
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000398-73.2016.4.03.6140
RELATOR: Gab. 37 - DES. FED. NELSON PORFIRIO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DONIZETE ANTUNES VELOSO
Advogado do(a) APELADO: RICARDO RIGHINI - SP367810-N
OUTROS PARTICIPANTES:
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000398-73.2016.4.03.6140
RELATOR: Gab. 37 - DES. FED. NELSON PORFIRIO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DONIZETE ANTUNES VELOSO
Advogado do(a) APELADO: RICARDO RIGHINI - SP367810-N
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Trata-se de ação proposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS em face de DONIZETE ANTUNES VELOSO, objetivando o ressarcimento de valores indevidamente pagos a título de benefício por incapacidade.
Juntados documentos.
Indeferido o pedido de medida liminar.
A parte ré não foi localizada para citação.
O MM. Juízo de origem reconheceu a ocorrência de prescrição e julgou improcedente o pedido.
Apelação do INSS.
Sem contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
Em voto proferido por esta E. Turma, foi dado provimento à apelação para afastar a prescrição e anular a r. sentença.
Com o retorno dos autos, foi efetuada nova tentativa de citação, também infrutífera.
Decorrido o prazo para manifestação após citação por edital, foi nomeado curador especial para a parte ré, que contestou o feito.
O julgamento foi convertido em diligência para nova tentativa de citação real.
Realizada a citação, a parte ré apresentou contestação por seu procurador constituído.
Réplica do INSS.
O MM. Juízo de origem julgou improcedente o pedido.
Inconformada, a autarquia interpôs recurso de apelação alegando, em síntese, o seu direito ao ressarcimento dos valores indevidamente recebidos pela parte ré.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000398-73.2016.4.03.6140
RELATOR: Gab. 37 - DES. FED. NELSON PORFIRIO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DONIZETE ANTUNES VELOSO
Advogado do(a) APELADO: RICARDO RIGHINI - SP367810-N
V O T O
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): A parte ré foi beneficiária do auxílio-doença nº 31/516.419.717-7, no período de 18.04.2006 a 01.02.2008.
No entanto, após revisão administrativa, em 19.11.2009, foi-lhe enviado um ofício comunicando que havia sido identificada irregularidade na concessão do referido benefício, sendo-lhe oportunizado o prazo de 10 dias para apresentação de defesa.
Apresentada defesa pela parte ré, em 09.02.2010, a autarquia julgou insuficientes os argumentos, facultando o prazo de 30 dias para a apresentação de recurso desta decisão.
Em 13.08.2012, foi negado provimento ao recurso interposto pela parte ré. Apresentado recurso administrativo à Câmara de Julgamento do CRPS, em 26.06.2013, a 4ª Câmara de Julgamento do CRPS não conheceu do recurso.
Diante disso, em 16.07.2014, o INSS procedeu à cobrança administrativa dos valores pagos a este título, não tendo a parte ré, contudo, efetuado o pagamento.
De tal modo, pretende o INSS, por meio da presente ação judicial, ajuizada em 19.02.2016, o ressarcimento do montante pago a título de auxílio-doença.
Em primeira instância, o pedido foi julgado improcedente.
Em suas razões de recurso, porém, sustenta o INSS a necessidade de restituição dos valores indevidamente pagos no período.
Consoante o entendimento pacificado pelo C. Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp nº 1.381.734/RN, representativo de controvérsia, "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido":
"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 979. ARTIGO 1.036 DO CPC/2015. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 884 E 885 DO CÓDIGO CIVIL/2002. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. ART. 115, II, DA LEI N. 8.213/1991. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA E MÁ APLICAÇÃO DA LEI. NÃO DEVOLUÇÃO. ERRO MATERIAL DA ADMINISTRAÇÃO. POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO SOMENTE NA HIPÓTESE DE ERRO EM QUE OS ELEMENTOS DO CASO CONCRETO NÃO PERMITAM CONCLUIR PELA INEQUÍVOCA PRESENÇA DA BOA-FÉ OBJETIVA.
1. Da admissão do recurso especial: Não se conhece do recurso especial quanto à alegada ofensa aos artigos 884 e 885 do Código Civil, pois não foram prequestionados. Aplica-se à hipótese o disposto no enunciado da Súmula 211 do STJ. O apelo especial que trata do dissídio também não comporta conhecimento, pois não indicou as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os precedentes colacionados e também por ausência de cotejo analítico e similitude entre as hipóteses apresentadas. Contudo, merece conhecimento o recurso quanto à suposta ofensa ao art. 115, II, da lei n. 8.213/1991.
2. Da limitação da tese proposta: A afetação do recurso em abstrato diz respeito à seguinte tese: Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social.
3. Irrepetibilidade de valores pagos pelo INSS em razão da errônea interpretação e/ou má aplicação da lei: O beneficiário não pode ser penalizado pela interpretação errônea ou má aplicação da lei previdenciária ao receber valor além do devido. Diz-se desse modo porque também é dever-poder da Administração bem interpretar a legislação que deve por ela ser aplicada no pagamento dos benefícios. Dentro dessa perspectiva, esta Corte Superior evoluiu a sua jurisprudência passando a adotar o entendimento no sentido de que, para a não devolução dos valores recebidos indevidamente pelo beneficiário da Previdência Social, é imprescindível que, além do caráter alimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício, a presença da boa-fé objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela administração. Essas situações não refletem qualquer condição para que o cidadão comum compreenda de forma inequívoca que recebeu a maior o que não lhe era devido.
