Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0003255-29.2020.4.03.6342
Relator(a)
Juiz Federal CAIO MOYSES DE LIMA
Órgão Julgador
10ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
31/01/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 03/02/2022
Ementa
E M E N T A
Dispensada a ementa, nos termos do art. 46 da Lei nº 9.099/95, combinado com o art. 1º da Lei
nº 10.259/2001.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIO
Nº
RELATOR:
OUTROS PARTICIPANTES:
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0003255-29.2020.4.03.6342
RELATOR:29º Juiz Federal da 10ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: ANA FLAVIA DE ARRUDA ROSA
Advogado do(a) RECORRIDO: JULIO ANTONIO DE OLIVEIRA - SP111335-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
JUIZ FEDERAL CAIO MOYSÉS DE LIMA: Trata-se de ação movida por ANA FLÁVIA DE
ARRUDA ROSAem face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, com o
objetivo de obter o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, a partir da data de
entrada do requerimento administrativo, em 18/04/2019 (DER), ou da data em que preencher os
requisitos, mediante o cômputo de atividade especial exercida nos períodos de 11/09/1986 a
19/01/1989, de 12/04/1989 a 19/04/1990, de 01/08/1991 a 03/11/1997 e de 12/07/1999 a
01/08/2003, além do tempo de serviço comum exercido nos períodos de 01/10/1990 a
07/12/1990 e de 01/11/1999 a 01/08/2003.
A sentença julgou procedenteo pedido, condenando o réu a (i) averbar, como tempo de serviço
comum, o período de 01/10/1990 a 07/12/1990; (ii) averbar, como tempo de serviço especial, os
períodos de 11/09/1986 a 19/01/1989, de 12/04/1989 a 19/04/1990, de 01/08/1991 a
03/11/1997 e de 12/07/1999 a 01/08/2003; (iii) implantar o benefício de aposentadoria por
tempo de contribuição, a partir de 18/04/2019 (DIB na DER), computando um total de 30 anos,
1 mês e 4 dias de contribuição; e (iv) pagar as prestações vencidas, corrigidas monetariamente
nos termos do art. 41-A da Lei nº 8.213/91, incluído pela Lei nº 11.430/2006, e juros de mora
nos termos do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com redação dada pela Lei nº 11.960/2009.
O réu recorre, alegando, preliminarmente, a incompetência em razão do valor da causa.
No mérito, sustenta, em síntese, que (i) não é possível, no presente caso, a antecipação dos
efeitos da tutela na sentença; (ii) a medição do agente ruído não são precisos, o que
descaracteriza a especialidade da atividade; e (iii) há a necessidade de apresentação de laudo
contemporâneo.
O autorofereceu contrarrazões.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0003255-29.2020.4.03.6342
RELATOR:29º Juiz Federal da 10ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: ANA FLAVIA DE ARRUDA ROSA
Advogado do(a) RECORRIDO: JULIO ANTONIO DE OLIVEIRA - SP111335-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
JUIZ FEDERAL CAIO MOYSÉS DE LIMA (RELATOR):
Preliminar de incompetência
Afasto a preliminar de incompetência em razão do valor da causa, porque não há prova nos
autos de que o proveito econômico pretendido ultrapasse o limite de alçada dos Juizados
Especiais Federais.
Ressalte-se que o valor da causa, apurado com base nos valores devidos até a data do
ajuizamento da ação, não se confunde com o valor da condenação. Admite-se, por conseguinte,
a condenação em valor superior ao limite de alçada, conforme expressamente previsto no art.
17, § 4º, da Lei nº 10.259/2001.
Concessão de tutela na sentença
Nos Juizados Especiais Federais, o recurso da sentença tem efeito meramente devolutivo, nos
termos do art. 43 da Lei nº 9.099/95, combinado com o art. 1º da Lei nº 10.259/2001. O autor
tem, portanto, o direito subjetivo de executar provisoriamente a sentença condenatória, ao
menos no tocante à obrigação de fazer, independentemente do trânsito em julgado.
