Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0043809-95.2021.4.03.6301
Relator(a)
Juiz Federal MARCIO RACHED MILLANI
Órgão Julgador
8ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
24/02/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 08/03/2022
Ementa
E M E N T A
Dispensada a ementa por interpretação extensiva do artigo 46 da Lei nº 9.099/95, segunda parte.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
8ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0043809-95.2021.4.03.6301
RELATOR:22º Juiz Federal da 8ª TR SP
RECORRENTE: MARIA CLAUDIA DE ARAUJO DA SILVA
Advogado do(a) RECORRENTE: LUIZ FERNANDO DE ARAUJO - SP421726-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0043809-95.2021.4.03.6301
RELATOR:22º Juiz Federal da 8ª TR SP
RECORRENTE: MARIA CLAUDIA DE ARAUJO DA SILVA
Advogado do(a) RECORRENTE: LUIZ FERNANDO DE ARAUJO - SP421726-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso inominado interposto por MARIA CLAUDIA DE ARAUJO DA SILVA contra a
sentença, que julgou improcedente o pedido de restabelecimento dos auxílios por incapacidade
temporária NB 31/633.048.458-2 (DER: 28.11.2020 – DCB:14.12.2020) e NB 31/633.623.877-0
(DER: 17.02.2021 – DCB: 23.02.2021).
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0043809-95.2021.4.03.6301
RELATOR:22º Juiz Federal da 8ª TR SP
RECORRENTE: MARIA CLAUDIA DE ARAUJO DA SILVA
Advogado do(a) RECORRENTE: LUIZ FERNANDO DE ARAUJO - SP421726-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Não assiste razão à parte autora, ora recorrente.
Os requisitos legais para a concessão do auxílio por incapacidade temporária são os seguintes:
a) a qualidade de segurado da parte requerente, mediante prova de sua filiação ao Regime
Geral de Previdência Social - RGPS; b) o cumprimento da carência, nos termos dos artigos 24 a
26 da Lei n.º 8.213/91; c) a comprovação de ser ou estar a parte requerente incapacitada para o
trabalho, desde que o evento incapacitante não seja preexistente à filiação ao RGPS e seu
termo inicial (data de início da incapacidade) seja fixado em período cuja qualidade de segurado
estivesse preservada e a carência legal devidamente cumprida (salvo nos casos inseridos no
disposto do artigo 26, inciso II, da Lei n.º 8.213/91).
Tratando-se de pedido de concessão de benefício previdenciário por incapacidade (
aposentadoria por invalidez, auxílio-doença e auxílio-acidente), deve o Julgador ater-se
exclusivamente ao preenchimento dos requisitos legais objetivos acima destacados, não
comportando à análise da matéria, salvo em casos excepcionalíssimos em que a prova dos
autos indicar a existência de incapacidade parcial, digressões relacionadas ao Princípio da
Dignidade da Pessoa Humana e às condições socioeconômicas da parte requerente.
Cabe ressaltar, ainda, que a constatação de uma lesão, doença ou deformidade, por si só, não
gera automaticamente o direito a benefício previdenciário por incapacidade, na medida em que
devem ser avaliadas em conjunto com outros fatores, como sua evolução fisiopatológica e as
consequências que trarão para a capacidade laboral do acometido, levando-se sempre em
conta sua profissão habitual.
A incapacidade laborativa está diretamente ligada às limitações funcionais de uma pessoa
frente às habilidades exigidas para o desempenho das atividades profissionais para as quais
está qualificada. Somente quando a doença, lesão ou deformidade impede o desempenho
dessas atividades é que se configura a incapacidade para o trabalho e, consequentemente,
caso preenchidos os demais requisitos legais (carência e qualidade de segurado da Previdência
Social), o direito a benefício previdenciário por incapacidade (aposentadoria por invalidez /
auxílio-doença / auxílio-acidente). Doença não é sinônimo de incapacidade.
No caso concreto, a prova pericial médica, elaborada por profissional qualificado, de confiança
do Juízo e equidistante das partes, diagnosticou que a autora é portadora do vírus HIV, de
Hepatite C, dorsalgia, osteoporose sem fratura patológica, insuficiência cardíaca em
investigação, estado de estresse pós-traumático e transtorno depressivo. Asseverou o médico
perito, no entanto, que atualmente as patologias diagnosticadas não causam repercussões
funcionais incapacitantes para o desempenho da atividade profissional habitual (assistente de
marketing e auxiliar administrativa), concluindo de maneira clara e amplamente fundamentada
que a autora encontra-se plenamente apta e capacitada para o trabalho.
Não há razões para afastar as conclusões do médico perito, eis que fundadas no exame clínico
realizado na parte autora, bem como nos documentos médicos que lhe foram apresentados.
Considero desnecessária e inoportuna a reabertura da instrução processual, seja para a
realização de nova perícia médica, apresentação de relatório de esclarecimentos adicionais,
oitiva do médico perito, oitiva pessoal da parte autora ou de testemunhas, juntada de novos
documentos, etc., eis que não verifico contradições entre as informações constantes do laudo
aptas a ensejar dúvida, o que afasta qualquer alegação de nulidade e/ou cerceamento de
defesa.
Considerando a condição do magistrado de destinatário da prova (artigo 370, CPC/2015), é
importante frisar que “só ao juiz cabe avaliar a necessidade de nova perícia”(JTJ 142/220,
197/90, 238/222). De tal forma, compete apenas ao juiz apreciar a conveniência de realização
de nova avaliação, bem como o acolhimento de quesitos complementares (artigo 470, I e II c/c
artigo 480, CPC/2015), sendo certo que “o julgamento antecipado da lide tem total amparo
legal, decorrente da aplicação do CPC 330, I, não se configurando afronta aos CPC 425 e 331”.
(STJ, 6ª Turma, AI 45.539/MG, Relator Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, julgado em
16/12/1993, decisão monocrática, DJ de 08/02/1994, grifos nossos).
O nível de especialização apresentado pelo médico perito é indubitavelmente suficiente para
promover a análise do quadro clínico apresentado nos autos. Não há necessidade de que seja
especialista em cada uma das patologias mencionadas pela segurada. Conforme entendimento
consolidado na TNU – Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados
Especiais Federais, a realização de perícia por médico especialista só se faz necessária em
casos excepcionalíssimos e de elevada complexidade, como, por exemplo, aqueles que
envolvem doenças raras, o que não se verifica na hipótese em apreço.
A corroborar:
PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL PREVIDENCIÁRIO.
PROVA PERICIAL. CONHECIMENTO TÉCNICO ESPECIALIZADO. POSSIBILIDADE DE
PERÍCIA SER REALIZADA POR MÉDICO GENERALISTA OU ESPECIALISTA EM MEDICINA
DO TRABALHO. REEXAME DE MATÉRIA DE FATO. INCIDENTE NÃO CONHECIDO. 1. A
Turma Nacional de Uniformização, ao interpretar o art. 145, §2º, do Código de Processo Civil de
1973 (art. 156, §1º, do Novo Código de Processo Civil), consolidou entendimento de que a
realização de perícia por médico especialista é apenas necessária em casos complexos, em
que o quadro clínico a ser analisado e os quesitos a serem respondidos exijam conhecimento
técnico específico, não suprido pela formação do médico generalista (cf.PEDILEF
200872510048413,Rel. Juiz Federal Derivaldo de Figueiredo Bezerra Filho, DJ
09/08/2010;PEDILEF200872510018627, Rel. Juíza Federal Jacqueline Michels Bilhalva, DJ
05/11/2010;PEDILEF200970530030463, Rel. Juiz Federal Alcides Saldanha Lima, DOU
27/04/2012;PEDILEF200972500044683, Rel. Juiz Federal Antonio Fernando Schenkel do
Amaral e Silva, DOU 04/05/2012;PEDILEF200972500071996, Rel. Juiz Federal Vladimir Santos
Vitovsky, DOU 01/06/2012;PEDILEF201151670044278, Rel Juiz Federal José Henrique
Guaracy Rebelo, DOU 09/10/2015). 2. Inexiste divergência em relação à jurisprudência da
Turma Nacional de Uniformização ou ao acórdão indicado como paradigma, uma vez que a
questão técnico-científica controversa não exige conhecimento especializado do médico perito
para ser esclarecida. 3. Hipótese de incidência da orientação do enunciado n. 42, da súmula da
jurisprudência da TNU, uma vez que o acórdão prolatado, em julgamento de recurso inominado,
aplicou o princípio do livre convencimento do magistrado diante das provas apresentadas e
concluiu pela inexistência de incapacidade laborativa da parte autora.
