Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0002691-46.2020.4.03.6311
Relator(a)
Juiz Federal LIN PEI JENG
Órgão Julgador
10ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
31/01/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 03/02/2022
Ementa
E M E N T A
Dispensada, nos termos da lei.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
10ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0002691-46.2020.4.03.6311
RELATOR:30º Juiz Federal da 10ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: I. T. M.
REPRESENTANTE: PATRICIA DA CRUZ TRINDADE
Advogado do(a) RECORRIDO: MIRIAM ROLIM MACHADO - SP297365,
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0002691-46.2020.4.03.6311
RELATOR:30º Juiz Federal da 10ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: I. T. M.
REPRESENTANTE: PATRICIA DA CRUZ TRINDADE
Advogado do(a) RECORRIDO: MIRIAM ROLIM MACHADO - SP297365,
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
JUÍZA FEDERAL RELATORA: LIN PEI JENG
A parte autora ajuizou a presente ação, objetivando a concessão do benefício assistencial de
prestação continuada, alegando deficiência incapacitante e hipossuficiência econômica.
O Juízo singular proferiu sentença, julgando procedente o pedido, condenando o INSS a
conceder o benefício, com vigência a partir de 16/10/2020 (DER).
Irresignado, o INSS interpôs o recurso, alegando que, de acordo com o laudo médico pericial, a
parte autora possui incapacidade temporária e, dessa forma, não cumpre o requisito da
deficiência. Quanto à miserabilidade, aduz que a renda familiar é superior à declarada, eis que
as fotos do estudo socioeconômico mostram uma casa mobiliada, arrumada, em boas
condições, com TV de tela plana, geladeira, micro-ondas, etc. Alega que o INFOSEG juntado
mostra que o pai da parte autora era titular de empresa de transportes, que estava ativa
recentemente. Requer a improcedência do pedido. Subsidiariamente, pleiteia a fixação do termo
inicial desde a citação e a correção monetária e juros de mora na forma das Leis 11.960/09 e
12.703/12 (variação da caderneta de poupança).
A parte autora apresentou contrarrazões.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0002691-46.2020.4.03.6311
RELATOR:30º Juiz Federal da 10ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: I. T. M.
REPRESENTANTE: PATRICIA DA CRUZ TRINDADE
Advogado do(a) RECORRIDO: MIRIAM ROLIM MACHADO - SP297365,
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
JUÍZA FEDERAL RELATORA: LIN PEI JENG
O benefício em questão, benefício de prestação continuada, encontra o seu fundamento no
artigo 203, inciso V, da Constituição Federal.
Preceitua o inc. V, do art. 203, da Carta Magna:
“Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
(...)
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.”
A Lei n° 8.742/93 (LOAS) e alterações posteriores vieram regulamentar a Constituição Federal
e estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício em análise. Assim, tendo em vista
as diversas modificações legais, é conveniente transcrever o atual texto da referida lei, “in
verbis”:
“Art. 20.O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à
pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem
não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
(Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 1oPara os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou
companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos
solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo
teto. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 2oPara efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual
ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.(Redação
dada pela Lei nº 13.146, de 2015, com entrada em vigor em 02/01/2016)
§ 3oConsidera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a
família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação
dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 4oO benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com
qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência
médica e da pensão especial de natureza indenizatória. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de
2011)
§ 5oA condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do
idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada. (Redação dada pela
Lei nº 12.435, de 2011)
§ 6ºA concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento
de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos
peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS. (Redação dada
pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 7oNa hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica
assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais
próximo que contar com tal estrutura. (Incluído pela Lei nº 9.720, de 30.11.1998)
§ 8oA renda familiar mensal a que se refere o § 3o deverá ser declarada pelo requerente ou seu
representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o
deferimento do pedido.(Incluído pela Lei nº 9.720, de 30.11.1998)
§ 9oOs rendimentos decorrentes de estágio supervisionado e de aprendizagem não serão
computados para os fins de cálculo da renda familiarper capitaa que se refere o § 3odeste
artigo. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015, com entrada em vigor em 02/01/2016)
§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que
produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 11. Para concessão do benefício de que trata ocaputdeste artigo, poderão ser utilizados
outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de
vulnerabilidade, conforme regulamento.(Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015,com entrada em
vigor em 02/01/2016)
Art. 21. O benefício de prestação continuada deve ser revisto a cada 2 (dois) anos para
avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem. (Vide Lei nº 9.720, de
30.11.1998)
§ 1º O pagamento do benefício cessa no momento em que forem superadas as condições
referidas no caput, ou em caso de morte do beneficiário.
