Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0001893-55.2020.4.03.6321
Relator(a)
Juiz Federal CAIO MOYSES DE LIMA
Órgão Julgador
10ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
02/12/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 25/12/2021
Ementa
E M E N T A
Dispensada a ementa, nos termos do art. 46 da Lei nº 9.099/95, combinado com o art. 1º da Lei
nº 10.259/2001.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
10ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0001893-55.2020.4.03.6321
RELATOR:29º Juiz Federal da 10ª TR SP
RECORRENTE: SEBASTIAO MARCELINO DA SILVA FILHO
PROCURADOR: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO
RECORRIDO: UNIÃO FEDERAL, EMPRESA DE TECNOLOGIA E INFORMACOES DA
PREVIDENCIA SOCIAL
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0001893-55.2020.4.03.6321
RELATOR:29º Juiz Federal da 10ª TR SP
RECORRENTE: SEBASTIAO MARCELINO DA SILVA FILHO
PROCURADOR: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO
RECORRIDO: UNIÃO FEDERAL, EMPRESA DE TECNOLOGIA E INFORMACOES DA
PREVIDENCIA SOCIAL
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
JUIZ FEDERAL CAIO MOYSÉS DE LIMA: Trata-se de ação movida por SEBASTIÃO
MARCELINO DA SILVA FILHO em face da UNIÃO FEDERAL, que tem por objeto a concessão
de auxílio-emergencial previsto na Lei nº 13.892/2020.
A sentença julgou improcedente o pedido de concessão de auxílio emergencial em função da
pandemia de COVID-19, nos termos da Lei nº 13.982/2020, tendo em vista que a autora obteve
rendimentos tributáveis superiores a R$ 28.559,70 em 2018.
Diz a fundamentação:
[...]
No caso, a parte autora teve o benefício indeferido por não se enquadrar no requisito constante
do inciso V do art. 2º da Lei n. 13.982/20: “que, no ano de 2018, não tenha recebido
rendimentos tributáveis acima de R$ 28.559,70 (vinte e oito mil, quinhentos e cinquenta e nove
reais e setenta centavos)”.
Em princípio, não cabe ao Poder Judiciário afastar os parâmetros das políticas públicas
definidos pelos demais Poderes.
No ponto específico, como dito em decisão anterior, não se considera desarrazoada a regra que
estabelece como critério para recebimento do benefício ter permanecido na faixa de isenção de
imposto de renda no ano de 2018.
Sendo a medida de proteção social destinada a pessoas hipossuficientes afetadas pela
pandemia do Coronavírus, o corte estabelecido pelo requisito em referência tem por objetivo
distinguir as pessoas que, antes da emergência de saúde pública, gozavam de renda que tenha
permitido a formação de alguma reserva, indicando também patamar socioeconômico superior
ao da população que se visa proteger.
Por fim, destaca-se que a parte autora não logrou apresentar prova de estar incorreto o
indeferimento administrativo pelo recebimento de rendimentos tributáveis superiores ao limite
legal, ônus que se atribui à parte requerente (art. 373, I, do CPC).
A autora recorre, representada pela Defensoria Pública da União, impugnando o critério da
renda auferida em 2018 como limitador à concessão do benefício de auxílio emergencial. Alega
que o referido critério viola o princípio da razoabilidade, porque se afigura excessivamente
restrito, a ponto de inviabilizar a própria finalidade do benefício instituído, e está, ainda, em
desconformidade com o princípio da igualdade, por conferir tratamento diferenciado a cidadãos
que se encontram em idêntica situação econômica atual.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0001893-55.2020.4.03.6321
RELATOR:29º Juiz Federal da 10ª TR SP
RECORRENTE: SEBASTIAO MARCELINO DA SILVA FILHO
PROCURADOR: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO
RECORRIDO: UNIÃO FEDERAL, EMPRESA DE TECNOLOGIA E INFORMACOES DA
PREVIDENCIA SOCIAL
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
JUIZ FEDERAL CAIO MOYSÉS DE LIMA(RELATOR):
O auxílio emergencial objeto da presente demanda está previsto no art. 2º da Lei nº 13.982, de
2 de abril de 2020:
“Art. 2º Durante o período de 3 (três) meses, a contar da publicação desta Lei, será concedido
auxílio emergencial no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais) mensais ao trabalhador que
cumpra cumulativamente os seguintes requisitos:
I - seja maior de 18 (dezoito) anos de idade, salvo no caso de mães adolescentes; (Redação
dada pela Lei nº 13.998, de 2020)
II - não tenha emprego formal ativo;
III - não seja titular de benefício previdenciário ou assistencial ou beneficiário do seguro-
desemprego ou de programa de transferência de renda federal, ressalvado, nos termos dos §§
1º e 2º, o Bolsa Família;
IV - cuja renda familiar mensal per capita seja de até 1/2 (meio) salário-mínimo ou a renda
familiar mensal total seja de até 3 (três) salários mínimos;
V - que, no ano de 2018, não tenha recebido rendimentos tributáveis acima de R$ 28.559,70
(vinte e oito mil, quinhentos e cinquenta e nove reais e setenta centavos); e
VI - que exerça atividade na condição de:
a) microempreendedor individual (MEI);
b) contribuinte individual do Regime Geral de Previdência Social que contribua na forma do
caput ou do inciso I do § 2º do art. 21 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991; ou
c) trabalhador informal, seja empregado, autônomo ou desempregado, de qualquer natureza,
inclusive o intermitente inativo, inscrito no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo
Federal (CadÚnico) até 20 de março de 2020, ou que, nos termos de autodeclaração, cumpra o
requisito do inciso IV.
