Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0002569-28.2020.4.03.6345
Relator(a)
Juiz Federal RODRIGO ZACHARIAS
Órgão Julgador
4ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
04/02/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 11/02/2022
Ementa
E M E N T A
Dispensada a ementa por interpretação extensiva do artigo 46 da lei n.º 9.099/95.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
4ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0002569-28.2020.4.03.6345
RELATOR:10º Juiz Federal da 4ª TR SP
RECORRENTE: IRACEMA MARQUES DA PAIXAO
Advogado do(a) RECORRENTE: JOAO PAULO MATIOTTI CUNHA - SP248175-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo4ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0002569-28.2020.4.03.6345
RELATOR:10º Juiz Federal da 4ª TR SP
RECORRENTE: IRACEMA MARQUES DA PAIXAO
Advogado do(a) RECORRENTE: JOAO PAULO MATIOTTI CUNHA - SP248175-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso interposto em face da r. sentença com o seguinte dispositivo: “Diante de
todo o exposto, resolvendo o mérito com fundamento no artigo 487, I, do CPC: (i)julgo
parcialmente procedenteo pedido de reconhecimento de tempo de serviço rural, para declarar
trabalhado pela autora o período que vaide 01.10.1984 a 12.06.1988; (ii)julgo improcedenteo
pedido de concessão de aposentadoria por idade formulado. Sem condenação em custas e
honorários advocatícios, nos termos do artigo 55 da Lei n.º 9.099/95 c.c. o artigo 1º da Lei
10.259/01. Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos, dando-se baixa na distribuição.
Para fins recursais, parte autora e INSS consideram-se intimados neste ato. Sem embargo, dê-
se publicidade ao decidido.”
Nas razões de apelo, requer “a) ante o direito à aposentadoria por idade (híbrida), sob o ponto
de vista do princípio da dignidade da pessoa humana, pede a apelante que Vossas Excelências
reformem “in totum” a respeitável sentença de primeira instância, dando total provimento ao
recurso interposto, para reconhecer em favor da parte autora, o direito a APOSENTADORIA
POR IDADE HÍBRIDA, conforme descritos na inicial, ficando assim prestigiada a JUSTIÇA; b)
Conseqüentemente também, EM RELAÇÃO AOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS, deve ser
reformado o decisório, os quais devem ser fixados no percentual legal, segundo o disposto no
art. 85 §2º do CPC, conforme o decisório, entretanto, INCIDENTES SOBRE O TOTAL DA
CONDENAÇÃO, com a correta interpretação da SÚMULA 111, condenação 16 esta, ao
pagamento das parcelas vencidas até o trânsito em julgado desta, tudo conforme se pede na
inicial. Aguarda-se, portanto, com serenidade o que faz jus na conformidade com a legislação
vigente, e as leis que regiam a atividade na época trabalhada, em face do principio de que,
“LEX TEMPUS RÉGIT ACTUM”, isto é, A LEI DO TEMPO REGE O ATO, ou a que for mais
benéfica, ficando assim prestigiada a JUSTIÇA.”
Vieram os autos a esta 10ª cadeira da 4ª Turma Recursal.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0002569-28.2020.4.03.6345
RELATOR:10º Juiz Federal da 4ª TR SP
RECORRENTE: IRACEMA MARQUES DA PAIXAO
Advogado do(a) RECORRENTE: JOAO PAULO MATIOTTI CUNHA - SP248175-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Conheço do recurso, porque presentes os requisitos de admissibilidade.
No mérito, discute-se nos autos o direito da parte autora a benefício de aposentadoria por
idade.
Esta aposentadoria é regulada no artigo 48 da Lei n. 8.213/91, cujo teor, após as alterações
introduzidas pela Lei n. 11.718/2008, é o seguinte (g. n.):
Art. 48 - A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida
nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se
mulher. (Redação dada pela Lei nº 9.032/95)
§ 1º Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinquenta e cinco anos no caso
de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I,
na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11. (Redação dada pela Lei 9.876, de
26.11.99)
§ 2º Para os efeitos do disposto no § 1º deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o
efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente
anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição
correspondente à carência do benéfico pretendido, computado o período a que se referem os
incisos III a VIII do § 9º do art. 11 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)
§ 3º Os trabalhadores rurais de que trata o § 1º deste artigo que não atendam ao disposto no §
2º deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de
contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65
(sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher. (Incluído pela
Lei nº 11.718, de 2008)
§ 4º Para efeito do § 3º deste artigo, o cálculo da renda mensal do benefício será apurado de
acordo com o disposto no inciso II do caput do art. 29 desta Lei, considerando-se como salário-
de-contribuição mensal do período como segurado especial o limite mínimo de salário-de-
contribuição da Previdência Social. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
Consoante se verifica da redação dos §§ 3º e 4º do art. 48 da Lei n. 8.213/91, a Lei n.
