÍDO. LIMITE MÍNIMO.
1. Estabelecendo a autarquia previdenciária, em instrução normativa, que até 5/3/1997 o índice
de ruído a ser considerado é 80 decibéis e após essa data 90 decibéis, não fazendo qualquer
ressalva com relação aos períodos em que os decretos regulamentadores anteriores exigiram
os 90 decibéis, judicialmente há de se dar a mesma solução administrativa, sob pena de tratar
com desigualdade segurados que se encontram em situações idênticas.
2. Embargos de divergência rejeitados.
(EREsp 412351/RS, Rel. Ministro PAULO GALLOTTI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em
27/04/2005, DJ 23/05/2005, p. 146)
Ademais, o próprio INSS considera, nos termos do art. 239 da INSTRUÇÃO NORMATIVA
INSS/PRES nº 45, de 6 de agosto de 2010, DOU, de 11/08/2010, o enquadramento da
atividade laboral como especial quando a exposição for superior a 80 decibéis até 4 de março
de 1997.
A partir de 5 de março de 1997, até 18 de novembro de 2003, o enquadramento opera-se se a
exposição for superior a 90 decibéis (Pet 9.059/RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES,
PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/08/2013, DJe 09/09/2013).
Depois de 19 de novembro de 2003, será considerada especial a atividade se a exposição se
der perante ruídos superiores a 85 decibéis ou for ultrapassada a dose unitária, aplicando-se a
NHO-01 da FUNDACENTRO ou na NR 15, que definem as metodologias e os procedimentos
de avaliação.
A partir de 19.11.2003, é necessário que conste do PPP a metodologia utilizada para sua
aferição, somente sendo aceitas como idôneas as metodologias preconizadas pela NHO-01 da
FUNDACENTRO ou pela NR-15. (PEDILEF Nº 0505614-83.2017.4.05.8300/PE, Rel. Juiz
Federal Sérgio de Abreu Brito, j. 21.03.2019).
LEGISLAÇÃO APLICÁVEL NO TEMPO
Feito o histórico da legislação, consigne-se que é a lei vigente durante a prestação da atividade
que irá reger o seu enquadramento jurídico, conforme o parágrafo 1º do art. 70 do Decreto n°
3.048/99 que assim determina: “a caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob
condições especiais obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do
serviço”.
Assim, é juridicamente relevante assegurar à parte autora que o pedido de enquadramento de
sua atividade laborativa como atividade especial seja examinado de acordo com as normas
vigentes à época da prestação do seu serviço, em homenagem ao princípio da segurança
jurídica, um dos pilares do Estado de Direito.
É esse o entendimento jurisprudencial consolidado em recurso representativo de controvérsia,
julgado pelo Superior Tribunal de Justiça:
CONVERSÃO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL EM COMUM. OBSERVÂNCIA DA LEI EM
VIGOR POR OCASIÃO DO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE. DECRETO N. 3.0481999, ARTIGO
70, §§ 1º E 2º. FATOR DE CONVERSÃO. EXTENSÃO DA REGRA AO TRABALHO
DESEMPENHADO EM QUALQUER ÉPOCA.
1. A teor do § 1º do art. 70 do Decreto n. 3.04899, a legislação em vigor na ocasião da
prestação do serviço regula a caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob
condições especiais. Ou seja, observa-se o regramento da época do trabalho para a prova da
exposição aos agentes agressivos à saúde: se pelo mero enquadramento da atividade nos
anexos dos Regulamentos da Previdência, se mediante as anotações de formulários do INSS
ou, ainda, pela existência de laudo assinado por médico do trabalho.
(REsp n. 1.151.363MG, Ministro Jorge Mussi, Terceira Seção, DJe 542011)
CONVERSÃO DE TEMPO ESPECIAL EM COMUM
E o parágrafo 2º do mesmo art. 70 permite que se convole em comum o tempo de atividade
especial auferido a qualquer momento.
§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de
atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período.
(Incluído pelo Decreto nº 4.827, de 2003)
Outrossim, no julgamento do mesmo REsp n. 1.151.363MG, representativo de controvérsia, a
Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça confirmou o posicionamento de que continua
válida a conversão de tempo de especial para comum, mesmo após 1998. Segue ementa do
referido julgado:
PREVIDENCIÁRIO. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL APÓS 1998. MP N.
1.663-14, CONVERTIDA NA LEI N. 9.7111998 SEM REVOGAÇÃO DA REGRA DE
CONVERSÃO.
