Processo
AR - AçãO RESCISóRIA / SP
5011796-48.2018.4.03.0000
Relator(a)
Desembargador Federal MARIA LUCIA LENCASTRE URSAIA
Órgão Julgador
3ª Seção
Data do Julgamento
30/06/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 03/07/2020
Ementa
E M E N T A
AÇÃO RESCISÓRIA. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO.
RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE RURAL. ERRO DE FATO NÃO CONFIGURADO.
1. Para se desconstituir a coisa julgada com fundamento em erro de fato é necessária a
verificação de sua efetiva ocorrência, no conceito estabelecido pelo próprio legislador, o que não
ocorreu no presente feito. 2. Tendo o julgado rescindendo apreciado todos os elementos
probatórios, em especial os documentos carreados aos autos e a prova oral colhida, é patente
que a parte autora, ao postular a rescisão do julgado, na verdade busca a reapreciação da prova
produzida na ação subjacente.
3. Certo é que a ação rescisória não é via apropriada para corrigir eventual injustiça decorrente de
equivocada valoração da prova, não se prestando, enfim, à simples rediscussão da lide, sem que
qualquer das questões tenha deixado de ser apreciada na demanda originária.
4. Rescisória improcedente.
Acórdao
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº5011796-48.2018.4.03.0000
RELATOR:Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
AUTOR: LUCIA HELENA DIAS DOS SANTOS
Advogado do(a) AUTOR: LICELE CORREA DA SILVA FERNANDES - SP129377-N
REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº5011796-48.2018.4.03.0000
RELATOR:Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA
AUTOR: LUCIA HELENA DIAS DOS SANTOS
Advogado do(a) AUTOR: LICELE CORREA DA SILVA FERNANDES - SP129377-N
REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Trata-se de ação rescisória
ajuizada por Lucia Helena Dias dos Santos em face do Instituto Nacional do Seguro Social, com
fundamento no artigo 966, inciso VIII, do Código de Processo Civil – erro de fato, visando
desconstituir acórdão proferido pela 9ª Turma desta Corte, que deu provimento à remessa oficial
e à apelação do INSS para julgar improcedentes os pedidos de reconhecimento de atividade rural
e de concessão de aposentadoria por tempo de serviço.
Alega a parte autora que o acórdão em questão deve ser rescindido, pois incidiu em erro de fato
ao deixar de reconhecer a atividade rural no período de 1977 a 1988, não considerando o início
de prova material apresentado, corroborado pela prova oral colhida.
Os benefícios da justiça gratuita foram concedidos e foi indeferido o pedido de tutela de urgência
(ID 5344960).
Regularmente citado, o INSS apresentou contestação (ID 7210403), alegando a incidência da
Súmula 343 do STF, bem como a inexistência de erro de fato, apenas uma desvirtuação do
objetivo da ação rescisória, usada no caso concreto como se fosse mais uma instância recursal,
prática vedada pelo STJ.
Não houve apresentação de réplica.
Instadas, as partes não apresentaram razões finais.
O Ministério Público Federal opinou pelo regular prosseguimento do feito (ID 71839512).
É o relatório.
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº5011796-48.2018.4.03.0000
RELATOR:Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA
AUTOR: LUCIA HELENA DIAS DOS SANTOS
Advogado do(a) AUTOR: LICELE CORREA DA SILVA FERNANDES - SP129377-N
REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Verifico que foi obedecido o
prazo de dois anos estabelecido pelo artigo 975 do CPC, considerando o ajuizamento da
rescisória em 29/05/2018 e o trânsito em julgado ocorrido em 14/03/2017 (ID 3160734).
Pretende a parte autora a rescisão de acórdão proferido nos autos da ação nº
2015.03.99.038168-8, sob fundamento de erro de fato, nos termos do artigo 966, inciso VIII, do
CPC.
Contudo, no presente caso, é patente que a parte autora, ao postular a rescisão do julgado, na
verdade busca a reapreciação da prova produzida na ação subjacente.