11.718/2008 introduziu nova modalidade de aposentadoria por idade, a qual permite ao
segurado somar períodos de trabalho rural e urbano para completar o tempo correspondente à
carência exigida, desde que alcançado o requisito etário de 65 (sessenta e cinco) anos de
idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher. É a denominada aposentadoria por idade híbrida.
Sobre o tema, muitas interpretações surgiram nos tribunais.
Entretanto, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, pautada, sobretudo, na busca de
equilíbrio entre as necessidades sociais - decorrentes do fenômeno do êxodo rural - e o Direito,
assentou entendimento de que a concessão da aposentadoria híbrida independe da
predominância das atividades, tampouco se mostra relevante averiguar o tipo de trabalho
exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento.
A questão relativa à comprovação de atividade rural se encontra pacificada no Superior Tribunal
de Justiça, que exige início de prova material e afasta por completo a prova exclusivamente
testemunhal (Súmula 149 do STJ).
Ressalta-se que o início de prova material, exigido pelo § 3º do artigo 55 da Lei 8.213/91, não
significa que o segurado deverá demonstrar mês a mês, ano a ano, por meio de documentos, o
exercício de atividade na condição de rurícola, pois isto importaria em se exigir que todo o
período de trabalho fosse comprovado documentalmente, sendo de nenhuma utilidade a prova
testemunhal para demonstração do labor rural.
Com efeito, a súmula 577 do Superior Tribunal de Justiça estabelece que “é possível
reconhecer o tempo de serviço anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que
amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório”.
O art. 106 da LBPS discrimina os documentos hábeis a comprovar o labor rurícola, dentre os
quais CTPS, contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural, declaração de sindicato de
trabalhadores rurais, desde que homologada pelo INSS, bloco de notas de produtor rural,
certidão de cadastro do imóvel rural no INCRA, notas fiscais de entrada de mercadorias,
emitidas pela empresa adquirente da produção, documentos fiscais relativos à entrega da
produção rural à cooperativa agrícola, declaração de imposto de renda, com indicação de renda
proveniente da comercialização da produção rural etc.
Mas o rol de documentos previstos no art. 106 da LBPS não é taxativo, podendo-se utilizar
outros tais como certidão de casamento, certidão de nascimento, certificado de alistamento
militar ou eleitoral ou atestado de frequência escolar em que em que conste a profissão de
lavrador do segurado, carteira de sócio e guia de recolhimento da contribuição para sindicato de
trabalhadores rurais etc.
A declaração firmada por sindicato de trabalhadores rurais não homologada pelo INSS não
serve como início de prova material (STJ, 3ª Seção, AgRg nos EREsp. 1.140.733/SP, Relator
Ministro Og Fernandes, DJe 31.05.2013). O mesmo ocorre com declaração de ex-empregador,
a qual só pode ser admitida como início de prova material se contemporânea aos fatos a
comprovar (STJ, 3ª Seção, AR 3.963/SP, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, DJe
25.06.2013).
No caso de segurado especial, o exercício por curtos períodos de trabalho urbano intercalados
com o serviço rural não descaracteriza sua condição, inclusive a Lei 11.718/2008 alterou a
LBPS para prever que durante a entressafra o segurado especial pode trabalhar em outra
atividade por até 120 (cento e vinte) dias no ano, sem perder a filiação.
Embora seja admissível a comprovação de atividade rural mediante a qualificação de lavrador
do cônjuge ou ascendente em documento escrito, é inaceitável a utilização desse documento
como início de prova material quando se constata que o referido membro da família, apontado
como rurícola, vem posteriormente a exercer atividade urbana de forma regular (STJ, 5ª Turma,
AgRg no REsp. 947.379/SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, DJ 26.11.2007).
