Processo
AR - AçãO RESCISóRIA / SP
5010137-67.2019.4.03.0000
Relator(a)
Desembargador Federal MARIA LUCIA LENCASTRE URSAIA
Órgão Julgador
3ª Seção
Data do Julgamento
31/07/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 05/08/2020
Ementa
E M E N T A
AÇÃO RESCISÓRIA. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. VIOLAÇÃO DE LEI
CARACTERIZADA. ATIVIDADE ESPECIAL RECONHECIDA. APOSENTADORIA ESPECIAL
DEVIDA.
1. Dado o caráter excepcional de que se reveste a ação rescisória, para a configuração da
hipótese de rescisão com fundamento em violação a literal disposição de lei, é certo que o julgado
impugnado deve violar, de maneira flagrante, preceito legal de sentido unívoco e incontroverso.
2. Assiste razão à parte autora ao alegar que o julgado rescindendo incorreu em violação
manifesta a norma jurídica. A decisão rescindenda deixou de reconhecer a atividade especial nos
períodos de 6/03/1997 a 29/10/2014 e de 01/09/2014 a 22/04/2016, apesar de a parte autora ter
comprovado que desenvolveu sua atividade profissional, na função de cirurgiã dentista, com
exposição a agentes biológicos, como empregada e autônoma, comprovando também o
recolhimento das contribuições previdenciárias.
3. Mesmo se tratando de contribuinte individual, não há óbice ao reconhecimento do labor
especial, desde que efetivamente comprovado o exercício de atividade que exponha o
trabalhador de forma habitual e permanente, não eventual nem intermitente, aos agentes nocivos.
4. Totalizando a segurada tempo de serviço especial superior a 25 (vinte e cinco) anos na data do
requerimento administrativo, é devida aposentadoria especial, desde então.
5. A correção monetária e os juros de mora serão aplicados de acordo com o vigente Manual de
Cálculos da Justiça Federal, atualmente a Resolução nº 267/2013, observado o julgamento final
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
do RE 870.947/SE em Repercussão Geral, em razão da suspensão do seu decisum deferida nos
embargos de declaração opostos pelos entes federativos estaduais, conforme r. decisão do
Ministro Luiz Fux, em 24/09/2018.
6. A autarquia previdenciária está isenta do pagamento de custas e emolumentos, mas não
quanto às despesas processuais. Todavia, a isenção de que goza essa autarquia não obsta a
obrigação de reembolsar as custas pagas pela parte autora, quando esta é vencedora na lide.
Entretanto, no presente caso, não há falar em custas ou despesas processuais, uma vez que a
parte autora é beneficiária da assistência judiciária.
7. Em observância ao artigo 85, §§2º e 3º, do CPC de 2015 e à Súmula nº 111 do Colendo
Superior Tribunal de Justiça, os honorários advocatícios devem ser fixados em 10% (dez por
cento) sobre a soma das parcelas devidas até a data da prolação do presente julgado.
8. Ação rescisória julgada procedente e, em juízo rescisório, procedente o pedido de concessão
de aposentadoria especial.
Acórdao
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº5010137-67.2019.4.03.0000
RELATOR:Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA
AUTOR: ANDREIA ALUISIO COSSARI
Advogado do(a) AUTOR: FERNANDO GONCALVES DIAS - SP286841-S
REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº5010137-67.2019.4.03.0000
RELATOR:Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA
AUTOR: ANDREIA ALUISIO COSSARI
Advogado do(a) AUTOR: FERNANDO GONCALVES DIAS - SP286841-S
REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Trata-se de ação rescisória
ajuizada por Andreia Aluisio Cossari, em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, com
fundamento no artigo 966, inciso V, do Código de Processo Civil/2015 - violação manifesta a
norma jurídica, visando desconstituir sentença da 1ª Vara Federal de Catanduva/SP que julgou
improcedentes os pedidos de reconhecimento de atividade especial e de concessão de
aposentadoria especial.
Alega a parte autora que a decisão em questão deve ser rescindida, uma vez que incorreu em
violação ao disposto nos artigos 201, §1º da CF/88, 57 e 58 da Lei nº 8.213/91 e 64, 65 e 68 do
Decreto nº 3.048/99, ao deixar de reconhecer a especialidade dos períodos de 06/03/1997 a
29/10/2014 e de 01/09/2014 a 22/04/2016, não obstante a prova documental apresentada que
comprova a exposição a agentes biológicos, em razão do exercício da atividade de dentista.