Disso se extrai que a decisão que “concede a tutela” na sentença não confere ao julgado
nenhum efeito que ele já não pudesse produzir por si próprio, mesmo quando o juízo invoca,
desnecessariamente, as disposições do Código de Processo Civil referentes à tutela provisória
para fundamentar a concessão da medida. Ademais, a lei processual admite expressamente
que o juízo determine de ofício a execução provisória da sentença condenatória, fixando, desde
logo, a sanção pecuniária para eventual descumprimento, conforme se depreende da leitura do
art. 536, caput e § 1º, do Código de Processo Civil, verbis:
Art. 536. No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou
não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para efetivação da tutela específica ou a
obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à
satisfação do exequente.
§1º. Para atender ao disposto no ‘caput’, o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a
imposição de multa [...]
[...]
Ressalte-se, ainda, que o juízo não necessita analisar os requisitos para a concessão de
medidas de urgência quando o dever de cumprir a obrigação de fazer resulta do efeito normal
da sentença condenatória.
É certo que o réu pode, mesmo assim, pleitear o efeito suspensivo previsto na segunda parte
do art. 43 da Lei nº 9.099/95, demonstrando a existência de risco de dano irreparável resultante
da execução provisória do julgado. Todavia, tal pleito mostra-se agora prejudicado diante do
julgamento do recurso.
Legislação aplicável à atividade especial
A lei aplicável à concessão de benefícios previdenciários é aquela vigente à época do seu fato
gerador. Essa é também, ao menos em princípio, a lei a reger toda a vida contributiva do
segurado, inclusive no tocante ao seu tempo de serviço e à natureza comum ou especial de
suas atividades, na medida em que tais elementos também integram o fato gerador do benefício
previdenciário.
Todavia, esse princípio geral de Direito Intertemporal é limitado pelo direito adquirido, que
recebe especial proteção no art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal. Ora, o direito do
segurado a determinada forma de contagem do tempo de serviço é adquirido dia-a-dia, na
exata medida em que o serviço é efetivamente prestado, visto que se trata de um direito
derivado da própria relação jurídica de filiação, que se estabelece diária e continuamente entre
o trabalhador e a Previdência Social.
Quer dizer: aplica-se, como regra geral, a lei vigente na data da ocorrência do fato gerador do
benefício (i.e. data em que implementados os requisitos legais previstos para a sua concessão),
respeitados, no entanto, os direitos adquiridos do segurado quanto à forma de contagem de seu
tempo de serviço.
É evidente, no entanto, que se a lei da época da concessão do benefício for mais benéfica ao
segurado, não haverá violação do direito adquirido, pois a garantia constitucional em questão
tem por finalidade proteger o segurado e não prejudicá-lo. Assim, nada impede que os efeitos
da lei nova, mais benéfica, irradiem sobre todo o período contributivo do segurado.
Em razão disso e com vistas a facilitar a aplicação dos dois princípios de Direito Intertemporal
mencionados, é possível sintetizá-los num único enunciado: a lei aplicável à contagem do
tempo de serviço é aquela em vigor na data em que a atividade foi desempenhada pelo
segurado, salvo lei posterior mais benéfica.
Daí não haver contradição alguma nos posicionamentos jurisprudenciais que ora determinam a
aplicação da legislação em vigor na data da concessão do benefício e ora entendem aplicável a
lei da época da prestação dos serviços, conforme exemplificam os enunciados da Súmula nº 55
da Turma Nacional de Uniformização e da Súmula nº 13 das Turmas Recursais dos Juizados
Especiais Federais da 3ª Região:
Súmula nº 55 (TNU) - A conversão do tempo de atividade especial em comum deve ocorrer
com aplicação do fator multiplicativo em vigor na data da concessão da aposentadoria.
Súmula nº 13 (TR/3ªR) - Em matéria de comprovação de tempo de serviço especial, aplica-se a
legislação vigente à época da prestação do serviço.
A aplicação da lei posterior mais benéfica significa, na prática, que:
a) é possível o reconhecimento da natureza especial de atividades exercidas mesmo antes da
antiga Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS (Lei nº 3.807/60), que criou o benefício de
aposentadoria especial, visto que referida lei irradiou seus efeitos sobre todo o histórico
contributivo dos segurados;
b) não há óbice algum à conversão do tempo de serviço especial anterior à vigência da Lei nº
6.887/80; e
c) os critérios mais benéficos de enquadramento e conversão das atividades especiais,
incluindo fatores de conversão, níveis de tolerância etc., podem ser aplicados retroativamente,
sem ofensa ao princípio “tempus regit actum”.
