Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0000253-92.2021.4.03.6317
Relator(a)
Juiz Federal CAIO MOYSES DE LIMA
Órgão Julgador
10ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
31/01/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 10/02/2022
Ementa
E M E N T A
Dispensada a ementa, nos termos do art. 46 da Lei nº 9.099/95.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIO
Nº
RELATOR:
OUTROS PARTICIPANTES:
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000253-92.2021.4.03.6317
RELATOR:29º Juiz Federal da 10ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
RECORRIDO: CARLOS ANTONIO RODRIGUES VIEIRA
Advogados do(a) RECORRIDO: GERALDO THOMAZ FERREIRA - SP125713-A, JULIANA
GARCIA FERREIRA - SP212271-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
JUIZ FEDERAL CAIO MOYSÉS DE LIMA: Trata-se de ação movida por CARLOS ANTONIO
RODRIGUES VIEIRA em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, que
tem por objeto a concessão do benefício de salário-maternidade ao autor, em função da adoção
do menor Fernando Henrique Machado Cardoso, então com 12 anos de idade, cuja guarda foi
concedida nos autos da ação nº 0024481-26.2020.8.26.0002, que tramitou perante a Vara da
Infância e da Juventude do Foro Regional II - Santo Amaro, da Comarca de São Paulo/SP.
Narra a inicial que a autora formulou requerimento de obtenção do benefício de salário-
maternidade em 03/12/2020, o qual foi indeferido pela justificativa de que o adotado tinha idade
igual ou superior a oito anos na data do fato gerador. Alega, em síntese, ser inconstitucional o
disposto no art. 93-A do Decreto nº 3.048/999, com a redação dada pelo Decreto nº
10.410/2020, que condiciona o pagamento do benefício à idade da criança ou adolescente
adotado, visto que tais regramentos ferem o direito constitucional à igualdade entre os filhos
biológicos e adotivos. Afirma, ainda, que a referida regra representa um grave prejuízo ao
sistema brasileiro de adoção.
A sentença julgou procedente o pedido formulado na inicial para:
a) declarar incidentalmente a inconstitucionalidade da limitação etária insculpida no art. 71-A da
Lei n. 8.213/1991 e no art. 93-A do Decreto n. 3.048/1999, que apenas admite a concessão do
benefício previdenciário de salário-maternidade na hipótese de o segurado(a) adotar menor de
idade qualificado(a) como criança (pessoa até 12 anos de idade incompletos) e, por
conseguinte, impede a concessão do citado benefício quando o(a) adotado(a) menor for
qualificado(a) como adolescente (pessoa entre 12 e 18 anos de idade incompletos), por
violação ao art. 5º, caput e inciso LIV, e ao art. 227, caput e § 6º, da Constituição Federal;
b) condenar o INSS à concessão do benefício previdenciário de salário-maternidade (art. 71-A
da Lei n. 8.213/1991), em favor do autor, em razão da obtenção, em 16.11.2020, da guarda
para fins de adoção, concedida nos autos do Processo n. 0024481-26.2020.8.26.0002 da Vara
da Infância e da Juventude do Foro Regional II – Santo Amaro, da Comarca de São Paulo - SP,
fixando a data de início do benefício (DIB) em 16.11.2020;
c) ratificar a tutela de urgência concedida em caráter liminar, convolando a tutela provisória em
definitiva, deixando, contudo, de condenar a autarquia previdenciária ao pagamento de valores
na via judicial (RPV ou Precatório), tendo em vista que, devido à implantação do benefício em
cumprimento à decisão liminar, todas as parcelas do salário-maternidade foram solvidas na via
administrativa (anexos n. 52/53).
O INSS recorre, sustentando, em síntese, que é indevida a concessão do benefício em função
de o adotado ter mais de oitoanos idade na data da adoção.
