Experimente agora!
VoltarHome/Jurisprudência Previdenciária

PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO. SEGURADO (CEGO DE NASCENÇA E ANALFABETO) TITULAR DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ QUE SE EMPREGA FORMALMENTE NO ME...

Data da publicação: 16/07/2020, 03:35:50

PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO. SEGURADO (CEGO DE NASCENÇA E ANALFABETO) TITULAR DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ QUE SE EMPREGA FORMALMENTE NO MERCADO DE TRABALHO. CANCELAMENTO ADMINISTRATIVO DO BENEFÍCIO. DESNECESSIDADE DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO DOS VALORES PERCEBIDOS ENQUANTO VIGENTE A PRESTAÇÃO PREVIDENCIÁRIA ANTE A MANIFESTA BOA-FÉ DO SEGURADO DEMONSTRADA NOS AUTOS. - As provas constantes dos autos demonstram a efetiva e manifesta boa-fé da parte autora (cega de nascença e que era aposentada por invalidez), que, ao se ativar formalmente junto ao mercado de trabalho, viu cassada sua prestação previdenciária e obrigada a ressarcir ao erário os valores que indevidamente havia percebido. - Justamente pelo fato de ser analfabeta e ter buscado emprego formal em uma sociedade em que normalmente as agruras de sua cegueira e de sua condição pessoal falariam mais alto em seu desfavor (donde se conclui pela formação hígida de seu caráter), caracterizada encontra-se a boa-fé da parte autora, o que tem o condão de obstar a pretensão autárquica de devolução dos valores que o segurado recebeu enquanto vigente sua aposentadoria por invalidez. - Precedentes do C. Superior Tribunal de Justiça. - Negado provimento ao recurso de apelação da autarquia previdenciária. (TRF 3ª Região, SÉTIMA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2214699 - 0000109-65.2014.4.03.6123, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS, julgado em 05/07/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:18/07/2017 )


Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 19/07/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000109-65.2014.4.03.6123/SP
2014.61.23.000109-9/SP
RELATOR:Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE:Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
APELADO(A):GENTIL DONIZETI DOS SANTOS
ADVOGADO:SP190807 VANESSA FRANCO SALEMA e outro(a)
No. ORIG.:00001096520144036123 1 Vr BRAGANCA PAULISTA/SP

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO. SEGURADO (CEGO DE NASCENÇA E ANALFABETO) TITULAR DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ QUE SE EMPREGA FORMALMENTE NO MERCADO DE TRABALHO. CANCELAMENTO ADMINISTRATIVO DO BENEFÍCIO. DESNECESSIDADE DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO DOS VALORES PERCEBIDOS ENQUANTO VIGENTE A PRESTAÇÃO PREVIDENCIÁRIA ANTE A MANIFESTA BOA-FÉ DO SEGURADO DEMONSTRADA NOS AUTOS.
- As provas constantes dos autos demonstram a efetiva e manifesta boa-fé da parte autora (cega de nascença e que era aposentada por invalidez), que, ao se ativar formalmente junto ao mercado de trabalho, viu cassada sua prestação previdenciária e obrigada a ressarcir ao erário os valores que indevidamente havia percebido.
- Justamente pelo fato de ser analfabeta e ter buscado emprego formal em uma sociedade em que normalmente as agruras de sua cegueira e de sua condição pessoal falariam mais alto em seu desfavor (donde se conclui pela formação hígida de seu caráter), caracterizada encontra-se a boa-fé da parte autora, o que tem o condão de obstar a pretensão autárquica de devolução dos valores que o segurado recebeu enquanto vigente sua aposentadoria por invalidez.
- Precedentes do C. Superior Tribunal de Justiça.
- Negado provimento ao recurso de apelação da autarquia previdenciária.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO ao recurso de apelação da autarquia previdenciária, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 05 de julho de 2017.
Fausto De Sanctis
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): FAUSTO MARTIN DE SANCTIS:66
Nº de Série do Certificado: 62312D6500C7A72E
Data e Hora: 05/07/2017 16:42:46



APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000109-65.2014.4.03.6123/SP
2014.61.23.000109-9/SP
RELATOR:Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE:Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
APELADO(A):GENTIL DONIZETI DOS SANTOS
ADVOGADO:SP190807 VANESSA FRANCO SALEMA e outro(a)
No. ORIG.:00001096520144036123 1 Vr BRAGANCA PAULISTA/SP

RELATÓRIO

O Senhor Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS:


Trata-se de apelação interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS (fls. 163/175) em face da r. sentença (fls. 156/158) que julgou procedente pedido para declarar a inexigibilidade do crédito de R$ 48.996,52 (quarenta e oito mil, novecentos e noventa e seis reais e cinquenta e dois centavos), atualizado até agosto/2013, correspondente ao valor pago pelo ente público à parte autora a título de aposentadoria por invalidez, posteriormente revogada, e, por conseguinte, extinguir a Execução Fiscal nº 0000107-66.2012.403.6123 (que objetivava sua cobrança), fixando verba honorária em 10% do valor da causa.


Sustente o ente previdenciário que a parte autora deve ser condenada a ressarcir o erário independentemente de sua boa ou má-fé, fundamentando seu pleito no art. 115, da Lei nº 8.213/91.


Subiram os autos com contrarrazões.


É o relatório.










VOTO

O Senhor Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS:


Primeiramente, recebo o recurso de apelação interposto pela autarquia previdenciária sob a égide da sistemática instituída pelo Código de Processo Civil de 2015 e, em razão de sua regularidade formal (atestada pela certidão de fls. 183), possível se mostra a apreciação da pretensão nele veiculada, o que passa a ser feito a partir de agora.


Trata-se de demanda ajuizada pela parte autora com o fito de que o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS seja obstado de cobrar o valor que percebeu a título de aposentadoria por invalidez de trabalhador rural sob o argumento de que não sabia que, ao ingressar no mercado de trabalho, impossível seria o recebimento de tal benefício - aduz ser analfabeta e que não teria sido informada (seja pela autarquia previdenciária, seja por seu empregador) de tal realidade jurídica consistente na impossibilidade de se acumular os ganhos decorrentes do exercício de atividade remunerada com o valor mensal de aposentadoria.


A r. sentença recorrida afastou a cobrança em tela sob o pálio de que a parte autora agiu de boa-fé na situação retratada nos autos, confirmando anterior tutela antecipada concedida, entendimento que reputo esteja consentâneo com a hipótese dos autos. Isso porque, analisando o conjunto fático-probatório constante dessa relação processual, depreende-se que a parte autora, cega desde nascença, não teve a oportunidade de ser alfabetizada nos termos em que sua condição exigiria (conforme informação extraída dos documentos de fls. 11, 26 e 107/108), donde se conclui a singeleza de sua cultura e o verdadeiro desconhecimento das normas jurídicas (por vezes de uma tecnitude que sequer o operador do Direito - com graduação e com pós-graduação - consegue extrair o comando legal nela previsto).


Em razão de seu problema de visão, a autarquia previdenciária concedeu à parte autora, a partir de 05/11/1982, o benefício nº 96.794.667-0 (aposentadoria por invalidez de trabalhador rural), ulteriormente cessado em 01/08/2007 (fls. 15, 41, 63/64, 114 e 130), em razão da própria parte autora ter requerido administrativamente a concessão de auxílio-doença. A situação descrita merece ser melhor explicada.


