Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0003504-37.2020.4.03.6323
Relator(a)
Juiz Federal MARCIO RACHED MILLANI
Órgão Julgador
8ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
27/01/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 01/02/2022
Ementa
E M E N T A
Dispensada a ementa por interpretação extensiva do artigo 46 da Lei nº 9.099/95, segunda parte.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
8ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0003504-37.2020.4.03.6323
RELATOR:22º Juiz Federal da 8ª TR SP
RECORRENTE: DIVINA APARECIDA SANTOS PEREIRA
Advogado do(a) RECORRENTE: MARCELO DONA MAGRINELLI - SP309488-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0003504-37.2020.4.03.6323
RELATOR:22º Juiz Federal da 8ª TR SP
RECORRENTE: DIVINA APARECIDA SANTOS PEREIRA
Advogado do(a) RECORRENTE: MARCELO DONA MAGRINELLI - SP309488-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso inominado interposto por DIVINA APARECIDA SANTOS PEREIRA contra a
sentença, que julgou improcedente o pedido de concessão de aposentadoria por incapacidade
permanente ou, subsidiariamente, auxílio por incapacidade temporária, sob o fundamento de
que não detinha a qualidade de segurado do Regime Geral de Previdência Social na DII (data
de início da incapacidade).
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0003504-37.2020.4.03.6323
RELATOR:22º Juiz Federal da 8ª TR SP
RECORRENTE: DIVINA APARECIDA SANTOS PEREIRA
Advogado do(a) RECORRENTE: MARCELO DONA MAGRINELLI - SP309488-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Não assiste razão à recorrente.
A ação foi julgada, em primeiro grau de jurisdição, nos seguintes termos:
“(...)
De início, reputo desnecessário obter da médica perita esclarecimentos adicionais quanto às
suas conclusões periciais, afinal, o laudo está devidamente completo e explicativo no sentido de
convencer este juízo acerca dos aspectos da incapacidade da autora.
Em demandas desta natureza, é necessário verificar-se o preenchimento dos requisitos
legalmente exigidos para a concessão do benefício pretendido: (a) carência de 12 meses de
contribuição (art. 25, inciso I, Lei nº 8.213/91), exceto para as doenças preconizadas no art. 151
da mesma Lei; b) qualidade de segurado do pretenso beneficiário na data da contração da
doença/lesão incapacitante, salvo se esta decorrer de agravamento ou progressão (art. 59,
parágrafo único, Lei nº 8.213/91) e (c) doença ou lesão incapacitante, sendo que (c1) para o
auxíliodoença: incapacidade para o trabalho regularmente desempenhado pelo segurado por
mais de 15 dias (art. 59) passível de cura ou reabilitação para outra atividade (art. 62) ou (c2)
para aposentadoria por invalidez: incapacidade total e permanente para toda e qualquer
atividade laboral (omniprofissional) - art. 42, Lei nº 8.213/91.
Em síntese, faltando qualquer dos requisitos acima, por serem cumulativos, o pedido deve ser
julgado improcedente.
Em relação à incapacidade, a médica perita que examinou a parte fez constar de seu laudo,
dentre outras conclusões, que a autora, “60 anos, escolaridade: 8° série, informa que
trabalhava como dona de casa (contribuinte Facultativa), sendo que, não exerce suas
atividades laborais desde 2015. A parte autora refere: - Acidentes vasculares cerebrais
isquêmicos em 07/2013, 03/2015 e 09/2018, cursando com hemiparesia à esquerda, com
predomínio crural. De acordo com o acompanhante, esposo (José Aparecido Pereira), o evento
isquêmico ocorrido em 03/2015 foi o mais debilitante, promovendo a alteração do equilíbrio
estático e dinâmico. Não apresenta documentação referente aos episódios ocorridos em 2015 e
2018. - HAS desde os 40 anos de idade (sic) - DM desde os 40 anos de idade (sic)”.