4. Repetição de valores pagos pelo INSS em razão de erro material da Administração previdenciária: No erro material, é necessário que se averigue em cada caso se os elementos objetivos levam à conclusão de que houve boa-fé do segurado no recebimento da verba. Vale dizer que em situações em que o homem médio consegue constatar a existência de erro, necessário se faz a devolução dos valores ao erário.
5. Do limite mensal para desconto a ser efetuado no benefício: O artigo 154, § 3º, do Decreto n. 3.048/1999 autoriza a Administração Previdenciária a proceder o desconto daquilo que pagou indevidamente; todavia, a dedução no benefício só deverá ocorrer quando se estiver diante de erro da administração. Nesse caso, caberá à Administração Previdenciária, ao instaurar o devido processo administrativo, observar as peculiaridades de cada caso concreto, com desconto no beneficio no percentual de até 30% (trinta por cento).
6. Tese a ser submetida ao Colegiado: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.
7. Modulação dos efeitos: Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão.
8. No caso concreto: Há previsão expressa quanto ao momento em que deverá ocorrer a cessação do benefício, não havendo margem para ilações quanto à impossibilidade de se estender o benefício para além da maioridade da beneficiária. Tratou-se, em verdade, de simples erro da administração na continuidade do pagamento da pensão, o que resulta na exigibilidade de tais valores, sob forma de ressarcimento ao erário, com descontos nos benefícios, tendo em vista o princípio da indisponibilidade do patrimônio público e em razão da vedação ao princípio do enriquecimento sem causa. Entretanto, em razão da modulação dos efeitos aqui definidos, deixa-se de efetuar o descontos dos valores recebidos indevidamente pelo segurado.
9. Dispositivo: Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido. Acórdão sujeito ao regime previsto no artigo 1.036 e seguintes do CPC/2015." (STJ, REsp nº 1.381.734 - RN, 1ª Seção, Relator Ministro BENEDITO GONÇALVES, j. em 10.03.2021, DJe 23.04.2021
No caso, contudo, não há elementos que demonstrem a existência de má-fé por parte do beneficiário.
Embora não tenha sido comprovada a incapacidade laborativa na ocasião, não foi coligido aos autos nenhum elemento no sentido de que a parte ré induziu o INSS em erro na análise das provas ou tinha ciência inequívoca de que não possuía qualquer doença cardíaca incapacitante.
Assim, não obstante o benefício da parte ré tenha sido alvo da "Operação Providência", entendo que não há provas de que ele tenha tomado conhecimento ou feito parte da fraude organizada para a obtenção indevida do auxílio-doença, não podendo ser atingido pelas ações praticadas por outrem.
Desse modo, ainda que o benefício tenha sido pago equivocadamente no período, é indevida a restituição desses valores, tendo em vista a natureza alimentar de tais verbas, bem como a boa-fé objetiva da parte ré no caso concreto.
Cumpre consignar, por fim, que mesmo que a boa-fé objetiva não tivesse sido demonstrada, não seria possível a repetição dos valores através da aplicação do decidido pelo C. STJ, uma vez que, conforme modulação de efeitos definida pelo Colegiado, o entendimento estabelecido somente deve atingir os processos distribuídos após a publicação do acórdão, ocorrida em 23.04.2021.
Ante o exposto, nego provimento à apelação do INSS.
É o voto.
E M E N T A
AÇÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. PREVIDENCIÁRIO. DEVOLUÇÃO DE VALORES DECORRENTES DE BENEFÍCIO DE AUXÍLIO-DOENÇA PAGO INDEVIDAMENTE AO BENEFICIÁRIO. DESNECESSIDADE. NATUREZA ALIMENTAR DO BENEFÍCIO. BOA-FÉ OBJETIVA. RESSARCIMENTO INDEVIDO. APELAÇÃO DESPROVIDA.
1. A parte ré foi beneficiário do auxílio-doença nº 31/516.419.717-7 no período de 18.04.2006 a 01.02.2008.
2. Identificada irregularidade na sua concessão, foi considerado indevido o pagamento do auxílio-doença à parte ré, pretendendo a autarquia o ressarcimento deste montante.
3. Consoante o entendimento pacificado pelo C. Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp nº 1.381.734/RN, representativo de controvérsia, "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido".
4. Não se mostra possível, assim, a cobrança dos valores pagos indevidamente no referido período, tendo em vista a natureza alimentar de tais verbas, bem como a boa-fé objetiva da parte ré no caso concreto.
5. Ademais, mesmo que a boa-fé objetiva não tivesse sido demonstrada, não seria possível a repetição dos valores através da aplicação do decidido pelo C. STJ, uma vez que, conforme modulação de efeitos definida pelo Colegiado, o entendimento estabelecido somente deve atingir os processos distribuídos após a publicação do acórdão, ocorrida em 23.04.2021.
6. Apelação do INSS desprovida.