Enquadramento das atividades especiais
Os arts. 58 e 152 da Lei nº 8.213/91, em sua redação original, estabeleceram que a relação das
atividades consideradas especiais, isto é, das “atividades profissionais prejudiciais à saúde ou à
integridade física”, seria objeto de lei específica e que, até o advento dessa lei, permaneceriam
aplicáveis as relações de atividades especiais que já vigoravam antes do advento da nova
legislação previdenciária.
Assim, por força dos referidos dispositivos legais, continuaram a vigorar as relações de
atividades especiais constantes dos quadros anexos aos Decretos nº 53.831/64 e 83.080/79,
conforme expressamente reconhecido pelos sucessivos regulamentos do Plano de Benefícios
(cf. art. 295 do Decreto nº 357/91, art. 292 do Decreto nº 611/92 e art. 70, parágrafo único, do
Decreto nº 3.048/99, em sua redação original).
O fundamento para considerar especial determinada atividade, nos termos dos Decretos nº
53.831/64 e 83.080/79, sempre foi o potencial de lesar a saúde ou a integridade física do
trabalhador em razão da periculosidade, penosidade ou insalubridade inerente à atividade em
questão. Havia nos decretos acima mencionados dois critérios autônomos para o
enquadramento das atividades especiais: (i) a categoria profissional do segurado (códigos
iniciados pelo número “2”; e (ii) a exposição a agente nocivo de natureza física, química ou
biológica (códigos iniciados pelo número “1”).
Tais formas de enquadramento encontravam respaldo não apenas no art. 58, como também no
art. 57 da Lei nº 8.213/91, segundo o qual o segurado do RGPS faria jus à aposentadoria
especial quando comprovasse período mínimo de trabalho prejudicial à saúde ou à atividade
física “conforme a atividade profissional”. A Lei nº 9.032/95 alterou a redação desse dispositivo
legal, dele excluindo a expressão “conforme a atividade profissional”, mas manteve em vigor os
arts. 58 e 152 da Lei nº 8.213/91.
Com o advento da Medida Provisória nº 1.523/96, sucessivamente reeditada até sua ulterior
conversão na Lei nº 9.528/97, foi alterada a redação do art. 58 e revogado o art. 152 da Lei nº
8.213/91, introduzindo-se duas importantes modificações quanto à qualificação das atividades
especiais: (i) no lugar da “relação de atividades profissionais prejudiciais à saúde ou à
integridade física” passaria a haver uma “relação dos agentes nocivos químicos, físicos e
biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física”, e (ii) essa
relação não precisaria mais ser objeto de lei específica, atribuindo-se ao Poder Executivo a
incumbência de elaborá-la.
Servindo-se de sua nova atribuição legal, o Poder Executivo baixou o Decreto nº 2.172/97, que
trouxe em seu Anexo IV a relação dos agentes nocivos químicos, físicos e biológicos a que
refere a nova redação do art. 58 da Lei nº 8.213/91 e revogou, como consequência, as relações
de atividades profissionais que constavam dos quadros anexos aos Decretos nº 53.831/64 e
83.080/79. Posteriormente, o Anexo IV do Decreto nº 2.172/97 foi substituído pelo Anexo IV do
Decreto nº 3.048/99, que permanece ainda em vigor.
Observa-se, portanto, que houve, durante certo tempo, a sobreposição de regras
aparentemente conflitantes. Os Decretos nº 53.831/64 e 83.080/79 estabeleciam o
enquadramento das atividades não apenas pela exposição a agentes nocivos, mas também
pelo critério da categoria profissional, enquanto a nova redação dada ao art. 58 da Lei nº
8.213/91 somente mencionava a primeira forma de enquadramento e não a última.
Conforme se depreende da leitura do art. 273, inciso II, da Instrução Normativa nº 45/2010, o
INSS interpretou as alterações legislativas no sentido de que, a partir da entrada em vigor da
Lei 9.032/95, não seria mais possível o enquadramento das atividades por categoria
profissional.