§ 2º O benefício será cancelado quando se constatar irregularidade na sua concessão ou
utilização.
§ 3oO desenvolvimento das capacidades cognitivas, motoras ou educacionais e a realização de
atividades não remuneradas de habilitação e reabilitação, entre outras, não constituem motivo
de suspensão ou cessação do benefício da pessoa com deficiência. (Incluído pela Lei nº
12.435, de 2011)
§ 4ºA cessação do benefício de prestação continuada concedido à pessoa com deficiência não
impede nova concessão do benefício, desde que atendidos os requisitos definidos em
regulamento. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)
Art. 21-A.O benefício de prestação continuada será suspenso pelo órgão concedente quando a
pessoa com deficiência exercer atividade remunerada, inclusive na condição de
microempreendedor individual. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 1oExtinta a relação trabalhista ou a atividade empreendedora de que trata o caput deste
artigo e, quando for o caso, encerrado o prazo de pagamento do seguro-desemprego e não
tendo o beneficiário adquirido direito a qualquer benefício previdenciário, poderá ser requerida a
continuidade do pagamento do benefício suspenso, sem necessidade de realização de perícia
médica ou reavaliação da deficiência e do grau de incapacidade para esse fim, respeitado o
período de revisão previsto no caput do art. 21. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 2oA contratação de pessoa com deficiência como aprendiz não acarreta a suspensão do
benefício de prestação continuada, limitado a 2 (dois) anos o recebimento concomitante da
remuneração e do benefício.” (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
Da análise dos dispositivos legais e constitucional acima, verifica-se que a parte precisa
comprovar dois requisitos para fins de concessão do benefício assistencial: 1) ser idoso ou
portador de deficiência e 2) não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família (miserabilidade).
No que tange à pessoa portadora de deficiência, a redação original da Lei nº 8.742/93 vinculava
essa condição à incapacidade para a vida independente e para o trabalho. Todavia, em análise
à norma constitucional e reexaminando as demais normas e jurisprudências sobre esta matéria,
verifica-se que a Constituição Federal não estabeleceu esse requisito (incapacidade laboral e
para vida independente) para este grupo. Com efeito, se a intenção do legislador constitucional
é a de inclusão desse grupo em necessidade, como se vê claramente dos princípios que regem
a Assistência Social (artigo 203 da CF), não pode o legislador infraconstitucional, mesmo dentro
da sua competência legislativa, instituir um requisito novo e restritivo.
Assim sendo, fica evidenciado que não se confundem os conceitos de incapacidade e
deficiência, que estão bem esclarecidos pelo regulamento da Lei nº 7.853, de 24 de outubro de
1989, que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de
Deficiência (artigos 3º e 4º do Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999). Atualmente, a Lei
nº 8.742/93 foi modificada de acordo com esse novo parâmetro de aferição da deficiência,
conforme o § 2º do artigo 20, com a redação dada pela Lei nº 12.470, de 31.08.2011.
Portanto, para fazer jus ao benefício assistencial, a pessoa deve demonstrar possuir algum
impedimento de natureza física, mental, intelectual ou sensorial que obste a sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Melhor
esclarecendo, deve ficar comprovado que a parte não possui condições de se autodeterminar
ou depende de algum auxílio, acompanhamento, vigilância ou atenção de outra pessoa, para
viver com dignidade, como bem delineado pelo E. TRF - 4ª Região no julgamento da Apelação
Cível nº 200671170009847(Turma Suplementar, Relator Desembargador Federal Ricardo
Teixeira do Valle Pereira, julgado em 10/06/2009, D.E. 30/06/2009).