Os benefícios da justiça gratuita foram concedidos (ID 66460201).
Regularmente citada, a Autarquia Previdenciária apresentou contestação (ID 80396889),
aduzindo que não merece prosperar o processamento desta ação rescisória, sendo aplicável ao
presente caso o teor do enunciado da Súmula 343 do STF, alega ainda a inexistência de violação
manifesta às normas jurídicas apontadas.
Foi apresentada réplica (ID 104925463).
Razões finais apresentadas pela parte autora (ID 123332656) e pelo INSS (ID 126644811).
O Ministério Público Federal opinou pelo prosseguimento do feito sem a sua intervenção (ID
127249374).
É o relatório.
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº5010137-67.2019.4.03.0000
RELATOR:Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA
AUTOR: ANDREIA ALUISIO COSSARI
Advogado do(a) AUTOR: FERNANDO GONCALVES DIAS - SP286841-S
REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Verifico que foi obedecido o
prazo de dois anos estabelecido pelo artigo 975 do CPC/2015, considerando o ajuizamento da
rescisória em 24/04/2019 e o trânsito em julgado ocorrido em 27/06/2018 (ID 54895537 – pág. 1).
No presente caso, pretende a parte autora a rescisão da sentença proferida nos autos da Ação
Ordinária nº 5000013-18.2017.4.03.6136 (ID 54895568 – pág. 3/10), sob fundamento de violação
manifesta a norma jurídica, nos termos do artigo 966, inciso V, do CPC/2015.
Com efeito, a parte autora ajuizou ação buscando a concessão de aposentadoria especial,
mediante o reconhecimento da atividade especial nos períodos de 06/03/1997 a 29/10/2014 ede
01/09/2014 a 22/04/2016, desde o requerimento administrativo (14/06/2016).
A sentença julgou improcedente o pedido, tendo sido proferida nos seguintes termos:
"(...)
Assim sendo, por tudo o que já foi explanado até então, as previsões dispostas no anexo do
Decreto nº 53.831/64, item 2.1.3, 1.3.0 a 1.3.2 e; código 1.3.0 a 1.3.5 do Anexo I, e ainda 2.1.3 do
Anexo II do Decreto nº 83.080/79; não tem aplicabilidade imediata para o presente porque a
presunção absoluta das normas acima discriminadas em razão do enquadramento automático
pela profissão encerrou-se em 05/03/1997.
Em relação ao intervalo delimitado entre , foi juntado no bojo do 06/03/1997 a 29/10/2014
procedimento administrativo o Perfil Profissiográfico Previdenciário de fls. 72/73.
Ora, assim como nos diplomas anteriores, para o enquadramento em atividade especial, o Anexo
14 das Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego – NR-15 exige, tanto
para a insalubridade de grau médio, quanto máximo, o contato permanente com pacientes,
animais ou materiais infectocontagiantes que pormenoriza. Pela descrição das atividades que a
Sra. ANDRÉIA desempenhava, a prova material mencionada não traz o diferencial apto a
caracterizar a especialidade do trabalho.
Nele não há indicação quanto a indispensável existência, permanência e habitualidade de
qualquer agente nocivo que caracterize a atividade especial com aquelas exigências (pacientes
em isolamento por doenças infectocontagiosas; objetos de uso não previamente esterilizados,
etc.).
Insisto que para fazer jus à caracterização da atividade especial, não basta a condição de
cirurgião dentista; mas sim que o labor cotidiano, de forma permanente e ininterrupta, seja
realizado em condições diferenciadas, conforme descrições nos itens “Campos de Aplicação” e
“Serviços e atividades profissionais”, do Anexo IV, código 3.0.1 do Decreto nº 3.048/99, com
redação dada pelo Decreto 4.882/03 e repetidos no Anexo 14, da NR15-MTE.
O campo 14.2 (Descrição das Atividades) relata de forma genérica e padrão a conduta laboral da
autora (atendimento odontológico em geral (...), realiza raio X, faz orientações preventivas de
saúde bucal, etc.).
