Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / MS
0000090-97.2020.4.03.6204
Relator(a)
Juiz Federal RICARDO DAMASCENO DE ALMEIDA
Órgão Julgador
2ª Turma Recursal da Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul
Data do Julgamento
06/07/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 21/07/2022
Ementa
E M E N T A
Dispensada.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
Mato Grosso do Sul
2ª Turma Recursal da Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000090-97.2020.4.03.6204
RELATOR:4º Juiz Federal da 2ª TR MS
RECORRENTE: ALICE PEREIRA DA SILVA
Advogado do(a) RECORRENTE: ANTONIA MARIA DOS SANTOS ALMEIDA BRESSA -
MS16102-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Dispensado o relatório (artigo 81, § 3º, da Lei 9.099/95 c.c. artigo 1º da Lei 10.259/2001).
V O T O
A sentença foi proferida nos seguintes termos:
Trata-se de pedido de concessão de benefício assistencial de prestação continuada - LOAS,
formulado por ALICE PEREIRA DA SILVA, em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL - INSS.
Dispensado o relatório, nos termos do art. 38 da Lei 9.099/95. –FUNDAMENTAÇÃO
De início, afasto as preliminares alegadas pela parte ré. Reconheço a competência deste
Juizado Especial Federal Adjunto para processar e julgar a presente lide. Presentes as
condições da ação. Não há prescrição ou decadência a ser reconhecida.
Passo a análise do mérito da demanda propriamente dito.
O benefício de prestação continuada de um salário mínimo foi assegurado pela Constituição da
República, nos termos de seu artigo 203, e regulamentado pela Lei 8.742, de 07/12/ 1993, cujo
artigo 20, com redação dada pela Lei nº 12.435/2011 e alterações promovidas pelas Leis nº
13.146/2015 e 123.985/2020, elenca como requisitos:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à
pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem
não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à
pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem
não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
(Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011) (Vide Lei nº 13.985, de 2020)
§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou
companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos
solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo
teto. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual
ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação
dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a
família cuja renda mensal per capita seja: (Redação dada pela Lei nº 13.982, de 2020) I - igual
ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo, até 31 de dezembro de 2020; (Incluído pela Lei
nº 13.982, de 2020)
§ 4o O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com
qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência
médica e da pensão especial de natureza indenizatória. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de
2011 )
§ 5o A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito
do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada. (Redação dada
pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de
impedimento de que trata o § 2 o , composta por avaliação médica e avaliação social realizadas
por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS.
(Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 7o Na hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica
assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais
próximo que contar com tal estrutura. (Incluído pela Lei nº 9.720, de 30.11.1998)
§ 8o A renda familiar mensal a que se refere o § 3o deverá ser declarada pelo requerente ou
seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento
para o deferimento do pedido. (Incluído pela Lei nº 9.720, de 30.11.1998)
§ 9o Os rendimentos decorrentes de estágio supervisionado e de aprendizagem não serão
computados para os fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere o § 3o deste
artigo. ( Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2 o deste artigo, aquele que
produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados
outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de
vulnerabilidade, conforme regulamento. (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
§ 12. São requisitos para a concessão, a manutenção e a revisão do benefício as inscrições no
Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo
Federal - Cadastro Único, conforme previsto em regulamento. (Incluído pela Lei nº 13.846, de
2019)
§ 14. O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um)
saláriomínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com
deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a
outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o
§ 3º deste artigo. ( Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020)
§ 15. O benefício de prestação continuada será devido a mais de um membro da mesma família
enquanto atendidos os requisitos exigidos nesta Lei. (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020)
Portanto, para a concessão do amparo assistencial, é necessária a conjugação de dois
requisitos: alternativamente, a comprovação da idade avançada ou a deficiência, a qual se
verifica por meio de laudo médico pericial, e, cumulativamente, a miserabilidade, caracterizada
pela inexistência de condições econômicas para prover o próprio sustento ou de tê-lo provido
por alguém da família.
