Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / MS
0001910-97.2019.4.03.6201
Relator(a)
Juiz Federal YURI GUERZET TEIXEIRA
Órgão Julgador
2ª Turma Recursal da Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul
Data do Julgamento
17/02/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 22/02/2022
Ementa
E M E N T A
Dispensada na forma da lei.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
Mato Grosso do Sul
2ª Turma Recursal da Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0001910-97.2019.4.03.6201
RELATOR:6º Juiz Federal da 2ª TR MS
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: MARIA DE LURDES PEREIRA VAU
Advogado do(a) RECORRIDO: CAMILA MARTINS RAMOS - MS15942-A
OUTROS PARTICIPANTES:
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE MATO GROSSO DO SUL
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0001910-97.2019.4.03.6201
RELATOR:6º Juiz Federal da 2ª TR MS
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: MARIA DE LURDES PEREIRA VAU
Advogado do(a) RECORRIDO: CAMILA MARTINS RAMOS - MS15942-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso interposto pelo INSS em face da sentença que julgou procedente o pedido
inicial de concessão do benefício de aposentadoria por idade rural, nos seguintes termos:
“I – RELATÓRIO
Trata-se de ação ajuizada por MARIA DE LURDES PEREIRA VÁU em face do Instituto
Nacional do Seguro Social que tem por objeto a concessão do benefício de aposentadoria por
idade rural, mediante reconhecimento de atividade rurícola, desde a DER, com o pagamento
das parcelas vencidas acrescidas de correção monetária e de juros moratórios.
Dispensado o relatório, nos termos do art. 38 da Lei 9.099/95, aplicável por força do art. 1º da
Lei 10.259/01.
Decido.
II – FUNDAMENTAÇÃO
Prescrição
No que tange à incidência da prescrição, aplica-se ao caso em análise o enunciado da Súmula
85 do STJ, uma vez que se trata de prestações sucessivas, ou seja, encontram-se prescritas
apenas as parcelas anteriores ao quinquênio que antecedeu a propositura da ação.
Mérito.
No mérito, o benefício de aposentadoria por idade decorre do preceito contido no art. 201, I, da
Constituição da República/1988, visando dar cobertura ao evento idade avançada.
Para a concessão de aposentadoria por idade, o requerente deve implementar as seguintes
condições: 1) possuir qualidade de segurado; 2) cumprir o prazo de carência; 3) contar com 60
(sessenta) anos de idade, se mulher, e 65 (sessenta e cinco) anos, se homem, havendo
redução em 05 (cinco) anos, caso se trate de trabalhador rural.
Tais requisitos constam do art. 48 da Lei n. 8.213/1991 e do art. 51 do Decreto n. 3.048/1999.
Quanto aos inscritos junto ao Regime Geral da Previdência Social antes de 24/07/ 1991, o
período de atividade rural correspondente ao prazo de carência deverá atender à tabela
progressiva do art. 142, da Lei n. 8.213/1991.
O §1o do art. 102, do mesmo diploma, estabelece que eventual perda da qualidade de
segurado não prejudica o direito à aposentadoria quando preenchidos todos os requisitos, de
acordo com a legislação vigente à época em que estes requisitos foram atendidos.
É sabido que a prova exclusivamente testemunhal é insuficiente para comprovação da atividade
laborativa do trabalhador rural, sendo indispensável que ela venha corroborada por razoável
início de prova material, conforme exige o art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/1991, corroborado pela
súmula n. 149 do C. STJ :
Art. 55 (...) § 3º A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive
mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá
efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente
testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto
no Regulamento.
A relação (exemplificativa) de documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade
rural encontra-se prevista no art. 106 da Lei nº 8.213/91:
Art. 106. A comprovação do exercício de atividade rural será feita, alternativamente, por meio
de:
I – contrato individual de trabalho ou Carteira de Trabalho e Previdência Social;
II – contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural;
III – declaração fundamentada de sindicato que represente o trabalhador rural ou, quando for o
caso, de sindicato ou colônia de pescadores, desde que homologada pelo Instituto Nacional do
Seguro Social – INSS;
IV – comprovante de cadastro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária –
INCRA, no caso de produtores em regime de economia familiar;
V – bloco de notas do produtor rural;
VI – notas fiscais de entrada de mercadorias, de que trata o § 7º do art. 30 da Lei nº 8.212, de
24 de julho de 1991, emitidas pela empresa adquirente da produção, com indicação do nome do
segurado como vendedor;
VII – documentos fiscais relativos a entrega de produção rural à cooperativa agrícola,
entreposto de pescado ou outros, com indicação do segurado como vendedor ou consignante;
VIII – comprovantes de recolhimento de contribuição à Previdência Social decorrentes da
comercialização da produção;
IX – cópia da declaração de imposto de renda, com indicação de renda proveniente da
comercialização de produção rural; ou
X – licença de ocupação ou permissão outorgada pelo Incra.