1. Permanece a possibilidade de conversão do tempo de serviço exercido em atividades
especiais para comum após 1998, pois a partir da última reedição da MP n. 1.663, parcialmente
convertida na Lei 9.7111998, a norma tornou-se definitiva sem a parte do texto que revogava o
referido § 5º do art. 57 da Lei n. 8.2131991.
2. Precedentes do STF e do STJ.
(REsp n. 1.151.363MG, Ministro Jorge Mussi, Terceira Seção, DJe 542011)
O fator de conversão será o disposto nesta mesma regra.
TEMPO A CONVERTER
MULTIPLICADORES
MULHER (PARA 30)
HOMEM (PARA 35)
DE 15 ANOS
2,00
2,33
DE 20 ANOS
1,50
1,75
DE 25 ANOS
1,20
1,40
Nesse sentido, o Enunciado n. 55 da Turma Nacional de Uniformização:
“A conversão do tempo de atividade especial em comum deve ocorrer com aplicação do fator
multiplicativo em vigor na data da concessão da aposentadoria.”
Feitas tais considerações jurídicas, no caso em tela, passo à análise dos períodos
controvertidos devolvidos à análise deste Colegiado pelo recorrente:
- período de 08/11/1989 a 29/07/1994: tempo especial
Ao contrário do alegado pelo INSS, é cabível o reconhecimento de tempo especial no período
com base na CTPS, uma vez que consta registro do autor como “auxiliar de câmara fria”,
passível de enquadramento nos itens 1.1.2 do Decreto 53.831/64 e 1.1.2 do Decreto 83.080/79,
relativos a “operações em locais com temperatura excessivamente baixa, capaz de ser nociva à
saúde e proveniente de fontes artificiais”.
Até 05/03/1997, o enquadramento pela exposição ao frio estava aliado à temperatura inferior a
12 °C (conforme previsto no Decreto 53.831/64) ou sem limite de tolerância ou mensuração
para as atividades exercidas no interior de câmaras frias e na fabricação de gelo (conforme
previsto no Decreto nº 83.080/79), restando, neste último caso, presumida a nocividade da
atividade. Convém ressaltar que, com a publicação do Decreto 2.172/97, o legislador afastou o
frio como agente nocivo
Ademais, a Turma Nacional de Uniformização, por meio do PEDILEF
500022403.2012.404.7203, seguindo a orientação firmada pelo Superior Tribunal de Justiça -
no sentido de que "as normas regulamentadoras que estabelecem os casos de agentes e
atividades nocivos à saúde do trabalhador são exemplificativas, podendo ser tido como distinto
o labor que a técnica médica e a legislação correlata considerarem como prejudiciais ao obreiro,
desde que o trabalho seja permanente, não ocasional, nem intermitente, em condições
especiais" – decidiu que é possível o reconhecimento como especial de período laborado com
exposição ao agente nocivo frio, após o Decreto n. 2.172/97.
A NR 15 do MTE, no Anexo 9, estabelece que “As atividades ou operações executadas no
interior de câmaras frigoríficas, ou em locais que apresentem condições similares, que
exponham os trabalhadores ao frio, sem a proteção adequada, serão consideradas insalubres
em decorrência de laudo de inspeção realizada no local de trabalho”.
Assim, no tocante à permanência ou não à exposição ao agente nocivo frio, a Turma Nacional
de Uniformização (TNU) também firmou o entendimento “da desnecessidade de demonstração
de permanência para as atividades exercidas no interior de câmara frigorífica, com exposição
ao frio, na vigência da Lei 9.032/95” (PEDILEF 5006995-93.2014.4.04.7213, Rel. Juíza Federal
CARMEN ELIZANGELA DIAS MOREIRA DE RESENDE, Decisão em 19/04/2018).
Desse modo, nada há que se reformar na r. sentença.
- períodos de 01/08/1994 a 18/03/1996 e de 02/08/2010 a 14/12/2018 (DER): tempo comum
O recurso da parte autora também não prospera.
De fato, a sentença comporta confirmação pelos próprios fundamentos, na forma do art. 46 da
Lei n. 9.099/95. Isso porque todas as questões de fato e de direito relevantes ao julgamento da
demanda foram corretamente apreciadas em primeiro grau de jurisdição.