Equivocada, no entanto, a referida interpretação, pois os Decretos nº 53.831/64 e 83.080/79,
mesmo no que se refere ao critério do enquadramento por categoria profissional, sempre
empregaram, como fundamento para a qualificação das atividades especiais, a penosidade,
insalubridade ou periculosidade ligadas intrinsecamente a tais atividades. Ora, uma vez que
essa forma de enquadramento traz implícita a ideia de que o trabalhador, por exercer certo tipo
de atividade, presumivelmente esteve exposto a condições prejudiciais à saúde ou à integridade
física, não há nela qualquer incompatibilidade com as alterações introduzidas pela Lei nº
9.032/95 ou pela MP nº 1.523/96.
Assim, continua válido o enquadramento por categoria profissional para as atividades exercidas
até o advento do Decreto nº 2.172/97, pois somente com esse decreto tal critério de
enquadramento foi efetivamente abolido.
Prova do exercício de atividade especial
A redação original do art. 58 da Lei nº 8.213/91 não trazia regra acerca da prova do exercício da
atividade especial.
Seguiam-se, portanto, no âmbito administrativo, as regras estabelecidas pelas sucessivas
instruções normativas baixadas pelo INSS para disciplinar os procedimentos de seu setor de
benefícios, a última das quais é a Instrução Normativa INSS/PRES nº 45/2010, com suas
diversas alterações. Tais regras tradicionalmente exigiram, relativamente ao período em que
vigorava a redação original dos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213/91, a comprovação do exercício da
atividade especial por meio de formulário próprio (SB-40/DSS-8030), o qual, somente no caso
de exposição ao agente nocivo ruído, deveria vir acompanhado de laudo pericial atestando os
níveis de exposição (cf. incisos I e II do art. 256 da IN 45/2010).
Na esfera jurisdicional, nunca houve qualquer razão, ao menos em relação às atividades
exercidas durante a vigência da redação original do art. 58 da Lei nº 8.213/91, para limitar ou
tarifar os meios de prova aptos a comprovar o exercício de atividade especial, especialmente
em virtude do princípio do livre convencimento do juiz (art. 131 do Código de Processo Civil).
Todavia, a apresentação dos formulários preenchidos pelo empregador sempre se mostrou um
importante elemento de convicção do juízo, visto que sem tal documento torna-se quase
impossível determinar quais foram as atividades efetivamente exercidas pelo segurado e os
seus respectivos períodos. Ademais, também no âmbito judicial tem sido exigida a
apresentação de laudo pericial quando não se possa, por outro meio, verificar a intensidade de
exposição ao agente nocivo, como é o caso, por exemplo, da exposição ao ruído.
A já citada MP nº 1.523/96 (atual Lei nº 9.528/97), mediante a introdução de quatro parágrafos
ao art. 58 da Lei nº 8.213/91, finalmente estabeleceu regras quanto à prova do exercício da
atividade especial. Passou então a ser exigida por lei a apresentação do formulário próprio (o
Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP) e, ainda, a elaboração, para todo e qualquer agente
nocivo (e não apenas para o caso de ruído), de laudo técnico de condições ambientais do
trabalho expedido por profissional habilitado (médico do trabalho ou engenheiro de segurança
do trabalho).
Deixou de ser obrigatória, no entanto, a apresentação do laudo juntamente com o formulário,
pois o PPP, desde que elaborado com base em laudo técnico, dispensa a apresentação do
próprio laudo, conforme disposto no art. 58, § 1º, da Lei nº 8.213/91, e no art. 68, § 3º, do
Decreto nº 3.048/99.
Importante notar, ainda, que, no caso das atividades enquadradas por categoria profissional,
prescinde-se da elaboração de laudo técnico para a comprovação da efetiva exposição a
agentes nocivos, pois, pela lógica intrínseca a essa forma de enquadramento, o simples fato de
o trabalhador pertencer a uma determinada categoria profissional já pressupõe que as
atividades por ele exercidas são prejudiciais à saúde ou à integridade física.
No que se refere ao uso de tecnologias de proteção aptas a atenuar os efeitos do agente
nocivo, a MP nº 1.523/96 passou a exigir que constassem do laudo técnico informações
relativas ao uso de equipamentos de proteção coletiva (EPCs). Somente após o advento da Lei
nº 9.732/98 é que se passou a exigir também a inclusão de informações sobre o uso de
equipamentos de proteção individual (EPIs).
