
| D.E. Publicado em 02/12/2015 |
EMENTA
| PREVIDENCIÁRIO - AÇÃO ORDINÁRIA - COBRANÇA DE VALORES RECEBIDOS A TÍTULO DE APOSENTADORIA CONCEDIDA MEDIANTE FRAUDE - POSSIBILIDADE - BOA-FÉ DO AUTOR NÃO CONFIGURADA - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - APELO DO INSS E REMESSA OFICIAL, TIDA COMO INTERPOSTA, PROVIDOS - SENTENÇA REFORMADA. |
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao apelo do INSS e à remessa oficial, tida como interposta, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargadora Federal Relatora
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0010141-16.2010.4.03.6109/SP
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MELLO (RELATORA): Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS contra sentença que, nos autos da ação ordinária ajuizada por ROBERTO APPOLINÁRIO DE OLIVEIRA, objetivando afastar a cobrança de valores recebidos a título de benefício previdenciário, supostamente concedidos mediante fraude, julgou procedente o pedido, com fundamento na boa-fé do autor e no caráter alimentar dos valores recebidos.
Sustenta o apelante, em suas razões, que os pagamentos indevidos devem ser restituídos ao INSS, pouco importando se possuem caráter alimentar ou se foram recebidos de boa-fé. Por fim, prequestiona, para efeito de recurso especial ou extraordinário, ofensa a dispositivos de lei federal e de preceitos constitucionais.
Com as contrarrazões, vieram os autos a este Egrégio Tribunal.
É O RELATÓRIO.
VOTO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MELLO (RELATORA): Em primeiro lugar, observo que a sentença está sujeita ao duplo grau de jurisdição, nos termos do artigo 475, inciso I, do Código de Processo Civil, não se aplicando, ao caso, a exceção prevista no seu parágrafo 2º, pois, em 03/11/2010, foi atribuído à causa o valor de R$ 64.209,17 (sessenta e quatro mil, duzentos e nove reais e dezessete centavos).
Passo, pois, ao exame do mérito do pedido.
Insurge-se o INSS contra sentença que afastou a cobrança de valores recebidos indevidamente a título de benefício previdenciário, com fundamento na boa-fé do autor e no caráter alimentar dos valores por ele recebidos.
Embora a Autarquia Previdenciária tenha o direito de ser ressarcida pelo pagamento indevido de benefício previdenciário ou assistencial, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça adotou, em sede de recurso repetitivo, entendimento no sentido de que, nas hipóteses de recebimento indevido de benefício por erro da Administração, os valores recebidos são irrepetíveis, em razão da sua natureza alimentar e da boa-fé objetiva do segurado (presunção da definitividade do pagamento), o que não se confunde com os casos de recebimento de benefício por força de decisão que antecipou os efeitos da tutela, posteriormente revogada, nos quais não há presunção, pelo segurado, de que tais valores integram, em definitivo, o seu patrimônio.
Confira-se:
"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. RECEBIMENTO VIA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA POSTERIORMENTE REVOGADA. DEVOLUÇÃO. REALINHAMENTO JURISPRUDENCIAL. HIPÓTESE ANÁLOGA. SERVIDOR PÚBLICO. CRITÉRIOS. CARÁTER ALIMENTAR E BOA-FÉ OBJETIVA. NATUREZA PRECÁRIA DA DECISÃO. RESSARCIMENTO DEVIDO. DESCONTO EM FOLHA. PARÂMETROS. |
1. Trata-se, na hipótese, de constatar se há o dever de o segurado da Previdência Social devolver valores de benefício previdenciário recebidos por força de antecipação de tutela (art. 273 do CPC) posteriormente revogada. |
2. Historicamente, a jurisprudência do STJ fundamenta-se no princípio da irrepetibilidade dos alimentos para isentar os segurados do RGPS de restituir valores obtidos por antecipação de tutela que posteriormente é revogada. |
3. Essa construção derivou da aplicação do citado princípio em Ações Rescisórias julgadas procedentes para cassar decisão rescindenda que concedeu benefício previdenciário, que, por conseguinte, adveio da construção pretoriana acerca da prestação alimentícia do direito de família. A propósito: REsp 728.728/RS, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca, Quinta Turma, DJ 9.5.2005. |
4. Já a jurisprudência que cuida da devolução de valores percebidos indevidamente por servidores públicos evoluiu para considerar não apenas o caráter alimentar da verba, mas também a boa-fé objetiva envolvida in casu. |
5. O elemento que evidencia a boa-fé objetiva no caso é a "legítima confiança ou justificada expectativa, que o beneficiário adquire, de que valores recebidos são legais e de que integraram em definitivo o seu patrimônio" (AgRg no REsp 1.263.480/CE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 9.9.2011, grifei). Na mesma linha quanto à imposição de devolução de valores relativos a servidor público: AgRg no AREsp 40.007/SC, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 16.4.2012; EDcl nos EDcl no REsp 1.241.909/SC, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 15.9.2011; AgRg no REsp 1.332.763/CE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 28.8.2012; AgRg no REsp 639.544/PR, Rel. Ministra Alderita Ramos de Oliveira (Desembargador Convocada do TJ/PE), Sexta Turma, DJe 29.4.2013; AgRg no REsp 1.177.349/ES, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, DJe 1º.8.2012; AgRg no RMS 23.746/SC, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 14.3.2011. |
