
| D.E. Publicado em 20/07/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, negar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator, que foi acompanhado pela Desembargadora Federal Marisa Santos e pela Desembargadora Federal Ana Pezarini (que votou nos termos do art. 942, "caput" e §1º, do CPC). Vencido o Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias, que lhe dava provimento.
Desembargador Federal Relator
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001445-37.2015.4.03.6134/SP
DECLARAÇÃO DE VOTO
O ilustre Desembargador Federal Relator, Gilberto Jordan, em seu fundamentado voto, negou provimento à apelação do INSS.
Ouso, porém, apresentar divergência pelas razões que passo a expor.
No caso dos autos, o INSS ajuizou ação de ressarcimento ao erário em face da demandada, sob o argumento de irregularidade no recebimento do benefício de aposentadoria por invalidez em virtude de o autor possuir vínculos empregatícios posteriores à concessão do benefício. Requer a restituição dos valores referentes aos benefícios indicados.
O benefício foi cessado administrativamente e apurados os valores a serem ressarcidos ao erário, sem defesa do devedor, após sua citação pessoal (f. 77).
Proferida sentença, decidiu a MM. Juíza a quo pela procedência parcial do pedido, tendo em vista o transcurso do prazo prescricional.
Irresignada, aduz a Autarquia a imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário, com base no art. 37, § 5º, da Constituição Federal
Pois bem.
Deve ser enfatizado desde logo que a Administração Pública tem o dever de fiscalização dos seus atos administrativos, pois goza de prerrogativas, entre as quais o controle administrativo, sendo dado rever os atos de seus próprios órgãos, anulando aqueles eivados de ilegalidade, bem como revogando os atos cuja conveniência e oportunidade não mais subsista.
Trata-se do poder de autotutela administrativo, enunciado nas Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal, tendo como fundamento os princípios constitucionais da legalidade e supremacia do interesse público, desde que obedecidos os regramentos constitucionais do contraditório e da ampla defesa (artigo 5º, LIV e LV, da CF), além da Lei nº 9.784/99, aplicável à espécie.
A Administração pode rever seus atos. Ao final das contas, a teor da Súmula 473 do E. STF "A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência e oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos a apreciação judicial".
Enfim, deve o INSS observar as regras constitucionais, sob pena de ver seus atos afastados por intervenção do Poder Judiciário. Com efeito, a garantia do inciso LV do artigo 5o da Constituição da República determina que em processos administrativos também deve ser observado o contraditório regular.
Por um lado, quando patenteado o pagamento a maior de benefício, o direito de a Administração obter a devolução dos valores é inexorável, ainda que tivessem sido recebidos de boa-fé, à luz do disposto no artigo 115, II, da Lei nº 8.213/91.
Trata-se de norma cogente, que obriga o administrador a agir, sob pena de responsabilidade.
A lei normatizou a hipótese fática controvertida nestes autos e já trouxe as consequências para tanto, de modo que não cabe ao juiz fazer tabula rasa do direito positivo.
Trata-se de caso de enriquecimento ilícito (ou enriquecimento sem causa ou locupletamento).
O Código Civil estabelece, em seu artigo 876, que, tratando-se de pagamento indevido, "Todo aquele que recebeu o que não era devido fica obrigado a restituir".
Além disso, deve ser levado em conta o princípio geral do direito, positivado como regra no atual Código Civil, consistente na proibição do enriquecimento ilícito.
Assim reza o artigo 884 do Código Civil:
"Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido."
Para além, não há previsão de norma (regra ou princípio) no direito positivo brasileiro determinando que, por se tratar de verba alimentar, o benefício é irrepetível.
A construção jurisprudencial, que resultou no entendimento da irrepetibilidade das rendas recebidas a título de benefício previdenciário, por constituírem verba alimentar, pode incorrer em negativa de vigência à norma do artigo 115, II, da Lei nº 8.213/91.
E as regras acima citadas, previstas na lei e regulamentadas no Decreto nº 3.048/99, não afrontam a Constituição Federal. Logo, são válidas e eficazes.
E a verificação de fraude, dolo e má-fé aferidas no processo administrativo não deixam margem a dúvidas para fins de necessidade de devolução das quantias recebidas.
No caso concreto, não há controvérsia a respeito da irregularidade do recebimento do benefício de aposentadoria por invalidez, porque o réu trabalhou com registro em CTPS para várias empresas, enquanto recebia o benefício por incapacidade.
