
| D.E. Publicado em 23/11/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a matéria preliminar e, no mérito, negar provimento à apelação da ré, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002268-80.2015.4.03.6111/SP
RELATÓRIO
O Senhor Desembargador Federal TORU YAMAMOTO:
Trata-se de ação de ressarcimento ao erário ajuizada pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS em face de Silvana Gera Gonzáles Fontana, objetivando a condenação da ré à restituição da importância de R$18.027,05 (dezoito mil, vinte e sete reais e cinco centavos) relativa ao recebimento indevido de auxílio-doença (NB 502.608.542-1) no período de 01/02/2013 a 31/03/2014.
A r. sentença julgou procedente o pedido, para condenar a ré ressarcir ao Erário a quantia de R$18.027,05 (dezoito mil, vinte e sete reais e cinco centavos), valor atualizado até o dia 26/05/2014, acrescido de atualização. Condenou, ainda, ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa.
Irresignada, a autora apela, requerendo, preliminarmente, a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita e o reconhecimento da coisa julgada. No mérito, arguiu o recebimento do benefício de boa-fé e a impossibilidade de restituição das verbas cuja natureza é alimentar. Requer a reforma da sentença, com o julgamento improcedente da demanda.
Com as contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte.
É o relatório.
VOTO
O Senhor Desembargador Federal TORO YAMAMOTO:
De inicio, concedo os benefícios da justiça gratuita, tendo em vista a juntada de declaração de hipossuficiência (fls. 156).
Ainda, inicialmente, rejeito o pedido de reconhecimento de coisa julgada, uma vez que a presente demanda tem por objeto a restituição de valor relativo ao recebimento indevido do benefício de auxílio-doença NB 502.608.542-1 no período de 01/02/2013 a 31/03/2014, pois, em decorrência de reavaliação médica administrativa da segurada, além de ser declarada apta ao trabalho, também foi constatado o recebimento concomitante de remuneração de sua empregadora.
Já os autos do processo 2006.61.11.0031341, que tramitou perante a 2ª Vara Federal de Marília, o objeto da demanda foi à discussão acerca da incapacidade laborativa da ré para o restabelecimento do benefício de auxílio-doença no intervalo de 14/10/2005 a 02/05/2007.
Logo, tendo em vista que o benefício de auxílio-doença é precário, uma vez que a própria legislação previdenciária determinar ao INSS que verifique a incapacidade laborativa do segurado periodicamente para a manutenção do benefício, constata-se que o objeto das demandas são diversos, sendo que na presente ação o pedido cinge-se a período posterior ao analisado naqueles autos, bem como a causa de pedir baseia-se não na condição da capacidade laborativa da ré, mas por ela ter voltado a receber salário de sua empregadora concomitantemente com o recebimento do auxílio-doença.
Portanto, não há que se falar em ocorrência de coisa julgada.
Passo ao exame do mérito.
Trata-se de ação de ressarcimento ao erário causa ajuizada pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS em face de Silvana Gera Gonzáles Fontana, objetivando a condenação da ré ao pagamento de valores recebidos indevidamente a título de auxílio-doença, tendo em vista o recebimento concomitante de salário da empregadora no período de 01/02/2013 a 31/03/2014.
De início, ressalto que a Administração, em atenção ao princípio da legalidade, pode e deve anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornem ilegais, vez que ela tem o poder-dever de zelar pela sua observância. Tal anulação independe de provocação do interessado. Nesse sentido a posição jurisprudencial do C. STF, expressa nas Súmulas 346 e 473, com o seguinte teor:
Súmula 346: A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos. |
Súmula 473: A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial. |
Entretanto, a anulação do ato administrativo, quando afete interesses ou direitos de terceiros, por força do artigo 5º, LV, da CR/88, deve observar os princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, notadamente aqueles que culminam na suspensão ou cancelamento dos benefícios previdenciários, por repercutir no âmbito dos interesses individuais do segurado.
