Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0002835-28.2018.4.03.6331
Relator(a)
Juiz Federal CAIO MOYSES DE LIMA
Órgão Julgador
10ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
16/11/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 29/11/2021
Ementa
E M E N T A
Dispensada a ementa, nos termos do art. 46 da Lei nº 9.099/95.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
10ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0002835-28.2018.4.03.6331
RELATOR:29º Juiz Federal da 10ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: ROBERTO ESTEVES DE OLIVEIRA
Advogados do(a) RECORRIDO: FERNANDA CRISTINA SANTIAGO SOARES - SP310441-A,
PAMELA CAMILA FEDERIZI - SP412265-A, NATALIA ABELARDO DOS SANTOS RUIVO -
SP326303-A, MARIA DE LOURDES PEREIRA DE SOUZA - SP236883-A, HELTON
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
ALEXANDRE GOMES DE BRITO - SP131395-A, VALERIA FERREIRA RISTER - SP360491-A
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0002835-28.2018.4.03.6331
RELATOR:29º Juiz Federal da 10ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: ROBERTO ESTEVES DE OLIVEIRA
Advogados do(a) RECORRIDO: FERNANDA CRISTINA SANTIAGO SOARES - SP310441-A,
PAMELA CAMILA FEDERIZI - SP412265-A, NATALIA ABELARDO DOS SANTOS RUIVO -
SP326303-A, MARIA DE LOURDES PEREIRA DE SOUZA - SP236883-A, HELTON
ALEXANDRE GOMES DE BRITO - SP131395-A, VALERIA FERREIRA RISTER - SP360491-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
JUIZ FEDERAL CAIO MOYSÉS DE LIMA: Trata-se de ação movida por ROBERTO ESTEVES
DE OLIVEIRA em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, que tem por
objeto a revisão de aposentadoria por tempo de contribuição, a partir da data de entrada do
requerimento administrativo, em 27/04/2018 (DER), mediante o cômputo de atividade especial
exercida nos períodos de 17/11/1986 a 11/03/1995, de 01/05/1995 a 15/09/2000, de 03/12/2007
a 15/02/2008, de 01/02/2008 a 02/01/2013, de 17/12/2012 a 13/03/2013, de 14/08/2013 a
30/11/2013 e de 11/12/2013 a 27/06/2016.
A sentença julgou PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado na inicial para
condenar o INSS a (i) averbar, como tempo de serviço especial, os períodos de 01/05/1995 a
15/09/2000, de 03/12/2007 a 15/02/2008, de 01/02/2008 a 02/01/2013, de 17/02/2012 a
13/03/2012, de 14/08/2013 a 30/11/2013 e de 11/12/2013 a 27/09/2016; (ii) revisar o benefício
de aposentadoria por tempo de contribuição, desde a DER (27/04/2018); e (iii) pagar as
diferenças acumuladas, com atualização monetária e juros, nos termos do Manual de Cálculos
do Conselho da Justiça Federal vigente à época do cálculo.
Houve a interposição de recurso por ambas as partes.
O autor sustenta, em síntese, que, no período de 17/11/1986 a 11/03/1995, trabalhou como
“auxiliar administrativo” na “Santa Casa de Misericórdia de Araçatuba”, com exposição habitual
e permanente a agentes biológico microrganismos (vírus, fungos e bactérias), conforme CTPS e
PPP apresentado (págs. 9, 26/27 do PA), devendo ser considerado como especial.
O réu, por sua vez, sustenta que (i) as matérias técnicas não podem ser provadas somente por
prova testemunhal, como aconteceu com os períodos de 17/12/2012 a 13/03/2013 e de
14/08/2013 a 30/11/2013, em que o porte de arma foi apenas declarado por testemunhas; (ii) a
CTPS não indica a percepção de adicional de periculosidade nesses períodos; (iii) quanto aos
períodos de 01/05/1995 a 15/09/2000, de 03/12/2007 a 15/02/2008, de 01/02/2008 a
02/01/2013, e de 11/12/2013 a 27/09/2016, os PPPs correspondentes não mostram a presença
de agentes nocivos à saúde ou integridade física, como exigido na Constituição Federal e Lei nº
8.213/91; (iv) “portar arma” não é considerado agente nocivo à saúde ou integridade física, não
estando relacionado em decreto, consoante dispõe os artigos 57 e 58 da Lei nº 8.213/91; (v) a
atividade de “vigilante/guarda” somente pode ser considerada até 05/03/1997; e (vi) os PPPs
informam que forma utilizados EPIs eficazes, não havendo fonte de custeio para a
aposentadoria especial.