Anote-se, por oportuno, que tal entendimento não destoa do teor das súmulas da TNU a seguir:
Súmula 29. Para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei n. 8.742, de 1993, incapacidade para a vida
independente não é só aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas
também a impossibilita de prover ao próprio sustento.
Súmula 48 (alterada na sessão de 21/11/2018 - REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA –
DEFINIÇÃO DE TESE - TEMA N. 173 - PUIL n. 0073261-97.2014.4.03.6301/SP – ALTERAÇÃO
DA REDAÇÃO DA SÚMULA N. 48 DA TNU). Para fins de concessão do benefício assistencial
de prestação continuada, o conceito de pessoa com deficiência, que não se confunde
necessariamente com situação de incapacidade laborativa, é imprescindível a configuração de
impedimento de longo prazo com duração mínima de 2 (dois) anos, a ser aferido no caso
concreto, desde a data do início da sua caracterização.
Súmula 80. Nos pedidos de benefício de prestação continuada (LOAS), tendo em vista o
advento da Lei 12.470/11, para adequada valoração dos fatores ambientais, sociais,
econômicos e pessoais que impactam na participação da pessoa com deficiência na sociedade,
é necessária a realização de avaliação social por assistente social ou outras providências aptas
a revelar a efetiva condição vivida no meio social pelo requerente.
Em relação ao requisito da miserabilidade, cabe ressaltar que o STF entendeu constitucional o
parâmetro objetivo fixado pelo § 3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 (ADIN n° 1.232-DF).
Todavia, há que se destacar que tal posicionamento tem sido elastecido pelos tribunais, bem
como pelos próprios Ministros da Egrégia Corte, diante das posteriores leis que tratam de
outros benefícios assistenciais e do caso concreto (cito como exemplo, a decisão proferida na
Rcl 4374 MC, Relator: Ministro Gilmar Mendes, julgado em 01/02/2007, publicado em DJ
06/02/2007, p. 00111).
Ainda, há que se destacar o posicionamento atual do E. STF, que, no julgamento do RE 580963
e por maioria do Pleno, declarou inconstitucional o referido artigo 34, § único, do Estatuto do
Idoso, bem como entendeu que a renda “per capita” mínima não é o único critério para avaliar a
hipossuficiência da parte, diante das leis sobre benefícios assistenciais editadas posteriormente
à Lei nº 8.742/93.
Essa é, segundo me parece, também a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal ao
julgar a Reclamação nº 4.374/PE, cuja ementa transcrevo a seguir (grifos meus):
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203,
V, da Constituição da República, estabeleceu critérios para que o benefício mensal de um
salário mínimo fosse concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovassem
não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art.
20, § 3º da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo
Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que “considera-se
incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja
renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo”. O requisito financeiro
estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria
que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do
benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do
art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Reclamação como instrumento de (re)interpretação da decisão
proferida em controle de constitucionalidade abstrato. Preliminarmente, arguido o prejuízo da
reclamação, em virtude do prévio julgamento dos recursos extraordinários 580.963 e 567.985, o
Tribunal, por maioria de votos, conheceu da reclamação. O STF, no exercício da competência
geral de fiscalizar a compatibilidade formal e material de qualquer ato normativo com a
Constituição, pode declarar a inconstitucionalidade, incidentalmente, de normas tidas como
fundamento da decisão ou do ato que é impugnado na reclamação. Isso decorre da própria
competência atribuída ao STF para exercer o denominado controle difuso da
constitucionalidade das leis e dos atos normativos. A oportunidade de reapreciação das
decisões tomadas em sede de controle abstrato de normas tende a surgir com mais
naturalidade e de forma mais recorrente no âmbito das reclamações. É no juízo hermenêutico
típico da reclamação – no “balançar de olhos” entre objeto e parâmetro da reclamação – que
surgirá com maior nitidez a oportunidade para evolução interpretativa no controle de
constitucionalidade. Com base na alegação de afronta a determinada decisão do STF, o
Tribunal poderá reapreciar e redefinir o conteúdo e o alcance de sua própria decisão. E,
inclusive, poderá ir além, superando total ou parcialmente a decisão-parâmetro da reclamação,
se entender que, em virtude de evolução hermenêutica, tal decisão não se coaduna mais com a
interpretação atual da Constituição. 4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos
preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei
8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia
quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e
único estipulado pela LOAS e avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com
entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios
mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004,
que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à
Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder
Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de
renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões
monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do
critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente
de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas
modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de
outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 5. Declaração de
inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 6.