Nesse sentido a orientação do C. Superior Tribunal de Justiça:
"ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO AGRAVADA. FUNDAMENTO NÃO IMPUGNADO. SÚMULA 182/STJ. INCIDÊNCIA. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. IRREGULARIDADES NO ATO DE CONCESSÃO. REDUÇÃO DO BENEFÍCIO. VIOLAÇÃO DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. JULGAMENTO DE ACORDO COM A PROVA DOS AUTOS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. |
1. A decisão agravada negou provimento ao agravo em recurso especial em face da Súmula 284 do Supremo Tribunal Federal, por considerar que a alegada ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil se fez de forma genérica, sem a exata demonstração dos pontos que deixaram de ser examinados pelo Tribunal de origem. No ponto, a ausência de impugnação de tais fundamentos atrai a incidência da Súmula 182/STJ. |
2. No tocante à possibilidade de a Administração anular seus próprios atos quando considerados ilegais, o Tribunal de origem decidiu a controvérsia conforme entendimento desta Corte de Justiça no sentido de que o cancelamento, suspensão ou redução de proventos de aposentadoria deve observar o contraditório e a ampla defesa, e só poderá ocorrer após o esgotamento da via recursal administrativa. |
3. O acórdão recorrido é expresso ao assinalar, com alicerce nas provas coligidas aos autos, que os benefícios das servidoras "foram reduzidos sem a instauração de um processo administrativo, por meio de ato unilateral, o que configura ofensa ao princípio do devido processo legal". |
4. A inversão do julgado demandaria a apreciação dos fatos e provas constantes do processo para a verificação da observância do devido processo legal na redução dos proventos de aposentadoria, o que é vedado em sede de recurso especial, a teor do disposto na Súmula 7/STJ. |
5. Agravo regimental a que se nega provimento." |
(AgRg no AREsp 42574 / RR - Min. OG FERNANDES - Segunda Turma - J. 22/10/2013 - DJe 13/11/2013). |
"AGRAVO REGIMENTAL. PREVIDENCIÁRIO. OFENSA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA AMPLA DEFESA. ACÓRDÃO COM FUNDAMENTO EMINENTEMENTE CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO NA VIA ELEITA. ANÁLISE DA LEGALIDADE DE ATO ADMINISTRATIVO QUE DETERMINOU A SUSPENSÃO DO BENEFÍCIO. MATÉRIA DE FATO. SÚMULA 7/STJ. |
1. A questão trazida no presente especial, não obstante a afirmação de infringência de dispositivos infraconstitucionais por parte do recorrente, foi dirimida pelo Tribunal de origem com base em fundamento de natureza eminentemente constitucional, circunstância que inviabiliza o exame da matéria em recurso especial, instrumento processual que se destina a garantir a autoridade e aplicação uniforme da legislação federal. |
2. Ainda que ultrapassado o óbice acima apontado, é firme a jurisprudência desta Corte, segundo a qual a suspensão de benefício previdenciário deve observar o contraditório e a ampla defesa, e só poderá ocorrer após o esgotamento da via administrativa. |
3. Ademais, os argumentos utilizados para fundamentar a pretensão trazida no recurso obstado, que afirmam ter sido respeitado o devido processo legal na suspensão do benefício, somente poderiam ter sua procedência verificada mediante o reexame de matéria fática, não cabendo a esta Corte, a fim de alcançar conclusão diversa da estampada no acórdão recorrido, reavaliar o conjunto probatório, o que é vedado pela Súmula nº 7 do Superior Tribunal de Justiça. |
4. Agravo regimental a que se nega provimento." |
(AgRg no AREsp 92215 / AL - Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE - Quinta Turma - J. 21/05/2013 - DJe 29/05/2013). |
In casu, consoante documentos de fls. 19/112, o INSS constatou que a ré recebeu auxílio-doença (NB 502.608.542-1) no período de 01/02/2013 a 31/03/2014 concomitantemente ao recebimento de salário por sua empregadora (destaque f. 84/7).
Como se observa, a concessão da aposentadoria por invalidez reclama que o beneficiário seja segurado da Previdência Social, tenha cumprido o período de carência de 12 (doze) contribuições, e esteja incapacitado, total e definitivamente, ao trabalho (art. 201, I, da CR/88 e art. 18, I, "a"; 25, I, e 42 da Lei nº 8.213/91). Idênticos requisitos são exigidos à outorga de auxílio-doença, cuja diferença centra-se na duração da incapacidade (arts. 25, I, e 59 da Lei nº 8.213/91).
Logo, a ré detinha conhecimento de que seu retorno ao trabalho cessaria o pagamento do benefício recebido, eis que ausente um dos requisitos necessários para sua manutenção, qual seja, a incapacidade para o trabalho.
Dessa forma, constatando o INSS que durante o período de mais de 01/02/2013 a 31/03/2014 a ré exerceu trabalho concomitante ao recebimento do benefício de auxílio-doença, restou constatada a irregularidade no ato da autarquia em manter a concessão do benefício, fazendo jus à restituição dos valores pagos indevidamente à segurada, de uma só vez, posto que comprovada a má-fé.