À vista dos fundamentos apresentados - ter a ré agido ou não com boa-fé - é irrelevante, à vista do fato de que o benefício foi concedido com base em falsidade ideológica comprovada. E não há dúvida de que foi a ré o grande beneficiário, de modo que o dever de devolução é inexorável.
Enfim, a devolução é imperativa porquanto se apurou a ausência de boa-fé objetiva (artigo 422 do Código Civil).
O patrimônio público merece prioridade, no caso. Ademais, o princípio da moralidade administrativa, conformado no artigo 37, caput, da Constituição da República, obriga a autarquia previdenciária a efetuar a cobrança dos valores indevidamente pagos, na forma do artigo 115, II, da Lei nº 8.213/91.
Entendo, no mais, pessoalmente, que não pode ser decretada a prescrição quinquenal, em simetria com a regra do artigo 103, § único, da Lei Nº 8.213/91. É que não há previsão legal de prescrição em desfavor do INSS, no presente caso. Só há prescrição em desfavor do segurado, à luz do artigo 103, § único, da Lei nº 8.213/91.
É de se perguntar se, em direito administrativo, onde o administrador só pode agir quando autorizado por lei, se pode forjar uma regra prescricional "por simetria".
Clássica é a lição de Hely Lopes Meirelles: "Na Administração Pública, não há espaço para liberdades e vontades particulares, deve, o agente público, sempre agir com a finalidade de atingir o bem comum, os interesses públicos, e sempre segundo àquilo que a lei lhe impõe, só podendo agir secundum legem. Enquanto no campo das relações entre particulares é lícito fazer tudo o que a lei não proíbe (princípio da autonomia da vontade), na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei, define até onde o administrador público poderá atuar de forma lícita, sem cometer ilegalidades, define como ele deve agir." (MIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 30. Ed. São Paulo: Malheiros, 2005).
A norma do artigo 37, § 5º, da Constituição Federal, que tem a seguinte redação: "§ 5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento."
Ocorre que não há previsão legal de prescrição em desfavor do INSS em ação de ressarcimento ao Erário. Ao menos não há estabelecimento de prescrição por meio de lei.
À evidência, o artigo 37, § 5º, da CF/88 exige lei em sentido estrito e formal, aprovada após o devido processo legislativo.
Construções interpretativas, como a prescrição "por simetria", não podem vigorar em direito previdenciário, ramo do direito público influenciado por regras e princípios de direito administrativo.
Consequentemente, a presente hipótese de ressarcimento não é inviabilizada pela Repercussão Geral do RE 669.069 (em que restou firmada a tese segundo a qual "é prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil" - redação da tese aprovada nos termos do item 02, da Ata da 12ª Sessão Administrativa do E. Supremo Tribunal Federal, realizada em 09/12/2015).
Com efeito, em casos diversos da relação jurídica previdenciária - como os de direito administrativo e tributário - deve ser seguida a prescrição respectivamente regulamentada (Decreto nº 20.910/32 e artigo 174 do CTN).
Registro que o RE 669.069 não apreciou matéria previdenciária. Tratou-se de recurso extraordinário interposto em demanda objetivando a condenação da empresa de transporte, ao pagamento de indenização por ter causado acidente em que se danificou automóvel de propriedade da União.
Porém, à míngua de lei em sentido estrito, não há falar-se em prescrição em relação à ação do INSS para a cobrança de valores obtidos ilegalmente.
Digno de nota é que o réu foi declarado revel (f. 79), reputando-se verdadeiros os fatos narrados na petição inicial.
Por fim, a apuração da correção monetária e dos juros dos créditos do INSS deverá observar o disposto no artigo 37-A da Lei nº 10.555/2002, incluído pela Lei nº 11.941/2009, os juros incidentes desde o evento danoso, ou seja, desde os respectivos recebimentos das rendas mensais.
Em derradeiro, condeno a ré a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre a mesma base de cálculo fixada na sentença, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 4º, III, do Novo CPC. Porém, fica suspensa a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do referido código, por ser beneficiária da justiça gratuita.
Ante o exposto, conheço da apelação e lhe dou provimento, para afastar a prescrição e ajustar os consectários.
É o voto.
Rodrigo Zacharias
Juiz Federal Convocado
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | RODRIGO ZACHARIAS:10173 |
| Nº de Série do Certificado: | 11A21709124EAE41 |
| Data e Hora: | 15/05/2018 12:45:50 |