Para o caso de manutenção da revisão, requer que (vii) os juros e a correção monetária
observem o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº
11.960/2009.
O autor ofereceu contrarrazões.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0002835-28.2018.4.03.6331
RELATOR:29º Juiz Federal da 10ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: ROBERTO ESTEVES DE OLIVEIRA
Advogados do(a) RECORRIDO: FERNANDA CRISTINA SANTIAGO SOARES - SP310441-A,
PAMELA CAMILA FEDERIZI - SP412265-A, NATALIA ABELARDO DOS SANTOS RUIVO -
SP326303-A, MARIA DE LOURDES PEREIRA DE SOUZA - SP236883-A, HELTON
ALEXANDRE GOMES DE BRITO - SP131395-A, VALERIA FERREIRA RISTER - SP360491-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
JUIZ FEDERAL CAIO MOYSÉS DE LIMA (RELATOR):
Legislação aplicável à atividade especial. A lei aplicável à concessão de benefícios
previdenciários é aquela vigente à época do seu fato gerador. Essa é também, ao menos em
princípio, a lei a reger toda a vida contributiva do segurado, inclusive no tocante ao seu tempo
de serviço e à natureza comum ou especial de suas atividades, na medida em que tais
elementos também integram o fato gerador do benefício previdenciário.
Todavia, esse princípio geral de Direito Intertemporal é limitado pelo direito adquirido, que
recebe especial proteção no art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal. Ora, o direito do
segurado a determinada forma de contagem do tempo de serviço é adquirido dia-a-dia, na
exata medida em que o serviço é efetivamente prestado, visto que se trata de um direito
derivado da própria relação jurídica de filiação, que se estabelece diária e continuamente entre
o trabalhador e a Previdência Social.
Quer dizer: aplica-se, como regra geral, a lei vigente na data da ocorrência do fato gerador do
benefício (i.e. data em que implementados os requisitos legais previstos para a sua concessão),
respeitados, no entanto, os direitos adquiridos do segurado quanto à forma de contagem de seu
tempo de serviço.
É evidente, no entanto, que se a lei da época da concessão do benefício for mais benéfica ao
segurado, não haverá violação do direito adquirido, pois a garantia constitucional em questão
tem por finalidade proteger o segurado e não o prejudicar. Assim, nada impede que os efeitos
da lei nova, mais benéfica, irradiem sobre todo o período contributivo do segurado.
Em razão disso e com vistas a facilitar a aplicação dos dois princípios de Direito Intertemporal
mencionados, é possível sintetizá-los num único enunciado: a lei aplicável à contagem do
tempo de serviço é aquela em vigor na data em que a atividade foi desempenhada pelo
segurado, salvo lei posterior mais benéfica.
Daí não haver contradição alguma nos posicionamentos jurisprudenciais que ora determinam a
aplicação da legislação em vigor na data da concessão do benefício e ora entendem aplicável a
lei da época da prestação dos serviços, conforme exemplificam os enunciados da Súmula nº 55
da Turma Nacional de Uniformização e da Súmula nº 13 das Turmas Recursais dos Juizados
Especiais Federais da 3ª Região:
Súmula nº 55 (TNU) - A conversão do tempo de atividade especial em comum deve ocorrer
com aplicação do fator multiplicativo em vigor na data da concessão da aposentadoria.
Súmula nº 13 (TR/3ªR) - Em matéria de comprovação de tempo de serviço especial, aplica-se a
legislação vigente à época da prestação do serviço.