Segundo o STJ, não é imperativo que o início de prova material diga respeito a todo o período
de carência estabelecido pelo art. 143 da Lei nº 8.213/91, desde que a prova testemunhal
amplie sua eficácia probatória, vinculando-o, pelo menos, a uma fração daquele período (AgRg
no REsp 1326080/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em
06/09/2012).
Sabe-se que o exercício por curtos períodos de trabalho urbano intercalados com o servico rural
não descaracteriza a condição de segurado especial, especialmente porque a Lei 11.718/2008
alterou a LBPS para prever que durante a entressafra o segurado especial pode trabalhar em
outra atividade por até 120 (cento e vinte) dias no ano, sem perder a filiacão. Não é outro o
entendimento da TNU, que na Súmula 46 estipula que “o exercício de atividade urbana
intercalada não impede a concessão de benefício previdenciário de trabalhador rural, condicão
que deve ser analisada no caso concreto”. No mesmo sentido entende a TNU, que, conforme
sua súmula 14, estabelece que “Para a concessão de aposentadoria rural por idade, não se
exige que o início de prova material corresponda a todo o período equivalente à carência do
benefício”.
Vale ressaltar, no entanto, a necessidade de que a prova seja contemporânea aos fatos que se
pretende provar, nos termos da súmula 34 da TNU, segundo a qual “Para fins de comprovação
do tempo de labor rural, o início de prova material deve ser contemporâneo à época dos fatos a
provar”.
Neste sentido, amealho os seguintes precedentes:
PREVIDENCIÁRIO. RURAL. APOSENTADORIA POR IDADE. PROVAS DOCUMENTAL E
TESTEMUNHAL INSUFICIENTES. REQUISITOS NÃO SATISFEITOS. PERÍODO DE
CARÊNCIA NÃO CUMPRIDO. - Cédula de identidade (nascimento em 20.08.1958). - Certidão
de casamento em 13.12.2014, qualificando as testemunhas, autora e cônjuge, Oswaldo de
Oliveira Silva, como lavradores e residência em zona rural. - Contrato de arrendamento de
imóvel rural, apontando a autora e seu marido, Oswaldo de Oliveira Silva, como arrendatários
de uma terra de 1 alqueire, de propriedade de Antonio Oliveira Silva, de 20.05.2012 a
20.05.2017, qualificando-os como lavradores. - Certidão de casamento dos filhos em
04.04.1998, 04.10.2003, 05.06.2004, 25.03.2006 e 29.06.2007, qualificando os filhos como
lavradores. - Recolhimento ao Instituto Brasileiro de Reforma Agrária, referente ao Sítio Boituva,
Rio Grande/SP, de 1970 a 1975, 1981 a 1982, 1983, 1986 a 1989, 1992, 1994, 1998 a 2009 em
nome de José Meira da Silva Filho, de 2010 a 2016, recolhido por Antônio Oliveira da Silva,
proprietário do sítio arrendado pelo autor de 2012 a 2017 (fls. 19/21). - Comunicado do
indeferimento do pedido de aposentadoria por idade, segurado especial, formulado na via
administrativa em 10.11.2014. - A Autarquia juntou consulta efetuada ao sistema Dataprev
constando vínculos empregatícios, de forma descontínua, de forma descontínua, de 07.01.1976
a 16.03.1995, em atividade urbana, bem como que possui cadastro como contribuinte
individual, de 01.07.2008 a 30.04.2012. - Os depoimentos das testemunhas são vagos e
imprecisos, não esclarecendo detalhes sobre a atividade campesina da requerente, apenas
afirmando genericamente o labor rural. Não especificam o momento em que a autora exerceu
atividade rural. As testemunhas limitam-se a declarar que a requerente exerceu atividade rural. -
Embora a autora tenha completado 55 anos em 2013, a prova produzida não é hábil a
demonstrar o exercício da atividade no campo, pelo período de carência legalmente exigido,
segundo o artigo 142 da Lei 8.213/91, de 180 meses. - A prova material é frágil e os
depoimentos das testemunhas são vagos e imprecisos, não esclarecendo detalhes sobre a
atividade campesina da requerente, apenas afirmando genericamente o labor rural. - A certidão
de casamento em que a requerente figura como testemunha e tem qualificação como lavradora,
tem data recente, 2014, quando já havia implementado o requisito etário (2013). - Embora tenha
juntado contrato de parceria de imóvel rural de 2012, não foi apresentado qualquer documento
em que se pudesse verificar a produção do sítio onde alega ter laborado. - Os Impostos rurais
estão em nome dos proprietários do sítio, objeto do contrato de arrendamento, não podendo ser
considerados como início de prova material. - Não é possível estender à autora a condição de