Requer, assim, a reforma da sentença para que o pedido formulado na inicial seja julgado
improcedente.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000253-92.2021.4.03.6317
RELATOR:29º Juiz Federal da 10ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
RECORRIDO: CARLOS ANTONIO RODRIGUES VIEIRA
Advogados do(a) RECORRIDO: GERALDO THOMAZ FERREIRA - SP125713-A, JULIANA
GARCIA FERREIRA - SP212271-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
JUIZ FEDERAL CAIO MOYSÉS DE LIMA (RELATOR):
A questão em debate é exclusivamente de direito e já foi enfrentada adequadamente enfrentada
na sentença, pelo que apenas me reporto aos fundamentos ali lançados, os quais adoto como
razão de decidir:
[...]
1) Salário-maternidade para o(a) segurado(a) que adote ou obtenha guarda, para fins de
adoção, de menor de idade.
Conforme destacado na decisão liminar proferida em 05/02/2021 (anexo n. 06), o benefício
postulado pela parte autora vem delineado no art. 71-A da LBPS (Lei n. 8.213/1991) e no art.
93-A do RPS (Decreto n. 3.048/1999), a seguir transcritos:
[...]
Como visto, as normas citadas apenas admitem a concessão do benefício quando o adotado for
criança.
O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei n. 8.069/1990), traz o conceito jurídico de
criança e de adolescente no seu art. 2º, estabelecendo que se considera criança a pessoa até
12 (doze) anos de idade incompletos. Vejamos:
Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade
incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.
No caso concreto, o menor F.H.M.C possuía 12 (doze) anos completos na data do fato gerador,
qual seja, a concessão de sua guarda para fins de adoção aos cônjuges CARLOS ANTÔNIO
RODRIGUES VIEIRA e RICARDO LEITE DE MATOS.
Logo, o menor F.H.M.C já não era criança, e sim adolescente, na referida oportunidade, razão
pela qual os requisitos previstos no art. 71-A da LBPS e no art. 93-A do RPS não restaram
integralmente atendidos.
Como consabido, em função do princípio da separação dos poderes, não cabe ao julgador
substituir-se ao legislador e ao administrador público, sob pena de grave e indevida usurpação
de competências.
Assim, as leis e os atos normativos criados, respectivamente, pelo Poder Legislativo e pelo
Poder Executivo, dentro da margem de discricionariedade conferida pela Constituição Federal,
não podem ser desconsiderados pelo Poder Judiciário (princípio da deferência), sob pena de
incorrer em indevido ativismo judicial, violando o princípio constitucional da separação dos
poderes.
Por outro lado, não é menos correto afirmar que incumbe ao Poder Judiciário, no exercício de
sua competência constitucionalmente traçada, afastar a aplicação de lei ou ato normativo que
vulnerem a Constituição Federal.
Nesse sentido, transcreve-se o magistério do eminente Ministro ROBERTO BARROSO:
“Em todo ato de concretização do direito infraconstitucional estará envolvida, de forma explícita
ou não, uma operação mental de controle de constitucionalidade. A razão é simples de
demonstrar. Quando uma pretensão jurídica funda-se em uma norma que não integra a
Constituição – uma lei ordinária, por exemplo -, o intérprete, antes de aplicá-la, deverá certificar-
se de que ela é constitucional. Se não for, não poderá fazê-la incidir, porque no conflito entre
uma norma ordinária e a Constituição é esta que deverá prevalecer. Aplicar uma norma
inconstitucional significar deixar de aplicar a Constituição.”
(LUÍS ROBERTO BARROSO, O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro, 8ª
edição, São Paulo: Saraiva, 2019, p. 23)
Isso posto, é mister salientar que, ao contrário do que uma leitura mais açodada do texto legal
possa dar a entender, o benefício de salário-maternidade tem por destinatário principal a própria
criança ou adolescente adotado e, apenas, em caráter secundário, as mães, os pais e
guardiões (para fins de adoção).
Com efeito, a teleologia da norma visa a propiciar que a criança ou adolescente adotado possa
contar com o máximo de suporte e atenção de seus pais nos primeiros momentos de sua
integração e adaptação ao novo núcleo familiar.