Com efeito, a despeito de titular de indicada aposentadoria, a parte autora concorreu a uma vaga no mercado de trabalho destinada a portadores de necessidades especiais, vindo a obter êxito em tal certame, motivo pelo qual restou contratada pela empresa TYCO ELECTRONICS em 02/01/2001 - destaque-se que tal contratação ocorreu dentro das regras formais de labor, vale dizer, mediante o registro do contrato em Carteira de Trabalho, com o recolhimento de exações previdenciárias e com o lançamento do vínculo junto ao CNIS (fls. 13/14, 15/21 e 28). Estando no curso de tal relação empregatícia, a parte autora viu-se na necessidade de pugnar pelo deferimento de auxílio-doença, oportunidade em que o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS constatou que, na constância da aposentadoria por invalidez, a parte autora tinha se empregado, restando, assim, indevido tal benefício desde o início do contrato de trabalho (conforme fls. 97 e 125/126), o que ensejou o ajuizamento da Execução Fiscal nº 0000107-66.2012.403.6123 (para cobrança do que foi pago indevidamente) e, como consequência, esta ação (que requer a declaração de inexigibilidade do débito).


No decorrer do processo administrativo instaurado pelo ente público para averiguar a irregularidade acima retratada, colheu-se declarações da parte autora (fls. 108v), oportunidade em que esta sustentou que "quando começou a trabalhar não sabia que não poderia trabalhar e então perder a sua aposentadoria por invalidez" e que, instada a escolher entre a inatividade ou o mercado de trabalho, "disse ainda que faz [faria] a opção por continuar na Tyco". Ressalte-se que tais declarações foram confirmadas em sede judicial por meio da colheita do depoimento pessoal da parte autora (fls. 146/147), quando esta reafirmou que não sabia que não podia trabalhar na constância do benefício previdenciário de que era detentora e que ninguém tinha avisado sobre tal situação (seja seu empregador, seja o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS).


Todos os fatos descritos me levam a entender pela correção do r. provimento judicial impugnado (conforme anteriormente já adiantado), o que o faço tendo em vista a boa-fé manifesta da parte autora em todos os acontecimentos retratados neste feito. Saliente-se, de início, o desejo e a força de vontade que a parte autora demonstrou ao procurar ocupação por meio de um trabalho digno e que fosse acolhedor de suas peculiares condições, não se contentando com a benesse estatal para sua sobrevivência - na verdade, o ato de procurar emprego, a despeito de sua cegueira desde o nascimento, demonstra cabalmente o espírito e a índole da pessoa, que, mesmo sabendo das inúmeras agruras que sua incapacidade impunha (e impõe), conseguiu uma colocação, o que vai ao encontro de um dos objetivos fundamentais de República Federativa do Brasil previsto no art. 3º, da Constituição Federal, qual seja, a erradicação da pobreza, o que somente pode ser levado a efeito com a valorização do trabalho (um dos fundamentos de nosso Estado, a teor do art. 1º, também do Texto Magno).


Sem prejuízo do exposto, o fato de a parte autora não se acomodar na vida (apesar de estar recebendo benefício estatal - aposentadoria) e buscar uma relação de trabalho formal (ou seja, registrada e que vertesse receita ao Estado por meio do recolhimento de tributos das mais variadas espécies, incluindo exações para o custeio da Seguridade Social) mostra que em momento algum foi seu objetivo escamotear, esconder ou afastar sua condição de empregado, empregado este que, no contexto anteriormente descrito (analfabeto e cego desde o nascedouro), quase que inexoravelmente se contentaria com a proteção estatal advinda dos valores percebidos mensalmente da autarquia previdenciária (dinheiro este creditado sem que fosse necessário qualquer esforço de sua parte) - entretanto, buscou uma colocação profissional (repita-se: mesmo com todas as suas limitações), colocação esta formal (frise-se: com registro em Carteira de Trabalho e arrecadadora de tributos), donde decorrer a plausibilidade de sua boa-fé, que encontra arrimo no fato de ser analfabeta e no caráter que demonstrou quando ouvida administrativa e judicialmente.