lavrador do marido, como pretende, eis que, o extrato do sistema Dataprev demonstra que
exerceu atividade urbana e possui cadastro como contribuinte individual. - O regime de
economia familiar pressupõe que os membros da família trabalhem no imóvel rural, sem o
auxílio de empregados, para sua própria subsistência, o que não ficou comprovado no presente
feito. - Não houve cumprimento dos requisitos exigidos pelos artigos 142 e 143 da Lei 8.213/91,
segundo os quais, ainda que descontínuo, esse trabalho deve corresponder ao período
imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência.
- Apelação da Autarquia Federal provida. - Tutela antecipada cassada.
(Ap 00116601520184039999, DESEMBARGADORA FEDERAL TANIA MARANGONI, TRF3 -
OITAVA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:10/07/2018 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)
PREVIDENCIÁRIO. RURAL. PRELIMINAR. APOSENTADORIA POR IDADE. PROVAS
DOCUMENTAL E TESTEMUNHAL INSUFICIENTES. REQUISITOS NÃO SATISFEITOS.
PERÍODO DE CARÊNCIA NÃO CUMPRIDO. - Cédula de identidade (nascimento em
26.04.1960). - Certidão de casamento em 30.6.2008. - Certidão emitida pela Justiça Eleitoral do
Estado de São Paulo, datada de 20.11.2014, informando que a parte autora, por ocasião de sua
inscrição eleitoral em 18.09.1986, declarou sua ocupação como agricultor. - Certidões de
nascimento de filhos em 27.11.1987, em 29.08.1985, em 24.07.1991, qualificando a profissão
do pai como lavrador. - Notas Fiscais do Produtor, em nome do marido, indica a
comercialização de salsinha, de 02/2000 a 09/2000. - Comunicado de indeferimento do pedido
de aposentadoria por idade, segurado especial, formulado na via administrativa em 26.05.2015.
- A Autarquia juntou consulta efetuada ao sistema Dataprev, constando vínculos empregatícios
do marido, de forma descontínua, de 01.06.1976 a 01.06.1992, em atividade urbana e que
possui cadastro como contribuinte individual, de 07.2003 a 07.2003, 09.2007 a 11.2007,
02.2008 a 03.2008. - Os depoimentos das testemunhas são vagos e imprecisos quanto à
atividade rural exercida pela autora. - Embora a autora tenha completado 55 anos em 2015, a
prova produzida não é hábil a demonstrar o exercício da atividade no campo, pelo período de
carência legalmente exigido, segundo o artigo 142 da Lei 8.213/91, de 180 meses. - A prova
material é frágil, não comprovando a atividade rural pelo período de carência legalmente
exigido. - Os depoimentos das testemunhas são vagos e imprecisos, não esclarecendo detalhes
sobre a atividade campesina da requerente, apenas afirmando genericamente o labor rural. -
Não foi juntado qualquer documento referente à propriedade onde alega ter laborado como
escritura, matrícula, contrato de parceria agrícola, ITR, CCIR, em que se pudesse verificar a
existência, ou não de empregados. - Não há notas de produção da propriedade rural pelo
período imediatamente anterior ao que completou o requisito etário. - O marido exerce atividade
urbana e possui cadastro como contribuinte individual, descaracterizando o regime de economia
familiar. - O regime de economia familiar pressupõe que os membros da família trabalhem no
imóvel rural, sem o auxílio de empregados, para sua própria subsistência, o que não ficou
comprovado no presente feito. - Não houve cumprimento dos requisitos exigidos pelos artigos
142 e 143 da Lei 8.213/91, segundo os quais, ainda que descontínuo, esse trabalho deve
corresponder ao período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de
meses idêntico à carência. - Apelação da Autarquia Federal provida. - Tutela antecipada
cassada. (Ap 00020147820184039999, DESEMBARGADORA FEDERAL TANIA MARANGONI,
TRF3 - OITAVA TURMA, eDJF3 Judicial 1 DATA:21/05/2018 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)
Soma-se a isso o julgamento pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça – sessão
realizada no dia 14 de agosto de 2019 – do Tema nº 1007, sob o rito dos recursos repetitivos, o
qual tratava sobre a “possibilidade de concessão de aposentadoria híbrida prevista no Art. 48, §
3º, da LBPS, mediante o cômputo de período de trabalho rural remoto exercido antes de 1991,
sem necessidade de recolhimentos, ainda que não haja comprovação de atividade rural no
período imediatamente anterior ao requerimento administrativo”.