Deve-se ressaltar, no entanto, que a menção ao uso de EPCs e EPIs é mero requisito formal
dos laudos técnicos, não afastando, por si só, a natureza especial da atividade, quando não
comprovado que a nocividade foi totalmente eliminada pelo uso dos referidos equipamentos.
Metodologia de aferição do ruído
O ruído sempre esteve relacionado como agente nocivo nos quadros anexos aos Decretos que
regulamentaram a atividade especial. Ao longo do tempo, os limites de tolerância (medidos em
nível de pressão sonora) passaram de 80 dB(A) para 90 dB(A) e finalmente para 85 dB(A).
Para fins de enquadramento da atividade, os Decretos nº 53.831/64, 83.080/79, 2.172/97 e
3.048/99 (este último na redação original) exigiram tão somente que a exposição ao ruído fosse
permanente e estivesse acima dos limites de tolerância, segundo as diretrizes fixada pela NR-
15, editada por meio da Portaria nº 3.214/78, do Ministério do Trabalho e Emprego.
A partir de 19/11/2003, com a entrada em vigor do Decreto nº 4.882/2003, que incluiu o § 11 ao
art. 68 do Decreto nº 3.048/99, passou-se a exigir que, nas avaliações ambientais, fossem
consideradas a metodologia e os procedimentos estabelecidos pela Fundação Jorge Duprat
Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho – FUNDACENTRO.
Para refletir essa mudança, foi também alterada a redação do código 2.0.1 do Anexo IV do
Decreto nº 3.048/99, da qual passou a constar: “exposição a Níveis de Exposição Normalizados
(NEN) superiores a 85 dB(A)”.
Nos termos da Norma de Higiene Ocupacional “NHO-01” da FUNDACENTRO, os Níveis de
Exposição Normalizados (NEN) são um método matemático aplicado aos níveis de ruído a que
o trabalhador esteve efetivamente exposto com o objetivo de encontrar o nível de ruído médio
equivalente numa jornada padrão de oito horas.
Os níveis normalizados são calculados pela seguinte fórmula:
NEN = NE + 10 log TE/480 [dB]
Onde:
NE = nível médio representativo da exposição ocupacional diária.
TE = Tempo de duração, em minutos, da jornada diária de trabalho.
Nota-se, portanto, que os níveis normalizados (NEN) não são um método de medição do ruído,
mas o resultado de uma fórmula de normalização do ruído já medido, a fim de permitir que os
níveis de ruído a que o trabalhador esteve efetivamente exposto possam ser comparados ao
limite de tolerância previsto para a jornada padrão de oito horas.
Quanto ao método de medição do ruído, a NHO-01 determina a utilização preferencial de
medidores integradores de uso pessoal (dosímetros de ruído), os quais são fixados diretamente
no corpo do trabalhador. Todavia, no caso de impossibilidade da utilização do dosímetro, a
norma não veda a adoção de outros tipos de medidores integradores ou de medidores de leitura
instantânea.
Dessa forma, qualquer que seja a época da atividade exercida pelo segurado, o essencial é que
o nível de ruído informado no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) reflita a dose diária de
exposição do trabalhador, independentemente do tipo de medidor utilizado. Essa dose diária,
segundo as normas da FUNDACENTRO, pode ser aferida mediante a aplicação da seguinte
fórmula aos níveis de exposição medidos no local de trabalho:
DOSE DIÁRIA =(C1/T1 + C2/T2 + C3/T3 +... + Cn/Tn) X 100 [%]
Onde:
Cn = tempo total diário em que o trabalhador fica exposto a um nível de ruído específico.
Tn = tempo máximo diário permissível a este nível.
Ao analisar o tema da aferição do ruído, a Turma Nacional de Uniformização fixou as seguintes
teses, conforme decisão em embargos declaratórios no PUIL n.º 0505614-
83.2017.4.05.8300/PE (Tema 174):
a) a partir de 19/11/2003, para a aferição de ruído contínuo ou intermitente, é obrigatória a
utilização das metodologias contidas na NHO-01 da FUNDACENTRO ou na NR-15, que reflitam
a medição de exposição durante toda a jornada de trabalho, vedada a medição pontual,
devendo constar do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) a técnica utilizada e a respectiva
norma;
b) em caso de omissão ou dúvida quanto à indicação da metodologia empregada para aferição
da exposição nociva ao agente ruído, o PPP não deve ser admitido como prova da
especialidade, devendo ser apresentado o respectivo laudo técnico (LTCAT), para fins de
demonstrar a técnica utilizada na medição, bem como a respectiva norma.
