
| D.E. Publicado em 18/03/2019 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0004837-45.2015.4.03.6114/SP
RELATÓRIO
O Senhor Desembargador Federal TORU YAMAMOTO:
Trata-se de ação de ressarcimento ao erário ajuizada pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS em face de Hebert Carvalho Miranda, objetivando a condenação do réu à restituição da importância de R$27.615,38 (vinte e sete mil, seiscentos e quinze reais e trinta e oito centavos) relativa ao recebimento indevido de benefício assistencial - LOAS (NB 103.554.959-7) no período de 01/07/2007 a 22/08/2011.
A r. sentença julgou procedente o pedido, para condenar o réu a ressarcir ao Erário a quantia de R$27.615,38 (vinte e sete mil, seiscentos e quinze reais e trinta e oito centavos), valor atualizado até o dia 02/2013, acrescido de correção monetária e juros moratórios. Condenou, ainda, ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa.
Irresignada, a parte autora apela, requerendo, preliminarmente, a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita e, no mérito, arguiu o recebimento do benefício de boa-fé e a impossibilidade de restituição das verbas cuja natureza é alimentar. Requer a reforma da sentença, com o julgamento improcedente da demanda.
Com as contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte.
É o relatório.
VOTO
O Senhor Desembargador Federal TORO YAMAMOTO:
De inicio, concedo os benefícios da justiça gratuita, tendo em vista a juntada de declaração de hipossuficiência e cópias das declarações IRPF e CTPS (fls. 168/172 e 175/181).
Passo ao exame do mérito.
Trata-se de ação de ressarcimento ao erário ajuizada pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS em face de Hebert Carvalho Miranda, objetivando a condenação do réu à restituição da importância de R$27.615,38 (vinte e sete mil, seiscentos e quinze reais e trinta oito centavos) relativa ao recebimento indevido de benefício assistencial - LOAS (NB 103.554.959-7) no período de 01/07/2007 a 22/08/2011.
De início, ressalto que a Administração, em atenção ao princípio da legalidade, pode e deve anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornem ilegais, vez que ela tem o poder-dever de zelar pela sua observância. Tal anulação independe de provocação do interessado. Nesse sentido a posição jurisprudencial do C. STF, expressa nas Súmulas 346 e 473, com o seguinte teor:
Súmula 346: A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos. |
Súmula 473: A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial. |
Entretanto, a anulação do ato administrativo, quando afete interesses ou direitos de terceiros, por força do artigo 5º, LV, da CR/88, deve observar os princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, notadamente aqueles que culminam na suspensão ou cancelamento dos benefícios previdenciários, por repercutir no âmbito dos interesses individuais do segurado.
Nesse sentido a orientação do C. Superior Tribunal de Justiça:
"ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO AGRAVADA. FUNDAMENTO NÃO IMPUGNADO. SÚMULA 182/STJ. INCIDÊNCIA. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. IRREGULARIDADES NO ATO DE CONCESSÃO. REDUÇÃO DO BENEFÍCIO. VIOLAÇÃO DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. JULGAMENTO DE ACORDO COM A PROVA DOS AUTOS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. |
1. A decisão agravada negou provimento ao agravo em recurso especial em face da Súmula 284 do Supremo Tribunal Federal, por considerar que a alegada ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil se fez de forma genérica, sem a exata demonstração dos pontos que deixaram de ser examinados pelo Tribunal de origem. No ponto, a ausência de impugnação de tais fundamentos atrai a incidência da Súmula 182/STJ. |
2. No tocante à possibilidade de a Administração anular seus próprios atos quando considerados ilegais, o Tribunal de origem decidiu a controvérsia conforme entendimento desta Corte de Justiça no sentido de que o cancelamento, suspensão ou redução de proventos de aposentadoria deve observar o contraditório e a ampla defesa, e só poderá ocorrer após o esgotamento da via recursal administrativa. |