6. Tal compreensão foi validada pela Primeira Seção em julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, em situação na qual se debateu a devolução de valores pagos por erro administrativo: "quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidor público." (REsp 1.244.182/PB, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe 19.10.2012, grifei). |
7. Não há dúvida de que os provimentos oriundos de antecipação de tutela (art. 273 do CPC) preenchem o requisito da boa-fé subjetiva, isto é, enquanto o segurado os obteve existia legitimidade jurídica, apesar de precária. |
8. Do ponto de vista objetivo, por sua vez, inviável falar na percepção, pelo segurado, da definitividade do pagamento recebido via tutela antecipatória, não havendo o titular do direito precário como pressupor a incorporação irreversível da verba ao seu patrimônio. |
9. Segundo o art. 3º da LINDB, "ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece", o que induz à premissa de que o caráter precário das decisões judiciais liminares é de conhecimento inescusável (art. 273 do CPC). |
10. Dentro de uma escala axiológica, mostra-se desproporcional o Poder Judiciário desautorizar a reposição do principal ao Erário em situações como a dos autos, enquanto se permite que o próprio segurado tome empréstimos e consigne descontos em folha pagando, além do principal, juros remuneratórios a instituições financeiras. |
11. À luz do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF) e considerando o dever do segurado de devolver os valores obtidos por força de antecipação de tutela posteriormente revogada, devem ser observados os seguintes parâmetros para o ressarcimento: a) a execução de sentença declaratória do direito deverá ser promovida; b) liquidado e incontroverso o crédito executado, o INSS poderá fazer o desconto em folha de até 10% da remuneração dos benefícios previdenciários em manutenção até a satisfação do crédito, adotado por simetria com o percentual aplicado aos servidores públicos (art. 46, § 1º, da Lei 8.213/1991). |
12. Recurso Especial provido." |
(REsp nº 1.384.418/SC, 1ª Seção, Relator Ministro Herman Benjamin, DJe 30/08/2013) (grifei) |
Na hipótese, os valores em questão, pagos ao autor a título de aposentadoria por tempo de serviço, não decorrem de erro administrativo, nem de antecipação da tutela posteriormente revogada, mas de concessão de benefício previdenciário mediante fraude.
Nesses casos, os valores recebidos indevidamente pelo segurado deverão ser devolvidos ao INSS, salvo se comprovado, de forma inequívoca, que ele não tinha conhecimento da fraude, tendo recebido, de boa-fé, os proventos de aposentadoria.
E, conforme entendimento adotado pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, o cancelamento do benefício previdenciário motivado por fraude em sua concessão deve ser precedido de regular procedimento administrativo, no qual seja assegurado ao beneficiário o direito à defesa, ao contraditório e ao devido processo legal.
Confira-se:
"PREVIDENCIÁRIO E PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SUSPENSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. CANCELAMENTO OCORRIDO ANTES DA INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ADMINISTRATIVO. NECESSIDADE DE ESGOTAMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA. AGRAVO REGIMENTAL DO INSS DESPROVIDO. |
1. Levando-se em conta o caráter social das normas previdenciárias, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência Social, os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe garante a flexibilização dos rígidos institutos processuais, especialmente em casos, como o discutido nos autos, em que busca-se o restabelecimento de benefício de aposentadoria. |
2. É firme o entendimento desta Corte de que a suspensão ou cancelamento de benefício previdenciário concedido mediante fraude pressupõe, necessariamente, prévio e regular procedimento administrativo, no qual seja assegurado ao beneficiário o direito à defesa, ao contraditório e ao devido processo legal. |
3. No presente caso, embora o INSS tenha instaurado regular procedimento administrativo para a apuração das irregularidades, o benefício foi suspenso antes mesmo que iniciasse a contagem de prazo para recurso do segurado, o que contraria a jurisprudência desta Corte consolidada ao afirmar que para que sejam respeitados os consectários do contraditório e da ampla defesa não basta a concessão de prazo para a defesa, mas também que seja garantido ao segurado a resposta sobre eventual recurso interposto, exigindo-se o esgotamento da via administrativa. Precedentes: REsp 1.323.209/MG, Rel. p/ acórdão, Min. Sérgio Kukina, DJE 15.4.2014, AGRG no ARESP 42.574/RR, 2T, Rel. Min. Og Fernandes, DJE 13.11.2013, AGRG no ARESP 92.215/AL, 5T, Rel. Min. Marco Auréilio Bellizze, DJE 29.5.2013. |
4. Agravo Regimental do INSS desprovido." |
(AgRg no REsp nº 1.373.645/RS, 1ª Turma, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 21/05/2015) |
Conforme se depreende dos autos, tendo sido constatado indício de irregularidade na documentação que embasou o pedido de aposentadoria por tempo de serviço, protocolado sob nº 42/118.723.543-9, teve início processo administrativo em 17/06/2002, quando o autor foi intimado, em 17/06/2002, a apresentar documentos (fl. 86), e se encerrou em 18/01/2010, com decisão definitiva do Conselho de Recursos da Previdência Social, que negou provimento ao recurso do autor, mantendo o cancelamento do benefício e a cobrança dos valores recebidos indevidamente.