É certo que se trata uma atividade delicada, ínsita à sua própria natureza, mas a especialidade
exigida em lei corresponderia no atendimento exclusivo de pacientes diagnosticados com SIDA,
por exemplo. Se não fosse assim, não haveria o estímulo e a imprescindível contrapartida àquele
profissional que se dedica a situações mais delicadas do que o padrão, e que a norma visa
diferenciar.
Em face do intervalo delimitado entre , este exercido em clínica 01/09/2014 a 22/04/2016 própria
particular, na condição de contribuinte individual, há que se tecer as seguintes considerações.
Não desconheço que há recentes correntes doutrinárias e jurisprudenciais que aceitam o
cômputo diferenciado de atividades especiais para os segurados contribuintes individuais. Em
resumo, fiam-se no fato que o artigo 18, I, da Lei nº 8.213/91 não excepcionou qualquer categoria
de segurado; que o artigo 234 da Instrução Normativa nº 45/2010-INSS/PRES extrapolou os
limites da lei a regulamentar; bem como que a ausência de contribuição adicional para o
segurado contribuinte individual não é obstáculo, na medida em que esse diferencial só surgiu
para todas as categorias com o advento da Lei nº 9.732/98.
Sem me descurar dos argumentos expostos, com eles não posso concordar. Explico.
A redação original do Parágrafo 5º, do artigo 195, da Constituição Republicana de 1.988 traz o
que ficou conhecido na doutrina e jurisprudência como Princípio da Precedência da Fonte de
Custeio.
Em linhas gerais e para o que ora interessa, nenhum benefício pode ser criado, majorado ou
estendido às categorias de segurados, sem que exista a imprescindível e prévia fonte de custeio
total correspondente. Tal raciocínio não é novo e foi alçado pela primeira vez no ordenamento
jurídico pátrio no artigo 158, § 1º da Constituição Federal de 1967 e repetido no artigo 165,
Parágrafo Único, da Emenda Constitucional nº 01/69.
Por notório, com base nos ensinamentos da pirâmide normativa de Hans Kelsen, normalmente os
princípios constitucionais se sobrepõem às demais normas do ordenamento jurídico, inclusive de
regras expressas em seu próprio texto. Por conseguinte, havendo conflito entre estas e aqueles,
as últimas são afastadas ou por não recepção ou por inconstitucionalidade; pois são os princípios
que traçam as diretrizes da sociedade.
Como corolário do primeiro, vem o princípio do equilíbrio atuarial e financeiro (artigo 201, “caput”,
da Carta Magna) que prevê que só é possível o aumento de despesa para o fundo previdenciário
se houver proporcional receita apta a cobrir gastos de alteração legislativa.
Assim, se por um lado não há restrição na redação do artigo 18, I, alínea “d”, da Lei nº 8.213/91,
por outro é de insofismável clareza o disposto no artigo 57, §§ 6º e 7º, do mesmo diploma, ao
remeter à disciplina do artigo 22, Incisos I e II, da Lei nº 8.212/91; ou em outros termos, só aquele
que é segurado empregado/avulso foi contemplado pelo legislador ordinário para a aposentadoria
especial, pois o recolhimento diferenciado para fazer a contrapartida do tempo de
contribuição/serviço menor fica a cargo da empresa sobre o salário-de-contribuição destes
específicos empregados, o que não ocorre com o contribuinte individual, pois não está sujeito a
recolhimento com alíquotas maiores.
Por conseguinte, o artigo 234 da Instrução Normativa nº 45/2010 em nada extrapolou seu mister,
pois apenas reforçou e delimitou o que já está discriminado nas próprias leis de custeio e
benefício previdenciários, aparentemente com o próprio intuito de afastar o pensamento que ora
se combate.
Por fim, não é novidade que o legislador ordinário não acompanha, com a mesma velocidade e
necessidade, os anseios da sociedade refletivos nas Constituições Federais. Portanto, partindo
do pressuposto que o princípio da precedência da fonte de custeio é de 1967, desde então o
Congresso Nacional estava em falta com sua missão e, não por acaso, pode ter dado causa a
uma das razões para o déficit deste importante seguimento.