Em suma, após entrevistar a autora, analisar toda a documentação médica que lhe foi
apresentada e examinar clinicamente a pericianda, a médica perita concluiu que a autora é
portadora de “I69. 4 Sequelas de acidente vascular cerebral não especificado como
hemorrágico ou isquêmico” (quesito 1), quadro que lhe causa incapacidade para o trabalho
(quesito 4), de forma total e definitiva (quesitos 5 e 6), explicando a perita que “Os acidentes
vasculares cerebrais apresentados pela autora, promoveram hemiparesia completa
desproporcionada à esquerda, prejudicando o equilíbrio estático e dinâmico, a incapacitando
para a atividade de dona de casa” (quesito 2).
Questionada quanto à data de início da doença e da incapacidade, a perita afirmou que
“DID:2013, baseada em relato da autora. DII: prejudicada” (quesito 3) e que “Há prejuízo para
fixar a data de início da incapacidade, pois a requerente não apresenta documentação médica
referente aos eventos de 2015 e 2018. O esposo refere internação hospitalar no Hospital da
Santa Casa de Chavantes em 2013 e 2015” (quesito 9).
Nesse contexto, comprovada a incapacidade total e permanente, a parte autora teria direito à
concessão de benefício previdenciário. Todavia, no caso presente há que se analisar a data de
início da doença e da incapacidade, porque a doença preexistente afasta o direito ao benefício,
nos claros termos do artigo 59, § 1º da Lei nº 8.213/91 (“Não será devido o auxílio-doença ao
segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social já portador da doença ou da lesão
invocada como causa para o benefício, exceto quando a incapacidade sobrevier por motivo de
progressão ou agravamento da doença ou da lesão”).
Verifica-se que a parte autora, conforme dados do CNIS anexado aos autos (evento 08),
ingressou no Regime Geral de Previdência Social em 01/07/2018 na qualidade de segurada
facultativa, aos 58 anos de idade. Fica evidente, assim, que a parte autora ingressou no sistema
previdenciário após o início da doença, quando já debilitada pelos eventos isquêmicos –
sobretudo o ocorrido em 2015, que, conforme relatado à perícia judicial pelo esposo da autora,
foi o mais debilitante, promovendo a alteração do equilíbrio estático e dinâmico.
Assim, no caso presente, a autora não fazia jus ao benefício aqui pretendido, já que resta
evidente que a doença e a incapacidade eram preexistentes ao seu ingresso ao RGPS. As
informações constantes dos autos demonstram que quando a autora começou a contribuir para
a previdência, em 07/2018, já estava não apenas doente, mas também incapacitada para o
trabalho, presumindo-se que sua intenção foi beneficiar-se de uma prestação previdenciária
frente a um fato preexistente.
Assim sendo, o pleito da parte autora encontra óbice no art. 59, § 1º da LBPS (em relação ao
auxílio-doença) e no art. 42, § 2º da mesma lei (em relação à almejada aposentadoria por
invalidez), motivo pelo qual outra sorte não há senão julgar-lhe improcedente o pedido.
Sem mais delongas, passo ao dispositivo.
3. Dispositivo
Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido e soluciono o feito nos termos do art. 487,
inciso I, CPC. Sem honorários e sem custas nos termos da lei. Publique-se (tipo A).
(...)”
A sentença não merece reparos.
Os requisitos legais para a concessão de benefício previdenciário por incapacidade são: a) a
qualidade de segurado da parte requerente, mediante prova de sua filiação ao Regime Geral de
Previdência Social - RGPS; b) o cumprimento da carência, nos termos dos artigos 24 a 26 da
Lei n.º 8.213/91; c) a comprovação de ser ou estar a parte requerente incapacitada para o
trabalho, desde que o evento incapacitante não seja preexistente à filiação ao RGPS e seu
termo inicial (data de início da incapacidade) seja fixado em período cuja qualidade de segurado
estivesse preservada e a carência legal devidamente cumprida (salvo nos casos inseridos no
disposto do artigo 26, inciso II, da Lei n.º 8.213/91).