Ademais, não há que se falar em inconstitucionalidade ou ilegalidade na cobrança destes atrasados, vez que o recebimento indevido de benefício previdenciário deve ser ressarcido, independentemente de boa fé no seu recebimento ou se advindo de erro da administração, conforme prevê o disposto no art. 115 da lei 8.213/91, bem como do princípio da indisponibilidade do património público, legalidade da administração e equilíbrio financeiro da Previdência Social.
No entanto, a existência (ou não) de obrigação de devolver os valores recebidos decorrentes de benefício cassado ou pago a maior, há jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça no sentido de que somente não haveria de ser determinada a devolução se efetivamente constatado erro administrativo, situação que denotaria a presença de boa-fé do segurado - nesse sentido:
"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA ALTERAR A DECISÃO AGRAVADA. BENEFÍCIO PAGO A MAIOR. ERRO ADMINISTRATIVO. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ. NATUREZA ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO INDEVIDA. EXAME DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. DESCABIMENTO. (...) 2. Em face do caráter social das demandas de natureza previdenciária, associada à presença da boa-fé do beneficiário, afasta-se a devolução de parcelas pagas a maior, mormente na hipótese de erro administrativo. Precedentes. (...)" (AgRg no REsp 1084292/PB, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), SEXTA TURMA, julgado em 25/10/2011, DJe 21/11/2011). |
"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESTITUIÇÃO DE PARCELAS PREVIDENCIÁRIAS. VERBA DE NATUREZA ALIMENTAR RECEBIDA DE BOA-FÉ PELA PARTE SEGURADA. IRREPETIBILIDADE. 1. Na forma dos precedentes desta Corte, incabível a restituição de valores indevidamente recebidos por força de erro no cálculo, quando presente a boa-fé do segurado. 2. Somado a tal condição, há de ser considerado que as vantagens percebidas pelo segurado possuem natureza alimentar, pelo que se afigura a irrepetibilidade desses importes. 3. Agravo regimental a que se nega provimento" (AgRg no Ag 1341849/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 02/12/2010, DJe 17/12/2010). |
"PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO PAGO A MAIOR. ERRO ADMINISTRATIVO. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ. NATUREZA ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO INDEVIDA. 1. Em face do caráter social das demandas de natureza previdenciária, associada à presença da boa-fé do beneficiário, afasta-se a devolução de parcelas pagas a maior, mormente na hipótese de erro administrativo. 2. Agravo regimental improvido" (AgRg no Ag 1318361/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 23/11/2010, DJe 13/12/2010). |
"AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA RURAL CASSADA. RESTITUIÇÃO DE PARCELAS PREVIDENCIÁRIAS PAGAS ADMINISTRATIVAMENTE. VERBA ALIMENTAR RECEBIDA DE BOA FÉ PELA SEGURADA. 1- Não há a violação ao art. 130, § único da Lei nº 8.213/91, pois esse dispositivo exonera o beneficiário da previdência social de restituir os valores recebidos por força da liquidação condicionada, não guardando, pois, exata congruência com a questão tratada nos autos. 2- O art. 115 da Lei nº 8.213/91, que regulamenta a hipótese de desconto administrativo, sem necessária autorização judicial, nos casos em que a concessão a maior se deu por ato administrativo do Instituto agravante, não se aplica às situações em que o segurado é receptor de boa-fé, o que, conforme documentos acostados aos presentes autos, se amolda ao vertente caso. Precedentes. 3- Agravo regimental a que se nega provimento" (AgRg no REsp 413.977/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 19/02/2009, DJe 16/03/2009). |
Porém, na espécie, uma vez que não restou caracterizado erro administrativo (e, portanto, boa-fé da parte autora), mas sim efetiva má-fé (recebimento de beneficio enquanto exercia trabalho), os valores recebidos de forma indevida pela ré devem ser devolvidos ao erário.
Ante ao exposto, rejeito a matéria preliminar arguida e, no mérito, nego provimento à apelação da ré, nos termos da fundamentação.
É COMO VOTO.
TORU YAMAMOTO
Desembargador Federal
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | TORU YAMAMOTO:10070 |
| Nº de Série do Certificado: | 11A21705023FBA4D |
| Data e Hora: | 13/11/2018 16:24:12 |