A concessão do benefício assistencial independe de contribuição e, nesse contexto, a Lei nº
8.742/93 estabelece critérios objetivos específicos para deferimento do benefício, que devem
ser examinados pelo magistrado.
No caso dos autos, pleiteia-se a concessão do benefício à pessoa com deficiência e,
necessariamente, em situação de vulnerabilidade social.
Nessa toada, de plano, destaca-se que o requisito é a deficiência, conceituada pelo art. 20, §
2º, da supracitada lei, como o impedimento de longo prazo de natureza física, mental,
intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, possa obstruir a plena
e efetiva participação da pessoa na sociedade em igualdade de condições com os demais.
Não há que se confundir, pois, com a incapacidade laborativa, requisito dos benefícios
previdenciários por incapacidade, ou com o mero acometimento por doenças, ainda que graves.
Pelo conceito legal, incapacidade e doença não necessariamente são geradoras de deficiência.
Acerca do tema, reputa-se pertinente a transcrição das lições de José Antonio Savaris:
“Desde a vigência da Lei nº 12.470, de 31/08/2011, que alterou a regra do art. 20, §2º, da Lei nº
8.742/ 93, o conceito de pessoa com deficiência se distingue do conceito de incapacidade
laboral. É equivocado, portanto, analisar-se o direito ao benefício assistencial mediante
investigação da existência ou não da incapacidade.
De um lado, o paradigma da incapacidade laboral pode prejudicar irremediavelmente o acesso
de algumas pessoas ao benefício, especialmente crianças e adolescentes, às quais sequer é
permitido o exercício de atividade remunerada. Uma criança de dois anos de idade, com
deficiência ou não, não tem condições de exercer uma atividade laboral.
Por outro lado, lentes da incapacidade laboral propiciam uma certa confusão ente institutos e
campos de proteção da seguridade social. Imagine-se uma incapacidade laboral altamente
transitória, decorrente de uma crise lombar ou psiquiátrica, com duração de trinta dias. Fosse a
pessoa segurada da previdência social, cumpriria o requisito específico para a concessão do
auxílio-doença. Mas o pressuposto de fato para a concessão do benefício assistencial é outro,
que não se confunde com a incapacidade laboral e, por tal razão, caso acima não ensejaria a
proteção assistencial.
Com efeito, para fins de concessão de benefício assistencial, a pergunta a ser feita não é se o
interessado pode ou não trabalhar, mas se ele pode ou não ter comprometida sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, como
resultado de impedimentos orgânicos de longo prazo em interação com barreiras pessoais,
sociais e ambientais” ( Compêndio de Direito Previdenciário – Curitiba: Alteridade, 2018. p.
326).
Dito isso, nota-se que, em seu laudo (documento nº 26), o médico perito relatou que a parte
autora é encontra-se com “quadro crônico de Hipertensão Arterial de difícil controle. Em uso de
várias medicações regulares. Faz acompanhamento com médico assistente do posto de saúde.
Refere cefaleia e cansaço aos pequenos esforços”.
Questionado se a autora possui impedimentos de longa duração, o perito afirmou que sim e que
a autora possui limitações físicas.
Diante das conclusões acima, resta constatada, portanto, limitação que se caracterize como
barreira de longo prazo a obstruir a plena e efetiva participação da autora na sociedade em
igualde de condições com os demais. Em outras palavras, a autora deve ser considerada
deficiente nos termos do art. 20, §2º, da Lei 8.742/93.
Com isto, entendo preenchido o requisito “deficiência” para a concessão do benefício de
prestação continuada.
Por sua vez, faz-se necessário ainda que seja preenchido o requisito socioeconômico. Nesse
ponto, a Lei trouxe no artigo 20, §3º, parâmetro para a sua aferição, exigindo que a renda
familiar per capita seja inferior a 1/4 do salário mínimo. Tal dispositivo foi submetido à análise
de sua constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento dos
Recursos Extraordinários nº 580.963 e 567.985 -3 e da Reclamação nº 4.373, em que se
analisou o critério da miserabilidade e declarou-se a sua inconstitucionalidade. A ementa do
acórdão da Reclamação nº 4.374 é esclarecedora:
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203,
V, da Constituição da República, estabeleceu critérios para que o benefício mensal de um
salário mínimo fosse concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovassem
não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2. Art. 20, § 3º da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo
Tribunal Federal na ADI 1.232.
Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que “considera-se incapaz de prover a manutenção da
pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a
1/4 (um quarto) do salário mínimo”.
O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao
fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem
consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao
apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal
declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.
3. Reclamação como instrumento de (re)interpretação da decisão proferida em controle de
constitucionalidade abstrato.
Preliminarmente, arguido o prejuízo da reclamação, em virtude do prévio julgamento dos
recursos extraordinários 580.963 e 567.985, o Tribunal, por maioria de votos, conheceu da
reclamação.
O STF, no exercício da competência geral de fiscalizar a compatibilidade formal e material de
qualquer ato normativo com a Constituição, pode declarar a inconstitucionalidade,
incidentalmente, de normas tidas como fundamento da decisão ou do ato que é impugnado na
reclamação. Isso decorre da própria competência atribuída ao STF para exercer o denominado
controle difuso da constitucionalidade das leis e dos atos normativos. A oportunidade de
reapreciação das decisões tomadas em sede de controle abstrato de normas tende a surgir
com mais naturalidade e de forma mais recorrente no âmbito das reclamações. É no juízo
hermenêutico típico da reclamação – no “balançar de olhos” entre objeto e parâmetro da
reclamação – que surgirá com maior nitidez a oportunidade para evolução interpretativa no
controle de constitucionalidade.
Com base na alegação de afronta a determinada decisão do STF, o Tribunal poderá reapreciar
e redefinir o conteúdo e o alcance de sua própria decisão. E, inclusive, poderá ir além,
superando total ou parcialmente a decisão-parâmetro da reclamação, se entender que, em
virtude de evolução hermenêutica, tal decisão não se coaduna mais com a interpretação atual
da Constituição.
4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à
aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e
único estipulado pela LOAS e avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com
entes idosos ou deficientes.
Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão
de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a
Lei 10.689/ 2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01,
que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio
financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a
ações socioeducativas.
O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores
posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos.
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias
mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações
legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros
benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da
Lei 8.742/1993.
6. Reclamação constitucional julgada improcedente.
(Rcl 4374, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 18.04.2013, DJe-173 03.09.2013).
Destarte, é de se reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação
específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com
deficiência é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade,
que poderão ser mensuradas suas necessidades. Não há, pois, que se enquadrar todos os
indivíduos em um mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de
um quarto do salário mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
No caso dos autos, o estudo social realizado em 20.02.2021 (documento nº 24), constatou que
a autora reside com seu cônjuge e um neto, em imóvel próprio, com edificação em alvenaria,
com cerâmica. O imóvel compõe-se de sala, cozinha, dois quartos, um banheiro e pequena
varanda de serviços. Os móveis são antigos e de conservação regular. As despesas básicas
são de R$ 1.250,00 (um mil, duzentos e cinquenta reais), referentes a água, energia elétrica,
alimentação, gás de cozinha, telefone, medicamentos e internet.
A renda que o núcleo familiar possui é proveniente da aposentadoria do cônjuge da autora,
João Chagas da Silva, no valor de R$ 1.900,00 (um mil e novecentos reais) mensais. Desse
modo, por se tratar de benefício previdenciário superior a um salário mínimo, deve ser
computado na renda familiar per capta, que atinge assim o total de R$ 633,33 (seiscentos e
trinta e três reais e trinta e três centavos).
Pois bem. Como dito alhures, o critério da renda per capita do núcleo familiar não é o único a
ser utilizado para se comprovar a condição de miserabilidade do idoso ou do deficiente que
pleiteia o benefício, havendo que se considerar todo o conjunto probatório.
Todavia, neste caso, é de se reconhecer que, ao menos nesse momento, não está
caracterizada a situação de vulnerabilidade ou risco social a ensejar a concessão do benefício
assistencial.