A qualidade de segurado tem como fato gerador a filiação ao Regime Geral de Previdência
Social – RGPS mediante o exercício de atividade formal remunerada na condição de
empregado ou, ainda, com o recolhimento mensal das contribuições previdenciárias, nos casos
dos contribuintes individuais, facultativos e empresários.
Em princípio, esta condição se mantém com a vigência de contrato formal de trabalho e/ou o
recolhimento mensal de contribuições previdenciárias, porém, o artigo 15 da Lei nº 8.213/91
estabelece um interstício, denominado “período de graça”, em que a qualidade de segurado da
Previdência Social daqueles que deixaram de contribuir monetariamente para o sistema é
provisoriamente preservada.
Vejamos:
Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:
I – sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;
II – até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer
atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem
remuneração;
III – até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de
segregação compulsória;
IV – até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso;
V – até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às forças Armadas para
prestar serviço militar;
VI – até 6 (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo.
§ 1º O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já
tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a
perda da qualidade de segurado.
§ 2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para ao segurado
desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do
Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
§ 3º Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a
Previdência Social.
§ 4º A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao término do prazo fixado no
Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês
imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos.
(grifo nosso)
No caso concreto, a prova pericial médica, elaborada por profissional qualificada, de confiança
do Juízo e equidistante das partes, diagnosticou que a autora está incapacitada de modo total e
permanente para o trabalho em decorrência de acidentes vasculares cerebrais isquêmicos
sofridos em 07/2013, em 03/2015 e em 09/2018, que resultaram em hemiparesia à esquerda,
com predomínio crural.
Embora a médica perita tenha afirmado haver prejuízo para fixar a DII (data de início da
incapacidade), haja vista que a recorrente omitiu a documentação médica referente aos eventos
ocorridos em 2015 e em 2018, consta no laudo que o próprio esposo da autora, que a
acompanhava quando da realização dos exames periciais, afirmou que o evento isquêmico
ocorrido em 03/2015 foi o mais debilitante, promovendo a alteração do equilíbrio estático e
dinâmico. Extrai-se do laudo, ainda, que a parte autora relatou não desempenhar seus afazeres
de “dona de casa” desde 2015.
Não há razões para afastar as conclusões da médica perita, eis que fundadas no exame clínico
realizado na parte autora, bem como nos documentos médicos que lhe foram apresentados.
Considero desnecessária e inoportuna a reabertura da instrução processual, seja para a
realização de nova perícia médica, apresentação de relatório de esclarecimentos adicionais,
oitiva da médica perita, oitiva pessoal da parte autora ou de testemunhas, juntada de novos
documentos, etc., eis que não verifico contradições entre as informações constantes do laudo
aptas a ensejar dúvida, o que afasta qualquer alegação de nulidade e/ou cerceamento de
defesa.
Considerando a condição do magistrado de destinatário da prova (artigo 370, CPC/2015), é
importante frisar que “só ao juiz cabe avaliar a necessidade de nova perícia”(JTJ 142/220,
197/90, 238/222). De tal forma, compete apenas ao juiz apreciar a conveniência de realização
de nova avaliação, bem como o acolhimento de quesitos complementares (artigo 470, I e II c/c
artigo 480, CPC/2015), sendo certo que “o julgamento antecipado da lide tem total amparo
legal, decorrente da aplicação do CPC 330, I, não se configurando afronta aos CPC 425 e 331”.
(STJ, 6ª Turma, AI 45.539/MG, Relator Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, julgado em
16/12/1993, decisão monocrática, DJ de 08/02/1994, grifos nossos).
O nível de especialização apresentado pela médica perita é indubitavelmente suficiente para
promover a análise do quadro clínico apresentado nos autos. Não há necessidade de que seja
especialista nas patologias mencionadas pela parte autora. Conforme entendimento
consolidado na TNU – Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados
Especiais Federais, a realização de perícia por médico especialista só se faz necessária em
casos excepcionalíssimos e de elevada complexidade, como, por exemplo, aqueles que
envolvem doenças raras, o que não se verifica na hipótese em apreço.
