Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0007381-17.2021.4.03.6301
Relator(a)
Juiz Federal RODRIGO ZACHARIAS
Órgão Julgador
4ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
18/02/2022
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 06/03/2022
Ementa
E M E N T A
Ementa dispensada por interpretação extensiva do artigo 46 da L. 9.099/95.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
4ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0007381-17.2021.4.03.6301
RELATOR:10º Juiz Federal da 4ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: LUANA DA SILVA LIBORIO
Advogado do(a) RECORRIDO: MICHAEL ROBINSON CANDIOTTO - SP357666-A
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0007381-17.2021.4.03.6301
RELATOR:10º Juiz Federal da 4ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: LUANA DA SILVA LIBORIO
Advogado do(a) RECORRIDO: MICHAEL ROBINSON CANDIOTTO - SP357666-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Cuida-se de recursos interpostos em face de sentença que julgou parcialmente procedente o
pedido para condenar o INSS na concessão do benefício assistencial de prestação continuada
a LUANA DA SILVA LIBORIO a partir de 25.02.2021, e, após o trânsito em julgado, no
pagamento das prestações vencidas a partir da DIB fixada até a competência anterior à DIP (R$
4.727,38 para julho de 2021), respeitada a prescrição quinquenal, atualizadas na forma da
Resolução do CJF em vigência, com desconto de eventuais quantias recebidas no período em
razão da concessão do benefício administrativamente ou por força de antecipação de tutela.
Nas razões, requer, o INSS, a reforma para fins de improcedência do pedido, alegando
precipuamente a não configuração da deficiência.
Já, a autora requer a retroação da DIB à DER.
Vieram os autos a esta 10ª cadeira da 4ª Turma Recursal.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0007381-17.2021.4.03.6301
RELATOR:10º Juiz Federal da 4ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: LUANA DA SILVA LIBORIO
Advogado do(a) RECORRIDO: MICHAEL ROBINSON CANDIOTTO - SP357666-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Conheço dos recursos, uma vez presentes os requisitos de admissibilidade.
Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício assistencial
de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente,
pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
Essa lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu
artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o
postulante uma pessoa com deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar a
miserabilidade ou a hipossuficiência, ou seja, não possuir meios de prover a própria
manutenção nem de tê-la provida por sua família.
1.DA HIPOSSUFICIÊNCIA OU MISERABILIDADE
A respeito do requisito objetivo, o tema foi levado à apreciação do Pretório Excelso por meio de
uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, movida pelo Procurador Geral da República, quando,
em meio a apreciações sobre outros temas, decidiu que o benefício do art. 203, inciso V, da CF
só pode ser exigido a partir da edição da Lei n.° 8.742/93.
Trata-se da ADIN 1.232-2, de 27/08/98, publicada no DJU de 1/6/2001, Pleno, Relator Ministro
Maurício Correa, RTJ 154/818, ocasião em que o STF reputou constitucional a restrição
conformada no § 3o do art. 20 da Lei n.° 8.742/93.
Em controle difuso de constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal manteve o entendimento
(vide RE 213.736-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, informativo STF n.° 179; RE 256.594-6, Rel. Min.
Ilmar Galvão, DJ 28/4/2000, Informativo STF n.° 186; RE n.° 280.663-3, São Paulo, j.
06/09/2001, relator Maurício Corrêa).
Não obstante, o Superior Tribunal de Justiça, em vários precedentes, considerou que a
presunção objetiva absoluta de miserabilidade, da qual fala a Lei, não afasta a possibilidade de
comprovação da condição de miserabilidade por outros meios de prova (REsp n. 435.871, 5ª
Turma Rel. Min. Felix Fischer, j. 19/9/2002, DJ 21/10/2002, p. 61, REsp n. 222.764, STJ, 5ªT.,
Rel. Min. Gilson Dipp, j. 13/2/2001, DJ 12/3/2001, p. 512; REsp n. 223.603/SP, STJ, 5ª T., Rel.
Min. Edson Vidigal, DJU 21/2/2000, p. 163).
O Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade sem pronúncia de
nulidade do parágrafo 3º do artigo 20 da LOAS, que previa como critério para a concessão de
benefício a idosos ou deficientes a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do
salário mínimo, por considerar que esse critério está defasado para caracterizar a situação de
miserabilidade, cabendo a análise dessa condição no caso concreto (RE 567985)
Para além disso, foi declarada, no julgamento do RE 580963, a inconstitucionalidade sem
pronúncia de nulidade do parágrafo único do artigo 34 da Lei 10.471/2003 (Estatuto do Idoso),
sob o fundamento da inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de
deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em
relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo, o
que fere o princípio da isonomia.
As decisões concluíram que a mera interpretação gramatical do preceito, por si só, pode
resultar no indeferimento da prestação assistencial em casos que, embora o limite legal de
renda per capita seja ultrapassado, evidenciam um quadro de notória hipossuficiência
econômica.
Essa insuficiência da regra decorreria não só das modificações fáticas (políticas, econômicas e
sociais), mas principalmente das alterações legislativas que ocorreram no País desde a edição
da Lei Orgânica da Assistência Social, em 1993.
Assim, não há como considerar o critério previsto no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 como
absoluto e único para a aferição da situação de miserabilidade, até porque o próprio Estado
Brasileiro elegeu outros parâmetros, como os defluentes da legislação acima citada.
Deve-se verificar, na questão in concreto, a ocorrência de situação de pobreza - entendida
como a de falta de recursos e de acesso ao mínimo existencial -, a fim de se concluir por devida
a prestação pecuniária da assistência social constitucionalmente prevista.
Sendo assim, ao menos desde 14/11/2013 (RE 580963 e RE 567985), o critério da
miserabilidade do § 3º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93 não impede o julgador de levar em conta
outros dados, a fim de identificar a situação de vida do idoso ou do deficiente, principalmente
quando estiverem presentes peculiaridades, a exemplo de necessidades especiais com
medicamentos ou com educação.
Nesse diapasão, apresento alguns parâmetros razoáveis, norteadores da análise individual de
cada caso:
a) todos os que recebem renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo são miseráveis;
b) nem todos que percebem renda familiar per capita superior a ¼ e inferior a ½ salário mínimo
são miseráveis;
c) nem todos que percebem renda familiar per capita superior a ½ salário mínimo deixam de ser
miseráveis;
d) todos que perceberem renda mensal familiar superior a um salário mínimo (artigo 7º, IV, da
Constituição Federal) não são miseráveis.
No mais, a mim me parece que, em todos os casos, outras circunstâncias diversas da renda
devem ser levadas em conta, mormente se o patrimônio do requerente também se subsume à
noção de hipossuficiência. Vale dizer, é de ser apurado se o interessado possui poupança, se
vive em casa própria, com ou sem ar condicionado, se possui veículo, telefones celulares, plano
de saúde, auxílio permanente de parentes ou terceiros etc.
2.CONCEITO DE FAMÍLIA
Para se apurar se a renda per capita do requerente atinge, ou não, o âmbito da
hipossuficiência, faz-se mister abordar o conceito de família.
O artigo 20 da Lei n. 8.742/93 estabelecia, ainda, para efeitos da concessão do benefício, os
conceitos de família (conjunto de pessoas do art. 16 da Lei n. 8.213/91, desde que vivendo sob
o mesmo teto - § 1º), de pessoa portadora de deficiência (aquela incapacitada para a vida
independente e para o trabalho - § 2º) e de família incapacitada de prover a manutenção da
pessoa portadora de deficiência ou idosa (aquela com renda mensal per capita inferior a um
quarto do salário mínimo - § 3º).