A aplicação da lei posterior mais benéfica significa, na prática, que:
a) é possível o reconhecimento da natureza especial de atividades exercidas mesmo antes da
antiga Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS (Lei nº 3.807/60), que criou o benefício de
aposentadoria especial, visto que referida lei irradiou seus efeitos sobre todo o histórico
contributivo dos segurados;
b) não há óbice algum à conversão do tempo de serviço especial anterior à vigência da Lei nº
6.887/80; e
c) os critérios mais benéficos de enquadramento e conversão das atividades especiais,
incluindo fatores de conversão, níveis de tolerância etc., podem ser aplicados retroativamente,
sem ofensa ao princípio “tempus regit actum”.
Enquadramento das atividades especiais. Os arts. 58 e 152 da Lei nº 8.213/91, em sua redação
original, estabeleceram que a relação das atividades consideradas especiais, isto é, das
“atividades profissionais prejudiciais à saúde ou à integridade física”, seria objeto de lei
específica e que, até o advento dessa lei, permaneceriam aplicáveis as relações de atividades
especiais que já vigoravam antes do advento da nova legislação previdenciária.
Assim, por força dos referidos dispositivos legais, continuaram a vigorar as relações de
atividades especiais constantes dos quadros anexos aos Decretos nº 53.831/64 e 83.080/79,
conforme expressamente reconhecido pelos sucessivos regulamentos do Plano de Benefícios
(cf. art. 295 do Decreto nº 357/91, art. 292 do Decreto nº 611/92 e art. 70, parágrafo único, do
Decreto nº 3.048/99, em sua redação original).
O fundamento para considerar especial determinada atividade, nos termos dos Decretos nº
53.831/64 e 83.080/79, sempre foi o potencial de lesar a saúde ou a integridade física do
trabalhador em razão da periculosidade, penosidade ou insalubridade inerente à atividade em
questão. Havia nos decretos acima mencionados dois critérios autônomos para o
enquadramento das atividades especiais: (i) a categoria profissional do segurado (códigos
iniciados pelo número “2”; e (ii) a exposição a agente nocivo de natureza física, química ou
biológica (códigos iniciados pelo número “1”).
Tais formas de enquadramento encontravam respaldo não apenas no art. 58, como também no
art. 57 da Lei nº 8.213/91, segundo o qual o segurado do RGPS faria jus à aposentadoria
especial quando comprovasse período mínimo de trabalho prejudicial à saúde ou à atividade
física “conforme a atividade profissional”. A Lei nº 9.032/95 alterou a redação desse dispositivo
legal, dele excluindo a expressão “conforme a atividade profissional”, mas manteve em vigor os
arts. 58 e 152 da Lei nº 8.213/91.
Com o advento da Medida Provisória nº 1.523/96, sucessivamente reeditada até sua ulterior
conversão na Lei nº 9.528/97, foi alterada a redação do art. 58 e revogado o art. 152 da Lei nº
8.213/91, introduzindo-se duas importantes modificações quanto à qualificação das atividades
especiais: (i) no lugar da “relação de atividades profissionais prejudiciais à saúde ou à
integridade física” passaria a haver uma “relação dos agentes nocivos químicos, físicos e
biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física”, e (ii) essa
relação não precisaria mais ser objeto de lei específica, atribuindo-se ao Poder Executivo a
incumbência de elaborá-la.
Servindo-se de sua nova atribuição legal, o Poder Executivo baixou o Decreto nº 2.172/97, que
trouxe em seu Anexo IV a relação dos agentes nocivos químicos, físicos e biológicos a que
refere a nova redação do art. 58 da Lei nº 8.213/91 e revogou, como consequência, as relações
de atividades profissionais que constavam dos quadros anexos aos Decretos nº 53.831/64 e
83.080/79. Posteriormente, o Anexo IV do Decreto nº 2.172/97 foi substituído pelo Anexo IV do
Decreto nº 3.048/99, que permanece ainda em vigor.
Observa-se, portanto, que houve, durante certo tempo, a sobreposição de regras
aparentemente conflitantes. Os Decretos nº 53.831/64 e 83.080/79 estabeleciam o
enquadramento das atividades não apenas pela exposição a agentes nocivos, mas também
pelo critério da categoria profissional, enquanto a nova redação dada ao art. 58 da Lei nº
8.213/91 somente mencionava a primeira forma de enquadramento e não a última.