Não é preciso profunda elucubração para perceber que, nos casos de adoção tardia - em que o
menor possui maior compreensão e consciência de sua situação e, por conseguinte, maiores
traumas emocionais decorrentes do próprio estado de abando e do esfacelamento de seu
núcleo familiar originário – é ainda mais importante e necessário o intenso convívio do adotado
com seus genitores (adotantes) para que ele possa se sentir seguro, amado e respeitado, e,
assim, fortalecer os laços afetivos e o vínculo familiar que estão sendo criados.
Partindo da premissa de que o principal destinatário do salário-maternidade é sempre o menor,
a norma que faz diferenciação entre filhos menores, concedendo o benefício ao menor adotado
com menos de 12 anos (criança) e denegando-o ao menor adotado com idade superior
(adolescente), além de ser desprovido de qualquer fundamentação empírica, viola
manifestamente diversas regras e princípios constitucionais.
Sob o aspecto empírico, a citada diferenciação não tem qualquer lastro na realidade, não
havendo base para afirmar que apenas a criança adotada carece de constante atenção dos
pais; pelo contrário, conforme demonstram as regras da experiência comum subministradas
pela observação do que ordinariamente acontece (art. 375 do CPC), os casos de adoção tardia
são ainda mais desafiadores e exigem não só maior presença dos pais, como, também, maior
sabedoria e sensibilidade dos adotantes para saber lidar de forma adequada com os
sentimentos e reações do menor adotado em idade avançada, no momento de sua introdução
em seu novo lar.
Nesse sentido, não se pode deixar de destacar excerto do lapidar e antológico voto proferido
pelo Exmo. Sr. Ministro ROBERTO BARROSO, eminente relator do Recurso Extraordinário n.
778.889/PE:
“44. Crianças adotadas, não raro, têm em seu histórico: experiências pré-natais adversas à
saúde, períodos prolongados em unidades neonatais, cuidados inadequados, abuso físico,
psíquico ou sexual, perdas e separações. Esses fatores, a privação do contato do menor com a
mãe nos primeiros meses de vida, ou em momentos críticos de seu desenvolvimento, e a
institucionalização por períodos prolongados (que, infelizmente, ainda é uma realidade no
Brasil), podem produzir efeitos altamente comprometedores da capacidade da criança de
estabelecer laços afetivos saudáveis com os pais adotivos e de adaptar-se à nova família.
45. Estudos internacionais dão conta de que quanto maior é o tempo de institucionalização de
uma criança, mais difícil costuma ser a adaptação à família adotiva. Por outro lado, indicam
também que o fator mais relevante para a recuperação dessas crianças e para a superação de
tais dificuldades é a presença, a disponibilidade e a afetividade dos pais adotivos, que precisam
apresentar um intenso comprometimento com o menor (“agressive attachment behavior”) no
início de seu convívio.
46. Tais estudos noticiam, ainda, que crianças adotadas têm maior probabilidade – em alguns
casos, o dobro da probabilidade – de demandar cuidados especiais quanto à saúde, quando
comparadas com crianças não adotadas. E, eventualmente, este aspecto só é identificado com
a sua chegada à nova família, quando se descobrem que os menores são portadores de
patologias para as quais não foram testados ou até de patologias para as quais foram testados
e supostamente tiveram resultados negativos.
47. Portanto, a adaptação de uma criança adotada a uma nova família e os primeiros meses de
convívio demandam tempo, paciência e disponibilidade da parte dos pais. O menor chega de
um ambiente inóspito a um “espaço entranho”. Precisa sentir-se aceito e amado para
considerar-se parte daquela família. Muitas crianças temem uma nova rejeição, um novo
abandono e, após um período inicial, passam a “testar” os pais adotivos, com comportamentos
inadequados, com o propósito (inconsciente) de se assegurar de seu amor e de sua aceitação
e, então, novos obstáculos devem ser superados para a construção de um vínculo seguro.
48. Não há nada na realidade das adoções, muito menos na realidade das adoções tardias, que
indique que crianças mais velhas precisam de menos cuidado ou de menos atenção do que
bebês. Pelo contrário, a plena adaptação nas adoções tardias é um desafio ainda maior, já que
crianças mais velhas possivelmente foram expostas por tempo maior a cuidados inadequados,
traumas e institucionalizações.