A Lei n. 12.435, vigente desde 7/7/2011, alterou os §§ 1º e 2º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93,
estabelecendo que a família, para fins de concessão do benefício assistencial, deve ser aquela
composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a
madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores
tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Ao mesmo tempo, o dever de sustento familiar (dos pais em relação aos filhos e destes em
relação àqueles) não pode ser substituído pela intervenção Estatal, pois o próprio artigo 203, V,
da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o sustento não puder ser
provido pela família. Essa conclusão tem arrimo no próprio princípio da solidariedade social,
conformado no artigo 3º, I, do Texto Magno.
O que quero dizer é que, à guisa de regra mínima de coexistência entre as pessoas em
sociedade, a técnica de proteção social prioritária é a família, em cumprimento ao disposto no
artigo 229 da Constituição Federal, in verbis: " Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os
filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice,
carência ou enfermidade."
A propósito, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), ao
analisar um pedido de uniformização do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), fixou a
tese que “o benefício assistencial de prestação continuada pode ser indeferido se ficar
demonstrado que os devedores legais podem prestar alimentos civis sem prejuízo de sua
manutenção”. A decisão aconteceu durante sessão realizada em 23/2/17, em Brasília. Quanto
ao mérito, o relator afirmou em seu voto que a interpretação do art. 20, §1º, da Lei n. 8.742/93,
conforme as normas veiculadas pelos arts. 203, V, 229 e 230, da Constituição da República de
1988, deve ser no sentido de que “a assistência social estatal não deve afastar a obrigação de
prestar alimentos devidos pelos parentes da pessoa em condição de miserabilidade
socioeconômica (arts. 1694 e 1697, do Código Civil), em obediência ao princípio da
subsidiariedade”.
3. SUBSIDIARIEDADE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL
Por conseguinte, à vista da preponderância do dever familiar de sustento, hospedado no artigo
229 da Constituição da República, a Assistência Social, tal como regulada na Lei nº 8.742/93,
terá caráter subsidiário em relação às demais técnicas de proteção social (previdência social,
previdência privada, caridade, família, poupança etc), dada a gratuidade de suas prestações.
Com efeito, levando-se em conta o alto custo do pretendido “Estado de bem-estar social”,
forjado no Brasil pela Constituição Federal de 1988 quando a grande maioria dos países
europeus já haviam reconhecido sua inviabilidade financeira, forçoso é reconhecer que a
assistência social, a par da dimensão social do princípio da dignidade da pessoa humana
(artigo 1º, III, do CF), só deve ser prestada em casos de real necessidade, sob pena de
comprometer – dada a crescente dificuldade de custeio – a proteção social da coletividade, não
apenas das futuras gerações, mas também da atual.
De fato, o benefício previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal tem o valor de 1 (um)
salário mínimo, ou seja, a mesma quantia paga a milhões de brasileiros que se aposentaram no
Regime Geral de Previdência Social mediante o pagamento de contribuições, durante vários
anos.
De modo que a assistência social deve ser fornecida com critério, pois do contrário se gerarão
privilégios e desigualdades, em oposição à própria natureza dos direitos sociais que é a de
propiciar igualdade, isonomia de condições a todos, observados os fins sociais (não individuais)
da norma, à luz do artigo 5º da LINDB.
Pertinente, in casu, o ensinamento do professor de direito previdenciário Wagner Balera,
quando pondera a respeito da dimensão do princípio da subsidiariedade: "O Estado é,
sobretudo, o guardião dos direitos e garantias dos indivíduos. Cumpre-lhe, assinala Leão XIII,
agir em favor dos fracos e dos indigentes exigindo que sejam, por todos respeitados os direitos
dos pequenos. Mas, segundo o princípio da subsidiariedade - que é noção fundamental para a
compreensão do conteúdo da doutrina social cristã - o Estado não deve sobrepor-se aos
indivíduos e aos grupos sociais na condução do interesse coletivo. Há de se configurar uma
permanente simbiose entre o Estado e a sociedade, de tal sorte que ao primeiro não cabe
destruir, nem muito menos exaurir a dinâmica da vida social I (é o magistério de Pio XI, na
Encíclica comemorativa dos quarenta anos da 'Rerum Novarum', a 'Quadragésimo Anno',
pontos 79-80)." (Centenárias Situações e Novidade da 'Rerum Novarum', p. 545).