Outrossim, “o trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si
só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a
dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar ” (STJ, 1ª Seção, REsp.
1.304.479/SP, Relator Ministro Herman Benjamin, DJe 19.12.2012).
Admite-se, ainda, a extensão da qualificação de lavrador de um cônjuge ao outro. Segundo a
súmula nº 73 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região: “Admite-se como início de prova
material do efetivo exercício de trabalho rural, em regime de economia familiar, documentos de
terceiros, membros do grupo parental”.
De acordo com o que restou definido quando do julgamento do REsp. 1.321.493/PR, realizado
segundo a sistemática de recurso representativo da controvérsia (CPC, art. 543-C), aplica-se a
súmula acima aos trabalhadores rurais denominados "boias-frias", sendo imprescindível a
apresentação de início de prova material, corroborada com provas testemunhal, para
comprovação de tempo de serviço.
No mais, segundo julgamento levado a efeito no Superior Tribunal de Justiça, realizado
segundo a sistemática de recurso representativo da controvérsia (CPC, art. 543-C), tratando-se
de aposentadoria por idade rural, é necessária a comprovação do tempo de atividade rural no
período imediatamente anterior à aquisição da idade (RECURSO ESPECIAL Nº 1.354.908 - SP
(2012/0247219-3), RELATOR: MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES, DJ 09/09/2015)."
Em relação às contribuições previdenciárias, é assente o entendimento de serem
desnecessárias, sendo suficiente a comprovação do efetivo exercício de atividade no meio rural
(STJ, REsp 207.425, 5ª Turma, j. em 21/9/1999, v.u., DJ de 25/10/1999, p. 123, Rel. Ministro
Jorge Scartezzini; e STJ, RESP n. 502.817, 5ª Turma, j. em 14/10/2003, v.u., DJ de 17/11/2003,
p. 361, Rel. Ministra Laurita Vaz).
Por fim, há várias súmulas da TNU sobre a matéria:
Súmula 5
A prestação de serviço rural por menor de 12 a 14 anos, até o advento da Lei 8.213, de 24 de
julho de 1991, devidamente comprovada, pode ser reconhecida para fins previdenciários.
Súmula 6
A certidão de casamento ou outro documento idôneo que evidencie a condição de trabalhador
rural do cônjuge constitui início razoável de prova material da atividade rurícola.
Súmula 14
Para a concessão de aposentadoria rural por idade, não se exige que o início de prova material,
corresponda a todo o período equivalente à carência do benefício.
Súmula 24
O tempo de serviço do segurado trabalhador rural anterior ao advento da Lei nº 8.213/91, sem o
recolhimento de contribuições previdenciárias, pode ser considerado para a concessão de
benefício previdenciário do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), exceto para efeito de
carência, conforme a regra do art. 55, §2º, da Lei nº 8.213/91.
Súmula 30
Tratando-se de demanda previdenciária, o fato de o imóvel ser superior ao módulo rural não
afasta, por si só, a qualificação de seu proprietário como segurado especial, desde que
comprovada, nos autos, a sua exploração em regime de economia familiar.
Súmula 34
Para fins de comprovação do tempo de labor rural, o início de prova material deve ser
contemporâneo à época dos fatos a provar.
Pois bem, para a concessão do benefício previdenciário, via de regra, é necessário verificar se
a autora preenche os requisitos legais estabelecidos, a saber:
a) contingência ou evento, consistente na idade mínima;
b) período de carência, segundo os artigos 25, II, e 142 da LBPS;
c) filiação, que no caso de aposentadoria por idade urbana é dispensada no momento do
atingimento da idade ou requerimento.
Consoante se verifica da redação dos §§ 3º e 4º do art. 48 da Lei n. 8.213/91, a Lei n.
11.718/2008 introduziu nova modalidade de aposentadoria por idade, a qual permite ao
segurado somar períodos de trabalho rural e urbano para completar o tempo correspondente à
carência exigida, desde que alcançado o requisito etário de 65 (sessenta e cinco) anos de
idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher. É a denominada aposentadoria por idade híbrida.
Sobre o tema, muitas interpretações surgiram nos tribunais. A jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça, pautada, sobretudo, na busca de equilíbrio entre as necessidades sociais -
decorrentes do fenômeno do êxodo rural - e o Direito, assentou entendimento de que a
concessão da aposentadoria híbrida independe da predominância das atividades, tampouco se
mostra relevante averiguar o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito
etário ou do requerimento.