A corroborar:
PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL PREVIDENCIÁRIO.
PROVA PERICIAL. CONHECIMENTO TÉCNICO ESPECIALIZADO. POSSIBILIDADE DE
PERÍCIA SER REALIZADA POR MÉDICO GENERALISTA OU ESPECIALISTA EM MEDICINA
DO TRABALHO. REEXAME DE MATÉRIA DE FATO. INCIDENTE NÃO CONHECIDO. 1. A
Turma Nacional de Uniformização, ao interpretar o art. 145, §2º, do Código de Processo Civil de
1973 (art. 156, §1º, do Novo Código de Processo Civil), consolidou entendimento de que a
realização de perícia por médico especialista é apenas necessária em casos complexos, em
que o quadro clínico a ser analisado e os quesitos a serem respondidos exijam conhecimento
técnico específico, não suprido pela formação do médico generalista (cf.PEDILEF
200872510048413,Rel. Juiz Federal Derivaldo de Figueiredo Bezerra Filho, DJ
09/08/2010;PEDILEF200872510018627, Rel. Juíza Federal Jacqueline Michels Bilhalva, DJ
05/11/2010;PEDILEF200970530030463, Rel. Juiz Federal Alcides Saldanha Lima, DOU
27/04/2012;PEDILEF200972500044683, Rel. Juiz Federal Antonio Fernando Schenkel do
Amaral e Silva, DOU 04/05/2012;PEDILEF200972500071996, Rel. Juiz Federal Vladimir Santos
Vitovsky, DOU 01/06/2012;PEDILEF201151670044278, Rel Juiz Federal José Henrique
Guaracy Rebelo, DOU 09/10/2015). 2. Inexiste divergência em relação à jurisprudência da
Turma Nacional de Uniformização ou ao acórdão indicado como paradigma, uma vez que a
questão técnico-científica controversa não exige conhecimento especializado do médico perito
para ser esclarecida. 3. Hipótese de incidência da orientação do enunciado n. 42, da súmula da
jurisprudência da TNU, uma vez que o acórdão prolatado, em julgamento de recurso inominado,
aplicou o princípio do livre convencimento do magistrado diante das provas apresentadas e
concluiu pela inexistência de incapacidade laborativa da parte autora.
(TNU – Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais;
PEDILEF – Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei – 50042937920154047201;
Relator Juiz Federal Fábio César dos Santos Oliveira; Data do julgamento: 30.08.2017) (grifei)
Nesse sentido, vale mencionar trecho do parecer do Conselho Regional de Medicina do Estado
de São Paulo – CREMESP na resposta à consulta nº 51.337/06, em que se indagava se
qualquer médico está apto a realizar perícias médicas: “1) Qualquer médico está apto a praticar
qualquer ato médico e, por isso, qualquer profissional médico pode realizar qualquer perícia
médica de qualquer especialidade médica. Não há divisão de perícia em esta ou aquela
especialidade. Vale lembrar que a responsabilidade médica é intransferível, cabendo ao
profissional que realiza a perícia assumir esta responsabilidade”.
A prova pericial médica produzida nestes autos é firme e minuciosa, observou o contraditório,
possibilitou às partes o amplo exercício do direito de defesa, enfim, atendeu todos os preceitos
processuais e constitucionais. Não há qualquer ilegalidade maculando o trabalho do médico
perito, profissional experiente, altamente qualificado e sem qualquer interesse no processo.
Pois bem.
Embora a médica perita tenha afirmado haver prejuízo para fixar com exatidão a DII (data de
início da incapacidade) – e isso se deve à omissão, provavelmente deliberada da parte autora,
em apesentar a documentação médica referente aos eventos ocorridos em 2015 e em 2018 -, a
verdade é que há no laudo pericial apontamentos que permitem concluir com absoluta
segurança que a autora se encontra incapacitada para o trabalho ao menos desde 2015,
quando sofreu o acidente vascular cerebral isquêmico mais debilitante (nas palavras de seu
próprio esposo).
