D.E. Publicado em 04/03/2015 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao apelo da autoria, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Juiz Federal Convocado
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0017570-61.2010.4.03.6100/SP
VOTO
Senhores Desembargadores, trata-se de ação de indenização, na qual se busca ressarcimento por danos morais, ocasionados em virtude de indevida cessação de benefício previdenciário, no caso, auxílio acidente.
Inicialmente, rejeita-se o alegado cerceamento de defesa.
Com efeito, o despacho determinando a especificação de provas, assinalou que, na eventualidade de requerer-se prova pericial, os quesitos deveriam ser apresentados para análise da pertinência de sua realização (fls. 66).
A autora manifestou-se singelamente às fls. 69, informando pretensão na realização de prova pericial e, se necessário, testemunhal. Ocorre que sua petição foi protocolada a destempo, quando já decorrido o prazo legal, de sorte que sequer deve ser conhecida.
Ademais, ainda assim sobreveio decisão que indeferiu as provas, nos termos do art. 420, parágrafo único, II, do Código de Processo Civil, e, devidamente intimada, não houve irresignação por parte da autoria, donde que novamente preclusa a oportunidade.
A inércia da autora, não atendendo aos prazos legais nem insistindo na perícia técnica, revela mera discordância da interpretação conferida pelo juízo à prova.
No mérito, a r. sentença deve ser mantida.
Como sabido, a responsabilidade civil consiste na obrigação imposta a alguém de ressarcir os danos sofridos por outrem, podendo ser contratual ou extracontratual, subjetiva ou objetiva e os pressupostos clássicos da responsabilidade civil extracontratual, também chamada de aquiliana, a teor do artigo 159 do caduco Código Civil, e art's. 186 e 927 do atual, consubstanciam-se na ação ou omissão do agente, culpa, em uma de suas três vertentes (negligência, imprudência ou imperícia), relação de causalidade e dano experimentado pela vítima.
Ocorridos todos esses requisitos, nasce ao causador do evento a obrigação de ressarcir in totum os danos sofridos pelo lesado. De fato, tal responsabilidade somente poderá ser excluída quando houver ausência de nexo da causalidade, culpa exclusiva da vítima, legítima defesa, fato exclusivo de terceiro, caso fortuito ou força maior.
Aliás, neste sentido esclarecedora a lição de Rui Stoco, citando Carlos Alberto Bittar, confira-se:
"Preleciona Carlos Alberto Bittar que "o ser humano, porque dotado de liberdade de escolha e de discernimento, deve responder por seus atos. A liberdade e a racionalidade, que compõem a sua essência, trazem-lhe, em contraponto, a responsabilidade por suas ações ou omissões, no âmbito do direito, ou seja, a responsabilidade é corolário da liberdade e da racionalidade.
.........omissis..........
Assim sendo, para que haja ato ilícito, necessária se faz a conjugação dos seguintes fatores: a existência de uma ação; a violação da ordem jurídica; a imputabilidade; a penetração na esfera de outrem.
Desse modo, deve haver um comportamento do agente, positivo (ação) ou negativo (omissão), que, desrespeitando a ordem jurídica, causa prejuízo a outrem, pela ofensa a bem ou a direito deste. Esse comportamento (comissivo ou omissivo) deve ser imputável à consciência do agente, por dolo (intenção) ou por culpa (negligência, imprudência ou imperícia), contrariando, seja um dever geral do ordenamento jurídico (delito civil), seja uma obrigação em concreto (inexecução da obrigação ou de contrato).
Esse comportamento gera, para o autor, a responsabilidade civil, que traz, como consequência, imputação do resultado à sua consciência, traduzindo-se, na prática, pela reparação do dano ocasionado, conseguida, normalmente, pela sujeição do patrimônio do agente, salvo quando possível a execução específica. Por outras palavras, é o ilícito figurando como fonte geradora de responsabilidade.
(...). (Carlos Alberto Bittar, Responsabilidade civil nas atividades perigosas, in Responsabilidade Civil - Doutrina e Jurisprudência, Ed. Saraiva, S. Paulo. 2ª edição, 1998, coordenação de Yussef Said Cahali, p. 93-95).
(...)."
(Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial, Ed. Revista dos Tribunais, 4ª edição, 1999, p. 63/64).