(TNU – Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais;
PEDILEF – Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei – 50042937920154047201;
Relator Juiz Federal Fábio César dos Santos Oliveira; Data do julgamento: 30.08.2017) (grifei)
Nesse sentido, vale mencionar trecho do parecer do Conselho Regional de Medicina do Estado
de São Paulo – CREMESP na resposta à consulta nº 51.337/06, em que se indagava se
qualquer médico está apto a realizar perícias médicas: “1) Qualquer médico está apto a praticar
qualquer ato médico e, por isso, qualquer profissional médico pode realizar qualquer perícia
médica de qualquer especialidade médica. Não há divisão de perícia em esta ou aquela
especialidade. Vale lembrar que a responsabilidade médica é intransferível, cabendo ao
profissional que realiza a perícia assumir esta responsabilidade”.
A autora insurge-se contra as conclusões da perícia médica, porém não apresentou elementos
concretos que pudessem confrontá-las. Os documentos médicos juntados aos autos foram
devidamente avaliados pelo médico perito para a elaboração de seu parecer, de modo que não
infirmam suas conclusões, ao contrário, fornecem subsídios para um diagnóstico ainda mais
preciso, seguro e conclusivo de sua parte.
Entendo absolutamente desnecessária a elaboração de nova perícia médica. A prova pericial
médica é firme e minuciosa, observou o contraditório, possibilitou às partes o amplo exercício
do direito de defesa, enfim, atendeu todos os preceitos processuais e constitucionais. Não há
qualquer ilegalidade maculando o trabalho do médico perito, profissional experiente e sem
qualquer interesse no processo.
Cabe ressaltar, ainda, que se de um lado a autora apresenta relatórios médicos, de outro lado
não se pode ignorar o parecer igualmente médico do perito do INSS, cuja conclusão é
absolutamente compatível com os apontamentos da perícia judicial.
Seja como for, a teor do disposto na Súmula n° 78 da TNU – Turma Nacional de Uniformização
de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais, “comprovado que o requerente do benefício
é portador do vírus HIV, cabe ao julgador verificar as condições pessoais, sociais, econômicas e
culturais, de forma a analisar a incapacidade em sentido amplo, em face da elevada
estigmatização social da doença”.
Pois bem. HIV e AIDS não são sinônimos. O HIV é o vírus que causa a doença AIDS, sendo
perfeitamente possível uma pessoa infectada pelo vírus viver por muitos anos sem desenvolver
a doença. A contagem de células CD4 de uma pessoa com o sistema imunológico saudável
varia de 500 a 1.800 por milímetro cúbico de sangue. A AIDS é diagnosticada quando a
contagem de células CD4 é inferior a 200 ou quando o paciente apresenta doenças
oportunistas.
Os impressionantes avanços da medicina no tratamento de soropositivos a base de terapia
antirretroviral vem apresentado enorme sucesso na manutenção da boa saúde dessas pessoas.
Estes medicamentos são capazes de reduzir a quantidade de HIV no sangue para níveis
indetectáveis, como no caso da autora, o que permite ao portador do vírus recuperar sua
qualidade de vida. Segundo estudo publicado na revista científica britânica “The Lancet”, com o
tratamento, a expectativa de vida dos soropositivos é muito próxima a das pessoas não
infectadas.
No caso concreto, extrai-se da prova dos autos que a autora apresenta carga viral indetectável
e número de células CD4 acima de 500, de modo que não resta dúvidas de que, clinicamente,
encontra-se plenamente capacitada para o trabalho.
Esse magistrado não ignora o grande preconceito e estigma social que infelizmente ainda existe
contra os portadores do vírus HIV de um modo geral, no entanto, diante da análise individual e
particularizada do presente caso, considerando as condições pessoais, sociais, econômicas e
culturais, também não vislumbro a chamada “incapacidade em sentido amplo” ou “incapacidade
social”.