Com efeito, como se vê do estudo social, as necessidades básicas da parte autora vêm sendo
custeadas adequadamente. Além disso, cabe salientar que não foi relatada nenhuma situação
excepcional que justificasse a percepção do benefício, como privações, carência de alimentos
ou medicamentos, desabrigo ou abandono parental.
Assim, o grupo familiar possui renda per capta superior a 1/4 do salário mínimo (R$ 633,33), a
parte autora reside em imóvel guarnecido dos móveis necessários a sua fruição, o que afasta a
presunção de miserabilidade decorrente da renda per capta familiar.
Nesse ponto, torna-se imperioso relembrar que o escopo da assistência social é prover as
necessidades básicas das pessoas, sem as quais não sobreviveriam, e que o benefício
assistencial não se destina à complementação de renda.
Nessa esteira, são os recentes precedentes do Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região:
PROCESSUAL CIVIL. SENTENÇA NÃO SUJEITA À REMESSA NECESSÁRIA. ART. 496, §3º,
CPC. CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO
CONTINUADA AO IDOSO E À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REQUISITO ETÁRIO PREENCHIDO. BENEFÍCIO DE VALOR
MÍNIMO PAGO AO IDOSO. EXCLUSÃO. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº
10.741/03. APLICAÇÃO POR ANALOGIA. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DO STJ (
REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA). STF. DECLARAÇÃO DE
INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO ART. 20 DA LEI Nº 8.472/93, SEM PRONÚNCIA DE
NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO ISOLADA. ANÁLISE DA MISERABILIDADE
EM CONJUNTO COM DEMAIS FATORES. AFASTADA SITUAÇÃO DE RISCO. PERCEPÇÃO
DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. INACUMULABILIDADE DO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL.
ART. 20, §4º, DA LEI 8.742/93. ATRASADOS. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA NÃO
DEMONSTRADA. ART. 373, I, CPC. RENDA PER CAPITA FAMILIAR, DE FATO,
EQUIVALENTE À METADE DO SALÁRIO NA DER. CONDIÇÕES DE HABITABILIDADE
SATISFATÓRIAS. IMÓVEL PRÓPRIO. MÍNIMO EXISTENCIAL GARANTIDO. REMESSA
NECESSÁRIA NÃO CONHECIDA. APELAÇÃO DO INSS PROVIDA. SENTENÇA
REFORMADA. REVOGAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.
INVERSÃO DAS VERBAS DE SUCUMBÊNCIA. DEVER DE PAGAMENTO SUSPENSO.
GRATUIDADE DA JUSTIÇA. [...]
16 - Vê-se que, a despeito de não ostentarem luxo, as condições de habitabilidade eram
satisfatórias. O imóvel, além de próprio, estava em bom estado de conservação e, ainda, era
guarnecido com mobiliário que atendia as necessidades básicas da família.
17 - Se afigura pouco crível que, pouco mais de um ano antes da realização do estudo, quando
da apresentação do requerimento (03/11/2015), a situação seria distinta.
18 - Cumpre destacar que cabia à parte autora trazer mais documentos que demonstrassem a
vulnerabilidade do seu núcleo familiar, no momento da DER. Não o fez, se limitando a acostar,
com a exordial, carteira de identidade, CPF e comprovante de indeferimento administrativo (IDs
3887251 e 3887252, p. 1/2). Não se desincumbiu do seu ônus probatório (art. 373, I, do CPC).
19 - Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifica-se que o
núcleo familiar não se enquadrava na concepção legal de hipossuficiência econômica no
momento da DER, não fazendo, portanto, a autora, jus a quaisquer atrasados de benefício
assistencial.
20 - É preciso que reste claro ao jurisdicionado que o benefício assistencial da prestação
continuada é auxílio que deve ser prestado pelo Estado, portanto, por toda a sociedade, in
extremis, ou seja, nas específicas situações que preencham os requisitos legais estritos, bem
como se e quando a situação de quem o pleiteia efetivamente o recomende, no que se refere
ao pouco deixado pelo legislador para a livre interpretação do Poder Judiciário.