A parte autora ajuizou ação ordinária postulando aposentadoria por tempo de serviço, mediante o
reconhecimento de atividade rural, sem registro em CTPS, no período de 1977 a 1988.
A r. sentença julgou procedente a ação de aposentadoria por tempo de serviço proposta,
condenando a Autarquia a conceder o benefício a partir da citação, com consectários legais.
Nos autos da ação subjacente foram juntados os seguintes documentos:
certidão de casamento, realizado em 14/12/2001, na qual o cônjuge da autora foi qualificado
como lavrador (ID 3159837 – p.14);
CTPS com vínculos urbanos nos períodos de 21/04/1988 a 26/03/2001, na função de auxiliar de
produção na Brasan-O Eletrônica Ltda., e de 16/09/2002 a 11/10/2002, como ajudante geral na
Dihgmos Ind. Com. Ltda. ME (ID 3159837 – pág. 15/17);
Notas fiscais de produtor rural em nome de seu genitor (José Delfino dos Santos) datadas de
08/01/1991 (ID 3159837 – pág. 19/20);
Declaração do Sindicato Rural de Pilar do Sul, datada de 21/11/2012, na qual consta que a autora
exerceu atividade rural de 21/11/1979 a 31/03/1988 em regime de agricultura familiar na
propriedade de seus genitores (ID 3159837 – pág. 27/29) e
extrato do CNIS, no qual constam recolhimentos como Contribuinte Individual nas competências
de 10/2001 a 08/2002 e de 10/2002 a 04/2013 (ID 3160473 – pág. 1/3).
A decisão rescindenda apreciou todos os elementos probatórios, em especial os documentos
carreados aos autos e a prova oral, tendo se pronunciado, quanto ao reconhecimento da
atividade rural, nos seguintes termos:
"(...)
No caso, a autora afirma na inicial que entre 1977 a 1988 laborou com a família em ambiente
rural.
Para comprovar o alegado, acostou duas notas fiscais de produtor rural em nome de seu genitor
relativas ao ano de 1991 e uma declaração de exercício de atividade rural (fls. 31/33).
As notas fiscais mencionadas não se prestam para fins previdenciários, já que extemporâneas
aos fatos que se pretende provar.
Por seu turno, a declaração do Sindicato Rural de Pilar do Sul não faz prova do labor rural,
porque não foi devidamente homologado pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, nos
exatos termos do que dispõe o art. 106, III da Lei 8.213/91. Ademais, é extemporânea aos fatos
em contenda e, desse modo, equipara-se a simples testemunho, com a deficiência de não ter
sido colhido sob o crivo do contraditório.
Os depoimentos das testemunhas foram vagos e mal circunstanciados em relação ao suposto
exercício de atividade rural da autora.
Assim, joeirado o conjunto probatório, entendo que não restou comprovada a faina rural nos
moldes alegados.
(...)"
Sem adentrar no mérito da tese firmada na decisão, certo é que ao analisar a questão referente
ao alegado trabalho rural, o julgado rescindendo, sopesando todo o conjunto probatório acostado
aos autos da ação subjacente, decidiu pelo não reconhecimento da atividade rural, considerando
os documentos apresentados, bem como a prova oral colhida.
Assim não resta configurada a hipótese prevista no artigo 966, inciso VIII § 1º, do Código de
Processo Civil, pois para a verificação do erro de fato, a ensejar a rescisão do julgado, é
necessário que este tenha admitido fato inexistente ou considerado inexistente fato efetivamente
ocorrido, bem como não tenha ocorrido controvérsia e nem pronunciamento judicial sobre o fato.
Com efeito, não se presta a rescisória ao rejulgamento do feito, como ocorre na apreciação dos
recursos. Para se desconstituir a coisa julgada com fundamento em erro de fato é necessária a
verificação de sua efetiva ocorrência, no conceito estabelecido pelo próprio legislador.