Conforme já destacado acima, a constatação de quadro incapacitante não é suficiente para a
concessão do benefício previdenciário requerido nesta ação, é necessário também que na DII
(data de início da incapacidade) a autora mantivesse a qualidade de segurado do Regime Geral
de Previdência Social.
O conjunto probatório, com especial destaque ao extrato do CNIS – Cadastro Nacional de
Informações Sociais, demostra que a autora, após todo uma vida sem verter uma única
contribuição ao Regime Geral de Previdência Social, filiou-se ao Sistema na condição de
segurada facultativa apenas em 09.08.2018 (data em que efetuou o recolhimento da
contribuição previdenciária correspondente a 07/2018), às vésperas de completar 58 (cinquenta
e oito) anos de idade e já portadora do quadro incapacitante diagnosticado na perícia médica
judicial, haja vista apontamentos contundentes de incapacidade laborativa ao menos desde
2015.
A recorrente sustenta que a incapacidade laborativa somente teria sido constatada em
20.01.2020, data da emissão de relatório médico emitido pelo Dr. José Carlos Mansur David
que instrui a petição inicial, convenientemente quando já implementada inclusive a carência de
12 (doze) contribuições mensais.
Ora, obviamente que a autora não juntaria aos autos documentos que indicassem de maneira
irrefutável o seu quadro incapacitante anterior à filiação ao Regime Geral de Previdência Social,
tanto que, também convenientemente, não instruiu o processo com os prontuários médicos
contemporâneos aos eventos isquêmicos ocorridos em 2015 e 2018.
Ademais, o fato de documento médico datado de 20.01.2020 atestar incapacidade laborativa
naquela ocasião não é indicativo de que o quadro incapacitante não tenha se iniciado em
momento anterior. Ao contrário, no próprio relatório médico emitido pelo Dr. José Carlos Mansur
David, quando afirma que a autora se encontra bastante sintomática em decorrência de
acidentes vascular cerebral isquêmico, menciona textualmente tomografia computadorizada
encefálica datada de 31.03.2013.
Com efeito, a documentação médica apresentada pela autora apenas demonstra que já estava
incapacitada para o trabalho em 20.01.2020, porém não é indicativa de inexistência de
incapacidade em momento anterior, que ficou irrefutavelmente evidenciada pelos apontamentos
da perícia médica judicial, de onde se pode extrair com segurança a presença do quadro
incapacidade ao menos desde 2015.
Extrai-se da Lei nº 8.213/91, conforme disposto em seus artigos 42, § 2º e 59, parágrafo único,
que não será devido aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença ao segurado que se filiar ao
Regime Geral de Previdência Social já portador da doença ou da lesão invocada como causa
para o benefício, ressalvada a hipótese em que a incapacidade sobrevier por motivo de
progressão ou agravamento dessa doença ou lesão. A progressão ou agravamento de uma
doença, no entanto, são fatos que requerem demonstração material da sua ocorrência, não
dispensam a produção probatória e não permitem o seu acolhimento a partir de meras
presunções. No caso, repito, a prova dos autos é indicativa de incapacidade consolidada em
2015.
“Não há relação de seguro social sem filiação prévia. Se no campo da relação de custeio a
obrigação de pagar contribuição social não se vinculava ao fato de ser, ou não, segurado do
regime de previdência, no âmbito da relação de prestação a regra se inverte. O direito do
indivíduo à proteção previdenciária só se perfaz quando este se encontra, compulsória ou
facultativamente, filiado a um regime de Previdência Social.” (Pereira de Castro, Carlos Alberto
e Lazzari, João Batista; Manual de Direito Previdenciário; Editora Forense; 16ª Edição; 2014;
página 143) (grifo nosso)
O sistema previdenciário pressupõe mutualidade, com o recolhimento de contribuições pelo
tempo mínimo da carência exigida para cada benefício, previamente aos riscos sociais dos
quais o seguro social protege seus segurados. Se, entretanto, fosse admitido o pagamento de
contribuições posteriores à contingência social contra qual visa a lei assegurar o trabalhador,
como uma doença incapacitante, não haveria mais Previdência, porque o trabalhador passaria
a verter contribuições apenas se, e quando, necessitasse do benefício, “fraudando” a
concepção securitária do sistema.