21 - Ainda que o magistrado sensibilize-se com a situação apresentada pela parte autora e
compadeça-se com a horripilante realidade a que são submetidos os trabalhadores em geral,
não pode determinar à Seguridade a obrigação de pagamento de benefício, que independe de
contribuição, ou seja, cujo custeio sairá da receita do órgão pagador - contribuições
previdenciárias e sociais - e cujos requisitos mínimos não foram preenchidos, sob pena de criar
perigoso precedente que poderia causar de vez a falência do já cambaleado Instituto
Securitário.
22 - O legislador não criou programa de renda mínima ao idoso. Até porque a realidade
econômicoorçamentária nacional não suportaria o ônus financeiro disto. As Leis nº 8.742/93 e
10.741/03 vão além e exigem que o idoso se encontre em situação de risco. Frisa-se que o
dever de prestar a assistência social, por meio do pagamento pelo Estado de benefício no valor
de um salário mínimo, encontra-se circunspecto àqueles que se encontram em situação de
miserabilidade, ou seja, de absoluta carência, situação essa que evidencia que a sobrevivência
de quem o requer, mesmo com o auxílio de outros programas sociais, como fornecimento
gratuito de medicamentos e tratamentos de saúde pela rede pública, não são suficientes a
garantir o mínimo existencial.
23 - O benefício assistencial de prestação continuada existe para auxiliar a sobrevivência das
pessoas portadoras de incapacidade, por idade avançada, ou outras restrições físicas ou
psíquicas para o trabalho e que não possuam parentes próximos em condições de lhes prover o
sustento. O dever, portanto, é, em primeiro lugar, da família.
24 - O benefício em questão, que independe de custeio, não se destina à complementação da
renda familiar baixa e a sua concessão exige do julgador exerça a ingrata tarefa de distinguir
faticamente entre as situações de pobreza e de miserabilidade, eis que tem por finalidade
precípua prover a subsistência daquele que o requer.
25 - Inversão do ônus sucumbencial, com condenação da parte autora no ressarcimento das
despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como no pagamento
dos honorários advocatícios, arbitrados no percentual mínimo do §3º do artigo 85 do CPC, de
acordo com o inciso correspondente ao valor atribuído à causa, devidamente atualizado (CPC,
art. 85, §2º), observando-se o previsto no §3º do artigo 98 do CPC.
26 - Remessa necessária não conhecida. Apelação do INSS provida. Sentença reformada.
Revogação da tutela antecipada. Ação julgada improcedente. Inversão das verbas de
sucumbência. Dever de pagamento suspenso. Gratuidade da justiça.
(TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApReeNec - APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO - 5021621-
89.2018.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO, julgado em
06/01/2020, Intimação via sistema DATA: 31/01/2020)
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. IDOSO.
MISERABILIDADE NÃO CONFIGURADA. RE nº 580963. CASA PRÓPRIA. VEÍCULO
AUTOMOTOR ANO 2012. AJUDA DA FAMÍLIA. INSUFICIÊNCIA DO CRITÉRIO
MATEMÁTICO. ASPECTOS SOCIAIS. ARTIGO 229 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
SUBSIDIARIEDADE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. APELAÇÃO
IMPROVIDA. AUSÊNCIA DE RETRATAÇÃO.
- Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício de
prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente,
pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011. (...)
- No mais, o dever de sustento dos filhos não pode ser substituído pela intervenção Estatal, pois
o próprio artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o
sustento não puder ser provido pela família (vide item 2). Não há qualquer informação ou
comprovação de que os filhos não podem ajudar o autor nos gastos. Aliás, a mãe já o ajuda,
pagando prestação do veículo automotor.
- Não se pode olvidar, assim, a regra do artigo 229 da Constituição Federal, que consagra regra
de valor essencial à convivência em sociedade, que é o dever de auxílio da família.
- Não está identifica no caso a penúria ou risco social. Quem tem casa própria, veículo
automotor e filhos aptos a darem amparo não faz jus à proteção assistencial, como bem
observou o MMº Juiz de Direito, assaz cara à sociedade.