§ 1º O recebimento do auxílio emergencial está limitado a 2 (dois) membros da mesma família.
§ 1º-A. (VETADO). (Incluído pela Lei nº 13.998, de 2020)
§ 1º-B. (VETADO). (Incluído pela Lei nº 13.998, de 2020)
§ 2º Nas situações em que for mais vantajoso, o auxílio emergencial substituirá,
temporariamente e de ofício, o benefício do Programa Bolsa Família, ainda que haja um único
beneficiário no grupo familiar. (Redação dada pela Lei nº 13.998, de 2020)
§ 2º-A. (VETADO). (Incluído pela Lei nº 13.998, de 2020)
§ 2º-B. O beneficiário do auxílio emergencial que receba, no ano-calendário de 2020, outros
rendimentos tributáveis em valor superior ao valor da primeira faixa da tabela progressiva anual
do Imposto de Renda Pessoa Física fica obrigado a apresentar a Declaração de Ajuste Anual
relativa ao exercício de 2021 e deverá acrescentar ao imposto devido o valor do referido auxílio
recebido por ele ou por seus dependentes. (Incluído pela Lei nº 13.998, de 2020)
§ 3º A mulher provedora de família monoparental receberá 2 (duas) cotas do auxílio.
§ 4º As condições de renda familiar mensal per capita e total de que trata o caput serão
verificadas por meio do CadÚnico, para os trabalhadores inscritos, e por meio de
autodeclaração, para os não inscritos, por meio de plataforma digital.
§ 5º São considerados empregados formais, para efeitos deste artigo, os empregados com
contrato de trabalho formalizado nos termos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e
todos os agentes públicos, independentemente da relação jurídica, inclusive os ocupantes de
cargo ou função temporários ou de cargo em comissão de livre nomeação e exoneração e os
titulares de mandato eletivo.
§ 5º-A. (VETADO). (Incluído pela Lei nº 13.998, de 2020)
§ 6º A renda familiar é a soma dos rendimentos brutos auferidos por todos os membros da
unidade nuclear composta por um ou mais indivíduos, eventualmente ampliada por outros
indivíduos que contribuam para o rendimento ou que tenham suas despesas atendidas por
aquela unidade familiar, todos moradores em um mesmo domicílio.
§ 7º Não serão incluídos no cálculo da renda familiar mensal, para efeitos deste artigo, os
rendimentos percebidos de programas de transferência de renda federal previstos na Lei nº
10.836, de 9 de janeiro de 2004, e em seu regulamento.
§ 8º A renda familiar per capita é a razão entre a renda familiar mensal e o total de indivíduos
na família.
§ 9º O auxílio emergencial será operacionalizado e pago, em 3 (três) prestações mensais, por
instituições financeiras públicas federais, que ficam autorizadas a realizar o seu pagamento por
meio de conta do tipo poupança social digital, de abertura automática em nome dos
beneficiários, a qual possuirá as seguintes características: (Vide Medida Provisória nº 982, de
2020)
I - dispensa da apresentação de documentos;
II - isenção de cobrança de tarifas de manutenção, observada a regulamentação específica
estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional;
III – ao menos, 3 (três) transferências eletrônicas de valores ao mês, sem custos, para conta
mantida em instituição autorizada a operar pelo Banco Central do Brasil; (Redação dada pela
Lei nº 14.075, de 2020)
IV - (VETADO); e
V - não passível de emissão de cartão físico, cheques ou ordens de pagamento para sua
movimentação.
V – não passível de emissão de cheques ou de ordens de pagamento para a sua
movimentação. (Redação dada pela Lei nº 14.075, de 2020)
§ 9º-A. (VETADO). (Incluído pela Lei nº 13.998, de 2020)
§ 10. (VETADO).
§ 11. Os órgãos federais disponibilizarão as informações necessárias à verificação dos
requisitos para concessão do auxílio emergencial, constantes das bases de dados de que
sejam detentores.
§ 12. O Poder Executivo regulamentará o auxílio emergencial de que trata este artigo.
§ 13. Fica vedado às instituições financeiras efetuar descontos ou compensações que
impliquem a redução do valor do auxílio emergencial, a pretexto de recompor saldos negativos
ou de saldar dívidas preexistentes do beneficiário, sendo válido o mesmo critério para qualquer
tipo de conta bancária em que houver opção de transferência pelo beneficiário. (Incluído pela
Lei nº 13.998, de 2020)”
A restrição ora questionada está prevista no inciso V do caput.