Diferentemente do que vem sustentando o INSS nas ações judiciais, o tempo de atividade rural
exercido anteriormente à Lei nº 8.213/91 deve ser computado como período de carência.
Decidiu o Superior Tribunal de Justiça, em 14/9/2019, em julgamento de recurso submetido a
regime repetitivo (RESP 1.788.404-PR):
“Nestes termos, se propõe a fixação da seguinte tese: o tempo de serviço rural, ainda que
remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da
carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido
efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3o. da Lei 8.213/1991, seja
qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho
exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo.”
Após, a admissão da vice-presidência do STJ em 26/05/2020 pela admissão do RE interposto
no RESP 1788404/PR, pela Autarquia Previdenciária, como representativo da controvérsia,
recentemente foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no âmbito do tema 1104, que
inexiste repercussão geral sobre a matéria.
Neste sentido, segue ementa da decisão proferida em 01/09/2020 pelo ministro presidente do
Supremo Tribunal Federal (STF):
Ementa: Recurso extraordinário. Previdenciário. Aposentadoria híbrida. Trabalho urbano e rural.
Requisitos necessários para concessão do benefício. Reafirmação da orientação do STF sobre
a natureza infraconstitucional da controvérsia. Ausência de repercussão geral. Tese de
repercussão geral: É infraconstitucional, a ela se aplicando os efeitos da ausência de
repercussão geral, a controvérsia relativa à definição e ao preenchimento dos requisitos legais
necessários para a concessão de aposentadoria híbrida, prevista no art. 48, § 3º da Lei nº
8.213/91.
Dessarte, declarada a inexistência de repercussão geral quanto a matéria remetida ao STF
através do RE interposto no RESP 1788404/PR, deve ser aplicado o entendimento firmado pelo
Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Tema nº 1007.
Pelas considerações apresentadas, o recurso não pode medrar.
A r. sentença é muito bem fundamentada e analisou todas as peculiaridades da controvérsia.
Eis os fundamentos: “Apregoadas as partes, compareceram a autora, seu advogado, o Dr. João
Paulo Matiotti Cunha, OAB/SP nº 248.175, e o Procurador Federal do INSS, Dr. Gustavo
Kensho Nakajum. Iniciados os trabalhos, a pedido do juízo, o nobre advogado da autora
esclareceu a inicial, aduzindo que pretendia também o reconhecimento, no bojo destes autos,
do período que estende de 01.10.1984 a 12.06.1988, com anotação em CTPS, além do tempo
de serviço rural a estender de 22.04.1972 a 30.09.1984, o que foi levado nos pedidos
formulados de forma complessiva. O INSS, por seu digno Procurador, toma ciência do
esclarecimento. Prejudicada a tentativa de conciliação, o MM. Juiz colheu o depoimento pessoal
da autora e inquiriu as 2 testemunhas por ela indicadas (Ezidio Nabas e Basílio José Maria
Cândido), conforme arquivo de áudio anexado(s) aos autos virtuais, nos termos dos artigos 13,
§3º da Lei nº 9.099/95 e 1º da Lei nº 10.259/01, dispensada a transcrição, nos termos do artigo
36 da Lei nº 9.099/95. Sem mais intercorrências ou requerimento de prova em suplementação,
foi encerrada a instrução processual. As partes apresentaram alegações finais remissivas. Na
sequência, o MM. Juiz passou a proferir a seguinteSENTENÇA: Vistos. Relatório dispensado
nos termos do artigo 38, “caput”, parte final, da Lei n.º 9.099/95 e 1º da Lei nº 10.259/01.