É exatamente o que se verifica no caso concreto, onde é evidente que o autora ingressou no
RGPS já incapacitada para o trabalho, em verdadeira tentativa de burlar o caráter mutualista do
sistema previdenciário, com o claro propósito de obter indevidamente benefício previdenciário
contra o qual não estava segurado.
Não é possível conceder benefício previdenciário a quem só contribui quando lhe é
conveniente, deixando de exercer o dever de solidariedade social no custeio do RGPS. Atitudes
dessa natureza, que infelizmente se repetem com frequência, estão entre as principais causas
do tão propagado déficit da Previdência Social. O Poder Judiciário não pode compactuar com
isso.
A Constituição Federal e a legislação processual garantem ao Juiz a liberdade de firmar sua
convicção sem que esteja adstrito a parâmetros pré-determinados, podendo ele atribuir às
provas que lhe são apresentadas o valor que entender apropriado. No caso, tenho que a
incapacidade da parte autora é preexistente à sua filiação ao Regime Geral de Previdência
Social, razão pela qual não tem direito à concessão de benefício previdenciário por
incapacidade (auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez).
Pela leitura e análise da sentença recorrida, verifico que o mérito foi decidido em conformidade
com as provas produzidas e, ainda, segundo critérios previstos em Lei, na Constituição Federal
e na jurisprudência pacificada no âmbito de nossos Tribunais.
Assim sendo, por estar em perfeita consonância com o entendimento deste relator em
julgamentos análogos, adoto os mesmos fundamentos do aresto recorrido, nos termos do que
dispõe o artigo 46, da Lei nº 9.099/1995, c/c o artigo 1º, da Lei nº 10.259/2001.
Esclareço, a propósito, que o Supremo Tribunal Federal concluiu que a adoção pelo órgão
revisor das razões de decidir do ato impugnado não implica violação ao artigo 93, inciso IX, da
Constituição Federal, em razão da existência de expressa previsão legal permissiva. Nesse
sentido, trago à colação o seguinte julgado da Corte Suprema:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. MATÉRIA
INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA INDIRETA. JUIZADO ESPECIAL. REMISSÃO AOS
FUNDAMENTOS DA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INOCORRÊNCIA.
1. Controvérsia decidida à luz de legislações infraconstitucionais. Ofensa indireta à Constituição
do Brasil.
2. O artigo 46 da Lei n. 9.099/95 faculta ao Colégio Recursal do Juizado Especial a remissão
aos fundamentos adotados na sentença, sem que isso implique afronta ao artigo 93, IX, da
Constituição do Brasil. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STF, 2ª Turma, AgRg em AI 726.283/RJ, Relator Ministro Eros Grau, julgado em 11/11/2008,
votação unânime, DJe de 27/11/2008).
Ante todo o exposto, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO DA PARTE AUTORA e mantenho
integralmente a sentença recorrida.
Condeno a parte autora, na condição de recorrente vencido, ao pagamento de honorários
advocatícios no percentual de 10% do valor atualizado da causa, nos termos do artigo 55,
“caput”, segunda parte, da Lei nº 9.099/1995, combinado com o artigo 1º da Lei 10.259/2001.
No entanto, na hipótese de ser beneficiário(a) da justiça gratuita, as obrigações decorrentes de
sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser
executadas se, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado, o credor demonstrar
que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de
gratuidade, a teor do disposto no artigo 98, § 3º do Código de Processo Civil de 2015.
É o voto.
E M E N T A
Dispensada a ementa por interpretação extensiva do artigo 46 da Lei nº 9.099/95, segunda
parte. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento ao recurso da parte autora, nos termos do relatório e
voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