Conforme se depreende da leitura do art. 273, inciso II, da Instrução Normativa nº 45/2010, o
INSS interpretou as alterações legislativas no sentido de que, a partir da entrada em vigor da
Lei 9.032/95, não seria mais possível o enquadramento das atividades por categoria
profissional.
Equivocada, no entanto, a referida interpretação, pois os Decretos nº 53.831/64 e 83.080/79,
mesmo no que se refere ao critério do enquadramento por categoria profissional, sempre
empregaram, como fundamento para a qualificação das atividades especiais, a penosidade,
insalubridade ou periculosidade ligadas intrinsecamente a tais atividades. Ora, uma vez que
essa forma de enquadramento traz implícita a ideia de que o trabalhador, por exercer certo tipo
de atividade, presumivelmente esteve exposto a condições prejudiciais à saúde ou à integridade
física, não há nela qualquer incompatibilidade com as alterações introduzidas pela Lei nº
9.032/95 ou pela MP nº 1.523/96.
Assim, continua válido o enquadramento por categoria profissional para as atividades exercidas
até o advento do Decreto nº 2.172/97, pois somente com esse decreto tal critério de
enquadramento foi efetivamente abolido.
Prova do exercício de atividade especial. A redação original do art. 58 da Lei nº 8.213/91 não
trazia regra acerca da prova do exercício da atividade especial.
Seguiam-se, portanto, no âmbito administrativo, as regras estabelecidas pelas sucessivas
instruções normativas baixadas pelo INSS para disciplinar os procedimentos de seu setor de
benefícios, a última das quais é a Instrução Normativa INSS/PRES nº 45/2010, com suas
diversas alterações. Tais regras tradicionalmente exigiram, relativamente ao período em que
vigorava a redação original dos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213/91, a comprovação do exercício da
atividade especial por meio de formulário próprio (SB-40/DSS-8030), o qual, somente no caso
de exposição ao agente nocivo ruído, deveria vir acompanhado de laudo pericial atestando os
níveis de exposição (cf. incisos I e II do art. 256 da IN 45/2010).
Na esfera jurisdicional, nunca houve qualquer razão, ao menos em relação às atividades
exercidas durante a vigência da redação original do art. 58 da Lei nº 8.213/91, para limitar ou
tarifar os meios de prova aptos a comprovar o exercício de atividade especial, especialmente
em virtude do princípio do livre convencimento do juiz (art. 131 do Código de Processo Civil).
Todavia, a apresentação dos formulários preenchidos pelo empregador sempre se mostrou um
importante elemento de convicção do juízo, visto que sem tal documento torna-se quase
impossível determinar quais foram as atividades efetivamente exercidas pelo segurado e os
seus respectivos períodos. Ademais, também no âmbito judicial tem sido exigida a
apresentação de laudo pericial quando não se possa, por outro meio, verificar a intensidade de
exposição ao agente nocivo, como é o caso, por exemplo, da exposição ao ruído.
A já citada MP nº 1.523/96 (atual Lei nº 9.528/97), mediante a introdução de quatro parágrafos
ao art. 58 da Lei nº 8.213/91, finalmente estabeleceu regras quanto à prova do exercício da
atividade especial. Passou então a ser exigida por lei a apresentação do formulário próprio (o
Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP) e, ainda, a elaboração, para todo e qualquer agente
nocivo (e não apenas para o caso de ruído), de laudo técnico de condições ambientais do
trabalho expedido por profissional habilitado (médico do trabalho ou engenheiro de segurança
do trabalho).
Deixou de ser obrigatória, no entanto, a apresentação do laudo juntamente com o formulário,
pois o PPP, desde que elaborado com base em laudo técnico, dispensa a apresentação do
próprio laudo, conforme disposto no art. 58, § 1º, da Lei nº 8.213/91, e no art. 68, § 3º, do
Decreto nº 3.048/99.