Extrai-se da sentença o seguinte excerto, que destaco como razão de decidir:
Período: 01/08/1994 a 18/03/1996
Empresa: Cooperativa Agrícola de Cotia – Coop. Central
Função/Atividades: Serviços gerais (cf. CTPS)
Agentes Nocivos: ---------
Enquadramento legal: Vide conclusão
Provas: CTPS
Conclusão:
Não reconhecido. A função desempenhada pelo autor de “serviços gerais” não encontra
previsão nos decretos pertinentes. Por sua vez, não foi apresentado nos autos qualquer
documento que demonstre a sujeição do autor a agentes agressivos no ambiente de trabalho.
Período: 02/08/2010 a 14/12/2018 (DER)
Empresa: Artabas – Artefatos de Arame Bastos Ltda.
Função/Atividades: Chapeador geral / operador de máquina de dobrar chapa /
inspetor de linha de produção (cf. PPP – fls. 15/16, evento 002).
Agentes Nocivos: Especificados em formulário
Enquadramento legal: Vide conclusão
Provas: Formulário PPP e PPRA
Conclusão:
Não reconhecido. Conquanto o formulário PPP aponte que o autor, no exercício das funções
assinaladas, estava sujeito a agente agressivo ruído aferido em 87,6 dB(A), portanto em nível
superior ao permitido pela legislação à época – mais de 85 dB(A), não carreou aos autos o
correspondente Laudo Técnico das Condições Ambientais do trabalho (LTCAT), imprescindível
para o reconhecimento da especialidade, como esclarecido acima.
O Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA), acostado aos autos, constitui mera
recomendação de ações visando à preservação da saúde e da integridade e segurança dos
trabalhadores e não a real constatação das condições ambientais do trabalho, como o LTCAT.
Dessa forma, não é possível o reconhecimento da especialidade alegado pelo agente nocivo
ruído.
A decisão recorrida não comporta qualquer reparo, eis que proferida com base em minudente
apreciação da prova e à luz dos parâmetros fixados pela legislação e pela jurisprudência em
relação à matéria controvertida.
Conforme fundamentação acima, a partir de 19/11/2003, para a aferição de ruído contínuo ou
intermitente, passou a ser obrigatória a utilização das metodologias contidas na NHO-01 da
FUNDACENTRO ou na NR-15.
Contudo, o PPP de fls. 10/11 não indica qual a técnica de medição do ruído, nada informando
no item 15.5. Por sua vez, o PPP de fls. 15/16 informa ter sido utilizado o “audiodosímetro”, o
que não é compatível com as técnicas preconizadas pelas metodologias acima.
Instadas pelo juízo de origem a fornecer os Laudos Técnicos que embasaram o preenchimento
dos respectivos PPPs (evento 12), a parte autora limitou-se a apontar que estavam acostados
aos autos os Programas de Prevenção dos Riscos Ambientais, que nada esclarecem quanto ao
ponto em questão. Assim, a parte autora deixou de esclarecer, mediante apresentação de prova
idônea, qual seja, o LTCAT, o ponto em questão. Com efeito, remanesce, ao menos, dúvida
quanto à técnica efetivamente utilizada para a medição do ruído a que a parte autora esteve
exposta no período em questão, dúvida essa que, nos termos do precedente da TNU, somente
seria solvida à vista do LTCAT, o qual não veio aos autos.
Ante o exposto, voto por negar provimento aos recursos.
Condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo em 10% do valor
atualizado da causa, nos termos do art. 85, em especial seus parágrafos 2º, 3º e 4º do Código
de Processo Civil vigente, bem como art. 55 da Lei nº 9099/95, tendo em vista a complexidade
do tema, observada a Súmula 111 do STJ. Deixo de condenar a parte autora em honorários,
ausentes contrarrazões pelo INSS.
É o voto.
E M E N T A
Direito Previdenciário. Tempo especial. Sentença de parcial procedência. Exposição ao frio
como “auxiliar de câmara fria”. Possibilidade de enquadramento legal nos itens 1.1.2 do Decreto
53.831/64 e 1.1.2 do Decreto 83.080/79. Para os demais períodos, não há comprovação à
efetiva exposição a fator agressivo. Ausência de informação quanto à metodologia de aferição
do ruído. Afasta alegação de cerceamento de defesa. Ônus probatório do qual não se
desincumbiu a parte autora. Recurso das partes aos quais se nega provimento. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Terceira Turma
Recursal do Juizado Especial Federal da 3ª Região - Seção Judiciária do Estado de São Paulo,
por unanimidade, negar provimento aos recursos do INSS e da parte autora, nos termos do voto
da relatora Juíza Federal Isadora Segalla Afanasieff, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