Diz-se do caráter da parte autora em relação ao fato de que, instada a manifestar seu desejo de permanecer na inatividade ou de continuar laborando, não titubeou em aduzir preferir as lides junto ao seu empregador (fls. 108v), o que faz com que se conclua a força moral e edificante que o trabalho opera naquele que o tem, o que não seria diferente com a parte autora. Possuir uma colocação no mercado de trabalho (sempre por demais concorrido e desafiador) permite ao ser humano trilhar sua vida com dignidade, de modo que tal circunstância não pode impor àquele que está de boa-fé o dever de ressarcir ao erário importância que percebeu ao longo do período em que vigeu sua aposentadoria por invalidez em concomitância do emprego formal que conseguiu arrumar (apesar de suas limitações) e sem possuir o conhecimento (porque analfabeto) de que tal prática seria defesa pelo ordenamento jurídico.


Entendo pertinente, ademais, trazer a colação o que restou assentado pelo C. Ministério Público Federal (órgão que, dentre suas atribuições, possui o dever de zelar pelo patrimônio público e até mesmo propor ação penal em crimes que maculem tal interesse) quando da análise dos fatos debatidos nestes autos (fls. 153):


"De acordo com o apurado, tem-se que o contrato de labor do autor, desde quando iniciado, fora devidamente registrado em sua carteira de trabalho (fls. 26/35), assim como no CNIS Cidadão (extrato à fl. 06), não havendo que se falar, portanto, em intenção, de sua parte, em esconder o vínculo empregatício. Ademais, sabe-se que o réu apenas tomou conhecimento do labor do autor em virtude deste ingressar com requerimento para concessão de auxílio-doença, fato este que, somado ao disposto no paragrafo acima, evidencia a ignorância do autor quanto à incompatibilidade entre a aposentadoria por invalidez e o exercício de qualquer atividade laboral. (...) Desta feita, considerando todo o acima exposto e o grau de instrução do autor (analfabeto), não restam dúvidas de que agiu de boa-fé ao perceber a aposentadoria por invalidez enquanto exercia atividade profissional".

Por todo o exposto, nítido nos autos que a parte autora agiu de boa-fé, o que implica concluir que ela não necessita ressarcir ao erário aquilo que percebeu enquanto vigente sua aposentadoria por invalidez, razão pela qual declaro inexigível a importância em cobro nos autos da Execução Fiscal nº 0000107-66.2012.403.6123.


Destaque-se que o posicionamento ora exposto encontra o beneplácito da jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça, que somente impõe o dever de ressarcir os valores indevidamente percebidos se constatada a má-fé daquele que recebeu - a contrário senso, se presente a boa-fé do segurado, desnecessária a condenação vindicada pela autarquia previdenciária nesta demanda - nesse sentido: AgRg no REsp 1084292/PB, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (Desembargador Convocado do TJ/RS), SEXTA TURMA, julgado em 25/10/2011, DJe 21/11/2011; AgRg no Ag 1341849/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 02/12/2010, DJe 17/12/2010; AgRg no Ag 1318361/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 23/11/2010, DJe 13/12/2010; e AgRg no REsp 413.977/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 19/02/2009, DJe 16/03/2009.


Consigne-se, por fim, que o entendimento aplicado neste caso concreto não ofende nem afasta a aplicação do art. 115, da Lei nº 8.213/91, na justa medida em que apenas interpreta o preceito a fim de perquirir o real alcance da norma.


Sucumbente, deve o INSS arcar com os honorários advocatícios, fixados no percentual de 12% (doze por cento), calculados sobre o valor da causa.


DISPOSITIVO


Ante o exposto, voto por NEGAR PROVIMENTO ao recurso de apelação da autarquia previdenciária, nos termos anteriormente expendidos.



Fausto De Sanctis
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): FAUSTO MARTIN DE SANCTIS:66
Nº de Série do Certificado: 62312D6500C7A72E
Data e Hora: 05/07/2017 16:42:43



O Prev já ajudou mais de 140 mil advogados em todo o Brasil.Faça cálculos ilimitados e utilize quantas petições quiser!

Experimente agora