Importante notar, ainda, que, no caso das atividades enquadradas por categoria profissional,
prescinde-se da elaboração de laudo técnico para a comprovação da efetiva exposição a
agentes nocivos, pois, pela lógica intrínseca a essa forma de enquadramento, o simples fato de
o trabalhador pertencer a uma determinada categoria profissional já pressupõe que as
atividades por ele exercidas são prejudiciais à saúde ou à integridade física.
No que se refere ao uso de tecnologias de proteção aptas a atenuar os efeitos do agente
nocivo, a MP nº 1.523/96 passou a exigir que constassem do laudo técnico informações
relativas ao uso de equipamentos de proteção coletiva (EPCs). Somente após o advento da Lei
nº 9.732/98 é que se passou a exigir também a inclusão de informações sobre o uso de
equipamentos de proteção individual (EPIs).
Deve-se ressaltar, no entanto, que a menção ao uso de EPCs e EPIs é mero requisito formal
dos laudos técnicos, não afastando, por si só, a natureza especial da atividade, quando não
comprovado que a nocividade foi totalmente eliminada pelo uso dos referidos equipamentos.
Atividade de vigilante. Para efeito de enquadramento por categoria profissional, o código 2.5.7
do quadro anexo ao Decreto n.º 53.831/64 menciona apenas “bombeiros, investigadores e
guardas”.
É de se indagar, portanto, se a expressão “guarda” utilizada no código acima mencionado pode
ser interpretada extensivamente para abranger os vigilantes.
A resposta deve ser afirmativa, tendo em vista o teor da Súmula 26 da Turma Nacional de
Uniformização - TNU, que prevê:
Súmula 26 - A atividade de vigilante enquadra-se como especial, equiparando-se à de guarda,
elencada no item 2.5.7 do Anexo III do Decreto n. 53.831/64.
Dessa forma, o enquadramento da atividade de vigilante, por categoria profissional, não exige
prova do porte de arma de fogo.
O Superior Tribunal de Justiça e a Turma Nacional de Uniformização, no julgamento do REsp
1306113/ SC (na sistemática de recursos repetitivos) e dos PEDILEFs 50495075620114047000
e 05308334520104058300, respectivamente, alteraram em parte esse entendimento ao
exigirem a comprovação do porte de arma de fogo a partir da entrada em vigor da Lei nº
9.032/95, mediante a apresentação de formulário emitido pelo empregador. Assentaram
também a tese de que a atividade de vigilante permaneceu especial, em razão da
periculosidade, mesmo após a edição do Decreto nº 2.172/97, devendo-se, a partir de então,
comprovar o porte de arma de fogo por meio de formulário do empregador fundado em perícia
técnica.
Esse entendimento foi alterado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento da Petição nº
10.679-RN (2014/0233212-2), onde se afirmou que “é possível reconhecer a possibilidade de
caracterização da atividade de vigilante como especial, com ou sem o uso de arma de fogo,
mesmo após 05/03/1997, desde que comprovada a exposição do trabalhador à atividade
nociva, de forma permanente, não ocasional, nem intermitente”.
Em recente decisão proferida pela mesma Corte Superior no Tema nº 1.031, foi assentada a
seguinte tese:
É admissível o reconhecimento da especialidade da atividade de Vigilante, com ou sem o uso
de arma de fogo, em data posterior à Lei 9.032/1995 e ao Decreto 2.172/1997, desde que haja
a comprovação da efetiva nocividade da atividade, por qualquer meio de prova até 5.3.1997,
momento em que se passa a exigir apresentação de laudo técnico ou elemento material
equivalente, para comprovar a permanente, não ocasional nem intermitente, exposição à
atividade nociva, que coloque em risco a integridade física do Segurado.
Conforme constou do voto do relator, Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, “deve-se
compreender que a profissão de Vigilante expõe, intuitivamente, o Trabalhador a riscos,
nocividades, perigos, danos físicos e emocionais de não pequena monta, que frequentemente
se manifestam na proximidade da velhice sob forma de fobias, síndrome de perseguição,
neuroses, etc. [...] Não há na realidade das coisas da vida como se separar a noção de
nocividade da noção de perigo, ou a noção de nocividade da noção de dano ou lesão, pois tudo
isso decorre, inevitavelmente, da exposição da pessoa a fatores inumeráveis, como a
ansiedade prolongada, o medo constantes, a inquietação espiritual diante de perseguições e
agressões iminentes, etc.”