Reclamação constitucional julgada improcedente. (Rcl 4374, Relator(a): Min. GILMAR
MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-173 DIVULG
03-09-2013 PUBLIC 04-09-2013)
Esclareça-se, ainda, que esse entendimento adotado pelo E. STF foi seguido pela TNU,
conforme o julgamento proferido no PEDILEF 00009172220084036304, PEDIDO DE
UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL, Relator JUIZ FEDERAL
BOAVENTURA JOÃO ANDRADE, Fonte: DOU de 09/10/2015.
Assim sendo, o critério da renda per capita estabelece presunção de miserabilidade, mas
presunção apenas relativa, que pode ser afastada, contra ou a favor do interessado, diante dos
demais elementos extraídos do conjunto probatório.
Cabe ressaltar, ainda, que o conceito de família, que foi modificado pela Lei nº 12.435, de 2011,
somente é utilizado para fins de aferição da renda “per capita”. Portanto, não afasta a
necessidade de se verificar, no caso concreto, a eventual existência de demais rendas
comprovadas nos autos.
Por fim, há que se lembrar que a atuação do Estado é sempre subsidiária, conforme assentado
através do enunciado pela Turma Regional de Uniformização da 3ª Região a seguir:
SÚMULA Nº 23- “O benefício de prestação continuada (LOAS) é subsidiário e para sua
concessão não se prescinde da análise do dever legal de prestar alimentos previsto no Código
Civil “
Passo à análise do caso concreto.
Em relação ao enquadramento no disposto no § 2º, do art. 20 da Lei 8.742/93, conforme o
laudo médico, decorrente de exame pericial realizado na especialidade Medicina Legal e Perícia
Médica, a parte autora (04 anos, não alfabetizada) é portadora de “Transtorno de Espectro
Autista CID F84 “.
O jurisperito assim consignou no laudo:
“VI – CONSIDERAÇÕES FINAIS OU CONCLUSÕES:
A autora tem 4 anos de idade e está pleiteando o LOAS por ser portadora de Transtorno de
Espectro Autista.
Ao exame físico apresentou-se em bom estado geral, ansiosa, agitada, com os estigmas
característicos do transtorno (agitada, balanças as mãos, não responde aos comandos,
caminha na ponta dos pés, tem atraso no desenvolvimento psicomotor e da linguagem).
A menor é portadora de TEA, com comprometimento cognitivo e motor que faz com que se
enquadre nos critérios de deficiência necessários para a concessão do benefício.
Apresenta limitações relacionadas à interação social, linguagem, relacionamento interpessoal,
capacidade de aprendizado e discernimento para identificar situações de perigo.
Há necessidade da ajuda de terceiros para as atividades básicas do dia a dia em intensidade
maior que a média para a idade.
A autora deverá ser reavaliada no início da fase adulta para análise do desenvolvimento de
suas potencialidades.
Essa conclusão poderá ser alterada na dependência do surgimento de novas provas ou
informações.
Data do início da doença: a autora recebeu o diagnóstico por volta dos 3 anos de idade.