O STJ fixou a seguinte tese sobre a matéria:
“O tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei
8.213/91, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria
híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos
termos do art. 48, § 3º, da Lei 8.213/91, seja qual for a predominância do labor misto exercido
no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito
etário ou do requerimento administrativo.
No caso dos autos, afirma a parte autora, nascida em 12/06/1953, que é indígena e que exerce
atividades rurícolas desde o dia 10 de março de 1969 labora na Aldeia Bálsamo, localizada em
Rochedo/MS. Afirma que até 19/02/2009 totalizou mais de 39 anos de dedicação à atividade
rural, no cultivo de mandioca, milho, arroz, banana e feijão, destinados à sua subsistência, bem
como de sua família.
A autora requereu o benefício em 15/03/2018, (protocolo no 1528159268), indeferido pelo INSS
sob a alegação de falta de qualidade como trabalhadora rural no período imediatamente
anterior ao requerimento do benefício ou no período de graça.
A parte autora juntou as seguintes provas materiais (evento 2 dos autos):
1. RG (páginas 9/10);
2. CTPS (páginas 11/12);
3. Requerimento feito à mão, solicitando aposentadoria rural como indígena (p. 13);
4. Certidão de Exercício de Atividade Rural da autora como indígena na Aldeia Bálsamo, de
10/03/1969 a 30/11/1995, de 01/12/1995 a 14/05/1996, de 18/05/1996 a 30/11/2005, de
01/12/2005 a 30/03/2006 e de 01/04/2006 a 19/02/2009, firmada pelo servidor Chefe da
Coordenação Técnica Local (CTC) da FUNAI em Sidrolândia/MS, datada de 19/02/2019.
Tais documentos, bem como outros, foram juntados também ao processo administrativo
perante o INSS.
Os informantes Osmar Sabino Maciel e Francisco Loureiro Figueiredo, bem como a testemunha
Dorival de Figueiredo Mariano Martins confirmaram as atividades rurais da autora (plantio de
mandioca, arroz, verduras e cultivo de animais) na Aldeia Bálsamo, localizada em Rochedo/MS,
desde que a autora é nascida. O depoimento pessoal prestado pela autora não contradiz a tese
esposada na exordial e nem tampouco o depoimento da testemunha e informantes. O eventual
auxílio de outras pessoas à autora não configura a utilização de empregados ou diaristas rurais,
sendo o serviço eminentemente feito pela própria autora e família.
Não obstante algumas imprecisões sobre algumas datas, é possível depreender que a autora
atualmente reside novamente há alguns anos na Aldeia, sobrevivendo do trabalho rural em
comunidade.
A mudança temporária da autora para Campo Grande/MS próximo ao ano de 2009, alegado
pelo INSS e confirmado em audiência, se deu como tentativa de trabalho urbano, que não
obteve sucesso, tendo a autora retornado à aldeia há alguns anos.
Eventuais vínculos na CTPS também não são suficientes para afastarem a qualidade de
segurada especial durante período de carência suficiente à concessão do benefício à autora,
indígena, em razão de seu trabalho rural em regime de economia familiar durante o período
pleiteado.