3. O acórdão recorrido é expresso ao assinalar, com alicerce nas provas coligidas aos autos, que os benefícios das servidoras "foram reduzidos sem a instauração de um processo administrativo, por meio de ato unilateral, o que configura ofensa ao princípio do devido processo legal". |
4. A inversão do julgado demandaria a apreciação dos fatos e provas constantes do processo para a verificação da observância do devido processo legal na redução dos proventos de aposentadoria, o que é vedado em sede de recurso especial, a teor do disposto na Súmula 7/STJ. |
5. Agravo regimental a que se nega provimento." |
(AgRg no AREsp 42574 / RR - Min. OG FERNANDES - Segunda Turma - J. 22/10/2013 - DJe 13/11/2013). |
"AGRAVO REGIMENTAL. PREVIDENCIÁRIO. OFENSA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA AMPLA DEFESA. ACÓRDÃO COM FUNDAMENTO EMINENTEMENTE CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO NA VIA ELEITA. ANÁLISE DA LEGALIDADE DE ATO ADMINISTRATIVO QUE DETERMINOU A SUSPENSÃO DO BENEFÍCIO. MATÉRIA DE FATO. SÚMULA 7/STJ. |
1. A questão trazida no presente especial, não obstante a afirmação de infringência de dispositivos infraconstitucionais por parte do recorrente, foi dirimida pelo Tribunal de origem com base em fundamento de natureza eminentemente constitucional, circunstância que inviabiliza o exame da matéria em recurso especial, instrumento processual que se destina a garantir a autoridade e aplicação uniforme da legislação federal. |
2. Ainda que ultrapassado o óbice acima apontado, é firme a jurisprudência desta Corte, segundo a qual a suspensão de benefício previdenciário deve observar o contraditório e a ampla defesa, e só poderá ocorrer após o esgotamento da via administrativa. |
3. Ademais, os argumentos utilizados para fundamentar a pretensão trazida no recurso obstado, que afirmam ter sido respeitado o devido processo legal na suspensão do benefício, somente poderiam ter sua procedência verificada mediante o reexame de matéria fática, não cabendo a esta Corte, a fim de alcançar conclusão diversa da estampada no acórdão recorrido, reavaliar o conjunto probatório, o que é vedado pela Súmula nº 7 do Superior Tribunal de Justiça. |
4. Agravo regimental a que se nega provimento." |
(AgRg no AREsp 92215 / AL - Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE - Quinta Turma - J. 21/05/2013 - DJe 29/05/2013). |
In casu, consoante documentos de fls. 22/107, o INSS constatou que o réu recebeu benefício assistencial - LOAS (NB 103.554.959-7) no período de 07/2007 a 22/08/2011 concomitantemente ao recebimento de salários por suas empregadoras (destaque f. 25).
Nesse sentido, ressalvo que os requisitos (independentes de carência ou contribuição, por força do art. 203, caput, do ordenamento constitucional vigente) a serem observados para a concessão do benefício assistencial são os previstos no art. 203, V, da Constituição Federal, versado na Lei n. 8.742/1993. Por força desses diplomas, a concessão do benefício de prestação continuada depende de, cumulativamente: a) idade igual ou superior a 65 anos (art. 34 da Lei 10.741/2003) ou invalidez para o exercício de atividade remunerada (comprovada mediante exame pericial); b) não ter outro meio de prover o próprio sustento; c) família (ou pessoa de quem dependa obrigatoriamente, desde que vivam sob o mesmo teto) impossibilitada de promover o sustento do requerente, devendo apresentar renda mensal per capita não superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. A ausência de prova de qualquer um dos requisitos implica o indeferimento do pleito.
Logo, o réu detinha conhecimento de que seu retorno ao trabalho cessaria o pagamento do benefício recebido, eis que ausente um dos requisitos necessários para sua manutenção, qual seja, a incapacidade para o trabalho.
Dessa forma, constatando o INSS que durante o período de mais de 07/2007 a 22/08/2011 o réu exerceu trabalho concomitante ao recebimento do benefício assistencial - LOAS, restou constatada a irregularidade no ato da autarquia em manter a concessão do benefício, fazendo jus à restituição dos valores pagos indevidamente ao segurado, de uma só vez, posto que comprovada a má-fé.