A autora não é pessoa idosa, trata-se de uma mulher de meia idade, atualmente com 50
(cinquenta) anos, que conta com o amparo e familiares, possui curso superior completo e
experiência profissional, tem acesso ao sistema de saúde, reside na capital do Estado de São
Paulo, que compõe a maior Região Metropolitana do Brasil, com mais de 20 milhões de
habitantes, com IDH (índice de desenvolvimento humano) de 0,805, classificado como muito
alto numa escala de 0 a 1 dividida em cinco faixas, e que oferece inúmeras ofertas de trabalho
nas mais diversas áreas – indústria, comércio e serviços.
Conforme destacado acima, embora portadora do vírus HIV e outras comorbidades, a autora
encontra-se assintomática e com a carga viral indetectável, ou seja, não desenvolveu AIDS, de
modo que, vivendo em uma região economicamente importante do Estado mais desenvolvido
do país, possuindo curso superior completo e estando apta para o desempenho de sua
atividade profissional habitual e diversas outras que não impliquem risco de contaminação, é
perfeitamente possível o convívio social e profissional livre de quaisquer estigmas e
preconceitos, sem que seus pares sequer precisem ter conhecimento da sua condição de
soropositivo. Cumpre-me destacar, nesse ponto, o artigo 2º da Portaria nº 1.246/2010 do
Ministério do Trabalho e Emprego, que assim estabelece: “Não será permitida, de forma direta
ou indireta, nos exames médicos por ocasião da admissão, mudança de função, avaliação
periódica, retorno, demissão ou outros ligados à relação de emprego, a testagem do trabalhador
quanto ao HIV”.
Posto isso, concluo que o exame fático-probatório dos autos por meio de uma análise ampla e
profunda das condições clínicas, pessoais, sociais, econômicas e culturais, em conformidade
com a Súmula nº 78 da TNU, revela a aptidão e capacidade da autora para o trabalho, de modo
que não tem direito à concessão dos benefícios previdenciários reclamados nesta ação (
aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença).
É verdade que a Lei nº 13.847, de 19 de junho de 2019, que entrou em vigor na data de sua
publicação, deu nova redação ao § 5º do supracitado artigo 43 da Lei nº 8.213/1991,
estabelecendo que “a pessoa com HIV/aids é dispensada da avaliação referida no § 4º desde
artigo”. Ocorre que referido dispositivo legal aplica-se exclusivamente aos segurados
aposentados por invalidez, não se estendendo ao auxílio por incapacidade temporária, que é o
objeto da presente ação.
A controvérsia relativa ao restabelecimento da aposentadoria por invalidez NB 32/527.806.759-
0, cessada administrativamente em 19.10.2019, é objeto do processo nº 5006309-
24.2018.4.03.6103, e não pode ser tratada nestes autos sob pena de litispendência.
Tampouco é possível aplicar ao presente caso dispositivos legais inerentes aos servidores
públicos, eis que regidos por Regime Próprio de Previdência Social, que possui regramento
distinto e que não se confunde com o Regime Geral de Previdência Social, inclusive quanto aos
percentuais e limites de contribuição.
Ante todo o exposto, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO DA PARTE AUTORA e mantenho
integralmente a sentença recorrida.
Condeno a parte autora, na condição de recorrente vencido, ao pagamento de honorários
advocatícios no percentual de 10% do valor atualizado da causa, nos termos do artigo 55,
“caput”, segunda parte, da Lei nº 9.099/1995, combinado com o artigo 1º da Lei nº 10.259/2001.
No entanto, na hipótese de ser beneficiário(a) da justiça gratuita, as obrigações decorrentes de
sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser
executadas se, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado, o credor demonstrar
que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de
gratuidade, a teor do disposto no artigo 98, § 3º do Código de Processo Civil de 2015.
É o voto.
E M E N T A
Dispensada a ementa por interpretação extensiva do artigo 46 da Lei nº 9.099/95, segunda
parte. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento ao recurso da parte autora, nos termos do relatório e
voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