Concedo à autora os benefícios da justiça gratuita; anote-se. Defiro-lhe, ainda, em razão da
idade, prioridade na tramitação do feito, já assegurada. Prescrição quinquenal inocorre, nos
termos do artigo 103, § único, da Lei n.º 8.213/91, se a ação foi movida em 10.11.2020
postulando efeitos patrimoniais a partir de 23.09.2019. Pretende-se aposentadoria por idade,
combinando tempos de trabalho rural e urbano. A Primeira Seção do Superior Tribunal de
Justiça (STJ), em julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, fixou a seguinte tese: "O tempo
de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode
ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade,
ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do artigo 48,
parágrafo 3º, da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no
período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito
etário ou do requerimento administrativo" (Tema 1.007). Não há suspensão nacional que
impeça o prosseguimento deste feito, o qual ainda está em 1º grau de jurisdição. Por isso,
prossigo. Cuida-se de aposentadoria por idade, alardeando-se labor rural e urbano pelo tempo
necessário a cumprir carência. Completou-se, ademais, a idade necessária. A concessão do
benefício de aposentadoria por idade que se convencionou chamar de “híbrida”, prevista no
artigo 48, §§ 3º e 4º, da Lei nº 8.213/91, está condicionada ao preenchimento dos seguintes
requisitos: (i) idade mínima de 65 anos, se homem, e 60 anos, se mulher e (ii) efetivo exercício
de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por intervalo(s) que, adicionado(s) a outros
períodos de contribuição sob diferentes categorias de segurado, sejam suficientes a cumprir a
carência legal. Note-se que, com a edição da Lei nº 11.718, de 20.06.2008, pouco importa
esteja o segurado ligado ao meio rural ou urbano no momento em que passou a atender ao
conjunto de requisitos que se impõem para o deferimento da aposentadoria por idade híbrida,
requisitos estes que, de resto, não precisam ser cumpridos simultaneamente.Isso faz cair por
terra a distinção entre tempo de serviço e de carência, já que o interessado pode mesclar os
períodos de trabalho na cidade e no campo, independentemente da ordem de sua realização.
Serve para impedir discriminação e quebra do princípio da isonomia entre as coletividades de
trabalhadores, no princípio estanques. Vale o conjunto de tempos; trabalha-se com a maior
exigência etária e o cálculo do benefício é temperado segundo a regra do artigo 48, § 4º, da Lei
nº 8.213/91.Deveras, o C. STJ, em decisão de 04.09.2014, no REsp nº 1.367.479-RS
(2013/0042992-1), deixou assente:“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO
ESPECIAL. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 535 DO CPC.
NÃO CARACTERIZAÇÃO. JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO OCORRÊNCIA, ARTIGO 48,
§§ 3º E 4º DA LEI Nº 8.213/1991, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.718. OBSERVÂNCIA.
RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. A Lei 11.718/2008 introduziu no
sistema previdenciário brasileiro uma nova modalidade de aposentadoria por idade denominada
aposentadoria por idade híbrida. 2. Neste caso, permite-se ao segurado mesclar o período
urbano ao período rural e vice-versa, para implementar a carência mínima necessária e obter o
benefício etário híbrido. 3. Não atendendo o segurado rural à regra básica para a aposentadoria
por idade rural com comprovação de atividade rural, segundo a regra de transição prevista no
artigo 142 da Lei 8.213/91, o § 3º do artigo 48 da Lei 8.213/1991, introduzido pela Lei
11.718/2008, permite que aos 65 anos, se homem e 60, mulher, o segurado preencha o período
de carência faltante com períodos de contribuição de outra qualidade de segurado, calculando-
se o benefício de acordo com o § 4º do artigo 48. 4. Considerando que a intenção do legislador
foi a de permitir aos trabalhadores rurais, que se enquadrem nas categorias de segurado
empregado, contribuinte individual, trabalhador avulso e segurado especial, o aproveitamento
do tempo rural mesclado ao tempo urbano, preenchendo inclusive carência, o direito à
aposentadoria por idade deve ser reconhecido. 5. Recurso especial conhecido e não provido.”