Em que pese acreditar que o princípio em comento sempre teve sua aplicabilidade imediata e
direta, o advento da Lei nº 9.732/98 apenas regulamentou a situação diferenciada da
aposentadoria especial dentro dos moldes da norma superior. Assim, não cabe ao Poder
Judiciário, “ ” e S.M.J., data maxima vênia expandir a hipótese de incidência onde o legislador não
o fez e sem respeitar os Princípios Constitucionais da precedência da fonte de custeio e do
equilíbrio financeiro e atuarial.
A título de “ ”, tampouco o laudo de fls. 149/156, espelhado no PPP de fls. 74, obter dictum
confirmou alguma hipótese ou situação que se encaixasse nos já mencionados requisitos do
Anexo XIV da NR-15-MTE; daí porque, também sob este enfoque, não está caracterizada a
insalubridade.
Por fim, de acordo com o extrato do Cadastro Nacional de Informações Sociais – CNIS, em nome
da Sra. ANDRÉIA juntado pelo INSS às fls. 223, percebo que a demandante permanece no
exercício da atividade de dentista . até, ao menos JUL/2017
Ora, se assim o é, impossível a concessão de aposentadoria especial, nos termos do § 8º, do Art.
57, da Lei nº 8.213/91; já que se deferida fosse esta espécie de descanso remunerado desde a
em DER em 22/04/2016, de rigor seu automático cancelamento com supedâneo na redação do
Art. 46 da mesma norma.
Assim, se é proibido ao segurado manter a aposentadoria especial ao continuar em labor
diferenciado; por certo que seu indeferimento segue o mesmo raciocínio. Ademais, esta situação
poderia demonstrar, sob outra perspectiva, de que efetivamente não existiria
insalubridade/penosidade/periculosidade suficientes no ambiente laboral a caracterizar seu
trabalho como especial e justificar a aposentadoria por tempo de contribuição.
DISPOSITIVO
Ato contínuo, COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, nos termos do artigo 487, I, do CPC/2015, os
pedidos formulados pela Sra. JULGO IMPROCEDENTES ANDRÉIA ALUISIO COSSARI para que
fosse reconhecido como especial e ato contínuo, convertê-lo para tempo comum, os intervalos
entre 06/03/1997 a 29/10/2014 e de 01/09/2014 a 22/04/2016; com a respectiva concessão do
benefício previdenciário de aposentadoria especial (NB 178.076.553-0 – DER 14/06/2016).
(...)"
Dado o caráter excepcional de que se reveste a ação rescisória, para a configuração da hipótese
de rescisão com fundamento em violação a literal disposição de lei, é certo que o julgado
impugnado deve violar, de maneira flagrante, preceito legal de sentido unívoco e incontroverso.
Sobre o tema, anota Theotonio Negrão:
"Art. 485: 20. 'Para que a ação rescisória fundada no art. 485, V, do CPC prospere, é necessário
que a interpretação dada pelo 'decisum' rescindendo seja de tal modo aberrante que viole o
dispositivo legal em sua literalidade. Se, ao contrário, o acórdão rescindendo elege uma dentre as
interpretações cabíveis, ainda que não seja a melhor, a ação rescisória não merece vingar, sob
pena de tornar-se recurso ordinário com prazo de interposição de dois anos' (RSTJ 93/416. no
mesmo sentido: RT 634/93." (Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor. São
Paulo: Saraiva, 44ª edição, 2012, p. 600).
Com efeito, assiste razão à parte autora ao alegar que o julgado rescindendo incorreu em
violação manifesta a norma jurídica.
Para a comprovação da atividade especial, na ação subjacente, a parte autora apresentou PPP,
datado de 25/05/2016, referente ao período de 01/03/1991 a 30/08/2014, no qual consta que
exerceu o cargo de cirurgião dentista/dentista, no ambulatório médico e odontológico, na Ibietê
Agropecuária Ltda., com exposição a agentes biológicos (vírus, bactérias e fungos) e radiações
inonizantes (ID 54895535 – pág. 1/2). Apresentou também PPP (ID 54895535 – pág. 3/4) e laudo
técnico (ID 54895536), datados de 22/04/2016, assinados pelo médico do trabalho Dr. Farid
Felicio Casseb Filho, referentes ao período de 01/09/2014 a 22/04/2016, informando que exerceu
a atividade de cirurgião dentista em consultório odontológico, com exposição a radiação ionizante
e agentes biológicos (vírus, bactérias e fungos).