Tendo em vista as provas materiais, bem como os depoimentos da testemunha e informantes, e
o próprio depoimento pessoal colhido, reputo que a parte autora exerce atividades rurais, em
regime de economia familiar, desde 10/03/1969 a 30/11/1995, de 01/12/1995 a 14/05/1996, de
18/05/1996 a 30/11/2005, de 01/12/2005 a 30/03/2006 e de 01/04/2006 a 19/02/2009.
Dessa forma, a parte autora comprovou o cumprimento da idade mínima e da carência de cento
e oitenta (180) meses já no ano de 2011, fazendo jus ao benefício de aposentadoria por idade
rural pleiteada desde a data do requerimento administrativo (DER).
Desse modo, o pleito é procedente.
III – DISPOSITIVO
Ante o exposto JULGO PROCEDENTE o pedido, para reconhecer o exercício da atividade rural
de de 10/03/1969 a 30/11/1995, de 01/12/1995 a 14/05/1996, de 18/05/1996 a 30/11/2005, de
01/12/2005 a 30/03/2006 e de 01/04/2006 a 19/02/2009, e determinar ao INSS a averbação de
tal período, e, consequentemente, conceder à parte autora o benefício de aposentadoria por
idade rural a partir da DER em 15/03/2018, com renda mensal calculada na forma da lei,
observada a prescrição quinquenal.
Condeno o réu a pagar as prestações vencidas, atualizadas monetariamente segundo o IPCA-E
e os juros moratórios a partir da citação segundo a remuneração da caderneta de poupança, na
forma do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09.
Concedida a tutela de urgência, nos termos da fundamentação supra, intime-se o Instituto
Nacional do Seguro Social - INSS para que implante o benefício no prazo de 20 (vinte) dias,
sem olvidar o prazo de até 50 (cinquenta) dias para o primeiro pagamento.
Defiro a prioridade na tramitação do feito, com fulcro no art. 1.048, inciso I, do CPC, observando
que a Requerente é pessoa idosa.
Defiro a gratuidade da justiça requerida.
Sem custas e sem honorários nesta instância judicial, nos termos do art. 55 da Lei nº 9.099/95.
Transitada em julgado, encaminhem-se os autos à Contadoria para os cálculos e, após, expeça
RPV ou precatório, conforme for o caso.
Sem prejuízo do disposto no parágrafo anterior, e considerando o elevado número de feitos na
Contadoria deste Juizado Especial para realização de cálculos, bem como que os cálculos a
serem realizados no presente feito são relativamente simples, faculto à parte autora a
apresentação dos cálculos, no prazo de 15 (quinze) dias, a contar da implantação benefício.
Apresentados os cálculos pela parte autora, intime-se o INSS para manifestação em igual
prazo.
Em caso de discordância com os cálculos da parte autora, deverá apresentar o valor que
entende devido.
Nese caso, deverá a parte autora dizer se concorda com os cálculos do INSS. As parcelas em
atraso somente serão pagas após o trânsito em julgado. P.R.I.”.
Em razões recursais, o INSS sustenta quefalta comprovação da qualidade de segurado
especial, bem como inexistência de labor rural em período imediatamente anterior ao
requerimento administrativo.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE MATO GROSSO DO SUL
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0001910-97.2019.4.03.6201
RELATOR:6º Juiz Federal da 2ª TR MS
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: MARIA DE LURDES PEREIRA VAU
Advogado do(a) RECORRIDO: CAMILA MARTINS RAMOS - MS15942-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
É sabido que a prova exclusivamente testemunhal é insuficiente para comprovação da atividade
laborativa do trabalhador rural, sendo indispensável que ela venha corroborada por razoável
início de prova material, conforme exige o art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/1991, corroborado pela
súmula n. 149 do C. STJ[1]:
Art. 55 (...) § 3º A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive
mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá
efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente
testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto
no Regulamento.