Por fim, quanto a esse tópico, lícito é inferir que quem está coberto pela previdência social está,
em regra, fora da abrangência da assistência social. Nesse sentido, prelecionou Celso Bastos,
in verbis: “A assistência Social tem como propósito satisfazer as necessidades de pessoas que
não podem gozar dos benefícios previdenciários, mas o faz de uma maneira comedida, para
não incentivar seus assistidos à ociosidade. Concluímos, portanto, que os beneficiários da
previdência social estão automaticamente excluídos da assistência social. O benefício da
assistência social, frise-se, não pode ser cumulado pelo beneficiário com qualquer outro no
âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o de assistência médica” (Celso Bastos e
Ives Gandra Martins, in Comentários à Constituição do Brasil, 8o Vol., Saraiva, 2000, p. 429).
4.IDOSOS E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
Na hipótese de postulante idoso, a idade mínima de 70 (setenta) anos foi reduzida para 67
(sessenta e sete) anos pela Lei n. 9.720/98, a partir de 1º de janeiro de 1998, e, mais
recentemente, para 65 (sessenta e cinco) anos, com a entrada em vigor do Estatuto do Idoso
(Lei n. 10.741/03).
No que se refere ao conceito de pessoa portadora de deficiência - previsto no § 2º da Lei n.
8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 13.146/2015 -, passou a ser considerada aquela com
impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com diversas barreiras, possam obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas.
Assim, ratificou-se o entendimento consolidado nesta Corte de que o rol previsto no artigo 4º do
Decreto n. 3.298/99 (regulamentar da Lei n. 7.853/89, que dispõe sobre a Política Nacional da
Pessoa Portadora de Deficiência) não era exaustivo; portanto, constatado que os males sofridos
pelo postulante impedem sua inserção social, restará preenchido um dos requisitos exigidos
para a percepção do benefício.
Menciona-se também o conceito apresentado pela ONU, elaborado por meio da Resolução n.°
XXX/3.447, que conforma a Declaração, em 09/12/1975, in verbis:"1. O termo 'pessoa
deficiente' refere-se a qualquer pessoa incapaz de assegurar a si mesma, total ou parcialmente,
as necessidades de uma vida individual ou social normal, em decorrência de uma deficiência,
congênita ou não, em suas capacidades físicas ou mentais".
Esse conceito dá maior ênfase à necessidade, inclusive da vida individual, ao passo que o
conceito proposto por Luiz Alberto David Araujo prioriza a questão da integração social, como
se verá.
Nair Lemos Gonçalves apresentou os principais requisitos para sua definição: "desvio
acentuado dos mencionados padrões médios e sua relação com o desenvolvimento físico,
mental, sensorial ou emocional, considerados esses aspectos do desenvolvimento separada,
combinada ou globalmente" (Verbete Excepcionais. In: Enciclopédia Saraiva de Direito, n.
XXXIV. São Paulo: Saraiva, 1999).
Luiz Alberto David Araujo, por sua vez, compilou muitos significados da palavra deficiente,
extraídos dos dicionários de Língua Portuguesa. Observa ele que, geralmente, os dicionários
trazem a ideia de que a pessoa deficiente sofre de falta, de carência ou de falha.
Esse autor critica essas noções porque a ideia de deficiência não se apresenta tão simples, à
medida que as noções de falta, de carência ou de falha não abrangem todas as situações de
deficiência, como, por exemplo, o caso dos superdotados, ou de um portador do vírus HIV que
consiga levar a vida normal, sem manifestação da doença, ou ainda de um trabalhador
intelectual que tenha um dedo amputado.