Ainda, a Turma Regional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais da 3ª Região, no
julgamento proferido nos autos do PUIL nº 0001178-68.2018.4.03.9300, foi fixada a seguinte
tese:
Com relação ao labor exercido antes da vigência da Lei 9.032/1995, comprovada a efetiva
periculosidade, não se presumindo com base na anotação na CTPS, é possível reconhecer a
especialidade da função de ‘vigilante’ por categoria profissional, em equiparação à de guarda,
prevista no item 2.5.7 do quadro a que se refere o art. 2º do Decreto n. 53.831/1964, com ou
sem a comprovação do uso de arma de fogo, nos moldes previstos no Tema 1.031 do STJ.
Assim, considerando os precedentes acima, devem ser aplicados os seguintes critérios de
prova e enquadramento para a atividade de vigilante, independentemente do porte de arma de
fogo:
a) até 28/04/1995: enquadramento por categoria profissional, bastando, portanto, a
comprovação do exercício da atividade por meio de formulário;
b) de 29/04/1995 a 05/03/1997: enquadramento em razão da periculosidade, por meio de
formulário emitido pelo empregador; e
c) a partir de 05/03/1997: enquadramento em razão da periculosidade, por meio de formulário
embasado em perícia técnica.
Caso concreto. Em relação ao período de 17/11/1986 a 11/03/1995, a sentença assim se
pronunciou:
No que tange ao período de 17/11/1986 a 11/03/1995, noto que a parte autora laborou como
auxiliar administrativo junto à SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE ARAÇATUBA. O PPP
acostado aos autos descreve atividades exercidas da seguinte forma: ‘compilar dados
estatísticos, coletar informações, examinando-as e efetuando cálculos complementares,
referentes a números de internações, números de óbitos, número de nascimentos (...)’ além de
manutenção e apresentação de relatórios periódicos à administração. Com isso, fácil perceber
que o contato do requerente com os pacientes era de forma superficial e esporádica. Destaco
ainda, que o fato de o trabalho ter sido prestado em ambientehospitalar, não tem o condão de,
por si só, configurar a especialidade das atividades,razão pela qual não reconheço o referente
período como especial.
De fato, a atividade do autor era eminentemente administrativa, sem contato com pacientes ou
material infecto-contagiante. Ademais, o PPP apresentado (págs. 113-114 do evento 2) não
indica a exposição a fator de risco.
Importante notar, ainda, que, nos termos do entendimento firmando pela Turma Regional de
Uniformização no julgamento do Pedido de Uniformização Regional nº 0001159-
62.2018.4.03.9300, o requisito permanência não exige que a exposição ao agente nocivo se dê
por toda a jornada de trabalho, mas é necessário que a referida exposição esteja
intrinsecamente ligada à própria natureza da atividade, de modo a que não possa dela
dissociar-se, o que não ocorreu no presente caso.
Assim, o referido período deve ser computado, apenas, como tempo de serviço comum.