A relação (exemplificativa) de documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade
rural encontra-se prevista no art. 106 da Lei nº 8.213/91:
Art. 106. A comprovação do exercício de atividade rural será feita, alternativamente, por meio
de:
I – contrato individual de trabalho ou Carteira de Trabalho e Previdência Social;
II – contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural;
III – declaração fundamentada de sindicato que represente o trabalhador rural ou, quando for o
caso, de sindicato ou colônia de pescadores, desde que homologada pelo Instituto Nacional do
Seguro Social – INSS;
IV – comprovante de cadastro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária –
INCRA, no caso de produtores em regime de economia familiar;
V – bloco de notas do produtor rural;
VI – notas fiscais de entrada de mercadorias, de que trata o § 7º do art. 30 da Lei nº 8.212, de
24 de julho de 1991, emitidas pela empresa adquirente da produção, com indicação do nome do
segurado como vendedor;
VII – documentos fiscais relativos a entrega de produção rural à cooperativa agrícola,
entreposto de pescado ou outros, com indicação do segurado como vendedor ou consignante;
VIII – comprovantes de recolhimento de contribuição à Previdência Social decorrentes da
comercialização da produção;
IX – cópia da declaração de imposto de renda, com indicação de renda proveniente da
comercialização de produção rural; ou
X – licença de ocupação ou permissão outorgada pelo Incra.
São admissíveis outros documentos para tanto, tal como disposto na Súmula n. 6 da TNU: “A
certidão de casamento ou outro documento idôneo que evidencie a condição de trabalhador
rural do cônjuge constitui início razoável de prova material da atividade rurícola”.
Segundo o STJ, não é imperativo que o início de prova material diga respeito a todo o período
de carência estabelecido pelo art. 143 da Lei nº 8.213/91, desde que a prova testemunhal
amplie sua eficácia probatória, vinculando-o, pelo menos, a uma fração daquele período (AgRg
no REsp 1326080/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em
06/09/2012).
No mesmo sentido entende a TNU, que, conforme sua súmula 14, estabelece que “Para a
concessão de aposentadoria rural por idade, não se exige que o início de prova material
corresponda a todo o período equivalente à carência do benefício”.
Vale ressaltar, no entanto, a necessidade de que a prova seja contemporânea aos fatos que se
pretende provar, nos termos da súmula 34 da TNU, segundo a qual “Para fins de comprovação
do tempo de labor rural, o início de prova material deve ser contemporâneo à época dos fatos a
provar”.
No caso concreto,insta consignar que foram colhidos os depoimentos pessoais da autora e dos
informantesOsmar Sabino Maciel e Francisco Loureiro Figueiredo, ambos primos da autora,
além da testemunha Dorival de Figueiredo Mariano Martins.
Todas confirmaram o trabalho rural exercido pela parte autora, como o plantio de arroz, feijão,
mandioca e a criação de animais (porco, galinha)na Aldeia Bálsamo. Veja-se que a testemunha
Dorival disse que conhece a autora desde que nasceu; que tem 35 anos; que a autora tem
esposo e filhos; que o marido não é indígena; que a autora e marido fazem plantio de lavoura
de mandioca, arroz, feijão para alimentação própria; que a autora e o marido moram na aldeia;
que o marido da autora trabalhava como diarista rural.
No entanto, bem analisado o acervo probatório que instrui este feito, estou convencido da
inexistência de documentos que demonstrem o labor campesino ao tempo do requerimento
administrativo ou por ocasião do implemento do requisito etário do benefício vindicado.
De acordo com o CNIS, o marido da autora, sr. Cacildo Theodoro Vau, exerceu atividade
remunerada de 15/04/1984 a 31/07/1992, de 01/11/1992 a 16/06/1997, de 01/07/1998 a
31/12/1999 e desde 13/10/2000 recebe aposentadoria por invalidez.Com efeito, o marido da
autora foi trabalhador urbano de 1984 a 1999, pelo menos.
Igualmente o teor do Mandado de Constatação (evento 27) não permite a conclusão pela
residência da requerente na zona rural. Vejamos:
Certifico que, em atenção à ordem judicial supracitada, dirigi-me à Rua do Arenque, 45, e lá
estando no dia 28/09/2019 – às 16h03:
1) Em conversa com o Sr.Cacildo Teodoro Vau(marido da autora), este asseverou que ele e a
autora residem em Campo Grande (MS) há mais de 20 anos. Que a casa está registrada em
nome de Cacildo. Que se casou com a autora em 03/06/1971. Que passaram a viver na cidade
de Campo Grande (MS) em 1995 devido ao fato de problemas na coluna (do declarante) depois
de um acidente de carro. Que Osmar (o depoente no processo) é casado com a irmã da autora.