- De modo que a miserabilidade não pode ser reduzida ao critério da renda mensal per capita,
sob pena de total desvirtuamento da finalidade do benefício assistencial. Ao final das contas, há
pessoas – como a parte autora – com claro acesso aos mínimos sociais, não se encontrando
desamparadas.
- Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de
atender a um público maior, para socorrer os desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja,
àquelas pessoas que sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo
fato de não terem renda ou de ser essa insignificante.
- Não cabe ao Estado substituir as pessoas em suas respectivas obrigações legais, mesmo
porque os direitos sociais devem ser interpretados do ponto de vista da sociedade, não do
indivíduo.
- Numa sociedade sedenta de prestações sociais do Estado, mas sem mínima vontade de
contribuir para o custeio do sistema de seguridade social, é preciso realmente discriminar quais
são os casos que configuram "necessidades sociais". E quais são os casos que refletem puro
“abuso de direito”.
- Apelação Improvida. Acórdão mantido.
(TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5002866-51.2017.4.03.9999, Rel. Juiz
Federal Convocado RODRIGO ZACHARIAS, julgado em 14/09/2018, Intimação via sistema
DATA: 18/09/2018, grifo nosso)
Desse modo, ausente um dos requisitos indispensáveis à concessão da benesse, a parte
autora não faz jus ao benefício assistencial de prestação continuada previsto pelo art. 20 da Lei
nº 8.742/93, sem prejuízo da formulação de novo requerimento administrativo em caso de
modificação da situação fática narrada.
-DISPOSITIVO-
Sem custas e honorários advocatícios em primeira instância (art. 54 e 55 da Lei 9.099/95).
Havendo recurso voluntário, dê-se vista à parte contrária para contrarrazões, remetendo-se os
autos, após, à Turma Recursal. Na sua ausência, certifique-se o trânsito em julgado,
observadas as formalidades legais.
Sentença registrada eletronicamente. Publica-se. Intimem-se..#>
Recurso do autor:
A autora requer a reforma da sentença a fim de que seja reconhecido o direito a receber o
benefício de prestação continuada.
A deficiência restou comprovada (id 255391204).
Analiso o requisito da hipossuficiência.
Esclareço, quanto à renda per capita que, apesar de válido, o critério objetivo de miserabilidade
trazido pela Lei Orgânica de Assistência Social não é absoluto. É dizer: o fato de a renda per
capita familiar ultrapassar ¼ salário mínimo não afasta, de pronto, a possibilidade de concessão
do benefício assistencial em apreço, pois o E. STF reconheceu a viabilidade de concessão do
benefício assistencial, mesmo se superado o limite de ¼ do salário-mínimo por cabeça (previsto
na Lei n. 8.742/93), desde que, no caso concreto e de forma fundamentada, o juízo se baseie
em provas, admitidas em direito, que demonstrem a miserabilidade do requerente.
No Recurso Especial Repetitivo 1.112.557/MG, o Superior Tribunal de Justiça firmou o mesmo
entendimento: a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a
única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria
manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Ainda sobre o tema, Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari, em seu Manual de
Direito Previdenciário, afirmam que:
“Em juízo, o não cumprimento do critério econômico de 1/4 do salário mínimo ou mesmo a
aplicação extensiva do art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso não enseja mais o acesso
ao STF. A existência de miserabilidade deverá ser analisada no caso concreto com base em
critérios subjetivos, podendo até ser invocados os que foram declarados inconstitucionais pela
ausência de norma substituidora, ou com aplicação de outros parâmetros, tal qual o de metade
do salário mínimo previsto para os demais benefícios sociais do Governo Federal. Nesse
sentido: TRF4, AC 0012820-58.2012.404.9999, 6ª Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto
Silveira, DE de 16.7.2013.
Para a TNU, não havendo mais critério legal para aferir a incapacidade econômica do assistido,
a miserabilidade deverá ser analisada em cada caso concreto, sendo possível aferir a condição
de hipossuficiência econômica do idoso ou do portador de deficiência por outros meios que não
apenas a comprovação da renda familiar mensal (PEDILEF 0502360-21.2011.4.05.8201, Rel.