Também admitido pela Corte Maior a indenização por dano moral decorrente de ato das pessoas jurídicas de direito público e de direito privado prestadoras de serviço público (CF: art. 37), em face do acolhimento da teoria da responsabilidade objetiva destes entes com base no risco administrativo, o que permite certo abrandamento se houver prova de que a vítima concorreu para o evento danoso. Veja-se RE 179.147/SP, Min. Rel. Carlos Velloso, DJ de 27.02.98, pg. 18.
Dentro desse quadro, não constatada a ocorrência do nexo causal entre a conduta do INSS e os alegados danos morais sofridos pela autora.
A autora alega na inicial que recebeu alta da perícia médica do INSS em fevereiro de 2008, quando ainda sentia dores e havia recomendação de seu médico para permanecer afastada. Após essa data, voltou a trabalhar. Em novembro de 2008, em consequência do agravamento da lesão, submeteu-se a uma raspagem no tornozelo e permaneceu afastada por 15 dias. Em fevereiro de 2009 sofreu outra intervenção, certo que gozou o benefício até maio de 2010. Foi informada de que o osso do tornozelo está se desgastando e afinando em consequência do retorno prematuro ao trabalho e cujas consequências tem acarretado consideráveis transtornos morais.
O exame da documentação carreada para os autos revela que concedido o auxílio acidentário de 06.10.07 até 10.12.07 e, posteriormente, prorrogado até 27.02.08, data da alta programada. Formulado pedido de reconsideração em 28.02.08, foi indeferido, após a realização de nova perícia, na qual não constatada incapacidade laborativa.
Contemporâneo a tal período, consta apenas um RX de tornozelo direito, realizado na clínica Medicina Diagnóstica Delboni Auriemo, em 03.03.08, que relata osteossíntese metálica na fíbula distal; parafuso cirúrgico na projeção da tíbia distal; demais estruturas ósseas com morfologia conservada; redução difusa da densidade óssea; espaços articulares sem reduções expressivas (fls. 21).
A par da inexistência de anormalidades no exame, não foi carreada qualquer recomendação médica do ortopedista responsável pela cirurgia no sentido da necessidade de afastamento do paciente de suas atividades laborativas.
Também não consta documentação comprovando raspagem para colher material em novembro de 2008, como afirmado na inicial.
Em janeiro de 2009, a autora procurou os serviços da clínica Ortocity, conforme receita médica de fls. 46. O tratamento prosseguiu com indicação para retirada de material, cujo relatório informa Início dos sintomas: 14/02/2009; Início do tratamento: 14/02/2009; Evolução e conduta detalhada do quadro atual: PÓ DE RETIRADA DE MATERIAL DE SÍNTESE DE TORNOZELO; Tempo de afastamento: 4 semanas; Estado atual da doença: quadro clínico estabilizado com controle dos sintomas/sinais (03.03.2009 - fls. 40/41).
Na sequencia, em 31.03.2009 o mesmo médico fez outro relatório, onde informa Início dos sintomas: 14/02/2009; Início do tratamento: 14/02/2009; Evolução e conduta detalhada do quadro atual: PÓ DE RETIRADA DE MATERIAL DE SÍNTESE DE TORNOZELO EVOLUINDO COM DEISCENCIA DE FERIDA EM CICATRIZAÇÃO; Tempo de afastamento: A CRITÉRIO DO PERITO; Estado atual da doença: quadro clínico não controlado. MOTIVO: ÁREA DE DEISCENCIA MEDIAL COM TECIDO DE GRANULAÇÃO COM 1,5CM X 0,5CM (fls. 47).
Segundo o jargão médico, deiscência é uma abertura dos pontos, que pode ser causada por tração exagerada da pele, alergia ao material de sutura ou inflamação do local. Embora a leitura pudesse sugerir um agravamento da situação, o médico não determinou o afastamento, deixando a critério do perito do INSS a avaliação.
Outros exames radiográficos foram realizados naquela primeira clínica médica referida, em 16.04.09 e 05.08.09, além de ressonância magnética em 29.04.09 e 27.10.2009, cujos relatórios não apontam conclusivamente no sentido de agravamento da lesão pelo retorno ao trabalho em 28.02.08, apenas relatam a situação da autora naqueles momentos.
