
| D.E. Publicado em 19/11/2015 |
EMENTA
| PREVIDENCIÁRIO - AÇÃO ORDINÁRIA - COBRANÇA DE VALORES RECEBIDOS A TÍTULO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ - RETORNO VOLUNTÁRIO DA AUTORA AO TRABALHO NÃO CONFIGURADO - APELO IMPROVIDO - SENTENÇA MANTIDA. |
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao apelo, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargadora Federal Relatora
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| Data e Hora: | 12/11/2015 17:58:38 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002050-26.2009.4.03.6123/SP
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MELLO (RELATORA): Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS contra sentença que, nos autos da ação ordinária ajuizada por ELIZABETH ARONOVICH CARREIRA MURASAKI, objetivando afastar a cobrança de valores recebidos a título de benefício previdenciário, em razão de erro administrativo, julgou procedente o pedido, com fundamento na boa-fé da autora, que não retornou voluntariamente ao seu trabalho, mas em razão de readaptação para outra atividade, promovida pelo Instituto de Previdência do Estado de São Paulo - IPESP, e condenou o INSS ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em R$ 1.000,00 (mil reais) (fls. 69/71 e 76).
Sustenta o INSS, em suas razões, que a aposentadoria por invalidez só pode ser paga enquanto o segurado estiver incapacitado para o trabalho e insusceptível de reabilitação para o exercício de outra atividade que lhe garanta a subsistência. Alega, assim, que, tendo a autora retornado ao trabalho, tornou-se indevido, a partir de então, o recebimento dos valores a título de aposentadoria por invalidez.
Com as contrarrazões, vieram os autos a este Egrégio Tribunal.
É O RELATÓRIO.
VOTO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MELLO (RELATORA): Insurge-se o INSS contra sentença que afastou, com fundamento na boa-fé da autora, a cobrança de valores recebidos a título de aposentadoria por invalidez.
Embora a Autarquia Previdenciária tenha o direito de ser ressarcido pelo pagamento indevido de benefício previdenciário ou assistencial, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça adotou, em sede de recurso repetitivo, entendimento no sentido de que, nas hipóteses de recebimento indevido de benefício por erro da Administração, os valores recebidos são irrepetíveis, em razão da sua natureza alimentar e da boa-fé objetiva do segurado (presunção da definitividade do pagamento), o que não se confunde com os casos de recebimento de benefício por força de decisão que antecipou os efeitos da tutela, posteriormente revogada, nos quais não há presunção, pelo segurado, de que tais valores integram, em definitivo, o seu patrimônio.
Confira-se:
"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. RECEBIMENTO VIA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA POSTERIORMENTE REVOGADA. DEVOLUÇÃO. REALINHAMENTO JURISPRUDENCIAL. HIPÓTESE ANÁLOGA. SERVIDOR PÚBLICO. CRITÉRIOS. CARÁTER ALIMENTAR E BOA-FÉ OBJETIVA. NATUREZA PRECÁRIA DA DECISÃO. RESSARCIMENTO DEVIDO. DESCONTO EM FOLHA. PARÂMETROS. |
1. Trata-se, na hipótese, de constatar se há o dever de o segurado da Previdência Social devolver valores de benefício previdenciário recebidos por força de antecipação de tutela (art. 273 do CPC) posteriormente revogada. |
2. Historicamente, a jurisprudência do STJ fundamenta-se no princípio da irrepetibilidade dos alimentos para isentar os segurados do RGPS de restituir valores obtidos por antecipação de tutela que posteriormente é revogada. |
3. Essa construção derivou da aplicação do citado princípio em Ações Rescisórias julgadas procedentes para cassar decisão rescindenda que concedeu benefício previdenciário, que, por conseguinte, adveio da construção pretoriana acerca da prestação alimentícia do direito de família. A propósito: REsp 728.728/RS, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca, Quinta Turma, DJ 9.5.2005. |
4. Já a jurisprudência que cuida da devolução de valores percebidos indevidamente por servidores públicos evoluiu para considerar não apenas o caráter alimentar da verba, mas também a boa-fé objetiva envolvida in casu. |
5. O elemento que evidencia a boa-fé objetiva no caso é a "legítima confiança ou justificada expectativa, que o beneficiário adquire, de que valores recebidos são legais e de que integraram em definitivo o seu patrimônio" (AgRg no REsp 1.263.480/CE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 9.9.2011, grifei). Na mesma linha quanto à imposição de devolução de valores relativos a servidor público: AgRg no AREsp 40.007/SC, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 16.4.2012; EDcl nos EDcl no REsp 1.241.909/SC, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 15.9.2011; AgRg no REsp 1.332.763/CE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 28.8.2012; AgRg no REsp 639.544/PR, Rel. Ministra Alderita Ramos de Oliveira (Desembargador Convocada do TJ/PE), Sexta Turma, DJe 29.4.2013; AgRg no REsp 1.177.349/ES, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, DJe 1º.8.2012; AgRg no RMS 23.746/SC, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 14.3.2011. |
6. Tal compreensão foi validada pela Primeira Seção em julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, em situação na qual se debateu a devolução de valores pagos por erro administrativo: "quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidor público." (REsp 1.244.182/PB, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe 19.10.2012, grifei). |
7. Não há dúvida de que os provimentos oriundos de antecipação de tutela (art. 273 do CPC) preenchem o requisito da boa-fé subjetiva, isto é, enquanto o segurado os obteve existia legitimidade jurídica, apesar de precária. |
8. Do ponto de vista objetivo, por sua vez, inviável falar na percepção, pelo segurado, da definitividade do pagamento recebido via tutela antecipatória, não havendo o titular do direito precário como pressupor a incorporação irreversível da verba ao seu patrimônio. |
9. Segundo o art. 3º da LINDB, "ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece", o que induz à premissa de que o caráter precário das decisões judiciais liminares é de conhecimento inescusável (art. 273 do CPC). |
10. Dentro de uma escala axiológica, mostra-se desproporcional o Poder Judiciário desautorizar a reposição do principal ao Erário em situações como a dos autos, enquanto se permite que o próprio segurado tome empréstimos e consigne descontos em folha pagando, além do principal, juros remuneratórios a instituições financeiras. |
11. À luz do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF) e considerando o dever do segurado de devolver os valores obtidos por força de antecipação de tutela posteriormente revogada, devem ser observados os seguintes parâmetros para o ressarcimento: a) a execução de sentença declaratória do direito deverá ser promovida; b) liquidado e incontroverso o crédito executado, o INSS poderá fazer o desconto em folha de até 10% da remuneração dos benefícios previdenciários em manutenção até a satisfação do crédito, adotado por simetria com o percentual aplicado aos servidores públicos (art. 46, § 1º, da Lei 8.213/1991). |
12. Recurso Especial provido." |
(REsp nº 1.384.418/SC, 1ª Seção, Relator Ministro Herman Benjamin, DJe 30/08/2013) (grifei) |
No caso concreto, a autora era professora e mantinha dois vínculos empregatícios - um regido por estatuto próprio e outro pela CLT, tendo sido afastada do trabalho, em razão de incapacidade laboral, tanto pelo IPESP como pelo INSS.
Ocorre que o INSS, entendendo não ser o caso de reabilitação profissional, conforme perícia realizada por profissional de sua confiança, converteu, em 18/08/98, o auxílio-doença concedido à autora em aposentadoria por invalidez.
De outro modo, o Instituto de Previdência do Estado de São Paulo reabilitou a autora para atividade em biblioteca, tendo ela retornado ao trabalho em biblioteca a partir 02/04/2004, o que acabou motivando o cancelamento do benefício pago pelo INSS e a cobrança dos valores pagos a partir do retorno ao trabalho.
Não restou configurado, portanto, retorno voluntário da autora ao trabalho, mas em razão de sua reabilitação pelo IPESP para o exercício de outra atividade, não se aplicando, ao caso, a regra contida no artigo 46 da Lei nº 8.213/91 ("O aposentado por invalidez que retornar voluntariamente à atividade terá sua aposentadoria automaticamente cancelada, a partir da data do retorno").
E ainda que fosse o caso de retorno voluntário ao trabalho, não poderia o INSS cancelar o benefício sem propiciar ao segurado a oportunidade para a apresentação de provas que entenderem necessárias, sob pena de afronta aos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, em conformidade com o entendimento firmado pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça:
"PREVIDENCIÁRIO. CANCELAMENTO OU SUSPENSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO UNILATERALMENTE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO PARALELISMO DAS FORMAS. DESNECESSIDADE. EXIGÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO, DA AMPLA DEFESA E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL POR MEIO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. |
1. Cinge-se a controvérsia dos autos a obrigatoriedade da aplicação do princípio do paralelismo das formas nos casos de suspensão ou cancelamento de benefício previdenciário. |
2. O Tribunal de origem manifestou-se sobre a possibilidade de a Autarquia suspender/cancelar o benefício previdenciário, porém, deve obedecer os princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, bem como a observância do princípio do paralelismo das formas. |
3. É inaplicável o princípio do paralelismo das formas por três motivos: 1) a legislação previdenciária, que é muito prolixa, não determina esta exigência, não podendo o Poder Judiciário exigir ou criar obstáculos à autarquia, não previstos em lei; 2) foge da razoabilidade e proporcionalidade, uma vez que através do processo administrativo previdenciário, respeitando o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, é suficiente para apurar a veracidade ou não dos argumentos para a suspensão/cancelamento do benefício, e não impede uma posterior revisão judicial; 3) a grande maioria dos benefícios sociais concedidos pela LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social - Lei n. 8.742/93, são deferidos por meio de decisão judicial, o que acarretaria excessiva demanda judicial, afetando por demasia o Poder Judiciário, bem como, a Procuradoria jurídica da autarquia, além da necessidade de defesa técnica, contratada pelo cidadão, sempre que houvesse motivos para a revisão do benefício. |
4. O que a jurisprudência desta Corte exige não é a aplicação do princípio do paralelismo das formas, é a concessão do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, sempre que houver necessidade de revisão do benefício previdenciário, por meio do processo administrativo previdenciário, impedindo com isso, o cancelamento unilateral por parte da autarquia, sem oportunizar apresentação de provas que entenderem necessárias. |
5. Conforme bem ressaltou o Tribunal de origem, o recorrente cancelou unilateralmente o benefício previdenciário, o que vai de encontro à jurisprudência desta Corte e do STF. |
Recurso especial improvido." |
(REsp nº 1.429.976/CE, 2ª Turma, Relator Ministro Humberto Martins, DJe 24/02/2014) (grifei) |
"PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO CONTRA DECISÃO QUE DENEGOU O PROCESSAMENTO DO RECURSO ESPECIAL. RECURSO ADMINISTRATIVO. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO DO INSS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. |
1. O entendimento desta Corte é firme quanto à impossibilidade de suspensão do benefício previdenciário sem que seja assegurado o contraditório e a ampla defesa ao segurado. |
2. No caso, o ora agravado interpôs recurso administrativo do qual não obteve qualquer manifestação por parte da Autarquia, nem mesmo sobre o pedido de concessão de efeito suspensivo ao recurso, tendo esta se limitado a proceder ao cancelamento do benefício. Diante da possibilidade, prevista em lei, de concessão de feito suspensivo ao recurso administrativo, não poderia esse direito ser subtraído do beneficiário sem que houvesse decisão fundamentada por parte da Autarquia. |
3. Agravo Regimental desprovido." |
(AgRg no Ag nº 949.974/MG, 5ª Turma, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 28/09/2009) (grifei) |
Destaco que, no caso, apenas após a cessação do benefício é que a autora foi encaminhada à perícia do INSS, tendo o perito, nessa ocasião, recomendado a reavaliação do caso, para que fosse considerada a possibilidade de reabilitação profissional, nos mesmos moldes do ocorrido com o vínculo estadual.
Como se vê, a autora continua incapacitada para o exercício de sua atividade habitual como professora e, até a data da cessação do benefício, não havia sido reabilitada pelo INSS para outra atividade, o que revela ter sido prematuro o cancelamento do benefício.
Na verdade, a Autarquia Previdenciária não deveria ter convertido o auxílio-doença em aposentadoria por invalidez, mas, a exemplo do que fez o IPESP, ter submetido a autora ao processo de reabilitação profissional, o que só não ocorreu em razão de conclusão do perito do próprio INSS, que entendeu não ser o caso.
E não há, nos autos, qualquer prova no sentido de que, após 18/08/98, quando convertido em aposentadoria por invalidez o auxílio-doença recebido desde 10/03/95, tenha o INSS convocado a autora para se submeter a exame médico ou a processo de reabilitação profissional, como prevê o artigo 101 da Lei nº 8.213/91, e que ela tenha se negado a comparecer.
Desse modo, considerando a boa-fé da autora, que não se submeteu ao processo de reabilitação profissional porque o próprio INSS entendeu não ser o caso, deve ser mantida a sentença que afastou a cobrança dos valores recebidos no período de 02/04/2004 a 31/08/2007.
Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO ao apelo, mantendo a sentença recorrida, em seu inteiro teor.
É COMO VOTO.
CECILIA MELLO
Desembargadora Federal Relatora
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | MARIA CECILIA PEREIRA DE MELLO:10057 |
| Nº de Série do Certificado: | 7DBF4B4E05D00880 |
| Data e Hora: | 12/11/2015 17:58:41 |
