Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0005964-48.2021.4.03.6327
Relator(a)
Juiz Federal CAIO MOYSES DE LIMA
Órgão Julgador
10ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
20/07/2022
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 31/07/2022
Ementa
E M E N T A
Dispensada a ementa, nos termos do art. 46 da Lei nº 9.099/95, combinado com o art. 1º da Lei
nº 10.259/2001.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIO
Nº
RELATOR:
OUTROS PARTICIPANTES:
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0005964-48.2021.4.03.6327
RELATOR:29º Juiz Federal da 10ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
RECORRIDO: MARIA REZENDE DE OLIVEIRA
PROCURADOR: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
JUIZ FEDERAL CAIO MOYSÉS DE LIMA: Trata-se de ação movida por MARIA REZENDE DE
OLIVEIRA SANTOS, representada pela Defensoria Pública da União, em face do INSTITUTO
NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, com o objetivo de obter a declaração de
inexigibilidade de débito no valor de R$ 54.115,30, referente à quantia indevidamente paga a
título de benefício assistencial à pessoa idosa, identificado pelo NB 88/702.155.577-7, no
período de 02/02/2016 a 01/04/2021.
Segundo narra a inicial,a autora obteve obenefício assistencial admnistrativamente. O benefício
foi cessado em 01/04/2021 por suposta irregularidade na renda mensal do núcleo familiar.
Alega, contudo, que a única renda da família é proveniente da aposentadoria por idade recebida
por seu marido, no valor de R$ 1.989,96. Aduzque seu filho, apesar de ter um vínculo de
emprego ativo no CNIS, trabalhou por apenaspoucos dias e não recebe qualquer remuneração
atualmente. Diz não ter condições de arcar com o pagamento da dívida cobrada pelo INSS e
que os valores foram recebidos de boa-fé e utilizados para sua subsistência e de sua família.
A sentença julgou procedente o pedido, para declarar a inexigibilidade da devolução dos
valores pagos pelo INSS em favor da parte autora, bem como a nulidade do processo
administrativo de cobrança.
Diz a fundamentação:
No caso concreto, verifica-se que o benefício assistencial da parte autora foi concedido a partir
de 02/02/2016, sendo que declarou, de forma leal,seu grupo familiar, como maridoJOSE
APARECIDO MOREIRA DOS SANTOS. Ocorre que este veio a obter uma aposentadoria por
idade, a partir de 21/02/2017, no valor de R$1.989,96.
Verifico que, em revisão administrativa, a autarquia verificou a ocorrência deirregularidadena
percepção dos créditos recebidos pela parte autora a título debenefícioassistencial, diante da
concomitância com a remuneração de membro de seugrupofamiliar.
Com efeito, os benefícios de caráter assistenciais devem ser fiscalizados pelo INSS, que,
detectandoeventual mudança na situação econômica do beneficiário, pode cessar o seu
pagamento, respeitando-se o devido processo administrativo, o que foi realizado.
Assim, a conduta do INSS não padece de vícios a contaminar o ato administrativo de cessação
do benefício.
Verifico, por outro lado, que o INSS não fez prova nestes autos de suposta má fé da parte
autora. Isso cabia a ele próprio ter verificado a alteração dogrupofamiliar, através de seus
sistemas, visto que a aposentadoria do cônjuge foi por ele próprio concedido.
No mais, em situações limites como o caso, não é exigível que a parte autora procurasse a
autarquia para pleitear a cessação de seu benefício, ainda mais quando o acréscimo
derendaconstava devidamente dos sistemas administrativos do INSS.
Assim, ante a natureza alimentar dobenefícioassistencial, entendo que os valores percebidos
pela parte autora a título do benefício assistencial devem ser declarados inexigíveis e, portanto,
não devem ser cobrados ou descontados de seu benefício.
No caso dos autos, não verifico prova de má-fé, cuidando-se, na verdade, de falha
administrativa, ao não se verificar, quando da concessão de aposentadoria, a existência de
benefícioassistencial, cuja cumulação se mostraria indevida.
Assim, resta demonstrada a boa-fé, que impede, por conseguinte, a repetição do indébito.