Nas palavras do eminente processualista Cassio Scarpinella Bueno: "O erro de fato não autoriza
a rescisão da sentença e o proferimento de nova decisão por má avaliação da prova ou da
matéria controvertida em julgamento. Não se trata de uma "nova chance" para rejulgamento da
causa. Muito diferentemente, o erro de fato que autoriza a ação rescisória é o que se verifica
quando a decisão leva em consideração fato inexistente nos autos ou desconsidera fato
inconteste nos autos. Erro de fato se dá, por outras palavras, quando existe nos autos elemento
capaz, por si só, de modificar o resultado do julgamento, embora ele não tenha sido considerado
quando do seu proferimento ou, inversamente, quando leva-se em consideração elemento
bastante para julgamento que não consta dos autos do processo"(in Código de Processo Civil
Interpretado. Coordenador Antonio Carlos Marcato. São Paulo: Atlas, 2004, p. 1480).
Sobre o tema, já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça nos seguintes termos:
"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. ERRO DE FATO.
AUSÊNCIA. RURÍCOLA. APOSENTADORIA POR IDADE. PROVA. VALORAÇÃO.
I - Ausência de erro de fato no julgado a ensejar propositura de ação rescisória, tendo em vista
que todas as provas juntadas aos autos foram valoradas.
II - A concessão de benefício previdenciário a rurícola depende de razoável comprovação
documental da atividade laborativa rural. Súmula 149-STJ.
III - Recurso não conhecido." (REsp nº 268.506/DF, Relator Ministro GILSON DIPP, j. 04/10/2001,
DJ 05/11/2001, p. 130).
Confira-se, ainda, o entendimento adotado à unanimidade pela Terceira Seção desta Corte
Regional:
"AÇÃO RESCISÓRIA. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. EXERCÍCIO DE
ATIVIDADE RURAL. ERRO DE FATO. NÃO OCORRÊNCIA. OFENSA A LITERAL DISPOSIÇÃO
DE LEI. MATÉRIA DE INTERPRETAÇÃO CONTROVERTIDA NOS TRIBUNAIS. REGIME DE
ECONOMIA FAMILIAR. NÃO CONFIGURAÇÃO.
I - O erro de fato, como resultado de atos ou fatos do processo, configura-se desde que admitido
fato inexistente, ou negado fato ocorrido, sem que, sobre a matéria, tenha havido controvérsia ou
pronunciamento judicial.
II - Hipótese em que houve expressa apreciação da matéria, restando assentado no acórdão que
os documentos que instruíram o pedido originário não servem para traduzir início de prova
material, daí porque não se pode afirmar ter ocorrido admissão de fato inexistente, ou que tenha
sido considerado inexistente fato efetivamente verificado, ainda que se possa, em tese, aventar a
injustiça do julgamento, controvérsia, porém, que gira em torno de valoração da prova,
insuscetível, nesse passo, de ser reexaminada em sede de ação rescisória. Aplicação do art. 485,
inc. IX e §§ 1º e 2º, CPC."
III - A matéria referente à utilidade ou não, como início razoável de prova material, da
documentação trazida ao feito originário, em razão de referir-se, toda, ao marido da autora, e
também em vista de nada demonstrar no tocante a um eventual exercício da atividade em regime
de economia familiar, recebeu tratamento divergente pelos tribunais, ora afirmando a sua
possibilidade, ora negando-a, dissensão somente pacificada com a edição da Súmula 149/STJ,
que assentou entendimento no sentido da vedação ao reconhecimento desse tempo de serviço
sem outras provas.
IV - O aresto rescindendo, que adotou orientação contrária à autora, pela imprestabilidade dos
documentos trazidos à colação para servir de prova indiciária, não infringiu qualquer disposição
literal de lei, a teor do que dispõe o art. 485, V, CPC. Orientação da Súmula nº 343/STF.
V - Além disso, os elementos carreados aos autos da ação subjacente não são suficientes à
comprovação do regime de economia familiar, no qual o trabalho é exercido pelos membros da
família, em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados,
tido como indispensável à própria subsistência, nos termos do art. 11, § 1º, da Lei nº 8.213/91,
sendo tal conceito, aliás, já esboçado no artigo 160 do Estatuto do Trabalhador Rural - Lei nº
4.214, de 02 de março de 1963.