Que a tribo é de etnia Terena. Que a casa (onde residem/naquele local) foi comprada pela filha
deles, que a registrou no nome do pais (Cacildo e Maria).Que residem durante a semana na
Aldeia Bálsamo em Rochedo (MS) e nos fins de semana na Capital.Que quando estão
ausentes, os vizinhos (Dorivaldo - o "Chumbinho"; Francisco e Airton) cuidam do local. Que na
aldeia há 25 famílias vivendo em 3 (três) hectares. Que a agricultura praticada no local é de
subsistência e “só dá para comer”, não sobrando nada para comercializar. Que ele não tem
mais condições de trabalhar devido à avançada idade e condição de saúde. Que ele não tem
qualquer rendimento ou recebe qualquer benefício. Que ele e a autora vivem sendo ajudados
pelos filhos.
2) Em conversa com a autora, Sra.Maria de Lourdes Pereira Vau, esta afirmou que mora nos
dois locais, ficando durante a semana na aldeia e nos fins de semana na Capital. Que no local
cria galinhas e planta mandioca, alface e outras hortaliças. Que nasceu e foi criada na aldeia,
permanecendo até o dia de hoje com 66 anos de idade.
Nodia 11/10/2019 – às 16h11,dirigi-me à Rua do Arenque, em frente à casa da autora,onde:
1)Em diálogo com a moradora, Sra. Ângela, aquela apenas soube informar que a autora reside
naquela rua. Nada mais.
2) Incontinenti, dirigi-me à casa ao lado (que também fica em frente à casa da autora), onde
conversando com moradora, Sra. Marlene de Oliveira (tel. 9 9306 8977), esta afirmou que
conhece a autora há mais de 20 anos, desde que se mudou para aquele endereço. Que desde
então a autora fica na aldeia durante a semana e nos fins de semana em Campo Grande – MS.
Que "Fica no vai e volta". Que durante a semana na ausência da autora, a informante fica
cuidando da casa da autora, como favor de vizinha.Que na casa, naquela rua, mora a autora e
o marido, Sr. Cacildo, assim como na aldeia. Que a autora trabalhou como diarista em Campo
Grande, devido ao fato do marido ter ficado doente, para ajudar com as despesas
complementando a renda.Vinha fazer diárias e voltava para aldeia. Que não sabe de todas as
atividades da autora, mas acredita que a autora plantava mandioca e milho, porque sempre
presenteava a declarante com alguns destes itens quando vinha da aldeia, além de limão,
galinha e porco. Que nunca esteve na aldeia onde mora a autora.
3) Outrossim, no dia 05 de novembro de 2019 (terça-feira), dirigi-me à Aldeia
Bálsamo/Rochedo-MSe lá estando às 16h21, a) fui à casa do Sr. Abadio José Souza (nascido
em 1937) e de sua esposa Sra. Galzira Bonifácio, onde em entrevista, ambos afirmaram que
vivem na aldeia há mais de 20 (vinte) anos. Também, afirmaram não conhecer a Sra. Maria de
Lurdes Pereira Vau ou seu marido o Sr. Cacildo Teodoro Vau. b) Outrossim, fui a casa da Sra.
Fátima Sabino de Oliveira, onde em entrevista, a informante asseverou que mora na aldeia há
mais de 10 (vinte) anos, mas não conhece a autora ou seu marido. Incontinenti, dirigi-me à casa
do Sr. Ailton Oliveira Figueiredo (Vice-Cacique da aldeia/tel. 9 9912 1481), o qual afirmou que
mora naquele local desde seu nascimento há 43 (quarente e três anos). Que na aldeia residem
entre 45 (quarenta e cinco) e 50 (cinquenta) pessoas. Que o Cacique da Aldeia é o Sr. Dorival
Figueiredo Mariano – O “Chumbinho” (o qual naquele dia estava em Campo Grande-MS/ tel. 9
9660 8078). Contudo, afirmou não conhecer a autora ou seu marido. Também, sua esposa, a
Sra. Clarice, afirmou não conhecer a Maria de Lurdes ou Cacildo. c) Entrevistei o Sr. Alcino
Pinto de Oliveira, em um bar em frente à casa do vice-cacique, o qual respondeu não conhecer
a autora ou seu marido. d) Ainda estive na casa do Sr. Francisco Loureiro de Figueiredo, o qual
afirmou que a autora não reside na aldeia. Que a autora saiu da aldeia casada há muitos anos.