Calha analisar a hipótese concreta. Verifico que a autora completou 60 (sessenta) anos
em14.09.2014. O tempo de carência que lhe toca cumprir é de 180 (cento e oitenta) meses, ao
teor do artigo 25, II, da Lei nº 8.213/91, já que a eficácia do artigo 143 da LB, norma transitória,
projetou-se somente até 31/12/2010. Colhida a prova, passo a decidir. Advirta-se, desde logo,
que a regra constante da Lei nº 8.213/91 é admitir-se a caracterização de segurado especial a
partir dos 16 anos de idade (era de 14 até a edição da Lei nº 11.718/2008). Todavia, para
período anterior ao advento da Lei nº 8.213/91, a jurisprudência reconhece,com clara notação
excepcional, a possibilidade de se utilizar o tempo rural do entãodependente a partir dos 12
anos de idade, contanto que devidamentecomprovado, na necessária conjugação deelementos
materiaise orais de prova. Eis, a esse propósito, o enunciado da Súmula 5 da TNU: “A
prestação de serviço rural por menor de 12 a 14 anos, até o advento da Lei nº 8.213, de 24 de
julho de 1991,devidamente comprovada, pode ser reconhecida para fins previdenciários”. Como
ressabido, ao teor do artigo 55, parágrafo 3º, da Lei nº 8.213/91, prova exclusivamente
testemunhal não se admite para comprovar tempo de serviço (enunciado nº 149 da Súmula do
STJ e Tema n.º 297 de seus Recursos Repetitivos). Faz início razoável de prova material
qualquer documentocontemporâneoà época do labor (Súmula 34 da TNU) e que seja referente
a qualquer fração do período a ser considerado (Súmula 14 da TNU). Vale registrar que, em
regra, documentos em nome de terceiros, como pais, cônjuge e filhos, são hábeis a comprovar
a atividade ruralem regime de economia familiar, situação em que dificilmente todos os
membros da família terão documentos em seu próprio nome, posto que concentrados, na
maioria das vezes, na figura do chefe da família (TRF3, AC 2201513, 9.ª T., e-DJF3 Judicial 1
DATA: 28/04/2017). De fato, assim estabelece o enunciado da Súmula 73 do E. TRF4: “Admite-
se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural,em regime de economia
familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental”. Nessa consideração, vínculos
de emprego do marido não servem para fins de extensão de início de prova material à autora,
diante dapessoalidadedo contrato de trabalho. O trabalho, nesse caso, não é contratado com o
grupo familiar, mas visaintuitu personaedado obreiro, que não estende sua situação à família.
Assim, ao contrário do que se dá com o segurado especial, não é possível o empréstimo, para
efeitos previdenciários, da condição de lavrador do maridoempregado. Muito bem. A autora,
como esclarece, pretende o reconhecimento de tempo rural desde seu casamento, havido em
22.04.1972, até 12.06.1988. Em meio a esse período constata-se que a autora possui registro
em CTPS. Trabalhou para Abílio José Rodrigues, no Sítio Ribeirão Formiga, em serviços gerais
de lavoura, de 01.10.1984 a 01.06.1988. Aludido vínculo não está rasurado, mas sua data de
início antecede a própria emissão da carteira de trabalho da autora, o que aconteceu em
22.11.1984. O INSS, em contestação, não impugna citada relação formal de emprego, tanto
que inscrita em CTPS. Granjeia ela, assim, efeitosjuris tantumde veracidade, o que de resto já
estava chancelado na redação original do artigo19, do RGPS. Reconhece-se, pois, atividade
rural da autora, entre 01.10.1984 e 21.06.1988. Mas a isso se deve limitar o reconhecimento de
tempo de serviço rural postulado pela autora. A autora casou-se em 22.04.1972 e declarou, em
depoimento pessoal, ter ido morar no Sítio Santa Lúcia, de propriedade da família do marido,
mas especificamente de seu sogro, Paulo Manoel da Paixão. Disse que ficou morando por
cerca de 9 anos no aludido sítio, onde trabalhou na cultura do amendoim. Neste sítio (Santa
Lúcia), a autora declarou ter nascido seu filho mais velho, Carlos Roberto da Paixão, em
26.06.1976, o que se comprova por certidão trazida aos autos, dando o pai, José Manoel, como
lavrador. Também desse período existe nota fiscal do produtor, emitida por Paulo Manoel da
Paixão, de 24.01.1974, dando saída aamendoim. Não há dúvida assim que tanto Paulo Manoel
da Paixão (sogro), como José Manoel da Paixão (marido), ativavam-se como produtores rurais
na ocasião. Mas há também nos autos declarações de rendimentos à Receita Federal, exercício
de 1974, ano base 1973, dando conta de que Paulo Manoel da Paixão era proprietário de