Por conseguinte, desde que o PPP indique expressamente a adoção das metodologias
previstas na NHO-01 ou na NR-15, deve-se presumir que os valores informados,
independentemente da técnica de medição utilizada, refletem a dose diária, devidamente
normalizada para uma jornada de trabalho padrão de oito horas.
Caso concreto
Para comprovação da atividade especial exercida nos períodos de 11/09/1986 a 19/01/1989, de
12/04/1989 a 19/04/1990, de 01/08/1991 a 03/11/1997 e de 12/07/1999 a 01/08/2003, a autora
apresentou PPP da empresa "Indústrai Carambei S/A" (págs. 59-60 do ID 178129043), dando
conta de que a autora trabalhou como "magazineira", "tecelã", "passadeira" e "tecelã",
respectivamente, todos no setor "tecelagem", com exposição a ruido de 97 a 98 dB(A).
No campo observações, consta que oPPP foi elaborado com base em laudo técnico de
26/03/1979, mas não contém informações sobre a manutenção das condições de trabalho.
Ademais, consta que a medição do ruído foi "pontual". Assim, não é possível o enquadramento
da atividade como especial em razão do ruído.
No entanto, a Turma Nacional de Uniformização, no julgamento da PEDILEF 0528035-
14.2010.4.05.8300, firmou o seguinte entendimento:
PREVIDENCIÁRIO. PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO. PREVIDENCIÁRIO. TEMPO ESPECIAL.
TRABALHADOR DA INDÚSTRIA TÊXTIL. PARECER MT-SSMT N. 085/78, DO MINISTÉRIO
DO TRABALHO. ENQUADRAMENTO PROFISSIONAL. ANALOGIA CÓDIGOS 2.5.1 DO
DECRETO 53.831/64 E 1.2.11 DO DECRETO 83.080/79. POSSIBILIDADE. PEDIDO NÃO
CONHECIDO – QUESTÃO DE ORDEM 13/TNU.
A Presidência da TNU deu provimento a agravo interposto contra decisão que inadmitiu o
incidente de uniformização nacional suscitado pela parte ora requerente, pretendendo a reforma
de acórdão oriundo de Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais da Seção Judiciária de
Pernambuco que, reformando a sentença de parcial procedência, reconheceu período adicional
de trabalho especial. Sustenta o recorrente que o acórdão recorrido diverge de julgamento
proferido pela 1ª Turma Recursal de Santa Catarina (Recurso de Sentença Cível (Processo
2007.72.95.009635-1, relator juiz federal Andrei Pitten Velloso, julgado em 30/07/2008), a qual
entendeu que “não há enquadramento especial pelo exercício da atividade de tecelão ou de
trabalhador em indústria têxtil, pois o Parecer MT-SSMT nº 085/78 não é norma cogente, mas
mero enunciado de orientação administrativa, a qual, inclusive, há muito não é mais seguida
pelo INSS”. Alega que o reconhecimento como especial dos períodos de 31/08/1984 a
29/07/1985, e 01/08/1986 a 25/03/1988, durante os quais a autora trabalhou em indústria têxtil,
sem comprovação por meio de laudo pericial, afronta o entendimento desta TNU (PEDILEF
200672950186724) e do STJ (AGRESP 200601809370; AGRESP - AGRAVO REGIMENTAL
NO RECURSO ESPECIAL – 877972; STJ - SEXTA TURMA; DJE de 30/08/2010), segundo os
quais a comprovação da exposição a agentes insalubres (ruído e calor) sempre demandou
aferição por laudo técnico. Não conheço o incidente, tendo-se em vista o disposto na Questão
de Ordem n. 13, desta TNU. Inicialmente, destaco que a sentença reconheceu a especialidade
do labor exercido pelo recorrido junto à empresa Lipasa do Nordeste S/A, nos períodos de
24/4/1979 a 20/9/1983 e de 26/3/1988 a 6/8/1993, ancorando-se em laudos periciais, segundo
os quais a autora estava submetida a ruído na intensidade de 95 dB(A), superior à tolerada pela
legislação previdenciária. Todavia, rejeitou a pretensão de reconhecimento do labor na mesma
empresa em relação aos períodos de 31/8/1984 a 29/7/1985, e de 01/08/1986 a 25/3/1988, pela
falta de laudos periciais, em que pese a autora haver apresentado perfis profissiográficos