Não soube especificar quantos anos, mas sabe que é bem mais de 10 anos. Que de vez em
quando a autora vem passear na aldeia e fica hospedada na casa do Sr. Antônio e da Sra.
Aparecida. Que no local não há espaço para o cultivo de mandioca. e) Finalmente, estive na
casa do Sr. Antônio e da Sra. Aparecida, onde ela (Aparecida Rosa da Silva Vasconcelos)
afirmouque a autora é sua prima. Que a autora não mora naquela aldeia, mas em Campo
Grande_(MS). Que sabe que a autora morou na aldeia quando era pequena (nas palavras da
declarante "- Assim ouvi dizer"; "- Que quando me entendi por gente, ela já não morava aqui.").
Ademais, que é difícil a autora aparecer na tribo. Que visita o local: em um aniversário ou outro
tipo de evento festivo.
4) Finalmente, pude constatar que a) a casa onde reside a autora com o marido e filho é
construída em alvenaria, com portões e grades de metal, telhado meia-água com telhas de
fibrocimento, piso cerâmico, pintura em bom estado; se localiza em rua pavimentada. b) as
casas na aldeia são muito pobres e sem acabamento ou conforto. Não há muito espaço entre
as casas para cultivo de roças, pois a área total não é de grande extensão.
Importa anotar que a autora não é conhecida na pequena aldeia onde diz ser moradora antiga.
Somado a isso, o documento de energia elétrica rural juntado com a inicial (evento 18, fl. 08) é,
aparentemente, da casa da primaAparecida Rosa da Silva Vasconcelos, pois consta o nome de
Antonio Vasconcelos na conta. E o nome do marido da prima é Antônio.
Por outro lado, vale destacar que, compulsando as provas anexadas no evento 02, fl. 14,
observo que a Certidão de Exercício de Atividade Rural da autora, expedida em 2019, aponta
os seguintes períodos de trabalho campesino na aldeia Bálsamo: 10/03/1969 a 30/11/1995;
01/12/1995 a 14/05/1996; 18/05/1996 a 30/11/2005; 01/12/2005 a 30/03/2006; e, 01/04/2006 a
19/02/2009.
De logo, observa-se que o documento não é contemporâneo aos fatos a que se refere.
Mais além, convém mencionar que poucos meses antes da expedição do indigitado documento,
foi lavrada outra Certidão de Exercício de Atividade Rural, na qual consta a indicação de labor
campesino apenas entre 1969 e 1985, na mesma aldeia Bálsamo (evento 18, fl. 46).
Os documentos são contraditórios entre si, de modo que não se prestam a servir de razoável
início de prova material, notadamente no que tange à qualidade de segurado especial da
postulante, por ocasião do preenchimento do requisito etário do benefício pretendido ou ao
tempo do requerimento administrativo.
Nessa seara, importa destacar que o próprio registro de nascimento de índio (RANI) da
requerente é tardio, pois datado de 18.09.2017 (evento 18, fl. 07).
Em vista do exposto, concluo que o arcabouço documental não condiz com o exercício de
atividade rural em regime de economia familiar. De sorte que deve ser reconhecida a
inexistência de início de prova material a amparar a pretensão autoral.
Conforme já decidiu o STJ, em recurso representativo de controvérsia, a ausência de conteúdo
probatório eficaz a instruir a inicial implica a carência de pressuposto de constituição e
desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito e a
consequente possibilidade de a parte autora intentar novamente a ação caso reúna os
elementos necessários a tal iniciativa.
Desse modo,VOTO por extinguir, de ofício, o presente feito, sem resolução de mérito, nos
termos do art. 485, IV, do CPC.
Revogoa tutela provisória concedida.
Sem condenação em honorários por não haver recorrente vencido.
Sem custas (art. 4º, da Lei n. 9.289/96).
É o voto.
[1]Súmula 149-STJ: “A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da
atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário”.
E M E N T A
Dispensada na forma da lei. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a 2ª Turma Recursal da
Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul, por unanimidade, dar provimento ao recurso e
extinguir o feito sem resolução de mérito, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo
parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