Para o ano de 2010, constam relatórios médicos de uma terceira clínica, Ortoville Ortopedia e Traumatologia, dirigidos para o INSS e plano de saúde da autora, noticiando a mesma situação, dores, tratamento fisioterápico e psicoterapêutico.
Ressalta-se aquele de fls. 33, datado de 18.02.2010, que atesta ser a autora portadora de patologia na articulação tíbio fibular distal e apresentar dor importante em ortostatismo prolongado (dor quando a pessoa fica muito tempo de pé). Acrescenta que não há indicação cirúrgica até o momento e afastamento/aposentadoria a critério do perito, sugerindo afastamento por tres meses.
Embora não conste dos autos, a própria inicial relata que a autora gozou benefício até maio de 2010, sinalizando que a perícia médica do INSS concordou com a indicação médica. Após, sobreveio a propositura da presente ação.
Tal o contexto, não se verifica nexo causal entre a cessação do auxilio acidente em 27.02.2008 e os problemas de saúde apresentados pela autora posteriormente.
É que o interregno entre aquele primeiro evento no início de 2008 e as primeiras queixas da autora passados mais de um ano indica boa recuperação da cirurgia, pois de outra forma os sintomas teriam aparecido logo em seguida, máxime em se tratando de fratura.
Não é demasia assinalar que a autora não trouxe sequer os documentos relativos ao período de concessão do benefício. E como já dito, quando da alta programada, só consta um Raio-X posterior que atesta total normalidade no exame, sem qualquer indicação da necessidade de repouso ou existência de quadro incapacitante da autora para o trabalho, em ordem à manutenção do benefício cessado.
Aliás, a denotar pela cópia da CTPS, quando do ajuizamento da ação, em 07/2010, a autora permanecia trabalhando no mesmo vínculo desde 01/07/2005, bem antes do acidente (fls. 17). E mesmo com todos os afastamentos, foi mantida no emprego, certamente por bem exercer suas funções.
Destarte, não se pode dizer que o ato produzido pela administração previdenciária foi capaz de gerar os danos apontados pela autoria.
Nesse ponto é importante traçar algumas peculiaridades inerentes à seguridade social, pois à par da escassez de recursos e pessoal especializado, deve-se ter sempre em consideração o que foi estabelecido pela Carta Magna ao traçar as balizas do sistema, determinando que haja um conjunto integrado de ações para seu êxito e que sua organização fosse direcionada para a proteção de todos que dele necessitassem (universalidade da cobertura e do atendimento). Seguindo esses ditames, o legislador ordinário disciplinou regras para que esses objetivos fossem alcançados de maneira efetiva, abrangendo um número cada vez maior de pessoas.
Nessa linha, estabeleceu uma diferenciação entre casos de incapacidade total e permanente e aqueles onde há possibilidade de recuperação, atribuindo a estes casos tratamentos proporcionais às situações temporárias.
Partindo dessas disposições legais foram editados decretos e instruções normativas que estabelecem os delineamentos a serem observados pelo servidor público, último elo da cadeia administrativa, que tem por obrigação funcional observá-las com rigor, sob pena de sofrer sanções em todas as esferas legais.
Registre-se, oportunamente, que até mesmo a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez sofre temperamentos legais, de forma que se constatada posteriormente a recuperação da capacidade laboral do segurado o benefício será cessado, observados os parâmetros fixados no art. 47 da Lei 8.213/91.
Desta feita, não se pode imputar responsabilidade a autarquia por proceder com as cautelas exigidas pelos normativos que regem a matéria, as quais exigem avaliações periódicas quando, em exame pericial, se constatar incapacidade parcial e temporária. Agiu, dessa maneira, no estrito cumprimento do dever legal.
E o mais importante para o deslinde da causa, a prova produzida não revela o necessário liame entre a cessação do benefício pela falta de incapacidade laborativa e os atuais problemas de saúde da autora. Tanto é assim que continuou trabalhando e obteve o benefício outras vezes, quando efetivamente dele necessitava.
Neste sentido colaciono jurisprudência do E. TRF/3ª Região, verbis:
ANTE O EXPOSTO, nego provimento ao apelo da autoria, para manter a r. sentença, nos termos supracitados.
É o voto.
ROBERTO JEUKEN
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Data e Hora: | 26/02/2015 17:28:09 |