Quanto aos períodos de 01/05/1995 a 15/09/2000, de 03/12/2007 a 15/02/2008, de 01/02/2008
a 02/01/2013 e de 11/12/2013 a 27/09/2016, o autor apresentou os seguintes documentos:
a) PPP da empresa “Centerfort Segurança e Proteção Ltda.” (págs. 116-117 do evento 2), onde
consta que, no período de 01/05/1995 a 15/09/2000, trabalhou como “vigilante”, consistente em
“realizar atividade de vigilância armada, com ronda ostensiva em dependências de empresas de
diversos ramos de atividade para prevenção, conservação e ou prejuízos sinistros ao patrimônio
e coibindo possíveis atos de pessoas estranhas em dependências da empresa contratante”;
b) PPP da empresa “Strategic Security Proteção” (págs. 118-119 do evento 2), dando conta de
que, no período de 01/02/2008 a 02/01/2013, trabalhou como “vigilante”, consistente em “vigiar
dependências e áreas com finalidade de prevenir, controlar e combater delitos; zelar pela
segurança das pessoas, patrimônio e pelo cumprimento das normas e regulamentos; controlar
a movimentação de pessoas em área de acesso livre e restrito; utilizar rádio ou telefone para
comunicação com equipe; exerce função de vigilante armado”;
c) PPP da empresa “Gocil Serviços de Vigilância e Segurança Ltda.” (págs. 122/123 do evento
2), onde consta que, no período de 11/12/2013 a 27/09/2016, trabalhou como “vigilante”,
consistente em “proceder à vigilância patrimonial do posto de serviço; observar atentamente
quaisquer movimentações e/ou atitudes suspeitas; realizar rondas de inspeção de vigilância e
segurança; [...], exerce as atividades portenho arma de fogo, calibre 38, de forma habitual e
permanente, não eventual e nem intermitente”; e
d) PPP da empresa “Centurion Segurança e Vigilância Ltda.” (págs. 1-2 do evento 11), dando
conta de que, no período de 03/12/2007 a 15/02/2008, trabalhou como “vigilante”, consistente
em “serviço de vigilância preventiva, fazendo rondas no perímetro interno, portando arma de
fogo calibre 38, de forma habitual e permanente, não ocasional nem intermitente; zelando pela
segurança das pessoas, do patrimônio e pelo cumprimento das leis e regulamento; recepciona
e controla movimentação de pessoas em áreas de acesso livre e restrito, submetido a
treinamentos intensivos e específicos para o exercício da função”.
Com base na documentação apresentada, é possível a manutenção do enquadramento, tendo
em vista a comprovação da efetiva periculosidade da atividade.
Note-se que, ao contrário do alegado pelo INSS, nenhum dos PPPs menciona a utilização de
EPI eficaz para a atividade perigosa.
No que se refere aos períodos de 17/12/2012 a 13/03/2013 e de 14/08/2013 a 30/11/2013, a
sentença assim se pronunciou:
Quanto aos demais períodos pleiteados (17/12/2012 a 13/03/2013 e 14/08/2013 a 30/11/2013),
verifico que a parte autora não trouxe aos autos o competente formulário previdenciário, a fim
de atestar a periculosidade atribuída à função.
Em audiência realizada no dia 23/04/2019, as testemunhas devidamente compromissadas,
Paulo Rogério Flauzino (evento n. 22) e Fernando Santos (evento n. 21), em seus depoimentos,
confirmaram a atuação da parte autora na empresa GRANDSEG SEGURANÇA E VIGILÂNCIA
LTDA, no período de 17/12/2012 a 13/03/2013, onde operava como vigilante na Delegacia da
Receita Federal, através de contrato emergencial, portando revólver de calibre 38. Ademais, a
testemunha Gilberto Viana de Souza (evento n. 23), em seu depoimento, confirmou ter laborado
com a parte autora, junto à empresa GF VIGILÂNCIA E SEGURANÇA PATRIMONIAL LTDA,
no período de 14/08/2013 a 30/11/2013, na função de vigilante armado, e ainda, confirmou o
fato de a empresa não mais existir. Há de se ressaltar que em ambos os vínculos
empregatícios, ora discutidos, possuem a devida anotação em CTPS (fls. 106 e 107 do evento
n. 02). Portanto, reconheço como atividade laboral especial os períodosde 17/12/2012 a
13/03/2013 e 14/08/2013 a 30/11/2013.
A atividade especial deve ser comprovada, como regra geral, por meio de documentos. O
depoimento pessoal da parte autora e a oitiva de testemunhas somente devem ser
considerados em casos excepcionais, quando não for possível a produção da prova
documental.
No presente caso, não há nada nos autos que indique a impossibilidade de obtenção dos
documentos necessários para a comprovação da atividade especial, sequer foram juntados
comprovantes de que as empresas mencionadas encontram-se inativas.
Além disso, os depoimentos colhidos não esclareceram exatamente quais eram as atribuições
do autor, o que torna impossível verificar a existência da efetiva periculosidade.
Dessa forma, não é possível o enquadramento da atividade em questão como especial.