Por sua vez, a decisão rescindenda deixou de reconhecer a atividade especial considerando que
à caracterização da atividade especial não basta a condição de cirurgião dentista, mas sim que o
labor cotidiano, de forma permanente e ininterrupta, seja realizado em condições diferenciadas,
como por exemplo, com atendimento exclusivo de pacientes diagnosticados com SIDA. Também
não restou conhecido o período em que a autora trabalhou em clínica própria particular, na
condição de contribuinte individual, tendo em vista que só aquele que é segurado
empregado/avulso foi contemplado pelo legislador ordinário para a aposentadoria especial.
Com efeito, o exercício de atividade que envolve agentes biológicos em trabalhos e operações
em contato permanente com pacientes em hospitais, serviços de emergência, enfermarias,
ambulatórios, postos de vacinação e outros estabelecimentos destinados aos cuidados da saúde
humana, é considerada insalubre em grau médio, conforme dispõe o Anexo 14, da NR 15, da
Portaria 3214/78.
Por outro lado, não há óbice ao reconhecimento da atividade especial e concessão de
aposentadoria especial à atividade de autônomo, desde que comprovada a exposição de forma
habitual e permamente a agents nocivos, nos termos do artigo 57, §3º da Lei nª 8.213/91.
Também não há como prosperar a alegação de ausência de prévia fonte de custeio, em razão de
ser a parte autora contribuinte individual. Nesse sentido, é o entendimento do Superior Tribunal
de Justiça:
"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. SEGURADO INDIVIDUAL. TEMPO DE
SERVIÇO PRESTADO EM CONDIÇÕES PREJUDICIAIS À SAÚDE OU INTEGRIDADE FÍSICA.
POSSIBILIDADE.
1. O art. 57 da Lei n. 8.213/91, que regula a aposentadoria especial, não faz distinção entre os
segurados, abrangendo também o segurado individual (antigo autônomo), estabelecendo como
requisito para a concessão do benefício o exercício de atividade sujeita a condições que
prejudiquem a saúde ou a integridade física do trabalhador.
2. Segundo jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, os benefícios criados diretamente pela
própria Constituição, como é o caso da aposentadoria especial (art. 201, § 1º, CF/88), não se
submetem ao comando do art. 195, § 5º, da CF/88, que veda a criação, majoração ou extensão
de benefício sem a correspondente fonte de custeio. Precedente: RE 151.106 AgR, Relator: Min.
CELSO DE MELLO, Primeira Turma, julgado em 28/09/1993, DJ 26-11-1993 PP 25516 EMET
VOL/01727-04 PP-00722.
3. O segurado individual faz jus ao reconhecimento de tempo de serviço prestado em condições
especiais, desde que seja capaz de comprovar o exercício de atividades consideradas
prejudiciais à saúde ou à integridade física, nos moldes previstos à época em realizado o serviço -
até a vigência da Lei n. 9.032/95 por enquadramento nos Decretos 53.831/1964 e 83.080/1979 e,
a partir da inovação legislativa, com a comprovação de que a exposição aos agentes insalubres
se deu de forma habitual e permanente.
4. Recurso especial a que se nega provimento." (REsp 1.473.155/RS)
Por fim, não há que se afastar o caráter habitual e permanente da atividade insalubre exercida
pelo contribuinte individual pelo simples fato de que não era empregado, pois a habitualidade e
permanência não se confundem com a subordinação que rege a relação entre empregado e
empregador, mas referem-se ao fato de que, em decorrência de seu trabalho, esteja o segurado
em contato habitual e permanente com agentes insalubres.
