
3ª Seção
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5024324-41.2023.4.03.0000
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. JOÃO CONSOLIM
AUTOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
REU: LUIZ DIAS DA SILVA
Advogado do(a) REU: FABIANA LOPES PEREIRA KALLAS - SP306776-N
OUTROS PARTICIPANTES:
3ª Seção
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5024324-41.2023.4.03.0000
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. JOÃO CONSOLIM
AUTOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
REU: LUIZ DIAS DA SILVA
Advogado do(a) REU: FABIANA LOPES PEREIRA KALLAS - SP306776-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Excelentíssimo Desembargador Federal JOÃO CONSOLIM (Relator):
Trata-se de ação rescisória proposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em face de Luiz Dias da Silva, com fundamento no artigo 966, incisos III, V e VIII, do Código de Processo Civil, objetivando desconstituir acórdão proferido nos autos do processo n. 6072238-02.2019.4.03.9999 (000065346.2018.8.26.0624), que deu provimento ao recurso de apelação do então exequente, em sede de cumprimento de sentença, para que fosse observada a tese firmada no Tema n. 1.018 do STJ, autorizando a execução referente aos valores atinentes às prestações atrasadas do benefício concedido judicialmente, com DIB em 17.10.2012, até o dia anterior à concessão do benefício de aposentadoria por idade, mais vantajoso concedido na via administrativa em 20.6.2017.
O INSS alega, em síntese, não ser o caso de aplicação da tese firmada no Tema n.1.018 do STJ, por não se tratar de opção ao benefício mais vantajoso concedido na esfera administrativa, cuja autorização da execução dos valores das prestações atrasadas do benefício concedido judicialmente é permitida, mas de impossibilidade de se executar valores de aposentadoria do Regime Geral, fundada em períodos já utilizados no Regime Próprio, especificamente na TatuíPrev – Previdência do Município de Tatuí.
Afirma que a parte ré pleiteou, na via judicial, a concessão de benefício de aposentadoria por tempo de contribuição pelo regime geral, julgado procedente em segunda instância. Transitada em julgado a ação e iniciado o cumprimento de sentença, ao proceder à implantação do benefício, a autarquia verificou constar em nome da parte segurada pedido de expedição de Certidão de Tempo de Contribuição – CTC, para fins de contagem recíproca, do período trabalhado junto ao RGPS, visando à obtenção de aposentadoria no Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) do Município de Tatuí.
Apontada a controvérsia, e instada a se manifestar, a parte segurada esclareceu que, durante o trâmite do processo judicial, foi-lhe concedido administrativamente pelo ente Municipal o benefício de aposentadoria por idade no regime próprio do Município de Tatuí.
Diante disso, optou pelo recebimento daquela aposentadoria, em razão de ser mais vantajosa, e pleiteou a execução das parcelas vencidas do benefício concedido judicialmente, com DIB em 17.10.2012 até o dia anterior à data da implantação do benefício pelo regime próprio em 20.6.2017.
A Autarquia Previdenciária ofertou impugnação, diante da vedação contida no artigo 96, inciso III, da Lei n. 8.213/1991, acolhida por sentença (p. 74 do Id 279187685).
Entretanto, afirma ter o exequente apresentado apelação, com razões que demonstram dolo ao omitir que já estava aposentado no regime próprio (Id 279187682).
Afirma que o r. acórdão, em manifesta violação à norma, aplicou ao caso a tese firmada no Tema n. 1.018 do STJ, dando provimento à apelação do exequente, autorizando a execução, referente aos valores atinentes às prestações atrasadas do benefício concedido judicialmente, com DIB em 17.10.2012, até o dia anterior à concessão do benefício de aposentadoria por idade mais vantajoso, concedido na via administrativa em 20.6.2017.
No entanto, aduz que o Tema n. 1.018 do STJ não é aplicável ao caso, porque não se trata de opção por aposentadoria concedida administrativamente pelo INSS, em detrimento de aposentadoria concedida judicialmente, mas de recebimento de aposentadoria concedida em Regime Próprio - RPPS, omitida pelo segurado durante todo o trâmite do processo de conhecimento, com a utilização de todo período contributivo, usado em duplicidade para a aposentação no regime geral.
Requer a procedência do pedido rescindendo, porquanto o acórdão decorre de dolo da parte ré, ao omitir no processo judicial sua aposentadoria no regime próprio, bem como decorre de manifesta violação de norma, especificamente do artigo 96 da Lei n. 8.213/1991.
Por fim, afirma a ocorrência de erro de fato, pois o acórdão decidiu matéria não colocada em juízo, quando decidiu sobre a possibilidade de execução de atrasados de benefício judicial, em face de posterior concessão administrativa pelo INSS, quando na realidade se discute a possibilidade de se utilizar o mesmo tempo de contribuição para concessão de benefício em ambos os Regimes, RGPS e RPPS.
Requer a concessão de tutela de urgência para imediata suspensão do cumprimento de sentença (Id 279187682).
A petição inicial veio acompanhada de documentos.
O INSS é isento de pagamento de custas e do depósito previsto no artigo 968 do Código de Processo Civil.
A tutela provisória de urgência requerida pela autarquia previdenciária, prevista no artigo 300 do Código de Processo Civil, foi concedida para suspensão do trâmite do cumprimento de sentença, nos autos n. 0000635-46.2018.8.26.0624, da 3ª Vara Cível da Comarca de Tatuí, até final decisão da presente rescisória (p. 5 do Id 279434916).
Citada, a parte ré requer a concessão da justiça gratuita e a condenação da autarquia previdenciária em litigância de má-fé. No mérito, afirma que a opção pelo benefício mais vantajoso na via administrativa não obsta o recebimento dos valores atrasados referentes ao benefício concedido judicialmente, sendo que a matéria já foi pacificada pelo colendo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema Repetitivo n. 1.018 (Id 280071599).
Concedida à parte ré os benefícios de assistência judiciária gratuita, nos termos do artigo 98, § 3º e 99, ambos do Código de Processo Civil (Id 282120315).
O INSS requereu a expedição de ofícios ao Instituto de Previdência Própria do Município de Tatuí – TATUÍPREV, a fim de que fosse informado se houve utilização dos períodos objeto da Certidão de Tempo de Contribuição (CTC) expedida pelo INSS para concessão de benefício junto ao Regime Previdenciário de Tatuí (Id 283269381).
Deferido o pedido do INSS, em resposta, a TATUÍPREV informou a utilização de todo o período constante da CTC, bem como a utilização de outros períodos laborados junto ao ente Municipal, totalizando tempo de contribuição em 33 (trinta e três) anos, 8 (oito) meses e 9 (nove) dias, tendo optado o contribuinte entre a aposentadoria por idade e tempo de contribuição, sendo-lhe concedido o benefício por idade - proporcional sobre a média, nos termos do artigo 40, § 1º, inciso III, alínea b, e 53 da Constituição da República, e de acordo com o artigo 1º da Lei Federal n. 10.887, de 18.06.2004. (Id 283347096 e 284143689)
Intimados acerca das informações prestadas pela TATUÍPREV, somente o INSS se manifestou (Id 285100347).
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo prosseguimento do feito (Id 292142108).
É o relatório.
3ª Seção
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5024324-41.2023.4.03.0000
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. JOÃO CONSOLIM
AUTOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
REU: LUIZ DIAS DA SILVA
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OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O Excelentíssimo Desembargador Federal JOÃO CONSOLIM (Relator):
Prazo decadencial da ação rescisória
A decisão proferida no processo originário transitou em julgado em 20.6.2023 e a ação rescisória foi proposta em 29.8.2023 (p. 125 do Id 279187685).
Portanto, a ação foi ajuizada antes do decurso do prazo decadencial de dois anos.
Preliminar de litigância de má-fé
Para configuração da litigância de má-fé faz-se necessário demonstrar a intenção maliciosa da parte, além da imputação de conduta especifica considerada indevida, o que não ocorreu no caso.
Portanto, deve ser afastada a preliminar arguida pela parte ré.
Natureza e pressupostos da ação rescisória
A ação rescisória tem por finalidade desconstituir a garantia da coisa julgada, prevista no inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição da República.
A finalidade da ação rescisória é a modificação de uma decisão de mérito transitada em julgado, portanto, possui natureza jurídica constitutiva negativa ou desconstitutiva.
Nesse aspecto, não há que se falar em ofensa ao princípio da segurança jurídica porque se trata de legítimo exercício do direito de ação, previsto na Constituição da República, (artigo 108, inciso I, alínea "b"), com fundamento nas hipóteses taxativas previstas no artigo 966, do Código de Processo Civil.
Trata-se de ação autônoma de impugnação com pressupostos específicos:
a) decisão de mérito transitada em julgado;
b) caracterização da causa de rescindibilidade;
c) ajuizamento dentro do prazo decadencial.
Não se exige o esgotamento das instâncias recursais, pois a interposição ou não de recurso gera efeitos internos no âmbito de um processo judicial, ou seja, limitados àquela relação jurídica processual. Sob esse aspecto, importa apenas o trânsito em julgado da decisão de mérito.
Juízo rescindente
As hipóteses que permitem a rescisão de julgados estão previstas taxativamente no artigo 966 do Código de Processo Civil, portanto, não permitem interpretação analógica ou extensiva:
Artigo 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:
I - se verificar que foi proferida por força de prevaricação, concussão ou corrupção do juiz;
II - for proferida por juiz impedido ou por juízo absolutamente incompetente;
III - resultar de dolo ou coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida ou, ainda, de simulação ou colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei;
IV - ofender a coisa julgada;
V - violar manifestamente norma jurídica;
VI - for fundada em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou venha a ser demonstrada na própria ação rescisória;
VII - obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável;
VIII - for fundada em erro de fato verificável do exame dos autos.
Verificada algumas das hipóteses mencionadas, pode a parte legitimada, nos termos do artigo 967 do Código de Processo Civil, pleitear em juízo rescindente, a desconstituição do julgado, e, se for o caso, em juízo rescisório, a substituição da decisão por um novo julgamento, nos termos do artigo 968, inciso I, do mesmo diploma legal.
Considerações iniciais realizadas, passo à análise dos fundamentos invocados pela parte autora para justificar o juízo rescindente.
A parte autora baseia a pretensão rescisória na alegação de infringência ao artigo 966, incisos III, V e VIII, do Código de Processo Civil, ante a ocorrência de dolo da parte vencedora, em detrimento da parte vencida, por ter omitido no processo judicial sua aposentadoria no regime próprio; de violação manifesta de norma jurídica, consubstanciada no artigo 96 da Lei n. 8.213/1991, ao ter utilizado do mesmo período contributivo para a concessão de aposentadoria no regime geral e no regime próprio, e por erro de fato pela aplicação indevida do Tema n. 1.018 do colendo Superior Tribunal de Justiça.
Portanto, a solução da lide reclama análise de dolo, de violação de norma jurídica e de erro de fato. Vejamos cada uma das hipóteses aplicadas ao caso concreto.
Dolo ou coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida ou, ainda, de simulação ou colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei – Artigo 966, inciso III, do Código de Processo Civil.
O inciso III do artigo 966 do Código de Processo Civil estabelece como hipóteses de cabimento da ação rescisória, aquelas em que se aponta ter “havido dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida”, ou, ainda, quando houver "simulação ou colusão entre a partes", a fim de fraudar a lei.
Quanto ao dolo e coação, trata-se de ofensa pela parte vencedora ao princípio da lealdade processual, em detrimento do disposto no artigo 5º, do Código de Processo Civil, em que, no capítulo que estabelece as normas fundamentais do processo civil aduz: “aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.”
O dolo e a coação precisam advir de absoluta má-fé da parte que, indo além de sua parcialidade, cria ou esconde fatos sobre os quais ela tinha a obrigação de esclarecer ao magistrado.
Como exemplo daquele que age com dolo tal como previsto na norma em comento, temos aquele que ajuíza ação e omite já haver recebido o valor pleiteado, ignorando a vedação contida no artigo 940 do Código Civil.
O dolo ainda é definido como aquele que prejudica o magistrado na percepção sobre a realidade dos fatos, portanto, se o dolo não é capaz de alterar a convicção do Juiz, ele é irrelevante e, portanto, não justifica a procedência da rescisória.
Com relação à colusão ou simulação entre as partes, a fim de fraudar a lei, está-se diante do preconizado no artigo 142 do Código de Processo Civil em que: “convencendo-se, pelas circunstâncias da causa, de que o autor e réu se serviram do processo para praticar ato simulado ou conseguir fim proibido por lei, o juiz proferirá sentença que obste aos objetivos das partes".
Portanto, nos casos em que são induvidosos o dolo ou a coação, a simulação ou a colusão, impõe-se a procedência da rescisória.
No caso dos autos, a parte ré, ao apelar da decisão que acolheu a impugnação do INSS para extinguir a execução, apresentou suas razões fundadas no seu direito em executar valores decorrentes da aposentadoria concedida na via judicial, no período de 17.10.2012 a 21.6.2017, não obstante estar aposentada em Regime Próprio pela TATUÍPREV, desde 2017, quando se utilizou do mesmo período contributivo utilizado na concessão da aposentadoria pelo RGPS (p. 92 do 279187685).
As razões de apelação da parte ré, contra a sentença de acolhimento da impugnação da executada, não indicam qualquer deslealdade ou ausência de boa-fé a afastar o juízo do magistrado da verdade, tendo em vista que não foi omitida a concessão de sua aposentadoria no Regime Próprio. Confira-se (p. 93 do Id 279187685):
"Em que pese o costumeiro brilhantismo do Exmo. Juiz de primeiro grau em suas decisões, bem como seu notável senso de justiça e notório saber jurídico, no caso vertente a r. sentença deve ser
reformada.
A r. sentença proferida, em síntese, julgou procedente a impugnação imposto (sic) pelo executado alegando que não é possível computar o mesmo tempo de contribuição para duas aposentadorias.
Ressalta-se, que é devida a execução no período de 17/10/2012 a 21/06/2017 (data em que completou 65 anos e aposentou pela TATUIPREV) conforme acórdão de fls. 08.
DO PREQUESTIONAMENTO
Eventualmente, em caso de não provimento da presente, o que se admite tão somente para argumentar, a matéria deverá ser enfrentada na decisão, para efeito de futura interposição de Recurso aos Tribunais Superiores, segundo permissivo constitucional. As matérias ficam,portanto, desde já PREQUESTIONADAS para fins recursais.
Por todo o exposto percebe-se que, ao arrepio da Lei, a apelada não cumpre mandamento legal, obrigando pessoas humildes, como o apelante, a procurar a Tutela Jurisdicional, entulhando cada vez mais o Poder Judiciário com demandas cujo direito é certo e inconteste.
Assim,requeroacolhimentoeo provimento do presente recurso, reformando-sear. sentença proferida pelo douto magistrado de 1o.grau, nos termos acima expostos, por ser medida de mais lídima justiça."
Não houve o alegado dolo da parte ré, porquanto não houve omissão quanto à concessão da aposentadoria no Regime Próprio, sendo apresentado razões equivocadas, fundadas em seu suposto direito quanto à possibilidade de executar os períodos de parcelas pretéritas da concessão do benefício judicial, razão pela qual resta afastada a caracterização de dolo processual.
No mesmo sentido afastada será a rescindibilidade com base em erro de fato. Vejamos.
Erro de fato verificável do exame dos autos - Artigo 966, inciso VIII, e § 1º do Código de Processo Civil.
O INSS também fundamenta seu pedido com base no artigo 966, inciso VIII, do Código de Processo Civil, com base em erro de fato.
A decisão de mérito transitada em julgado pode ser rescindida quando estiver fundada em erro de fato verificável do exame dos autos, segundo o artigo 966, inciso VIII, do Código de Processo Civil.
A definição legal de erro de fato vem expressa no artigo 966, § 1º do Código de Processo Civil: “há erro de fato quando a decisão rescindenda admitir fato inexistente ou quando considerar inexistente fato efetivamente ocorrido, sendo indispensável, em ambos os casos, que o fato não represente ponto controvertido sobre o qual o juiz deveria ter se pronunciado”.
O dispositivo legal, portanto, estabelece como primeiro pressuposto um nexo de causalidade entre o erro de fato e a conclusão a que chegou a decisão, de modo que, sem o erro sobre o fato, a decisão teria diferente conteúdo, ou seja o fato deve influir de forma determinante no resultado da demanda.
O segundo pressuposto é a demonstração de que o erro seja constatável pelo exame dos elementos já existentes nos autos da ação matriz, não sendo possível a produção de novas provas.
Não se admite a produção de novas provas na ação rescisória com base em erro de fato, uma vez que o erro resulta justamente da desatenção no julgamento. O fato é inequívoco, porém, o juízo supôs que o fato existia, ou era inexistente, devido à percepção equivocada do acervo probatório. O erro não decorre, portanto, da valoração errônea ou da má apreciação das provas.
O terceiro pressuposto fundado em erro de fato é a ausência de controvérsia sobre ele na decisão rescindenda. Se o fato foi suscitado e houve amplo debate a seu respeito pelas partes, e o julgador decidiu por uma tese ou outra, não há que se conhecer da rescisória por erro de fato.
O quarto pressuposto decorre do anterior, ou seja, sobre ele não pode ter havido pronunciamento judicial, de modo que a má apreciação de prova não gerará a rescisória.
No caso em tela, o v. acórdão rescindendo apreciou o conjunto probatório em sua inteireza, sopesando as provas constantes dos autos, segundo o princípio da livre convicção motivada, tendo concluído pela possibilidade de: "recebimento de valores atrasados, referentes ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição concedido judicialmente até o dia anterior à implantação do benefício mais vantajoso, obtido na via administrativa, não consiste em cumulação de aposentadorias, o que é vedado pelo art. 124, II, da Lei 8.213/91".
A rigor, não se verifica a admissão de fato inexistente ou a consideração por inexistente relativamente a um fato efetivamente ocorrido, pois foi considerada a concessão à parte autora do benefício de aposentadoria por idade no regime próprio, a saber (p. 114 do Id 279187685):
De outra parte, verifico que, durante o trâmite do processo principal, foi concedido administrativamente à parte autora o benefício de aposentadoria por idade no regime próprio. Diante disso, o autor optou pelo recebimento dessa aposentadoria, em razão de ser mais vantajosa.
Portanto, não se vislumbra a ocorrência de erro de fato a justificar a rescisória.
No entanto, entendo que a rescisória deve ser conhecida por violação manifesta de norma jurídica, especificamente do artigo 96 da Lei de Benefícios, conforme será demonstrado.
Violação manifesta de norma jurídica – Artigo 966, inciso V, do Código de Processo Civil
A decisão de mérito transitada em julgado pode ser rescindida quando violar manifestamente norma jurídica, nos termos do artigo 966, inciso V, do Código de Processo Civil.
A ofensa manifesta de norma jurídica pode ocorrer em decorrência de incorreta aplicação do dispositivo legal, de sua não aplicação ou de sua interpretação em sentido diverso e equivalente à sua violação.
Há ofensa, assim, tanto na hipótese em que a decisão rescindenda aplica a lei em desacordo com o seu suporte fático, ao qualificar equivocadamente os fatos jurídicos, quanto no caso em que a decisão confere interpretação evidentemente equivocada ou visivelmente dissociada da norma.
A interpretação da norma admitida nos tribunais constitui o critério de aferição da razoabilidade da decisão rescindenda. Se a sentença adota uma interpretação possível, entre várias outras, ainda que não se qualifique como a melhor, não se configura o fundamento legal que autoriza a rescisão da decisão de mérito.
Em síntese, há violação manifesta de norma jurídica, tanto na hipótese em que a decisão rescindenda aplica a lei em desacordo com o seu suporte fático, quanto no caso em que interpreta a norma de maneira evidentemente equivocada.
A existência de controvérsia jurisprudencial indica que as decisões dos tribunais, mesmo dissonantes, oferecem interpretação razoável da lei. Por isso, não cabe ação rescisória, por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.
Nesse diapasão, o excelso STF editou a Súmula n. 343:
Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.
Portanto, com exceção de matéria constitucional, não é manifesta a ofensa quando o sentido do texto normativo era controvertido nos tribunais na época do trânsito em julgado (STJ, AgInt na AR n. 6.611/DF, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Seção, julgado em 30/6/2020, DJe de 5/8/2020).
Verifica-se, pois, que para que ocorra a rescisão respaldada no inciso destacado deve ser demonstrada a violação à lei perpetrada pela decisão de mérito, consistente na inadequação dos fatos deduzidos na inicial à figura jurídica construída pela decisão rescindenda, decorrente de interpretação absolutamente errônea da norma regente.
Nesse contexto, cabe destacar o preceito inserto no artigo 96, inciso III, da Lei n. 8.213/1991, na Seção VII, que trata da contagem recíproca de tempo de serviço:
"Art. 96. O tempo de contribuição ou de serviço de que trata esta Seção será contado de acordo com a legislação pertinente, observadas as normas seguintes:
(...)
III - não será contado por um sistema o tempo de serviço utilizado para concessão de aposentadoria pelo outro;"
Cabe ainda mencionar o disposto na tese firmada no Tema n. 1.018 do colendo Superior Tribunal de Justiça, no qual se fundamentou o acórdão rescindendo:
"O Segurado tem direito de opção pelo benefício mais vantajoso concedido administrativamente, no curso de ação judicial em que se reconheceu benefício menos vantajoso. Em cumprimento de sentença, o segurado possui o direito à manutenção do benefício previdenciário concedido administrativamente no curso da ação judicial e, concomitantemente, à execução das parcelas do benefício reconhecido na via judicial, limitadas à data de implantação daquele conferido na via administrativa." (grifei)
No caso vertente, a parte ré obteve judicialmente a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição junto ao Regime Geral da Previdência Social, sendo iniciado o cumprimento de sentença após o trânsito em julgado.
O INSS, ao tentar implantar a aposentadoria, verificou constar em nome da parte segurada pedido de expedição de Certidão de Tempo de Contribuição – CTC, para fins de contagem recíproca do período trabalhado junto ao RGPS, visando à obtenção de aposentadoria no Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) do Município de Tatuí (Id 279187685) .
Apontada a controvérsia, e instala a se manifestar, a parte segurada esclareceu que, durante o trâmite do processo principal, foi-lhe concedido administrativamente o benefício de aposentadoria por idade no regime próprio, mediante a utilização de todo período constante da CTC expedida pelo INSS.
Por ser benefício concedido por regime diverso, entende não haver óbice na concessão do benefício pelo Regime Geral. Subsidiariamente, pretende a execução das parcelas vencidas do benefício concedido judicialmente, com DIB em 17.10.2012 até o dia anterior à data da implantação do benefício pelo regime próprio em 20.6.2017.
A Autarquia Previdenciária ofertou impugnação diante da vedação contida no artigo 96, inciso III, da Lei n.8.213/1991, acolhida pelo juízo de primeiro grau.
Entretanto, interposta apelação, este Tribunal deu provimento ao recurso da parte autora para aplicar ao caso a tese firmada no Tema n. 1.018 do colendo Superior Tribunal de Justiça para o prosseguimento da execução.
A tese fixada no tema aplicado discutiu hipótese da existência de parcelas de aposentadoria concedida judicialmente, anteriores à aposentadoria concedida administrativamente pelo INSS, logo, a premissa existente, é que ambas as aposentadorias sejam concedidas pelo Regime Geral para que seja viabilizada a execução.
Todavia, não se trata aqui de opção ao benefício mais vantajoso concedido na esfera administrativa pelo INSS, porquanto o ente autárquico não implantou administrativamente nenhum benefício, este foi implantado pelo Regime Próprio, com a utilização de todo período contributivo da parte ré.
A legislação previdenciária veda a contagem recíproca do mesmo período de labor já computado em um regime, para fins de percepção de benefício em outro, nos termos do artigo 96, inciso III, da Lei n. 8.213/1991. Portanto, não se trata de aplicação da tese firmada no Tema n. 1.018 do colendo Superior Tribunal de Justiça, mas sim de inobservância da vedação contida no referido artigo.
No caso dos autos, não há controvérsia acerca da utilização do mesmo período contributivo já computado na aposentadoria concedida pelo Regime Geral (RGPS) para a percepção de aposentadoria junto ao Regime Próprio da TatuíPrev (RPPS). A Certidão de Tempo de Contribuição requerida pelo segurado para fins de averbação no regime próprio (p. 48-55 e 61-65 do Id 279187685) e a documentação trazida pelo ente Municipal, em que se confirma a utilização de todo o período contributivo no regime próprio (Id 284143689), não deixam dúvidas dessa utilização. Confira-se:
Com efeito, a Certidão por Tempo de Contribuição - CTC expedida pelo INSS, protocolo n. 21038060.1. 00178/17-2, atesta o efetivo exercício de tempo de contribuição (TC) de 8881 (oito mil, oitocentos e oitenta e um) dias, correspondente a 24 (vinte e quatro) anos, 4 (quatro) meses e 1 (um) dia, que foi utilizado na sua totalidade para a concessão de aposentadoria no regime próprio do Município.
Nesses termos foi a resposta do ofício n. 170/2023 - Tatuíprev, confirmando a utilização para a concessão da aposentadoria voluntária por idade, pelo Instituto de Previdência Própria do Município de Tatuí, do período total averbado na Certidão de Tempo de Contribuição - CTC, protocolo n. 21038060.1.00178/17-2, emitida pelo INSS, igual a 8881 (oito mil, oitocentos e oitenta e um) dias, correspondendo a 24 anos 4 (quatro) meses e 1 (um) dia, em nome do segurado (Id 284143689). Confira-se:
Sendo assim, deve ser julgada procedente a pretensão do INSS em rescindir o acórdão, por manifesta violação de norma jurídica, especificamente ao artigo 96, inciso III, da Lei de Benefícios.
Diante do exposto, demonstrada a manifesta violação à norma jurídica, impõe-se a procedência do pedido da ação rescisória, para desconstituir o acórdão, em sede de cumprimento de sentença, proferido nos autos n. 0000653-46.2018.8.26.0624 (6072238-02.2019.4.03.9999).
Passo ao juízo rescisório.
DO JUÍZO RESCISÓRIO
Pelos fundamentos expendidos, tendo em vista a impossibilidade de se computar o mesmo tempo de contribuição para as duas aposentadorias, bem como diante da utilização de todo período da Certidão de Tempo de Contribuição - CTC para aposentadoria no Regime Próprio do Município de Tatuí, não há que se falar na possibilidade de implantação do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição no RGPS.
Como consequência, não há valores a serem executados em sede de cumprimento de sentença, nos autos n. 0000653-46.2018.8.26.0624, que tramitam perante a 3ª Vara Cível da Comarca de Tatuí, devendo ser mantida a sentença de extinção da execução, nos termos do artigo 924, inciso I, do Código de Processo Civil.
Sucumbência
Condeno a parte ré (segurado) ao pagamento de custas e de honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, nos termos do artigo 85, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil, cuja execução fica suspensa, nos termos do artigo 98, § 3º do mesmo código.
Dispositivo
Diante do exposto, nos termos do artigo 966, inciso V, do Código de Processo Civil, julgo procedente o pedido da ação rescisória para:
a) em juízo rescindente, desconstituir o v. acórdão proferido no feito subjacente n.6072238-02.2019.4.03.9999 (n. 0000653-46.2018.8.26.0624);
b) em sede de juízo rescisório, manter a extinção do processo de execução, com base no artigo 924, inciso I, do Código de Processo Civil;
c) honorários e custas nos termos da fundamentação.
É o voto.
Oficie-se ao Juízo de 1º grau, informando o inteiro teor deste julgado para conhecimento e adoção das pertinentes providências no bojo do cumprimento de sentença.
E M E N T A
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AÇÃO RESCISÓRIA. PREVIDENCIÁRIO. ARTIGO 966, INCISO V, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. VIOLAÇÃO MANIFESTA À NORMA JURÍDICA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. CERTIDÃO DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO - CTC. PERÍODO CONTRIBUTIVO UTILIZADO EM DUPLICIDADE. PERÍODO COMPUTADO PARA A CONCESSÃO DE APOSENTADORIA NO RPPS. REGIME PRÓPRIO DO MUNICÍPIO DE TATUÍ E NO RGPS. VEDAÇÃO DE CONTAGEM RECÍPROCA DO MESMO PERÍODO EM DOIS REGIMES. PROCEDÊNCIA.
I. CASO EM EXAME
1. Pretensão rescisória do INSS, nos termos do artigo 966, incisos III, V e VII, fundada em alegação de ocorrência de dolo, erro de fato, e manifesta violação de norma jurídica, ante a vedação de contagem recíproca do mesmo período de labor já computado em um regime para o fim de percepção de benefício em outro.
2. No caso dos autos, foram utilizados o mesmo período contributivo para o fim de concessão de aposentadoria nos dois regimes distintos, RGPS e RPPS.
3. Afastada a ocorrência de dolo da parte ré. Não houve omissão, no cumprimento de sentença, quanto à concessão da aposentadoria no Regime Próprio, sendo apenas apresentadas razões equivocadas fundadas em seu suposto direito quanto à possibilidade de executar os períodos de parcelas pretéritas da concessão do benefício judicial.
4. Afastada a ocorrência de erro de fato, porque não se verifica a admissão de fato inexistente ou a consideração por inexistente de um fato efetivamente ocorrido.
5. Há ocorrência de manifesta violação de norma jurídica, nos termos do artigo 966, inciso V do CPC, por violação ao artigo 96, inciso III, da Lei n. 8.213/1991.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
6. Há duas questões em discussão: (i) verificar se os períodos contributivos constantes no CNIS, objeto da certidão de tempo de contribuição (CTC), e utilizados para aposentadoria no Regime Geral, foram igualmente utilizados pelo Regime Próprio, portanto, em duplicidade; (ii), em que medida a manifesta violação de norma jurídica, especificamente do artigo 96, inciso III, da Lei de Benefícios afeta o cumprimento de sentença objeto da rescisória.
7. Iniciada a execução do título judicial, apontada a controvérsia (utilização em duplicidade do mesmo período), a parte exequente pleiteou a execução das parcelas vencidas do benefício concedido judicialmente até a data da implantação do benefício pelo regime próprio.
8. Acolhida a impugnação do INSS, nos autos subjacentes, para extinção da execução, e posterior modificação do julgado, em sede de apelação, para aplicação do Tema n. 1.018 do STJ.
9. A legislação previdenciária veda a contagem recíproca do mesmo período de labor já computado em um regime para fins de percepção de benefício em outro, nos termos do artigo 96, inciso III, da Lei n 8.213/1991. Portanto, não se trata de aplicação da tese firmada no Tema n. 1.018 do colendo STJ, mas de inobservância da vedação contida no referido artigo.
10. Sendo vedada a contagem recíproca do mesmo período de labor já computado em um regime para fins de percepção de benefício em outro, não há possibilidade de se implantar a aposentadoria pelo RGPS e como consequência, não há valores a serem executados no cumprimento de sentença.
11. Condenação da parte ré ao pagamento custas e de honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, nos termos do artigo 85, §2º e 3º, do Código de Processo Civil, cuja execução fica suspensa, por ser beneficiária da justiça gratuita, nos termos do artigo 98, § 3º do mesmo código.
IV. DISPOSITIVO E TESE
12. Ação rescisória julgada procedente, nos termos do artigo 966, inciso V, do CPC para, em juízo rescindente, desconstituir o acórdão proferido no feito subjacente n. 6072238-2.02.209.4.03.9999 e, em juízo rescisório, manter a sentença que acolheu a impugnação do INSS e julgou extinto o processo, com base no artigo 924, inciso I, do Código de Processo Civil.
Tese de julgamento: 1. Períodos contributivos constantes do CNIS utilizados em duplicidade. RGPS e RPPS. 2. Violação de norma jurídica. Artigo 96, III, da Lei de Benefícios. Inaplicabilidade do Tema 1.018 do STJ.
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Dispositivos relevantes citados: CPC arts. 924, I e 966, V; Lei n. 8.213/91 art. 96, III,Tema 1.018 do STJ
Jurisprudência relevante:
ACÓRDÃO
DESEMBARGADOR FEDERAL