Juros e correção monetária. Com o advento da Lei nº 11.960/2009, que modificou o art. 1º-F da
Lei nº 9.494/97, os juros de mora incidentes nas condenações impostas à Fazenda Pública,
“independentemente de sua natureza” passaram a ser apurados com base taxa de
remuneração dos depósitos em caderneta de poupança.
A nova regra tem aplicação imediata aos feitos em andamento, conforme tem decidido o
Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO.
PREVIDENCIÁRIO. JUROS DE MORA. DIREITO INTERTEMPORAL. PRINCÍPIO TEMPUS
REGIT ACTUM. ART. 1.º-F DA LEI N.º 9.494/1997, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI N.º
11.960/2009. APLICAÇÃO IMEDIATA. PRECEDENTES.
1.- A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, revendo anterior orientação, decidiu pela
aplicação das normas que dispõem sobre os juros moratórios, nas ações previdenciárias, aos
processos em andamento, em face da sua natureza eminentemente processual, em atenção ao
princípio tempus regit actum.
2.- Agravo Regimental desprovido. (AgRg nos EAg 1159781/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI,
CORTE ESPECIAL, julgado em 19/02/2014, DJe 13/03/2014)
Todavia, a incidência da nova regra não é retroativa; permanece aplicável às parcelas vencidas
até então o art. 406 do Código Civil, que determina a utilização do mesmo percentual previsto
para o “pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional”. Esse percentual corresponde à
taxa SELIC, conforme disposto no art. 13 da Lei nº 9.065/95 e no art. 61, § 3º, da Lei nº
9.430/96, pois o art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional fixou o percentual de 1% ao mês
apenas para o caso de não haver previsão legal em contrário.
Quanto à questão da correção monetária, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar as ADIs nº
4.425 e 4.357, declarou a inconstitucionalidade parcial do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, para
afastar a adoção do critério empregado para as cadernetas de poupança.
Confira-se, a propósito do tema, o seguinte trecho da ementa lançada na ADI nº 4.357 (Relator:
Min. AYRES BRITTO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em
14/03/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-188 DIVULG 25-09-2014 PUBLIC 26-09-2014):
(...) 7. O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com redação dada pela Lei nº 11.960/09, ao reproduzir as
regras da EC nº 62/09 quanto à atualização monetária e à fixação de juros moratórios de
créditos inscritos em precatórios incorre nos mesmos vícios de juridicidade que inquinam o art.
100, §12, da CF, razão pela qual se revela inconstitucional por arrastamento, na mesma
extensão dos itens 5 e 6 supra. (...)
Não há que falar em alteração do alcance das decisões proferidas nessas ADIs, uma vez que a
modulação de seus efeitos (decisão de 25/03/2015 – Plenário) diz respeito à correção dos
precatórios e requisições de pequeno valor efetuada pelos tribunais. No caso da apuração das
parcelas vencidas em processos de conhecimento, a decisão da Corte Suprema permanece
aplicável na íntegra, sem qualquer modulação, conforme já explicitado.
O Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal contempla a
aplicação dos juros moratórios e da correção monetária em conformidade com a lei e a
jurisprudência supracitadas.
Diante do exposto, nego provimento ao recurso da parte autora e dou parcial provimento ao
recurso da parte ré para reformar em parte a sentença, a fim de afastar a natureza especial das
atividades exercidas nos períodos de 17/12/2012 a 13/03/2013 e de 14/08/2013 a 30/11/2013,
devendo ser computado como tempo de serviço comum.
Condeno a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por
cento) do valor da causa, nos termos do art. 85, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil e do
art. 55 da Lei nº 9.099/95, considerando a baixa complexidade do tema. Para o beneficiário da
gratuidade de justiça, o pagamento da verba honorária sujeita-se ao disposto no art. 98, § 3º, do
Código de Processo Civil.
É o voto.
E M E N T A
Dispensada a ementa, nos termos do art. 46 da Lei nº 9.099/95. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Décima Turma
Recursal do Juizado Especial Federal da Terceira Região - Seção Judiciária de São Paulo, por
unanimidade, negar provimento ao recurso da parte autora e dar parcial provimento ao recurso
da parte ré, nos termos do voto do Juiz Federal Relator, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