previdenciários (PPP), relativos aos vínculos e períodos descritos. Ocorre que a Turma
Recursal de origem, em recurso contra a sentença, reconheceu a especialidade da atividade
desenvolvida pela autora na indústria têxtil nos períodos rejeitados pela sentença presumindo a
presença do agente ruído de forma nociva à saúde do trabalho, dispensando a apresentação de
laudo pericial para esses períodos, arrematando: “faz jus a autora à conversão do tempo
anteriormente mencionado. Assim, de 31/08/1984 a 29/07/1985 e 01/08/1986 a 25/03/1988 tem-
se o total de 2 anos, 6 meses e 23 dias, e aplicando-se o fator 1,2 chega-se ao montante de 3
anos, 0 meses e 29 dias”. Ora, nenhum reparo merece o acórdão impugnado, uma vez que em
sintonia com a jurisprudência desta TNU sobre o tema, a qual reconhece a especialidade da
atividade prestada em indústria têxtil até 28/04/1995, mediante enquadramento profissional, por
analogia aos itens nº 2.5.1 do Decreto nº 53.831/64 e nº 1.2.11 do Decreto 83.080/79. Com
efeito, esta Turma Nacional vem reconhecendo a especialidade da atividade exercida em
indústria têxtil em razão do Parecer MT-SSMT n. 085/78, do Ministério do Trabalho (emitido no
processo n. 42/13.986.294), que estabeleceu que todos os trabalhos efetuados em tecelagens
dão direito ao enquadramento como atividade especial, devido ao alto grau de ruído inerente a
tais ambientes fabris (cf. PEDILEF 05318883120104058300, relator juiz federal PAULO
ERNANE MOREIRA BARROS, julgado em 11/03/2015). No PEDILEF mencionado, restou
assentado por este Colegiado Nacional que, em face do disposto no art. 383 do Decreto
83.080/79 e no referido Parecer MT-SSMT n. 085/78, é possível o reconhecimento do caráter
especial de “atividades laborativas cumpridas em indústrias de tecelagem, sendo possível, pois,
efetuar a conversão pretendida mesmo sem a apresentação do respectivo laudo técnico,
mormente por se tratar de período anterior à inovação legislativa da Lei 9.032/95 que exige
prova da efetiva exposição”, em face do princípio da segurança jurídica, da incidência do
princípio in dubio pro misero e da presunção de insalubridade conferida às atividades
desenvolvidas nas indústrias de tecelagem, conforme legislação da época da prestação dos
serviços. Incidente não conhecido. (grifo nosso)
(PEDILEF 0528035-14.2010.4.05.8300, Rel. JUIZ FEDERAL JOSÉ HENRIQUE GUARACY
REBÊLO, DOU 19/02/2016 PÁGINAS 238/339).
Dessa forma, ressalvado meu entendimento pessoal,é devido o enquadramento dos períodos
de 11/09/1986 a 19/01/1989, de 12/04/1989 a 19/04/1990 ede 01/08/1991 a 28/04/1995, tendo
em vista a comprovação de que trabalhava em indústria de tecelagem.
Passo à análise do direito à aposentadoria
Com base na contagem elaborada pela Contadoria Judicial (ID 178129052), ajustando o tempo
de serviço especial na forma acima especificada, a parte autora, até a data de entrada do
requerimento administrativo, somava 29anos, 3meses e 6dias de contribuição, conforme
contagem efetuada utilizando ferramenta de cálculo da Justiça Federal:
Portanto, não tendo cumprido o tempo mínimo, não faz jus ao benefício na DER.No entanto, a
reafirmação da DER pode ser admitida no curso do processo, sem necessidade de novo
requerimento administrativo ou nova ação judicial, quando fundada nos arts. 493 ou 933 do
Código de Processo Civil e desde que o fato superveniente guarde pertinência com a causa de
pedir e o pedido constantes na petição inicial, conforme decidido pelo Superior Tribunal de
Justiça pela sistemática dos recursos repetitivos, ao julgar os REsp nº 1727063/SP,
1727064/SP e 1727069/SP (Tema 995):PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO.