Por ser a noção de falta, carência ou falha insuficiente à caracterização da deficiência, Luiz
Alberto David Araujo propõe um norte mais seguro para se identificar a pessoa protegida, cujo
fator determinante do enquadramento, ou não, no conceito de pessoa portadora de deficiência,
seja o meio social:
"O indivíduo portador de deficiência, quer por falta, quer por excesso sensorial ou motor, deve
apresentar dificuldades para seu relacionamento social. O que define a pessoa portadora de
deficiência não é falta de um membro nem a visão ou audição reduzidas. O que caracteriza a
pessoa portadora de deficiência é a dificuldade de se relacionar, de se integrar na sociedade. O
grau de dificuldade para a sua integração social é o que definirá quem é ou não portador de
deficiência". (A Proteção Constitucional das Pessoas Portadoras de Deficiência. Brasília:
Ministério da Justiça, 1997, p. 18-22).
E quanto mais complexo o meio social, maior rigor se exigirá da pessoa portadora de
deficiência para sua adaptação social. De outra parte, na vida em comunidades mais simples,
como nos meios agrícolas, a pessoa portadora de deficiência poderá integrar-se com mais
facilidade.
Desse modo, o conceito de Luiz Alberto David Araujo é adequado e de acordo com a norma
constitucional, motivo pelo qual é possível seu acolhimento para a caracterização desse grupo
de pessoas protegidas nas várias situações reguladas na Constituição Federal, nos arts. 7o,
XXXI, 23, II, 24, XIV, 37, VIII, 203, V e 208, III.
Mas é preciso delimitar a proteção constitucional apenas àquelas pessoas que realmente dela
necessitam, porquanto existem graus de deficiência que apresentam menores dificuldades de
adaptação à pessoa. E tal verificação somente poderá ser feita diante de um caso concreto.
Luiz Alberto David Araujo salienta que os casos-limite podem, desde logo, ser excluídos, como
o exemplo do bibliotecário que perde um dedo ou do operário que perde um artelho; em ambos
os casos, ambos continuam integrados socialmente. Ou ainda pequenas manifestações de
retardo mental (deficiência mental leve) podem passar despercebidas em comunidades simples,
pois tal pessoa poderá "não encontrar problemas de adaptação a sua realidade social (escola,
trabalho, família)", de maneira que não se pode afirmar que tal pessoa deverá receber proteção,
"tal como aquele que sofre restrições sérias em seu meio social" (obra citada, páginas 42/43).
"A questão, assim, não se resolve sob o ângulo da deficiência, mas, sim sob o prisma da
integração social. Há pessoas portadoras de deficiência que não encontram qualquer problema
de adaptação no meio social. Dentro de uma comunidade de doentes, isolados por qualquer
motivo, a pessoa portadora de deficiência não encontra qualquer outro problema de integração,
pois todos têm o mesmo tipo de dificuldade" (obra citada, p. 43).
Enfim, a constatação da existência de graus de deficiência é de fundamental importância para
identificar aqueles que receberão a proteção social prevista no art. 203, V, da Constituição
Federal.
Feitas essas considerações, torna-se possível inferir que não será qualquer pessoa portadora
de deficiência que se subsumirá no molde jurídico protetor da Assistência Social.
Noutro passo, o conceito de pessoa portadora de deficiência, para fins do benefício de amparo
social, foi tipificado no artigo 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93, que em sua redação original assim
dispunha:
"§ 2º - Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela
incapacitada para a vida independente e para o trabalho."
Como se vê, pressupunha-se que o deficiente era aquele que: a) tinha necessidade de
trabalhar, mas não podia, por conta da deficiência; b) estava também incapacitado para a vida
independente. Ou seja, o benefício era devido a quem deveria trabalhar, mas não poderia e,
além disso, não tinha capacidade para uma vida independente sem a ajuda de terceiros.
Lícito é concluir que, tais quais os benefícios previdenciários, o benefício de amparo social,
enquanto em vigor a redação original do artigo 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93, era substitutivo do
salário. Isto é, era reservado aos que tinham a possibilidade jurídica de trabalhar, mas não
tinham a possibilidade física ou mental para tanto.
Havia, na época, grande discussão a respeito do conceito de “incapacidade para a vida
independente”. Nesse ponto, prudente destacar a súmula 30 da AGU, segundo a qual a
incapacidade laboral é suficiente para caracterizar a incapacidade para a vida independente.