Destaco, ainda, os seguintes quesitos:
“1. O (a) periciando (a) possui deficiência mental, isto é, seu funcionamento intelectual é
significativamente inferior à média, com limitações associadas a uma ou mais áreas de
habilidades adaptativas (comunicação, cuidado pessoal, habilidades sociais, utilização dos
recursos da comunidade, saúde e segurança, habilidades acadêmicas, lazer, trabalho)? Tal
deficiência é definitiva ou transitória?
R.: Sim, vide conclusão.
1. Constatada incapacidade temporária, o impedimento pode ser considerado como de longo
prazo, ou seja, aquele que produz seus efeitos pelo prazo mínimo de dois anos? Informar os
elementos técnicos que embasam a resposta.
R.: Sim. Vide conclusão.
Assim, o perito foi categórico em relação à incapacidade/deficiência da parte autora.
Considerando que o jurisperito informou que a parte autora recebeu o diagnóstico da doença
por volta dos 3 anos de idade e que deverá ser reavaliada no início da fase adulta, verifico a
existência de impedimento de longo prazo.
No que tange à hipossuficiência econômica, de acordo com o estudo socioeconômico realizado,
a parte autora reside com seus pais e uma irmã (menor) em imóvel cedido, assim descrito no
laudo:
IV - INFRA-ESTRUTURA E CONDIÇÕES GERAIS DE HABITABILIDADE E MORADIA
A autora reside com os pais e a irmã em imóvel cedido , o imóvel é de fundos ( no quintal tem
mais 03 casas) de alvenaria, possui 02 quartos , sala ,cozinha e 02 banheiros. A conservação
do imóvel assim como a dos móveis , são considerados satisfatório.
Mobiliários:
Sala – sofá e televisão.
Quarto 1 - 01 cama de casal, berço e armário .
Quarto 2 – 01 cama de solteiro e escrivaninha.
Cozinha - fogão, geladeira, armário e mesa
Banheiros - sem box
Área de serviço - máquina de lavar roupas.
As fotos que acompanham o laudo socioeconômico demonstram uma casa equipada com o
necessário a uma subsistência digna. O imóvel conta com móveis e eletrodomésticos (televisor,
fogão, geladeira, micro-ondas) em bom estado de conservação.
A subsistência da parte autora é provida pelo valor que seu pai recebe em decorrência de
trabalho informal (R$ 400,00).
As despesas totalizam R$ 1.001,67 e correspondem a:
Despesas:
Alimentação R$ 400,00 declarado
Energia elétrica R$ 185,35 comprovado
Gás R$ 80,00 declarado
Água R$ 174,74 comprovado
Iptu R$ 11,58 comprovado
Fralda R$ 150,00 declarado
De acordo com o estudo socioeconômico, todas as contas estão com atraso no pagamento.
Em consulta ao CNIS do genitor da parte autora, observa-se que, na DER (16/10/2020), ele
efetuava recolhimentos como contribuinte individual, cujo salário-de-contribuição era de R$
1.045,00. Além disso, o extrato abaixo demonstra que ele é titular de empresa de transportes,
ativa desde 08/07/2020:
Examinando o conjunto probatório, verifico que não houve comprovação de eventuais despesas
extraordinárias, que pudessem justificar a concessão do benefício pleiteado. Além disso, as
condições de habitabilidade descaracterizam a situação de miserabilidade da parte autora.
Destaco que o benefício assistencial não tem por finalidade a complementação da renda
familiar.
Assim, da análise da situação fática, verifica-se que a família da parte autora tem condições de
suprir a sua subsistência, em atendimento às suas necessidades básicas, não restando
comprovada a necessária miserabilidade econômica.
Destarte, deve ser reformada a sentença, restando prejudicados os pedidos subsidiários.
Ante todo o exposto, dou provimento ao recurso do INSS para julgar improcedente o pedido,
nos termos da fundamentação acima.
Sem honorários advocatícios, nos termos o art. 55 da Lei nº. 9.099/95.
É o voto.
E M E N T A
Dispensada, nos termos da lei. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a decide a Décima Turma
Recursal do Juizado Especial Federal da 3ª Região - Seção Judiciária do Estado de São Paulo,
por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo
parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