Ademais, não há que se falar em inconstitucionalidade ou ilegalidade na cobrança destes atrasados, vez que o recebimento indevido de benefício previdenciário deve ser ressarcido, independentemente de boa fé no seu recebimento ou se advindo de erro da administração, conforme prevê o disposto no art. 115 da lei 8.213/91, bem como do princípio da indisponibilidade do património público, legalidade da administração e equilíbrio financeiro da Previdência Social.
No entanto, a existência (ou não) de obrigação de devolver os valores recebidos decorrentes de benefício cassado ou pago a maior, há jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça no sentido de que somente não haveria de ser determinada a devolução se efetivamente constatado erro administrativo, situação que denotaria a presença de boa-fé do segurado - nesse sentido:
"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA ALTERAR A DECISÃO AGRAVADA. BENEFÍCIO PAGO A MAIOR. ERRO ADMINISTRATIVO. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ. NATUREZA ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO INDEVIDA. EXAME DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. DESCABIMENTO. (...) 2. Em face do caráter social das demandas de natureza previdenciária, associada à presença da boa-fé do beneficiário, afasta-se a devolução de parcelas pagas a maior, mormente na hipótese de erro administrativo. Precedentes. (...)" (AgRg no REsp 1084292/PB, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), SEXTA TURMA, julgado em 25/10/2011, DJe 21/11/2011). |
"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESTITUIÇÃO DE PARCELAS PREVIDENCIÁRIAS. VERBA DE NATUREZA ALIMENTAR RECEBIDA DE BOA-FÉ PELA PARTE SEGURADA. IRREPETIBILIDADE. 1. Na forma dos precedentes desta Corte, incabível a restituição de valores indevidamente recebidos por força de erro no cálculo, quando presente a boa-fé do segurado. 2. Somado a tal condição, há de ser considerado que as vantagens percebidas pelo segurado possuem natureza alimentar, pelo que se afigura a irrepetibilidade desses importes. 3. Agravo regimental a que se nega provimento" (AgRg no Ag 1341849/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 02/12/2010, DJe 17/12/2010). |
"PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO PAGO A MAIOR. ERRO ADMINISTRATIVO. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ. NATUREZA ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO INDEVIDA. 1. Em face do caráter social das demandas de natureza previdenciária, associada à presença da boa-fé do beneficiário, afasta-se a devolução de parcelas pagas a maior, mormente na hipótese de erro administrativo. 2. Agravo regimental improvido" (AgRg no Ag 1318361/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 23/11/2010, DJe 13/12/2010). |
"AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA RURAL CASSADA. RESTITUIÇÃO DE PARCELAS PREVIDENCIÁRIAS PAGAS ADMINISTRATIVAMENTE. VERBA ALIMENTAR RECEBIDA DE BOA FÉ PELA SEGURADA. 1- Não há a violação ao art. 130, § único da Lei nº 8.213/91, pois esse dispositivo exonera o beneficiário da previdência social de restituir os valores recebidos por força da liquidação condicionada, não guardando, pois, exata congruência com a questão tratada nos autos. 2- O art. 115 da Lei nº 8.213/91, que regulamenta a hipótese de desconto administrativo, sem necessária autorização judicial, nos casos em que a concessão a maior se deu por ato administrativo do Instituto agravante, não se aplica às situações em que o segurado é receptor de boa-fé, o que, conforme documentos acostados aos presentes autos, se amolda ao vertente caso. Precedentes. 3- Agravo regimental a que se nega provimento" (AgRg no REsp 413.977/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 19/02/2009, DJe 16/03/2009). |
Porém, na espécie, uma vez que não restou caracterizado erro administrativo (e, portanto, boa-fé da parte autora), mas sim efetiva má-fé (recebimento de beneficio assistencial - LOAS enquanto exercia trabalho), os valores recebidos de forma indevida pelo réu devem ser devolvidos ao erário.
Ante ao exposto, nego provimento à apelação da ré, nos termos da fundamentação.
É COMO VOTO.
TORU YAMAMOTO
Desembargador Federal
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | TORU YAMAMOTO:10070 |
| Nº de Série do Certificado: | 11A21705023FBA4D |
| Data e Hora: | 11/03/2019 18:15:07 |