O autor não nega ter auferido rendimentos tributáveis em 2018 superiores a R$ 28.559,70,
masalega que esse requisito é inconstitucional, no que me parece assistir-lhe razão.
Com efeito, conforme a dimensão substantiva ou material do devido processo legal, tal como há
tempos acolhida pela jurisprudência brasileira numa interpretação mais ampla do disposto no
art. 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, o conteúdo da legislação deve ser dotado de
razoabilidade, ou seja, as disposições normativas definidas pelo legislador devem estar
alinhadas com os fins pretendidos pela norma. Não basta, portanto, a lisura formal. É preciso
também que a norma seja justa, dotada de conteúdo adequado para atingir a finalidade para a
qual foi editada. No caso das leis que conferem direitos aos cidadãos, isso significa, dentre
outras coisas, que as condições para a fruição desses direitos não pode contrariar os próprios
fundamentos que justificaram a sua criação.
Pois bem.
No presente caso, o auxílio emergencial instituído pela Lei nº 13.982/2020 teve por finalidade
assegurar aos trabalhadores de baixa renda meios de subsistência em razão da situação
excepcional de isolamento social e redução da atividade econômica vivida em 2020 em razão
da pandemia de COVID-19.
Ora, uma vez que se trata de situação presente em 2020, não se mostra razoável adotar como
critério para a fruição do auxílio emergencial os rendimentos auferidos pelo requerente no ano
anterior. A lei prevê outras restrições alinhadas com os objetivos visados, a saber, que o
requerente não tenha emprego formal ativo, não seja titular de benefício previdenciário ou
assistencial ou beneficiário do seguro-desemprego ou de programa de transferência de renda
federal, ressalvado o Bolsa Família, e tenha renda familiar mensal per capita de até meio
salário-mínimo ou renda familiar mensal total de até três salários mínimos. Essas restrições são
adequadas, porque condizentes com a finalidade de proteger o trabalhador que, durante a
pandemia, não dispõe dos meios suficientes de subsistência, pouco importando sua condição
pretérita. Já a regra ora questionada mostra-se desalinhada com seus próprios fundamentos de
existência, pois nega ao trabalhador atualmente necessitado o auxílio emergencial apenas
porque no passado esteve em condições melhores.
A meu ver, a única forma de conferir alguma razoabilidade ao inciso V do caput seria interpretá-
lo como um sinal de acumulação patrimonial: se o trabalhador auferiu rendimentos acima de
determinado patamar no passado, presume-se que tenha formado patrimônio suficiente para
prover-lhe a subsistência no presente. Tal presunção, no entanto, ficaria ainda assim aquém
das exigências excepcionais para as quais o auxílio emergencial foi criado, pois os rendimentos
auferidos no passado nem sempre são poupados ou convertidos em patrimônio de alta liquidez.
Todavia, se a intenção era impedir que cidadãos com grande patrimônio gozassem do auxílio,
tal condição poderia ter sido prevista de forma direta, sem necessidade de forçar ilações a partir
do histórico de rendimentos do trabalhador.
Além disso, a restrição ora questionada viola também o princípio da isonomia, previsto no caput
do art. 5º da Constituição Federal, pois utiliza como critério de comparação entre os
trabalhadores situações apartadas no tempo, quando deveria apoiar-se exclusivamente na
situação deles durante a pandemia. Com efeito, se o propósito é garantir a subsistência de
todos durante o período de isolamento social e redução da atividade econômica, pouco importa
as condições de vida em 2019 ou em qualquer outro momento pretérito. É necessário ater-se à
situação dos trabalhadores em 2020, durante a pandemia, verificando se nesse período
específico eles dispõem ou não dos meios necessários para prover o próprio sustento e o de
sua família, sendo irrelevante se foram ou não abastados no passado.
Por conseguinte, tendo em vista a inconstitucionalidade do inciso V do caput do art. 2º da Lei nº
13.982/2020, e considerando que o autor comprovou que o houve a cessação do benefício de
aposentadoria por invalidez identificado pelo NB 32/537.101.041-2 em 07/12/2019 e do auxílio-
acidente identificado pelo NB 94/068.076.860-2, entendo que ele faz jus ao auxílio pleiteado.
Diante do exposto, voto por dar provimento ao recurso da parte autora, julgando procedente a
ação e condenando a União Federal a implantar o auxílio emergencial previsto no art. 2º da Lei
nº 13.982/2020, no prazo de 10 (dez) dias.
Sem condenação em honorários, porque somente o recorrente vencido deve arcar com as
verbas sucumbenciais, nos termos do art. 55 da Lei nº 9.099/95, combinado com o art. 1º da Lei
nº 10.259/2001.
É o voto.
E M E N T A
Dispensada a ementa, nos termos do art. 46 da Lei nº 9.099/95, combinado com o art. 1º da Lei
nº 10.259/2001. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Turma
Recursal do Juizado Especial Federal da Terceira Região Seção Judiciária de São Paulo, por
unanimidade, dar provimento ao recurso da parte autora, nos termos do voto do Juiz Federal
Relator, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