duassortes de terras (na declaração, uma primeira descrição de imóvel foi inutilizada, quer
dizer, riscada). Pressupõe-se sejam o Sítio Santa Lúcia, onde a autora declara ter morado
depois de seu casamento com José Manoel, e o Sítio Santa Rosa, também de propriedade de
Paulo, com notas fiscais do produtor emitidas e existentes nos autos. O busílis não é esse. O
marido da autora era sim produtor rural. Só que em 1977 oferece declaração ao INCRA,
dizendo-seempregador rural. A testemunha Ezídio Nabas, em seu depoimento, diz que marido
e sogro da autora exploravam vários arredamentos simultaneamente, na região em que Paulo
era proprietário. Paulo, em 1980, como é do CNIS de José Manoel, contrata o próprio filho
comoempregado(entre 01.09.1980 e 30.03.1981). Logo, não ficou caracterizado o regime de
economia familiar que se faz necessário para que a autora empreste do marido configuração de
trabalhador rural, ela que não o possui até ser contratada em 1984 por Abílio. De fato, na
conformação do art. 11, VII, §1º, da Lei 8.213/91, entende-se como regime de economia familiar
a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e
ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar, exercido em condições de mútua
dependência, dispensando empregados. Ora, a existência de vários arrendamentos rurais de
marido e sogro no período que reclama prova, mais a autodeclaração de José Manoel e Paulo
de que eram empregadores, descaracteriza o regime de economia familiar necessário a que se
reconheça, em favor da autora, mais do que o período consignado em sua CTPS, de
01.10.1984 a 21.06.1988. Com isso, a contagem de tempo da autora suscetível de compor
carência para o benefício objetivado (aposentadoria por idade híbrida) é de 6 anos, 10 meses e
09 dias (planilha anexa). Aludido tempo é inferior aos 180 meses ou 15 anos que a espécie
exige.(...).”
Assim, utilizando-me do disposto no artigo 46 da Lei n. 9.099/95, combinado com o artigo 1º da
Lei n. 10.259/01, entendo que a decisão recorrida deve ser mantida por seus próprios
fundamentos, os quais adoto como razões de decidir.
Esclareço, por oportuno, que “não há falar em omissão em acórdão de Turma Recursal de
Juizado Especial Federal, quando o recurso não é provido, total ou parcialmente, pois, nesses
casos, a sentença é confirmada pelos próprios fundamentos. (Lei 9.099/95, art. 46.)” (Turma
Recursal dos Juizados Especiais Federais de Minas Gerais, Segunda Turma, processo nº
2004.38.00.705831-2, Relator Juiz Federal João Carlos Costa Mayer Soares, julgado em
12/11/2004).
A propósito, que o Supremo Tribunal Federal concluiu que a adoção pelo órgão revisor das
razões de decidir do ato impugnado não implica violação ao artigo 93, inciso IX, da Constituição
Federal, em razão da existência de expressa previsão legal permissiva. Nesse sentido, trago à
colação o seguinte julgado:
“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. MATÉRIA
INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA INDIRETA. JUIZADO ESPECIAL. REMISSÃO AOS
FUNDAMENTOS DA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INOCORRÊNCIA. 1.
Controvérsia decidida à luz de legislações infraconstitucionais. Ofensa indireta à Constituição
do Brasil. 2. O artigo 46 da Lei n. 9.099/95 faculta ao Colégio Recursal do Juizado Especial a
remissão aos fundamentos adotados na sentença, sem que isso implique afronta ao artigo 93,
IX, da Constituição do Brasil. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STF, 2ª Turma,
AgRg em AI 726.283/RJ, Relator Ministro Eros Grau, julgado em 11/11/2008, votação unânime,
DJe de 27/11/2008).
Diante do exposto, com fulcro no artigo 46, da Lei n. 9.099/95, combinado com o artigo 1º, da
Lei n. 10.259/01, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO e mantenho a sentença recorrida por
seus próprios fundamentos.
No caso de a parte autora estar assistida por advogado, condeno a parte recorrente ao
pagamento de honorários advocatícios, que fixo em 10% do valor da condenação, ou, não
sendo a condenação mensurável, em 10% do valor atualizado da causa, nos termos do art. 85,
em especial seus parágrafos 2º, 3º e 4º do Código de Processo Civil vigente, bem como art. 55
da Lei nº 9099/95.
É o voto.
E M E N T A
Dispensada a ementa por interpretação extensiva do artigo 46 da lei n.º 9.099/95. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma
Recursal, por unanimidade, negou provimento ao recurso da autora, nos termos do relatório e
voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