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. REAFIRMAÇÃO
DA DER (DATA DE ENTRADA DO REQUERIMENTO). CABIMENTO. RECURSO ESPECIAL
PROVIDO. 1. O comando do artigo 493 do CPC/2015 autoriza a compreensão de que a
autoridade judicial deve resolver a lide conforme o estado em que ela se encontra. Consiste em
um dever do julgador considerar o fato superveniente que interfira na relação jurídica e que
contenha um liame com a causa de pedir. 2. O fato superveniente a ser considerado pelo
julgador deve guardar pertinência com a causa de pedir e pedido constantes na petição inicial,
não servindo de fundamento para alterar os limites da demanda fixados após a estabilização da
relação jurídico-processual. 3. A reafirmação da DER (data de entrada do requerimento
administrativo), objeto do presente recurso, é um fenômeno típico do direito previdenciário e
também do direito processual civil previdenciário. Ocorre quando se reconhece o benefício por
fato superveniente ao requerimento, fixando-se a data de início do benefício para o momento do
adimplemento dos requisitos legais do benefício previdenciário. 4. Tese representativa da
controvérsia fixada nos seguintes termos: É possível a reafirmação da DER (Data de Entrada
do Requerimento) para o momento em que implementados os requisitos para a concessão do
benefício, mesmo que isso se dê no interstício entre o ajuizamento da ação e a entrega da
prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, nos termos dos arts. 493 e 933 do CPC/2015,
observada a causa de pedir. 5. No tocante aos honorários de advogado sucumbenciais,
descabe sua fixação, quando o INSS reconhecer a procedência do pedido à luz do fato novo. 6.
Recurso especial conhecido e provido, para anular o acórdão proferido em embargos de
declaração, determinando ao Tribunal a quo um novo julgamento do recurso, admitindo-se a
reafirmação da DER. Julgamento submetido ao rito dos recursos especiais repetitivos. (RESP -
RECURSO ESPECIAL - 1727063 2018.00.46508-9, MAURO CAMPBELL MARQUES, STJ -
PRIMEIRA SEÇÃO, DJE DATA:02/12/2019..DTPB:.)Assim, tratando-se de ação em que se
pretende a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, é possível reafirmação da
DER para a data em que, no curso do processo, foram implementados os requisitos do
benefício, mediante o cômputo de tempo de contribuição adicional incontroverso, extraído dos
próprios registros do INSS (CNIS), visto que tal fato superveniente guarda pertinência com o
objeto da lide.
No caso dos autos, conforme contagem abaixo, verifica-se que o tempo mínimo necessário
para a concessão do benefício somente ocorreu em 10/11/2020, após o encerramento do
procedimento administrativo (em 21/03/2020)e antes da propositura da ação (em
13/11/2020).Dessa forma, o benefício é devido a partir da citação, em 14/12/2020, quando o
INSS passou a ter ciência do presente feito.
Diante do exposto, voto por dar parcial provimento ao recurso da parte ré para reformar em
parte a sentença, a fim de:
a) afastar a natureza especial das atividades exercidas nos períodos de 29/04/1995a
03/11/1997 e de 12/07/1999 a 01/08/2003, devendo serem computadas como tempo de serviço
comum;
b) alterar a data de início do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição concedida
judicialmente para a data da citação, em 14/12/2020 (DER reafirmada), quando a parte autora
possuía um total de 30 anos, 5 meses e 3 dias de contribuição; e
c) condenar o INSS a pagar as prestações atrasadas, a partir da nova DER, conforme
parâmetros fixados na sentença.
Sem condenação em honorários, tendo em vista que nos Juizados Especiais Federais apenas o
recorrente, quando vencido, deve arcar essa verba, nos termos do art. 55 da Lei nº 9.099/95.
É o voto.
E M E N T A
Dispensada a ementa, nos termos do art. 46 da Lei nº 9.099/95, combinado com o art. 1º da Lei
nº 10.259/2001. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Décima Turma
Recursal do Juizado Especial Federal da Terceira Região - Seção Judiciária de São Paulo, por
unanimidade, dar parcial provimento ao recurso da parte ré, nos termos do voto do Juiz Federal
Relator, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