Verifica-se que a sentença está de acordo com o entendimento do STJ acima, diante da
modulação feita.
Ante o exposto,julgo procedente o pedido, nos termos do artigo 487, inciso I, do CPC, para
declarar a inexistência do débito e a anulação do ato administrativo que imputa a
responsabilidade à parte autora.
O réu recorre, sustentando, em síntese, que (i) o benefício não foi suspenso por erro do INSS
na sua concessão ou manutenção, mas por conduta omissiva da parte autora que não
comunicou a mudança de sua situação econômica; (ii) os valores recebidos indevidamente
devem ser ressarcidos, independentemente da boa-fé e de erro administrativo ou decisão
judicial posterior, conforme previsão do art. 115 da Lei nº 8.213/91 e conjugação dos princípios
da indisponibilidade do patrimônio público, da legalidade administrativa, da contributividade e do
equilíbrio financeiro da Previdência Social e do mandamento constitucional de reposição ao
erário; (iii) a má-fé seria relevante apenas para definição da possibilidade ou não de
parcelamento do débito; e (iv) o caráter alimentar do benefício não impede sua cobrança.
A autora ofereceu contrarrazões.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0005964-48.2021.4.03.6327
RELATOR:29º Juiz Federal da 10ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
RECORRIDO: MARIA REZENDE DE OLIVEIRA
PROCURADOR: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
JUIZ FEDERAL CAIO MOYSÉS DE LIMA (RELATOR):
Na presente demanda, pretende-se o cancelamento da cobrança de débito referente a quantia
paga a título de benefício de amparo social à pessoa idosa (NB 88/702.155.577-7), no período
de 02/02/2016 a 01/04/2021, por ter sido recebido indevidamente, já que a renda per capita
familiar seria superior a 1/4 do salário mínimo.
A consulta ao CNIS (fls. 93 do ID 251431346) demonstra que o marido da autora, José
Aparecido Moreira dos Santos, passou a receber aposentadoria por idade, a partir de
21/02/2017. Quantoaofilho do casal, Rafael de Oliveira Santos, apesar de consta vínculo de
emprego em abertocom a empresa “Support Recursos Humanos Serviços Temporários
Ltda.”desde 02/06/2011, não há registro de remunerações em seu favor (pág. 81 do ID
251431346).
Não obstante, convém notar que tais circunstâncias não foram em momento algum ocultadas
da autarquia, mas, ao contrário,estão registradas no CNIS, banco de dados mantido pelo
próprio INSS. Além disso,foi a própria autarquia que, após análise do pedido formulado pela
autora, decidiu conceder-lhe o benefício assistencial.
Ora, considerando que os titulares de benefícios assistenciais são pessoas socialmente
vulneráveis, em geral com baixa escolaridade, não se poderia exigir da autora o conhecimento
de que havia irregularidade no pagamento do benefício.
Assim, não havendo qualquer indício de má-fé por parte daautora, não cabe a devolução dos
valores por ela recebidos.
Nesse sentido é firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), conforme se extrai
do julgamento do Recurso Especial 1.381.734/RN:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE
CONTROVÉRSIA. TEMA 979. ARTIGO 1.036 DO CPC/2015. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO.
PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 884 E 885 DO CÓDIGO CIVIL/2002. AUSÊNCIA DE
PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. ART. 115, II, DA LEI N. 8.213/1991.
DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA E
MÁ APLICAÇÃO DA LEI. NÃO DEVOLUÇÃO. ERRO MATERIAL DA ADMINISTRAÇÃO.
POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO SOMENTE NA HIPÓTESE DE ERRO EM QUE OS
ELEMENTOS DO CASO CONCRETO NÃO PERMITAM CONCLUIR PELA INEQUÍVOCA
PRESENÇA DA BOA-FÉ OBJETIVA.