VI - Demonstrou-se, naquele feito, que o marido da autora é proprietário de dois imóveis rurais: o
primeiro, de 75,6250 hectares, ou 31 alqueires e ¼, adquirido em 09 de junho de 1958,
denominado "Fazenda Macaúbas" e localizado no Município de Magda/SP, conforme a cópia de
certidão expedida pelo Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Nhandeara/SP (fls. 26); o
segundo, adquirido em 18 de agosto de 1964, em área contígua à propriedade anterior, medindo
36 hectares, 90 ares e 51 centiares, ou 15 alqueires e uma quarta, constituído de duas glebas de
24,20 hectares e 12,10 hectares, conforme as cópias da escritura de venda e compra (fls. 25) e
das certidões emanadas do mesmo cartório, trazidas à colação, ainda, cópias de notas fiscais de
produtor, abrangendo o período de 1990 a 1997, nas quais apenas se atesta a inscrição do
cônjuge varão perante o fisco estadual, à época.
VII - É de ser assentada, em conseqüência, a ausência de qualquer documento que pudesse
fornecer esclarecimento acerca do tipo de exploração econômica da propriedade, tal como
inscrição dos imóveis rurais junto ao INCRA, a fim de se averiguar se havia, ou não, o concurso
de empregados, o que, em caso positivo, serviria para descaracterizar o alegado exercício da
atividade em regime de economia familiar.
VIII - Ressalve-se ter vindo à colação cópia da Certidão de Casamento da autora, em que seu
marido aparece qualificado como lavrador, documento que se revela de nenhum interesse para a
causa, eis que, por si só, não têm o condão de assentar a natureza do exercício do labor
supostamente desenvolvido, vale dizer, se a forma de exploração das propriedades se dava com
a utilização de empregados ou somente por meio do trabalho prestado pelos membros da família.
IX - Ação rescisória julgada improcedente." (AR n.º 1325/SP, Relatora Desembargadora Federal
Marisa Santos, j. 11/05/2005, DJ 14/07/2005).
Por fim, em consulta ao Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, em terminal instalado
no gabinete desta Relatora, verificou-se que a parte autora recebe aposentadoria por tempo de
contribuição desde 24/10/2018 (NB 1720198265).
Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO formulado na presente ação rescisória,
nos termos da fundamentação acima.
Condeno a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios que fixo em R$1.000,00 (mil
reais), cuja exigibilidade fica suspensa, nos termos do art. 98, §3º, do CPC, por ser beneficiária
da assistência judiciária gratuita, conforme entendimento majoritário da 3ª Seção desta Corte.
É o voto.
E M E N T A
AÇÃO RESCISÓRIA. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO.
RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE RURAL. ERRO DE FATO NÃO CONFIGURADO.
1. Para se desconstituir a coisa julgada com fundamento em erro de fato é necessária a
verificação de sua efetiva ocorrência, no conceito estabelecido pelo próprio legislador, o que não
ocorreu no presente feito. 2. Tendo o julgado rescindendo apreciado todos os elementos
probatórios, em especial os documentos carreados aos autos e a prova oral colhida, é patente
que a parte autora, ao postular a rescisão do julgado, na verdade busca a reapreciação da prova
produzida na ação subjacente.
3. Certo é que a ação rescisória não é via apropriada para corrigir eventual injustiça decorrente de
equivocada valoração da prova, não se prestando, enfim, à simples rediscussão da lide, sem que
qualquer das questões tenha deixado de ser apreciada na demanda originária.
4. Rescisória improcedente. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Seção, por
unanimidade, decidiu julgar improcedente a ação rescisória, nos termos do voto da
Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora), no que foi acompanhada pelos
Desembargadores Federais TORU YAMAMOTO, DAVID DANTAS, GILBERTO JORDAN, PAULO
DOMINGUES, NELSON PORFIRIO, CARLOS DELGADO, INÊS VIRGÍNIA e BATISTA
GONÇALVES, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