49. É preciso ter em conta igualmente que casais inférteis geralmente buscam adotar bebês ou
crianças muito novas, que lhes permitam vivenciar todas as etapas da maternidade biológica. A
dificuldade de adoção de crianças com mais de 3 anos de idade é muito maior. De acordo com
dados fornecidos pelo Conselho Nacional de Justiça, através do Cadastro Nacional de Adoção,
do total dos atuais pretendentes à adoção, 68,35% desejam adotar crianças de até 3 anos,
sendo que estas representam aproximadamente 4,23% do total de crianças disponíveis para a
adoção. 95, 76% das crianças disponíveis têm idade superior a 3 anos e grande parte delas
encontram-se em instituições.
50. Ora, se, para filhos biológicos, conectados às suas mães desde o útero, jamais
negligenciados, jamais abusados, jamais feridos, há necessidade de uma licença mínima de
120 dias, violaria o direito dos filhos adotados à igualdade e à proporcionalidade, em sua
vertente de vedação à proteção deficiente, pretender que crianças em condições muito mais
gravosas gozem de período inferior de convívio com as mães.”
Por certo, a concepção de Estado de Direito, de rule of law, tem por pressuposto lógico que a lei
não seja arbitrária, mormente quando ela veicular hipótese restritiva de direito, como no caso
em apreço.
Nesta senda, revela-se oportuna a transcrição do magistério de CLÁUDIO PEREIRA DE
SOUZA NETO e de DANIEL SARMENTO, acerca dos diferentes significados da razoabilidade
na jurisprudência constitucional brasileira:
“Em nossa jurisprudência constitucional, colhem-se alguns significados atribuídos ao princípio
da razoabilidade. Um deles é o da vedação à arbitrariedade: devem existir motivos objetivos e
racionais subjacentes aos atos estatais, sobretudo os que restringirem direitos. [...] A
razoabilidade é empregada também para exigir a presença de uma relação de pertinência entre
a medida prevista pelo legislador e os critérios adotados por ele para definir os seus
destinatários. Em geral, este parâmetro é empregado em conjugação com o princípio da
isonomia, para obstar diferenciações injustificadas entre pessoas e situações. Isto, porque,
como se sabe, o princípio da igualdade não bane toda e qualquer distinção, mas antes impõe
que as desequiparações legais baseiem-se em critérios razoáveis, sendo os discrimens
adotados logicamente relacionados à diferença de tratamento dispensada aos destinatários da
norma.”
(CLÁUDIO PEREIRA DE SOUZA NETO e DANIEL SARMENTO, Direito Constitucional –
Teoria, história e métodos de trabalho, 2ª edição, 5ª reimpressão, Belo Horizonte: Fórum, 2019,
p. 490)
Na mesma senda, cita-se a doutrina de HUMBERTO ÁVILA a respeito do princípio da
razoabilidade (tratado em sua obra como “postulado”), em que o citado princípio é decomposto
em três acepções distintas: razoabilidade como equidade, como congruência e como
equivalência. Ao discorrer sobre a razoabilidade como congruência, o ilustre professor assim
preleciona:
“Razoabilidade como congruência – No segundo grupo de casos o postulado da razoabilidade
exige a harmonização das normas com suas condições externas de aplicação. [...] Os princípios
constitucionais do Estado de Direito (art. 1º) e do devido processo legal (art. 5º, LIV) impedem a
utilização de razões arbitrárias e a subversão dos procedimentos institucionais utilizados.
Desvincular-se da realidade é violar os princípios do Estado de Direito e do devido processo
legal. (...)
Em segundo lugar, a razoabilidade exige uma relação congruente entre o critério de
diferenciação escolhido e a medida adotada. (...) Somente uma razão de ser plausível e
aceitável justifica a distinção. (...) À eficácia dos princípios constitucionais do Estado de Direito
(art. 1º) e do devido processo legal (art. 5º, LIV) soma-se a eficácia do princípio da igualdade
(art. 5º, caput), que impede a utilização de critérios distintivos inadequados. Diferenciar sem
razão é violar o princípio da igualdade.”
(HUMBERTO ÁVILA, Teoria dos Princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos,
19ª edição, São Paulo: Malheiros, 2019, p. 199/202)
Assim, pelas razões expostas, verifica-se que a restrição etária imposta no art. 71-A da Lei n.
8.213/1991 e no art. 93-A do Decreto n. 3.048/1999, admitindo a concessão do benefício
previdenciário de salário-maternidade apenas quando o(a) segurado adotar menor de idade
qualificado como criança (pessoa até 12 anos de idade incompletos) e, por conseguinte,
vedando a concessão do aludido benefício quando o menor de idade a ser adotado for
qualificado como adolescente (pessoa entre 12 anos completos e 18 anos incompletos) é
completamente desprovida de fundamento lógico e empírico, motivo pelo qual não pode
prevalecer, devendo ser afastada por atentar contra o princípio constitucional implícito da
razoabilidade, decorrente do due process of law em sua vertente substantiva (art. 5º, inciso LIV,
da CF).
Além disso, a referida instituição de tratamento diferenciado entre menores adotados, a
depender de sua qualificação como crianças ou adolescentes, viola, a mais não poder, a ratio
do princípio constitucional da isonomia (art. 5º, caput, da CF), insculpido de formaqualificada no
§6º do art. 227 da Constituição Federal, que tem por inequívoco desiderato a proibição de
distinção entre filhos.
Por imprescindível, transcreve-se a norma constitucional em comento:
[...]
Como referido, é inquestionável que a razão de ser da citada norma constitucional finca-se em
vedar qualquer forma de discriminação entre filhos. Logo, a norma que se extrai de seu texto,
em realidade, vai nitidamente além da literalidade de seu enunciado.
Nesse diapasão, é necessário perceber que a verdadeira norma que se extrai do aludido
dispositivo legal é justamente a seguinte: "é vedada qualquer forma de tratamento
discriminatório entre filhos".
A alusão a filhos "havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção" apenas exemplifica
práticas discriminatórias que se visa a proibir, mormente em razão de que algumas dessas
formas de tratamento discriminatório como, por exemplo, a distinção entre filhos legítimos e
ilegítimos, outrora encontraram eco no ordenamento jurídico pátrio, notadamente na redação
original do Código Civil de 1916, e perduraram por décadas até serem erradicadas.
Todavia, é necessário repisar que, por se tratar de referência exemplificativa, a alusão feita a
filhos havidos ou não dentro do matrimônio, e aos filhos adotados (em contraposição aos
naturais), não exaurem as formas de discriminação que a norma insculpida no §6º do art. 227
da Constituição Federal pretendeu terminantemente abolir. Como efeito, aqui se tem típico
exemplo em que o enunciado (texto) ficou aquém da norma que dele se extrai, a qual
inelutavelmente possui maior abrangência e tem por fito vedar qualquer forma de tratamento
discriminatório entre filhos de qualquer origem.
Seguindo essa linha de raciocínio, se é inquestionável que nosso ordenamento jurídico não
mais consente com qualquer forma de tratamento diferenciado entre filhos naturais ou, ainda,
entre filhos naturais e adotivos, denota-se, com redobradas razões, ser igualmente intolerável
qualquer forma de discriminação entre filhos menores adotados - caso dos autos - pois tal
prática redundaria em violação ao princípio da isonomia que, em um Estado Democrático de
Direito, irradia seus efeitos sobre todas as áreas do ordenamento jurídico, de forma a evitar a
criação de qualquer forma de tratamento diferenciado que não possua justificativa e fundamento
na concretização e promoção de valores albergados pelo texto constitucional.
Em outras palavras: a Constituição Federal apenas admite o tratamento diferenciado entre
concidadãos quando essa diferenciação seja necessária para a promoção e afirmação de
valores consagrados em nível constitucional e/ou decantados da noção ínsita de res publica.
Não tolera, a Lei Maior, a instituição de distinções arbitrárias, despidas de razoabilidade ou que
não se coadunem com as finalidades perseguidas pelo Estado Democrático de Direito.
Cumpre destacar, ainda, que a restrição etária imposta no art. 71-A da Lei n.
8.213/1991 e no art. 93-A do Decreto n. 3.048/1999 também confronta a Convenção sobre os
Direitos da Criança (1989), aprovada pela Resolução 44-25 da Assembleia Geral das Nações
Unidas, em 20.11.1989, ratificada pelo Brasil em 24.09.1990, e promulgada pelo Presidente da
República por meio do Decreto n. 99.710, de 21.11.1990, que considera como criança todo ser
humano com menos de 18 (dezoito) anos. Confira-se:
Artigo 1
Para efeitos da presente Convenção considera-se como criança todo ser humano com menos
de dezoito anos de idade, a não ser que, em conformidade com a lei aplicável à criança, a
maioridade seja alcançada antes.
Artigo 2
1. Os Estados Partes respeitarão os direitos enunciados na presente Convenção e assegurarão
sua aplicação a cada criança sujeita à sua jurisdição, sem distinção alguma,
independentemente de raça, cor, sexo, idioma, crença, opinião política ou de outra índole,
origem nacional, étnica ou social, posição econômica, deficiências físicas, nascimento ou
qualquer outra condição da criança, de seus pais ou de seus representantes legais.
2. Os Estados Partes tomarão todas as medidas apropriadas para assegurar a proteção da
criança contra toda forma de discriminação ou castigo por causa da condição, das atividades,
das opiniões manifestadas ou das crenças de seus pais, representantes legais ou familiares.
Artigo 3
1. Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas
de bem estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem
considerar, primordialmente, o interesse maior da criança.
2. Os Estados Partes se comprometem a assegurar à criança a proteção e o cuidado que sejam
necessários para seu bem-estar, levando em consideração os direitos e deveres de seus pais,
tutores ou outras pessoas responsáveis por ela perante a lei e, com essa finalidade, tomarão
todas as medidas legislativas e administrativas adequadas.
Isso posto, não demanda hercúleo esforço hermenêutico constatar que a limitação etária
introduzida no art. 71-A da Lei n. 8.213/1991 e no art. 93-A do Decreto n. 3.048/1999,
conferindo o direito ao salário-maternidade apenas ao adotante de filho menor de 12 anos e,
por conseguinte, denegando-o ao adotante de menor com idade igual ou superior a 12 anos,
não tem razão de ser e não se alinha com qualquer finalidade perseguida pela Constituição da
República.
Pelo contrário, a instituição de tal forma de tratamento na concessão do benefício
do salário-maternidade ao adotante é manifestamente desarrazoada, porquanto culmina por
colocar empecilhos e desestimular a adoção de menores em idade mais avançada, situação
também denominada de "adoção tardia", que justamente constituem as hipóteses mais raras e
difíceis de adoção, na medida em que, sabida e infelizmente, a preferência quase absoluta por
adoções recai sobre recém-nascidos ou crianças que ainda se encontram nos seus primeiros
anos de vida.
Assim sendo, não há qualquer exagero ao se afirmar que, a cada ano que passa, as chances
de adoção de uma criança albergada diminui drástica e exponencialmente, de modo que, ao
entrarem na adolescência, tais menores possuem pouca ou nenhuma chance de encontrarem
um lar antes de atingirem a maioridade e serem desligados da tutela do Estado.
Logo, é de todo incompreensível do ponto de vista lógico - e insustentável do ponto de vista
jurídico - que a lei, ao invés de incentivar a adoção tardia, crie obstáculos e desestímulos para
sua concretização.
A bem da verdade, dando-se o devido enfoque à questão, chega-se inclusive à conclusão de
que haveria justificativa plausível, lastreada em base empírica e alinhada com as finalidades
traçadas pela Carta Magna, para instituir tratamento diferenciado em favor das adoções tardias
como medida de contrabalancear a natural preferência pela adoção de recém-nascidos ou
crianças em seus anos iniciais de vida; porém, jamais o contrário.
Lado outro, partindo-se da premissa de que o benefício de salário-maternidade se destina a
atender primordialmente os interesses do menor, não há como chancelar a distinção de direitos
entre menores adotados.
Pontue-se, nessa esteira, que o art. 227 da Constituição Federal, que constitui o fundamento
normativo de todo o arcabouço de proteção ao menor, não faz qualquer distinção ou gradação
entre crianças e adolescentes no que diz respeito ao dever estatal de estimular o "acolhimento,
sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado" (art. 227, §3º, inciso
VI, da CF).
Tendo em vista que uma das principais funções das normas constitucionais é servir de vetor
interpretativo de toda a legislação infraconstitucional, percebe-se nitidamente que não se pode
dar guarida à lei ou ato normativo cuja aplicação prática culmine por gerar efeito que
manifestamente colida com o desiderato da norma constitucional que lhe serve de fundamento
de validade.
Assim, no que tange ao benefício de salário-maternidade, é inconstitucional privar apenas o
adolescente adotado de usufruir tal direito, que, ao fim e ao cabo, se traduz na possibilidade de
ser amparado e ter o máximo de contato e envolvimento com os pais adotivos, no momento de
seu ingresso em sua nova estrutura familiar.
Nesta senda, note-se que o eminente Ministro EDSON FACHIN, ao proferir voto no já citado
Recurso Extraordinário n. 778.889/PE, embora se referindo ao instituto trabalhista da licença-
maternidade, em mais de uma passagem demonstra que o núcleo de sua argumentação é de
que a(o) adotante e, principalmente, o(a) adotado(a) – seja ele(a) criança ou adolescente –
devem ter assegurado o direito à convivência e ao fortalecimento dos vínculos afetivos,
especialmente no momento em que o adotado passa a integrar seu novo grupo familiar.
Eis o voto de Sua Excelência:
“Quando se considera que o vínculo inicial entre mãe e filho é bem jurídico a ser protegido pelo
ordenamento jurídico, uma vez que a Constituição erigiu o afeto como liame ressignificador das
relações familiares, mostra-se necessária a extensão da licença-maternidade à mãe adotante,
de modo que ela goze do mesmo tempo da mãe biológica, para conviver com a criança ou o
adolescente, e fortalecer o vínculo que deverá uni-las durante a vida.
Ora, a necessidade de que a mãe adotante estabeleça uma relação parental com a criança ou o
adolescente a ser adotado consiste em justificativa para um tratamento isonômico entre ambas
as situações. É evidente que a mãe biológica passa por situações que a mãe adotante não
experimentará. No entanto, a tarefa de integrar uma criança à família, seja de que idade for, de
acostumá-lo à rotina da casa, de compreender seus medos, de auxiliá-lo a enfrentar as dores
do abandono, a aceitar as alegrias de um novo lar, de despertar, enfim, nessa criança ou nesse
adolescente, o amor de filho e de despertar, também em si mesma, o amor de mãe, essas
tarefas não podem ser tidas como menores, a ponto de não necessitarem de período razoável
de adaptação, como sustentou o acórdão recorrido
(...)
Ainda, a Constituição introduz o princípio do melhor interesse da criança, o qual deflui do
conteúdo normativo do artigo 227 do texto constitucional.
Essa ótica não permite que o texto normativo infraconstitucional possa desconsiderar toda a
principiologia da Constituição, estabelecendo prazo reduzido de convivência integral do menor
com a mãe adotante, com base na idade do adotando, em completa desconsideração à
condição de fragilidade daquele que ingressará pela primeira vez naquele seio familiar.
Todo o arcabouço de proteção à criança e ao adolescente, inaugurada em 1988, fica relegado à
pequenez, se não se garantir ao adotando um período de íntimo e intenso convívio com os pais
que a lei lhe concedeu, período esse determinante para a constituição da nova família enquanto
locus privilegiado de desenvolvimento pleno de sua personalidade”
A argumentação jurídica brilhantemente desenvolvida pelo eminente Min. EDSON FACHI à luz
do art. 227 da Constituição Federal, como visto, é completamente aplicável ao caso vertente, já
que a razão ontológica da licença-maternidade (instituto trabalhista) e do salário-maternidade
(benefício previdenciário) repousam sobre o mesmo fundamento e finalidade: a proteção do
menor.
Assim sendo, deve ser garantida a concessão de salário-maternidade ao segurado, homem ou
mulher, que adotar ou obtiver a guarda para adoção de criança ou adolescente.
Nessa esteira, transcreve-se precedente do Egrégio TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª
REGIÃO, tendo por relator o culto Desembargador Federal CARLOS DELGADO:
[...]
2) Requisitos para a obtenção do benefício de salário-maternidade
A obtenção da guarda do menor F.H.M.C, para fins de adoção, restou demonstrada pela
decisão e Termo de Guarda e Responsabilidade constantes nas fls. 39 e 43/44 do Processo n.
0024481-26.2020.8.26.0002 da Vara da Infância e da Juventude do Foro Regional II – Santo
Amaro, da Comarca de São Paulo (anexo n. 02 – fls. 08/10).
Analisando o CNIS da parte autora (anexo n. 09), verifica-se que o demandante possui vínculo
empregatício com a empresa NÚCLEO EDUCACIONAL RENIL DO BRASIL EIRELI desde
18.01.2017, circunstância corroborada pela cópia de sua CTPS (anexo n. 02, fl. 12).
Logo, presente a qualidade de segurado, na forma do art. 11, inciso I, alínea “a”, da LBPS, na
data do fato gerador (16.11.2020), qual seja, a obtenção da guarda do menor F.H.M.C, para fins
de adoção, pelo autor e seu cônjuge.
Lado outro, tratando-se o autor de segurado empregado, resta dispensado o requisito da
carência (art. 26, inciso V, da LBPS).
Ainda, extrai-se do CNIS (anexo n. 08), que o cônjuge do autor, Sr. RICARDO LEITE DE
MATOS, também é segurado do Regime Geral de Previdência Social, possuindo vínculo
empregatício com a empresa CENTRO EDUCACIONAL GUAIAUNENSE EIRELI, desde
23.09.2019, não havendo registro de requerimento administrativo de salário-maternidade por
ele apresentado, pelo que se verifica a observância das normas constantes no art. 71-A, §2º, da
LBPS e no art. 93-A, §7º, do RPS.
De outra banda, saliente-se que a alegação do INSS de que o autor recebe salário-
maternidade, a partir de 17/11/2020, na empresa onde se encontra empregado (anexo n. 07 –
fl. 15), além de incorreto, em nada infirma o direito do autor, mas antes o confirma. Primeiro,
cumpre esclarecer que o segurado se encontra em gozo de licença-maternidade ou “licença-
adoção” (anexo n. 02 – fl. 13), instituto jurídico afeto Direito do Trabalho, e não de salário-
maternidade, benefício previdenciário que foi postulado pelo autor perante o INSS (NB
80/199.155.310-0), porém, restou indeferido.
Em segundo lugar, vem à calha destacar que, nos termos do art. 71-A, §1º, da LBPS e do art.
93-A, §6º, do RPS, o pagamento do salário-maternidade, no caso concreto, cabe diretamente
ao INSS.
Enfim, no caso concreto, a parte autora faz jus à concessão do benefício de salário-
maternidade previsto no art. 71-A da LBPS, a partir 16.11.2020.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso da parte ré.
Condeno o réu ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) do
valor da condenação, nos termos do art. 85, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil e do art. 55
da Lei nº 9.099/95, considerando a baixa complexidade do tema.
É o voto.
E M E N T A
Dispensada a ementa, nos termos do art. 46 da Lei nº 9.099/95. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Turma
Recursal do Juizado Especial Federal da Terceira Região - Seção Judiciária de São Paulo, por
unanimidade, negar provimento ao recurso da parte ré, nos termos do voto do Juiz Federal
Relator, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