Juiz Federal Gláucio Maciel, DOU de 21.6.2013). E, segundo essa Corte uniformizadora, “O
critério objetivo consubstanciado na exigência de renda familiar per capita inferior a 1/4 do
salário-mínimo gera uma presunção relativa de miserabilidade, que pode, portanto, ser afastada
por outros elementos de prova.” (Representativo de Controvérsia n. 122, PEDILEF 5000493-
92.2014.4.04.7002/ PR, Rel. Juiz Federal Daniel Machado da Rocha, DOU de 15.4.2016).” (p.
575-576)
A Turma Regional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais da 3ª Região sumulou o
entendimento de que:
Na concessão do benefício assistencial, deverá ser observado como critério objetivo a renda
per capita de ½ salário mínimo gerando presunção relativa de miserabilidade, a qual poderá ser
infirmada por critérios subjetivos em caso de renda superior ou inferior a ½ salário mínimo
(enunciado n. 21).
Convém mencionar, ainda, que a Lei 10.741/03, no art. 34, parágrafo único, prevê a exclusão
do valor do benefício percebido pelo cônjuge, já que se trata de renda mínima. Veja-se:
Art. 34. Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do
caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a
Loas.
A interpretação jurisprudencial do referido dispositivo foi no sentido de que o valor de um salário
mínimo proveniente de benefício de amparo social ao idoso percebido por quem não pode
prover sua própria subsistência, por ser deficiente ou idoso maior de 65 anos, deve ser excluído
da soma da renda familiar do requerente do benefício previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93. O
mesmo raciocínio é aplicado para a renda dos segurados que recebem benefícios
previdenciários que alcancem tal montante.
Atento a isso, verifico que a família é composta pela recorrida, seu esposo e seu neto.
Do laudo socioeconômico extrai-se que: (i) residem em imóvel próprio; (ii) a recorrente não
trabalha (é do lar); (iii) sobrevive com a aposentadoria do esposo (R$ 1.900,00).
A renda é igual R$ 633,33. Não está, portanto, caracterizada a situação de miserabilidade: a
renda per capita está acima de meio salário mínimo.
Vale frisar, ademais, que as fotografias anexadas ao laudo socioeconômico demonstram
moradia simples e bem conservada, guarnecida de móveis e utensílios suficientes para
manutenção de vida digna.
Diante disso, observo que a sentença não merece reparos.
Recurso do réu:
Não reconheço o recurso do réu.
Nele, afirmou-se que não restou provada a miserabilidade da recorrida (exatamente como
constou na r. sentença recorrida).
Aplicável, assim, o disposto no art. 932, inciso III, do CPC:
Art. 932. Incumbe ao relator:
I - dirigir e ordenar o processo no tribunal, inclusive em relação à produção de prova, bem
como, quando for o caso, homologar autocomposição das partes;
II - apreciar o pedido de tutela provisória nos recursos e nos processos de competência
originária do tribunal;
III - não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado
especificamente os fundamentos da decisão recorrida;
(...)
O recurso não deve, portanto, ser conhecido já que a recorrente não impugnou especificamente
os fundamentos da decisão recorrida; faltando, assim, fundamentações específica.
Considerando a sucumbência recíproca e, sendo vedada acompensaçãopelo CPC/15 (art. 85, §
14º, c/c art. 86), condeno as recorrentes a pagarem, uma a outra, honorários advocatícios, que
arbitro em 10% sobre o valor da condenação, em consonância com o disposto no art. 55,
segunda parte, da Lei 9.099/1995. As condenações impostas à parte autora ficarão sob
condição suspensiva de exigibilidade pelo prazo de cinco anos, a teor do art. 98, §3º, do
CPC/15.
Custas na forma da Lei.
É o voto.
E M E N T A
Dispensada.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma
Recursal da Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul decidiu, por unanimidade, negar
provimento ao recurso da parte autora e não conhecer o do réu, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