Assim, verifica-se que razão assiste à parte autora ao alegar que o julgado rescindendo incorreu
em violação manifesta a norma jurídica, no tocante ao reconhecimento da atividade especial nos
períodos de 6/03/1997 a 29/10/2014 e de 01/09/2014 a 22/04/2016, uma vez que este considerou
que a parte autora não havia comprovado a especialidade do trabalho, apesar de ter juntado aos
autos, CTPS (ID 54895568 – pág. 162/177), guias de recolhimento de contribuições
previdenciárias como contribuinte individual (extrato do CNIS - ID 54895568 – pág. 213), Perfil
Profissiográfico Profissional e laudo pericial trazendo a conclusão de que a parte autora
desenvolveu sua atividade profissional, na função de cirurgiã dentista, com exposição a agentes
biológicos. Referida atividade e agente agressivo são classificados como especial, conforme os
códigos 1.3.2 e 2.1.3 do Decreto nº 53.831/64 e códigos 1.3.4 e 2.1.3 dos Anexos I e II do
Decreto nº 83.080/79, em razão da habitual e permanente exposição aos agentes ali descritos.
Desta forma, rescinde-se o julgado questionado, restando caracterizada a hipótese legal do inciso
V do artigo 966 do Código de Processo Civil/2015.
Realizado o juízo rescindente, passo ao juízo rescisório.
Busca a parte autora o reconhecimento do trabalho exercido em condições especiais e a
concessão de aposentadoria especial.
Há de se distinguir, de início, a aposentadoria especial prevista no art. 57 da Lei nº 8.213/91, da
aposentadoria por tempo de serviço, prevista no art. 52 da Lei nº 8.213/91. A primeira pressupõe
o exercício de atividade considerada especial pelo tempo de 15, 20 ou 25 (quinze, vinte ou vinte e
cinco) anos, e, cumprido esse requisito, o segurado tem direito à aposentadoria com valor
equivalente a 100% (cem por cento) do salário-de-benefício (§ 1º do art. 57). A segunda
pressupõe tanto o exercício de atividade especial como o exercício de atividade comum, sendo
que o período de atividade laborado em atividade especial sofre a conversão em atividade
comum, aumentando, assim, o tempo de serviço do trabalhador, e, conforme a data em que o
segurado preenche os requisitos, deverá se submeter às regras da EC nº 20/98.
No tocante ao reconhecimento da atividade especial, é firme a jurisprudência no sentido de que a
legislação aplicável para a caracterização do denominado trabalho em regime especial é a
vigente no período em que a atividade a ser considerada foi efetivamente exercida.
Para a verificação do tempo de serviço em regime especial, no caso, deve ser levada em conta a
disciplina estabelecida pelos Decretos nºs 83.080/79 e 53.831/64.
Salvo no tocante aos agentes físicos ruído e calor, a exigência de laudo técnico para a
comprovação das condições adversas de trabalho somente passou a ser obrigatória a partir de
05/03/1997, data da publicação do Decreto nº 2.172/97, que regulamentou a Lei nº 9.032/95 e a
MP 1.523/96, convertida na Lei nº 9.528/97.
Contudo, em se tratando de matéria reservada à lei, tal decreto somente teve eficácia a partir da
edição da Lei nº 9.528, de 10/12/1997, entendo que a exigência de laudo técnico para a
comprovação das condições adversas de trabalho somente passou a ser exigência legal a partir
de 11/12/1997, nos termos da referida lei, que alterou a redação do § 1º do artigo 58 da Lei nº
8.213/91. Neste sentido, precedentes do Superior Tribunal de Justiça: REsp nº 422616/RS,
Relator Ministro Jorge Scartezzini, j. 02/03/2004, DJ 24/05/2004, p. 323; REsp nº 421045/SC,
Relator Ministro Jorge Scartezzini, j. 06/05/2004, DJ 28/06/2004, p. 382.
Todavia, não se exige que a profissão do segurado seja exatamente uma daquelas descritas nos
anexos dos Decretos nºs 53.831/64 e 83.080/79, sendo suficiente para reconhecimento da
atividade especial que o trabalhador esteja sujeito, em sua atividade, aos agentes agressivos
descritos em referido anexo, na esteira de entendimento firmado pelo Superior Tribunal de
Justiça, conforme se verifica dos fragmentos de ementas a seguir transcritos:
"A jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de que o rol de atividades
consideradas insalubres, perigosas ou penosas é exemplificativo, pelo que, a ausência do
enquadramento da atividade desempenhada não inviabiliza a sua consideração para fins de
concessão de aposentadoria." (REsp nº 666479/PB, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, j.