Igualmente, há a súmula 29 da Turma Nacional de Uniformização. Veja-se (com grifos): “Para
os efeitos do artigo 20, §2º, da Lei nº 8.742 de 1993, incapacitada para a vida independente não
só é aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também a
impossibilidade de prover seu próprio sustento.”
Mas a redação original do artigo 20, § 2º, da LOAS foi alterada pelo Congresso Nacional, talvez
porque sua dicção gerava um sem número de controvérsias interpretativas na jurisprudência.
A Lei n º 12.435/2011 deu nova redação ao § 2º do artigo 20 da LOAS, que esculpe o perfil da
pessoa com deficiência para fins assistenciais, da seguinte forma:
"§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se: (Redação dada pela Lei nº
12.435, de 2011)
I - pessoa com deficiência: aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas;
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a
vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Com a novel legislação, o benefício continuou sendo destinado àqueles deficientes que: a) tinha
necessidade de trabalhar, mas não podia, por conta de limitações físicas ou mentais; b) estava
também incapacitado para a vida independente.
Todavia, o legislador, não satisfeito, novamente alterou a redação do artigo 20, § 2º, da Lei nº
8.742/93, e o conceito de pessoa com deficiência foi uma vez mais alterado, pela Lei nº
12.470/2011, passando a ter a seguinte dicção:
"§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela
que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os
quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
Nota-se que, com o advento desta novel lei, dispensou-se a menção à incapacidade para o
trabalho ou à incapacidade para a vida independente, como requisito à concessão do benefício
assistencial.
Destarte, tal circunstância (a entrada em vigor de nova lei) deve ser levada em conta neste
julgamento, ex vi o artigo 462 do CPC/73 e 493 do NCPC.
Finalmente, a Lei nº 13.146/2015, que "institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com
Deficiência", com início de vigência em 02/01/2016, novamente alterou a redação do artigo 20,
§ 2º, da LOAS, in verbis:
"§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa
com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental,
intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
Reafirma-se, assim, que o foco, doravante, para fins de identificação da pessoa com
deficiência, passa a ser a existência de impedimentos de longo prazo, apenas e tão somente,
tornando-se despicienda a referência à necessidade de trabalho.
Ressumbra registar, no mais, que o artigo 28 do Decreto nº 6949/2009, que promulgou
Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo
Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007, estabelece no artigo 27 o
direito ao trabalho e ao emprego e, num segundo momento, no artigo 28, o direito ao “Padrão
de vida e proteção social adequados”, da seguinte forma:
“1.Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência a um padrão
adequado de vida para si e para suas famílias, inclusive alimentação, vestuário e moradia
adequados, bem como à melhoria contínua de suas condições de vida, e tomarão as
providências necessárias para salvaguardar e promover a realização desse direito sem
discriminação baseada na deficiência.
2.Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência à proteção social e ao
exercício desse direito sem discriminação baseada na deficiência, e tomarão as medidas
apropriadas para salvaguardar e promover a realização desse direito, tais como:
a) Assegurar igual acesso de pessoas com deficiência a serviços de saneamento básico e
assegurar o acesso aos serviços, dispositivos e outros atendimentos apropriados para as
necessidades relacionadas com a deficiência;
b) Assegurar o acesso de pessoas com deficiência, particularmente mulheres, crianças e idosos
com deficiência, a programas de proteção social e de redução da pobreza;
c) Assegurar o acesso de pessoas com deficiência e suas famílias em situação de pobreza à
assistência do Estado em relação a seus gastos ocasionados pela deficiência, inclusive
treinamento adequado, aconselhamento, ajuda financeira e cuidados de repouso;
d) Assegurar o acesso de pessoas com deficiência a programas habitacionais públicos;
e) Assegurar igual acesso de pessoas com deficiência a programas e benefícios de
aposentadoria.”
CASO CONCRETO
No caso dos autos, verifico que a r. sentença recorrida foi clara e muito bem fundamentada,
com uma linha de raciocínio razoável e coerente, baseando-se nas provas constantes nos
autos.
Eis trecho controverso, sem formatação original:
“No caso em tela, verifico que a parte autora enquadra -se no conceito de pessoa com
deficiência, conforme conclusão da perícia médica realizada por Perito de confiança deste
Juízo. Não obstante o Perito médico ter analisado a deficiência sob a perspectiva da
incapacidade laborativa, verifico que a parte autora possui impedimento que lhe permita
participar efetivamente e em plena igualdade de condições com as demais pessoas na
sociedade de mesma faixa etária. Por oportuno, transcrevo trecho do laudo médico pericial
(arquivo 25), bem como resposta ao quesito nº 1 do Juízo:
“I. Análise e discussão dos resultados Autor (a) com 27 anos, ajudante geral, atualmente
desempregada. Submetida a exame físico ortopédico, complementado com exames
radiológicos. Detectamos ao exame clínico criterioso atual, justificativas para a queixa alegadas
pela pericianda. Creditando seu histórico e exame clínico, concluímos evolução desfavorável
para os males referidos, principalmente Deformidades Congênitas em Mão Direita e Pés.
A autora encontra-se em decurso de tratamento médico ambulatorial e fisioterápico, sem
possibilidades de melhora do quadro. I. Com base nos elementos e fatos expostos e
analisados, conclui-se que: Caracterizo situação de incapacidade parcial e permanente para
atividade laboriosa habitual, com data do início da incapacidade desde o nascimento
(congênita).
I. Respostas dos quesitos Quesitos Unificados do Juízo/INSS para perícia médica: AUXÍLIO
DOENÇA, Aposentadoria por Invalidez e Auxílio Acidente de Qualquer Natureza (Portaria
Conjunta nº. 2213378/2016 - SP-JEF-PRES, em vigor a partir de 07/10/2016 e Portaria SP-JEF-
PRES nº.11, de 07 de novembro de 2019, publicada no Diário Eletrônico da Justiça Federal da
3ªRegião respectivamente em 25/11/2019)
1. Nos termos do art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742/1993, in verbis: ”Considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual
ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”.
Considerando os elementos obtidos na perícia médica, a parte autora é considerada pessoa
com deficiência ou com doença incapacitante?Qual? Fundamente: R: Pessoa com deficiência e
com doença incapacitante”.
Assim, nos termos do artigo 20, parágrafo 2º, da Lei nº. 8.472/93, não resta dúvida de que a
parte autora se enquadra no conceito de pessoa com deficiência, cumprindo, portanto, a
primeira exigência legal. Quanto à situação de miserabilidade, segundo requisito para a
concessão do benefício, entendo também ter sido demonstrada no caso em tela. Com efeito,
realizada perícia socioeconômica no ambiente familiar da parte autora, o laudo social de arquivo
22 atestou a sua condição de hipossuficiência econômica, sendo afirmado que:
“VII - CONSIDERAÇÕES E CONCLUSÃO: Autora acessou pouco o mercado de trabalho
formal, e quando acessou foi com vaga para pessoa com deficiência, refere dificuldade de
conseguir emprego Relata que realiza acompanhamento na UBS Bertioga com Neurologista e
Ortopedista, devido deficiência congênita nos pés e braço direito e quadro de epilepsia, faz uso
de medicação controlada, todos os acompanhamentos na rede pública.
No momento única provedora do lar é a genitora, os outros integrantes do núcleo familiar, estão
desempregados. Família recebe doação de cesta básica da igreja, não tem apoio de outros
familiares. Renda per capita é de R$228,57 por pessoa, abaixo de ¼do salário-mínimo.
O beneficio será muito importante, para autora acessar os mínimos sociais e no tratamento de
saúde, e restabelecer sua autonomia, família está em vulnerabilidade social. Autora tem uma
filha de 1 ano e no momento tendo apoio da genitora, pai da criança não ajuda”. Vale salientar
que, a renda per capita apurada no laudo social (R$ 228,57) possui valor inferior a meio salário
mínimo, que deve ser o critério de aferição da miserabilidade para fins de concessão de
benefício assistencial, conforme recente decisão do Colendo Supremo Tribunal Federal, datada
de 18.04.2013, nos autos da Reclamação 4374.
Por oportuno, transcrevo notícia extraída do site www.stf.jus.br, contendo trecho do voto do
Ministro Relator Gilmar Mendes: “É fácil perceber que a economia brasileira mudou
completamente nos últimos 20 anos. Desde a promulgação da Constituição, foram realizadas
significativas reformas constitucionais e administrativas com repercussão no âmbito econômico
e financeiro.
A inflação galopante foi controlada, o que tem permitido uma significativa melhoria na
distribuição de renda”, afirmou o ministro ao destacar que esse contexto proporcionou que
fossem modificados também os critérios para a concessão de benefícios previdenciários e
assistenciais se tornando “mais generosos” e apontando para meio salário mínimo o valor
padrão de renda familiar per capita.”
Dessa forma, tomando em consideração a conclusão do laudo socioeconômico produzido, bem
como os demais documentos juntados aos autos, constato que a parte autora detém os
requisitos para a concessão do benefício assistencial, que deve ser concedido desde a data do
ajuizamento da ação, 25.02.2021, haja vista o grande lapso temporal entre o indeferimento do
requerimento administrativo ( 09.01.2019 – fl. 06 do arquivo 10) e a propositura da ação.”
Assim, utilizando-me do disposto no artigo 46 da Lei n. 9.099/95, combinado com o artigo 1º da
Lei n. 10.259/01, entendo que a decisão recorrida deve ser mantida por seus próprios
fundamentos, os quais adoto como razões de decidir.
Esclareço, por oportuno, que “não há falar em omissão em acórdão de Turma Recursal de
Juizado Especial Federal, quando o recurso não é provido, total ou parcialmente, pois, nesses
casos, a sentença é confirmada pelos próprios fundamentos. (Lei 9.099/95, art. 46.)” (Turma
Recursal dos Juizados Especiais Federais de Minas Gerais, Segunda Turma, processo nº
2004.38.00.705831-2, Relator Juiz Federal João Carlos Costa Mayer Soares, julgado em
12/11/2004).
A propósito, que o Supremo Tribunal Federal concluiu que a adoção pelo órgão revisor das
razões de decidir do ato impugnado não implica violação ao artigo 93, inciso IX, da Constituição
Federal, em razão da existência de expressa previsão legal permissiva. Nesse sentido, trago à
colação o seguinte julgado:
“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. MATÉRIA
INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA INDIRETA. JUIZADO ESPECIAL. REMISSÃO AOS
FUNDAMENTOS DA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INOCORRÊNCIA. 1.
Controvérsia decidida à luz de legislações infraconstitucionais. Ofensa indireta à Constituição
do Brasil. 2. O artigo 46 da Lei n. 9.099/95 faculta ao Colégio Recursal do Juizado Especial a
remissão aos fundamentos adotados na sentença, sem que isso implique afronta ao artigo 93,
IX, da Constituição do Brasil. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STF, 2ª Turma,
AgRg em AI 726.283/RJ, Relator Ministro Eros Grau, julgado em 11/11/2008, votação unânime,
DJe de 27/11/2008).
Diante do exposto, com fulcro no artigo 46, da Lei n. 9.099/95, combinado com o artigo 1º, da
Lei n. 10.259/01, mantenho a sentença recorrida por seus próprios fundamentos e nego
provimento aos recursos.
Ante o desprovimento dos recursos, à luz do art. 55 da Lei 9.099/95, indevida a condenação de
quaisquer das partes a pagar honorários de advogado.
É como voto.
E M E N T A
Ementa dispensada por interpretação extensiva do artigo 46 da L. 9.099/95.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma
Recursal, por unanimidade, negou provimento aos recursos, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