1. Da admissão do recurso especial: Não se conhece do recurso especial quanto à alegada
ofensa aos artigos 884 e 885 do Código Civil, pois não foram prequestionados. Aplica-se à
hipótese o disposto no enunciado da Súmula 211 do STJ. O apelo especial que trata do dissídio
também não comporta conhecimento, pois não indicou as circunstâncias que identifiquem ou
assemelhem os precedentes colacionados e também por ausência de cotejo analítico e
similitude entre as hipóteses apresentadas. Contudo, merece conhecimento o recurso quanto à
suposta ofensa ao art. 115, II, da lei n. 8.213/1991.
2. Da limitação da tese proposta: A afetação do recurso em abstrato diz respeito à seguinte
tese: Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por
força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência
Social.
3. Irrepetibilidade de valores pagos pelo INSS em razão da errônea interpretação e/ou má
aplicação da lei: O beneficiário não pode ser penalizado pela interpretação errônea ou má
aplicação da lei previdenciária ao receber valor além do devido. Diz-se desse modo porque
também é dever-poder da Administração bem interpretar a legislação que deve por ela ser
aplicada no pagamento dos benefícios. Dentro dessa perspectiva, esta Corte Superior evoluiu a
sua jurisprudência passando a adotar o entendimento no sentido de que, para a não devolução
dos valores recebidos indevidamente pelo beneficiário da Previdência Social, é imprescindível
que, além do caráter alimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício, a
presença da boa-fé objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela
administração. Essas situações não refletem qualquer condição para que o cidadão comum
compreenda de forma inequívoca que recebeu a maior o que não lhe era devido.
4. Repetição de valores pagos pelo INSS em razão de erro material da Administração
previdenciária: No erro material, é necessário que se averigue em cada caso se os elementos
objetivos levam à conclusão de que houve boa-fé do segurado no recebimento da verba. Vale
dizer que em situações em que o homem médio consegue constatar a existência de erro,
necessário se faz a devolução dos valores ao erário.
5. Do limite mensal para desconto a ser efetuado no benefício: O artigo 154, § 3º, do Decreto n.
3.048/1999 autoriza a Administração Previdenciária a proceder o desconto daquilo que pagou
indevidamente; todavia, a dedução no benefício só deverá ocorrer quando se estiver diante de
erro da administração. Nesse caso, caberá à Administração Previdenciária, ao instaurar o
devido processo administrativo, observar as peculiaridades de cada caso concreto, com
desconto no beneficio no percentual de até 30% (trinta por cento).
6. Tese a ser submetida ao Colegiado: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados
decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação
errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o
seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal,
ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé
objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento
indevido.
7. Modulação dos efeitos: Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste
representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável
interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a
centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os
processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste
acórdão.
8. No caso concreto: Há previsão expressa quanto ao momento em que deverá ocorrer a
cessação do benefício, não havendo margem para ilações quanto à impossibilidade de se
estender o benefício para além da maioridade da beneficiária. Tratou-se, em verdade, de
simples erro da administração na continuidade do pagamento da pensão, o que resulta na
exigibilidade de tais valores, sob forma de ressarcimento ao erário, com descontos nos
benefícios, tendo em vista o princípio da indisponibilidade do patrimônio público e em razão da
vedação ao princípio do enriquecimento sem causa. Entretanto, em razão da modulação dos
efeitos aqui definidos, deixa-se de efetuar o descontos dos valores recebidos indevidamente
pelo segurado.
9. Dispositivo: Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido.
Acórdão sujeito ao regime previsto no artigo 1.036 e seguintes do CPC/2015
(Resp 1.381.734/RN, STJ, Primeira Seção, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Data do julgamento :
10/03/2021, Data da Publicação: 23/04/2021)
Diante do exposto, voto por negar provimento ao recurso da parte ré.
Deixo de condenar o réu ao pagamento de honorários advocatícios, uma vez que a parte autora
está assistida pela Defensoria Pública da União (Súmula 421 STJ).
É o voto.
E M E N T A
Dispensada a ementa, nos termos do art. 46 da Lei nº 9.099/95, combinado com o art. 1º da Lei
nº 10.259/2001. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Décima Turma
Recursal do Juizado Especial Federal da Terceira Região - Seção Judiciária de São Paulo, por
unanimidade, negar provimento ao recurso da parte ré, nos termos do voto do Juiz Federal
Relator, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