Consta, das decisões administrativas, que o benefício foi concedido indevidamente, pois não comprovados os vínculos empregatícios do autor com as empresas Engenharia Brada Ltda (20/03/68 a 05/05/71) e Costazul Transportes Rodoviários Ltda (10/09/94 a 30/07/99), não tendo sido admitidos os documentos apresentados na via administrativa:
- os extratos de FGTS, por se tratar de conta aberta após o término do vínculo e após o encerramento da Costazul;
- o acordo extrajudicial firmado com a Costazul, por não ter registro em órgão público;
- o termo de rescisão de contrato de trabalho, por falta de homologação no sindicato de classe ou na Delegacia do Trabalho.
Não bastasse isso, verificou a Administração que, em vários dos documentos apresentados, o CGC e o nome da empresa são informados de forma incorreta.
Não há dúvidas, no caso, de que foi indevida a concessão do benefício ao autor e de que a Administração, ao cancelar o benefício, instaurou procedimento administrativo, no qual ele, sem êxito, teve oportunidade para se defender, apresentando provas de que fazia jus à obtenção do benefício.
E, conquanto não esteja comprovado que o autor, efetivamente, colaborou com a fraude que resultou na indevida concessão do benefício, também não há elementos que permitam concluir o contrário, ou seja, que todos os atos realizados pela advogada para a concessão do benefício foram praticados sem a sua ciência e, ainda, que ele assinou os documentos por ela apresentados sem ter conhecimento do seu conteúdo, o que afasta a sua alegação de que os valores pagos pelo INSS entre 04/10/2000 e 01/08/2002 foram recebidos de boa-fé.
Deixo consignado que as informações constantes no CNIS do autor, relativos a contribuições recolhidas no período de 04/1994 a 07/1999, ao contrário do que constou da sentença, não se referem ao vínculo empregatício com a Costazul, mas a serviço prestado na qualidade de contribuinte individual, como se vê do extrato de fls. 46/52.
Ademais, não consta, dos extratos de pesquisa realizada junto ao CNIS, qualquer informação sobre vínculos empregatícios em nome do autor (vide fls. 41/52).
Desse modo, não havendo, nos autos, prova inequívoca da boa-fé do autor, deve ele restituir ao INSS os valores que recebeu indevidamente no período de 04/10/2000 e 01/08/2002, não podendo prevalecer a sentença que julgou procedente a ação.
Por outro lado, considerando que não ficou comprovada má-fé por parte do autor, "o INSS poderá fazer o desconto em folha de até 10% da remuneração do benefício previdenciário em manutenção até a satisfação do crédito" (STJ, REsp repetitivo nº 1.384.418/SC, 1ª Seção, Relator Ministro Herman Benjamin, DJe 30/08/2013).
Vencido o autor, a ele incumbe o pagamento dos honorários advocatícios, fixados em 5% (cinco por cento) do valor atualizado atribuído à causa, em harmonia com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, nos termos do artigo 20, parágrafo 4º, do Código de Processo Civil.
Deixo consignado, no entanto, que, sendo o autor beneficiário da Justiça Gratuita, não é o caso de se excluir o pagamento dos honorários de sucumbência, mas de suspendê-lo, em conformidade com o disposto no artigo 12 da Lei nº 1.060/50.
Nesse sentido, confira-se o seguinte julgado do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:
"Havendo a concessão de gratuidade da justiça, mister que a condenação em custas e honorários advocatícios seja suspensa, conforme determina o art. 12 da Lei n. 1.060/1950." |
(EDcl no AgRg no AREsp nº 424.428/RS, 4ª Turma, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, DJe 25/08/2014) |
"O beneficiário da assistência judiciária não está isento do pagamento das custas processuais e dos honorários de sucumbência, reconhecendo-se, tão somente, que sua exigibilidade ficará suspensa, enquanto persistir a situação de pobreza, pelo prazo máximo de cinco anos, findo o qual estará prescrita a obrigação, a teor do disposto no artigo 12 da Lei n.º 1.060/50. Precedentes." |
(AgRg no Ag nº 1271852/RJ, 1ª Turma, Relator Ministro Sérgio Kukina, DJe 20/06/2014) |
Diante do exposto, DOU PROVIMENTO ao apelo do INSS e à remessa oficial, tida como interposta, para julgar improcedente a ação, determinando que o desconto deve ser feito em parcelas, na forma acima descrita, e condenando o autor ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 5% (cinco por cento) do valor atualizado atribuído à causa, cuja cobrança deve ser suspensa, nos termos do artigo 12 da Lei nº 1.060/50.
É COMO VOTO.
CECILIA MELLO
Desembargadora Federal Relatora
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | MARIA CECILIA PEREIRA DE MELLO:10057 |
| Nº de Série do Certificado: | 7DBF4B4E05D00880 |
| Data e Hora: | 25/11/2015 18:12:35 |