18/11/2004, DJ 01/02/2005, p. 668);
"Apenas para registro, ressalto que o rol de atividades arroladas nos Decretos n.os 53.831/64 e
83.080/79 é exemplificativo, não existindo impedimento em considerar que outras atividades
sejam tidas como insalubres, perigosas ou penosas, desde que devidamente comprovadas por
laudo pericial." (REsp nº 651516/RJ, Relatora Ministra Laurita Vaz, j. 07/10/2004, DJ 08/11/2004,
p. 291).
Ressalte-se que o artigo 58, § 1º, da Lei 8.213/91, com a redação dada pela Lei 9.732, de
11/12/1998, dispõe que a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos
será efetuada nos termos da legislação trabalhista.
O art. 194 da CLT aduz que o fornecimento de Equipamento de Proteção Individual pelo
empregador, aprovado pelo órgão competente do Poder Executivo, seu uso adequado e a
consequente eliminação do agente insalubre são circunstâncias que tornam inexigível o
pagamento do adicional correspondente. Portanto, retira o direito ao reconhecimento da atividade
como especial para fins previdenciários.
Por sua vez, o art. 195 da CLT estabelece: A caracterização e a classificação da insalubridade e
da periculosidade, segundo as normas do Ministério do Trabalho, far-se-ão através de perícia a
cargo do Médico do Trabalho ou Engenheiro do Trabalho, registrado no Ministério do Trabalho.
No presente caso, a parte autora demonstrou haver laborado em atividade especial nos períodos
de 6/03/1997 a 29/10/2014, como empregada, e de 01/09/2014 a 22/04/2016, como autônoma,
comprovando também o recolhimento das contribuições previdenciárias, conforme a legislação
aplicável à espécie, em virtude de sua exposição, de forma habitual e permanente, aos agentes
nocivos supracitados.
Ressalte-se que, quando da análise do requerimento administrativo NB 42/178.076.553-0, a
autarquia previdenciária reconheceu o exercício de atividade especial no período de 01/03/1991 a
05/03/1997, restando, portanto, incontroverso (ID 54895538 – pág. 230).
Desta forma, não há dúvida de que a parte autora tem direito à concessão de aposentadoria
especial, desde o requerimento administrativo (14/06/2016), tendo em vista que trabalhou por
mais de 25 (vinte e cinco) anos em atividade considerada insalubre, nos termos do artigo 57 da
Lei nº 8.213/91.
O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo (14/06/2016),
nos termos do artigo 57, §2º c.c artigo 49, inciso II, da Lei n.º 8.213/91.
Quanto à possibilidade de percepção do benefício da aposentadoria especial na hipótese em que
o segurado permanece no exercício de atividades laborais nocivas à saúde, o Colendo Supremo
Tribunal Federal, quando do julgamento do R.Ext. 791961, em sessão Plenária do dia
08/06/2020, assim decidiu:
O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Ministro Dias Toffoli (Presidente e Relator),
apreciando o tema 709 da repercussão geral, deu parcial provimento ao recurso extraordinário e
fixou a seguinte tese: "I) É constitucional a vedação de continuidade da percepção de
aposentadoria especial se o beneficiário permanece laborando em atividade especial ou a ela
retorna, seja essa atividade especial aquela que ensejou a aposentação precoce ou não. II) Nas
hipóteses em que o segurado solicitar a aposentadoria e continuar a exercer o labor especial, a
data de início do benefício será a data de entrada do requerimento, remontando a esse marco,
inclusive, os efeitos financeiros. Efetivada, contudo, seja na via administrativa, seja na judicial a
implantação do benefício, uma vez verificado o retorno ao labor nocivo ou sua continuidade,
cessará o benefício previdenciário em questão".
A correção monetária e os juros de mora serão aplicados de acordo com o vigente Manual de
Cálculos da Justiça Federal, atualmente a Resolução nº 267/2013, observado o julgamento final
do RE 870.947/SE em Repercussão Geral, em razão da suspensão do seu decisum deferida nos
embargos de declaração opostos pelos entes federativos estaduais, conforme r. decisão do
Ministro Luiz Fux, em 24/09/2018.
A autarquia previdenciária está isenta do pagamento de custas e emolumentos, nos termos do
art. 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96, do art. 24-A da Lei nº 9.028/95 (dispositivo acrescentado pela
Medida Provisória nº 2.180-35/01) e do art. 8º, § 1º, da Lei nº 8.620/93, o que não inclui as
despesas processuais. Todavia, a isenção de que goza a autarquia não obsta a obrigação de
reembolsar as custas suportadas pela parte autora, quando esta é vencedora na lide. Entretanto,
no presente caso, não há falar em custas ou despesas processuais, por ser a autora beneficiária
da assistência judiciária gratuita.
Em observância ao artigo 85, §§2º e 3º, do CPC de 2015 e à Súmula nº 111 do Colendo Superior
Tribunal de Justiça, os honorários advocatícios devem ser fixados em 10% (dez por cento) sobre
a soma das parcelas devidas até a data da prolação do presente julgado.
Diante do exposto JULGO PROCEDENTE A AÇÃO RESCISÓRIA, para desconstituir a sentença
proferida nos autos da ação nº 5000013-18.2017.4.03.6136, com fundamento no artigo 966,
inciso V, do Código de Processo Civil/2015 e, em juízo rescisório julgar procedente o pedido
formulado na ação subjacente, determinando a concessão de aposentadoria especial, com termo
inicial, juros de mora e correção monetária, além de honorários advocatícios, na forma da
fundamentação adotada.
É o voto.
E M E N T A
AÇÃO RESCISÓRIA. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. VIOLAÇÃO DE LEI
CARACTERIZADA. ATIVIDADE ESPECIAL RECONHECIDA. APOSENTADORIA ESPECIAL
DEVIDA.
1. Dado o caráter excepcional de que se reveste a ação rescisória, para a configuração da
hipótese de rescisão com fundamento em violação a literal disposição de lei, é certo que o julgado
impugnado deve violar, de maneira flagrante, preceito legal de sentido unívoco e incontroverso.
2. Assiste razão à parte autora ao alegar que o julgado rescindendo incorreu em violação
manifesta a norma jurídica. A decisão rescindenda deixou de reconhecer a atividade especial nos
períodos de 6/03/1997 a 29/10/2014 e de 01/09/2014 a 22/04/2016, apesar de a parte autora ter
comprovado que desenvolveu sua atividade profissional, na função de cirurgiã dentista, com
exposição a agentes biológicos, como empregada e autônoma, comprovando também o
recolhimento das contribuições previdenciárias.
3. Mesmo se tratando de contribuinte individual, não há óbice ao reconhecimento do labor
especial, desde que efetivamente comprovado o exercício de atividade que exponha o
trabalhador de forma habitual e permanente, não eventual nem intermitente, aos agentes nocivos.
4. Totalizando a segurada tempo de serviço especial superior a 25 (vinte e cinco) anos na data do
requerimento administrativo, é devida aposentadoria especial, desde então.
5. A correção monetária e os juros de mora serão aplicados de acordo com o vigente Manual de
Cálculos da Justiça Federal, atualmente a Resolução nº 267/2013, observado o julgamento final
do RE 870.947/SE em Repercussão Geral, em razão da suspensão do seu decisum deferida nos
embargos de declaração opostos pelos entes federativos estaduais, conforme r. decisão do
Ministro Luiz Fux, em 24/09/2018.
6. A autarquia previdenciária está isenta do pagamento de custas e emolumentos, mas não
quanto às despesas processuais. Todavia, a isenção de que goza essa autarquia não obsta a
obrigação de reembolsar as custas pagas pela parte autora, quando esta é vencedora na lide.
Entretanto, no presente caso, não há falar em custas ou despesas processuais, uma vez que a
parte autora é beneficiária da assistência judiciária.
7. Em observância ao artigo 85, §§2º e 3º, do CPC de 2015 e à Súmula nº 111 do Colendo
Superior Tribunal de Justiça, os honorários advocatícios devem ser fixados em 10% (dez por
cento) sobre a soma das parcelas devidas até a data da prolação do presente julgado.
8. Ação rescisória julgada procedente e, em juízo rescisório, procedente o pedido de concessão
de aposentadoria especial. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Terceira Seção,
por unanimidade, decidiu julgar procedente a ação rescisória, para desconstituir a sentença
proferida, com fundamento no art. 966, V, do CPC/15 e, em juízo rescisório julgar procedente o
pedido formulado na ação subjacente, determinando a concessão de aposentadoria especial, nos
termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA