Processo
AR - AÇÃO RESCISÓRIA / SP
5006574-94.2021.4.03.0000
Relator(a)
Desembargador Federal DAVID DINIZ DANTAS
Órgão Julgador
3ª Seção
Data do Julgamento
31/10/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 08/11/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA.
MATÉRIA PRELIMINAR REJEITADA. VIOLAÇÃO DE LEI E DOCUMENTAÇÃO NOVA.
AFRONTA DE DISPOSITIVO LEGAL: CARACTERIZAÇÃO NA ESPÉCIE. PEDIDO
FORMULADO NA “ACTIO RESCISORIA” JULGADO PROCEDENTE EM PARTE.
DETERMINADA A REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL NA PRIMEIRA INSTÂNCIA.
- Impróprio cogitar-se de prévio requerimento administrativo para a hipótese, seja porque a
providência reclamada já foi adotada pela parte autora, seja porque não se trata de primeira
reivindicação no Judiciário ou porque observado o intuito do órgão previdenciário em não
conceder o “BPC”, haja vista contestações ofertadas.
- A alegação de que a vertente “actio rescisoria” apresenta caráter recursal confunde-se com o
mérito e como tal é apreciada e resolvida.
- Na hipótese ora examinada, ainda que a parte autora se tenha quedado inerte com respeito à
produção de provas, ou mesmo, à confecção de réplica, não seria o caso de julgamento
antecipado da lide.
- Evidente a necessidade de produção de perícia médica, a fim de demonstrar-se ou não a
incapacidade alegada na exordial, e de estudo social, esse com vistas à comprovação ou não da
miserabilidade igualmente afirmada na proemial da demanda subjacente.
- Violação do art. 355 do Código de Processo Civil de 2015. Decisão rescindida (art. 966, inc. V,
CPC/2015).
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
- Carecendo de comprovação as asserções expendidas pela parte autora, deve o pleito primevo
prosseguir na sua tramitação na Instância de Origem, não se havendo cogitar de seu julgamento
nesta Casa.
- Com respeito à documentação dita nova, não serve à desconstituição do julgado hostilizado.
- Condenado o INSS na verba honorária advocatícia de R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais), nos
moldes do art. 85 do Estatuto de Ritos de 2015. Custas e despesas processuais “ex vi legis”.
- Rejeitada a matéria preliminar arguida. Desconstituída a decisão vergastada. Determinada a
reabertura da instrução processual na Instância de origem.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Seção
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº5006574-94.2021.4.03.0000
RELATOR:Gab. 28 - DES. FED. DAVID DANTAS
AUTOR: CELSO JORGE MARINHO
Advogado do(a) AUTOR: MAYARA VALLIM - SP445785
REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região3ª Seção
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº5006574-94.2021.4.03.0000
RELATOR:Gab. 28 - DES. FED. DAVID DANTAS
AUTOR: CELSO JORGE MARINHO
Advogado do(a) AUTOR: MAYARA VALLIM - SP445785
REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Trata-se de ação rescisória ajuizada aos 29/03/2021 por Stefanie Adriana Jorge Marinho (art.
966, incs. V e VII, CPC/2015), com pedido de antecipação da tutela, contra sentença da 3ª Vara
da Comarca de Presidente Venceslau, São Paulo, de improcedência de pedido de amparo
social.
Em resumo, sustenta que:
“(...)
A Autora depois de exaurida a via administrativa, ingressou com ação ordinária em face do
INSS, pleiteando o benefício de amparo assistencial, com base no artigo 203 da CF e Lei nº.
8.742/93, fundamentando estar incapacitada para o trabalho em razão de ser acometida de:
‘sequela de projétil de arma de fogo em seu tornozelo, artrose não especificada, artropatia
diabética, gota idiopática, asma, hepatite B, doença pela imunodeficiência humana HIV e
histórico de etilismo CID M-10, B-20, M-19.9, M-14.2, J-45.5 e I-69.4’, considerando ainda, a
situação de miséria em que se encontra seu grupo familiar.
Restou improcedente, é certo que, a r. sentença, destacou que o autor quedou-se inerte quanto
a produção de provas, ainda na fase instrutória do processo, como descrito na r. sentença de
(fls. 85), já ao apreciar as provas materiais proferiu decisão com julgamento de mérito e
ausência de provas da não incapacidade para o labor e não confirmação da condição de
miserabilidade da família da Autora, restando negado o benefício de amparo assistencial (autos
em anexo).
(...)
Considerados o quadro clínico e as condições pessoais da Autora, como a presumível pouca
instrução e hipossuficiência em relação ao Réu, denota-se que essas condições a
impossibilitaram de em momento contemporâneo apresentar ‘provas novas’ capazes de
sedimentar o seu direito. Desta feita a reanalise do feito, pode ser compreendida como meio de
garantir os princípios constitucionais da isonomia e igualdade social, minimizando deste modo,
a disparidade entre Autor e Réu.
À vista disso, a presente ação tem a pretensão de reformar a r. decisão proferida pelo Douto
Juízo de primeiro grau e elucidar o direito da parte Autora, considerando a apresentação de
prova testemunhal e prova documental (doc. 07), bem como a realização de prova perícia
médica e de avaliação social com fundamento no art. 473 do CPC, para fins de consolidar a
prova material e assegurar o direito a concessão do benefício assistencial, previstos no art. 203,
V, da Constituição Federal, e art. 20, II, da Lei nº 8.742/93.
Para tanto, a Autora baseia-se em decisão do Superior Tribunal de Justiça, de 02 de abril de
2019, na qual amplia o conceito de ‘prova nova’ estabelecido no artigo 966 do Código Civil, em
ação rescisória:
(...)
Destaca-se que, da ausência de intimação pessoal à parte autora não teve seu como garantir a
produção de prova pericial (médica, social) e testemunhal, restando evidente seu prejuízo no
desfecho processual, haja vista que o fundamento da r. decisão rescindenda foi justamente a
falta de provas para garantir a convicção do juiz face ao benefício pleiteado.
Por essa razão, cristalina é a hipótese de cabimento e direito anulação da decisão rescindenda
prevista no art. 966, inc. V do CPC em face à violação do art. 485, inciso III, §1º do CPC.
(...)
Imperioso demonstrar, que Autora não ostenta nem mesmo o mínimo necessário, para manter
sua subsistência, vivendo dessa forma, em condição de extrema miserabilidade, o que pode ser
comprovado por meio de perícia de avaliação social, bem como pelo comprovante de
cadastramento do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (doc. 08),
ressalta-se, que muito embora a Autora já possuísse referido cadastro por ocasião da ação
rescindenda não dispunha da certidão anexa, além do que, desconhecia o fato de que tal
documento seria hábil para comprovar sua condição de hipossuficiência no que diz respeito ao
quesito socioeconômico (art. 20, §3º da Lei 8.742/93), eis que, ali consta sua média de renda
mensal, cujo valor deve ser considerado ‘irrisório’, sopesando o custo de vida atual em nosso
país, ressaltando ainda, que as informações ali lançadas são averiguadas pelo serviço de
assistência social institucional, órgão com presunção de fé pública.
(...)
DOS PEDIDOS:
(...)
d) a concessão da tutela antecipada, antes da realização de perícia médica, determinando-se
ao INSS que inicie imediatamente o pagamento do benefício de amparo assistencial - BPC;
e) alternativamente, caso não seja o entendimento de Vossa Excelência de violação ao
dispositivo legal, Requer a realização de PERÍCIA MÉDICA, AVALIAÇÃO SOCIAL, bem como a
oitiva das TESTEMUNHAS ARROLADAS, no presente feito;
f) julgar ao afinal, PROCEDENTE a seguinte ação rescisória para fins de rescindir a r. sentença
rescindenda, declarando nula, garantindo concessão do benefício de AMPARO ASSISTENCIAL
- BPC, nos termos em que protocolado o benefício do INSS, bem como concessão dos valores
atrasados desde a data do requerimento administrativo, devidamente corrigidos
monetariamente, uma vez que a negativa a concessão fora incorreta, com fundamento nos
artigos 485, inc. III § 1º e 966, incisos V e VII do CPC;
(...).”
Concessão de gratuidade de Justiça à parte autora e indeferimento da medida antecipatória (fls.
174-179).
Contestação (fls. 180-187). Preliminarmente, ausente prévio requerimento administrativo na
espécie e a “actio rescisoria” apresenta caráter recursal.
Réplica (fls. 189-194).
Saneado o processo (fl. 195).
Razões finais apenas do ente público (fl. 196).
Parquet Federal (fls. 197-205): "pela procedência parcial da ação rescisória, nos termos acima
narrados, com a anulação da sentença e a reabertura da instrução processual.”
Trânsito em julgado: 20/05/2019 (fl. 122).
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região3ª Seção
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº5006574-94.2021.4.03.0000
RELATOR:Gab. 28 - DES. FED. DAVID DANTAS
AUTOR: CELSO JORGE MARINHO
Advogado do(a) AUTOR: MAYARA VALLIM - SP445785
REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Cuida-se de ação rescisória ajuizada por Stefanie Adriana Jorge Marinho (art. 966, incs. V e VII,
CPC/2015) contra sentença da 3ª Vara da Comarca de Presidente Venceslau, São Paulo, de
improcedência de pedido de amparo social.
1 – MATÉRIA PRELIMINAR
Impróprio cogitar-se de prévio requerimento administrativo para a hipótese.
Compulsando os autos, verificamos, às fls. 58-59, que a providência reclamada já foi adotada
pela parte autora, que teve indeferido, na esfera de atuação do Instituto, o benefício nº
6016511653.
Ademais, não se trata de primeira reivindicação da parte promovente no Judiciário, mas, sim, de
demanda rescisória imbricada com resultado insatisfatório pronunciado na Primeira Instância.
Tanto lá como aqui, também observamos o intuito do órgão previdenciário em não conceder o
“BPC”, haja vista suas contestações nos dois feitos.
Sob outro aspecto, a alegação de que a vertente “actio rescisoria” apresenta caráter recursal
confunde-se com o mérito e como tal é apreciada e resolvida.
2 – ART. 966, INC. V DO CPC/2015 – JUÍZO RESCINDENS
Iniciamos por examinar a circunstância prevista no inc. V do art. 966 do Código Processual Civil
de 2015.
Sobre o inciso em alusão, a doutrina faz conhecer que:
“Violação manifesta a norma jurídica. A decisão de mérito transitada em julgado que não
aplicou a lei ou a aplicou incorretamente é rescindível com fundamento no CPC V, exigindo-se
agora, de forma expressa, que tal violação seja visível, evidente – ou, como certa vez se
manifestou o STJ a respeito, pressupõe-se que ‘é a decisão de tal modo teratológica que
consubstancia o desprezo do sistema de normas pelo julgado rescindendo’ (STJ, 3.ª Seção, AR
2625-PR, rel. Min. Sebastião Reis Junior, rel. p/ acórdão Min. Marco Aurélio Bellizze, j.
11.9.2013, DJUE 1.º.10.2013).” (NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria de.
Código de Processo Civil Comentado, 16ª ed., rev., atual. e ampl., São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2016, p. 2055)
Didaticamente, temos que a parte autora propôs “AÇÃO DE CONHECIMENTO
CONDENATÓRIA DE AMPARO ASSITENCIAL c.c. TUTELA ANTECIPADA”, em resumo, ao
argumento de que “O requerente provém de família humilde, com baixo grau de instrução e
atualmente reside em uma casa cedida pela mãe de sua companheira, sempre foi pessoa
honesta e trabalhadora, contudo, infelizmente em razão de sequela de projetil de arma de fogo
em seu tornozelo, artrose não especificada, artropatia diabética, gota idiopatica, asma, hepatite
B, doença pelo imunodeficiência humanaf HIV e histórico de etilismo CID – M 10, B 20, M 19.9,
M 14.2, J 45.5 e I 69.4, conforme comprova atestados médicos acostados (doc. anexo). Não é
ocioso mencionar, que tal deficiência reflete na sua capacidade de trabalho ele sequer,
consegue desempenhar suas atividades básicas do cotidiano, assim não tem condições de
prover seu próprio sustento tendo uma vida totalmente independente está com um lado
parcialmente paralisado, dificuldade de concentração e memorização.”
À ocasião, requereu “provar o alegado por todos os meios de provas admitidas em direito,
especialmente o depoimento pessoal do representante legal do requerido, oitiva de
testemunhas abaixo arroladas, que deverão ser intimadas, realização de perícias, etc.” (fls. 30-
34).
Juntou documentos pessoais, relativos às suas patologias e sobre o indeferimento
administrativo da benesse postulada.
O Instituto contestou o pleito (fls. 76-82), apresentando quesitos para avaliação médica e
estudo social (fls. 85-87).
Seguiu-se despacho do Juízo a quo, de que (fl. 91):
“Vistos.
À parte autora, em réplica, pelo prazo de quinze dias.
Considerando que na inicial e resposta as partes, em geral, apresentam requerimentos
genéricos pela produção de provas, no mesmo prazo (quinze dias) especifiquem as provas que
pretendem efetivamente produzir, declinando sua pertinência e utilidade, sob pena de
preclusão. Prazo comum.
Após, ao Ministério Público, tornando os autos conclusos em seguida.
Intime-se.”
Restou certificado que (fl. 100):
“Certifico e dou fé haver decorrido ‘in albis’ o prazo para o autor se manifestar em réplica, bem
como para as partes especificarem provas. Nada Mais.”
Foi determinada vista ao Ministério Público (fl. 101), cujo parecer, de 15/03/2019, foi para
improcedência do pedido, in verbis (fls. 104-109):
“Trata-se de ação de concessão de benefício assistencial ajuizada por CELSO JORGE
MARINHO em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, ao argumento de que é
pessoa humilde e, em virtude de sequela de projetil de arma de fogo em seu tornozelo, artrose
não especificada, artropatia diabética, gota idiopatica, asma, hepatite B, doença da
imunodeficiência humana (HIV) e histórico de etilismo (CID – M 10, B 20, M 19.9, M 14.2, J 45.5
e I 69.4), está impossibilitado de laborar para prover o próprio sustento. Diante de sua condição
precária, postulou administrativamente a concessão do benefício de amparo assistencial
previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal e disciplinado pela Lei nº 8.742/93, no
valor de um salário-mínimo mensal, mas este foi negado pelo requerido ao argumento de que
não preenchia os requisitos do artigo 20, § 2º, da sobredita legislação. Portanto, requer agora a
condenação do réu à implantação do benefício de prestação continuada, retroativo à data do
indeferimento de seu pleito administrativo, com correção monetária e incidência de juros
moratórios. Juntou os documentos de fls. 06/30.
Citado, o Instituto requerido ofereceu contestação (fls. 47/53) acompanhada de documentos (fls.
54/58), aduzindo que a demanda deve ser julgada improcedente por não estar atendido o artigo
20, § 2º, da Lei nº 8.742/93.
Instadas as partes a manifestarem sobre a produção de provas durante a fase de instrução,
bem assim o autor para oferecer réplica à contestação (fl. 62), ambos quedaram inertes (fl. 71).
Esta é a síntese do necessário.
A ação deve ser julgada IMPROCEDENTE.
O benefício de prestação continuada previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal e
disciplinado na Lei nº 8.742/93 demanda o preenchimento de dois requisitos para que possa ser
concedido às pessoas com deficiência: impedimento de longo prazo de natureza física, mental,
intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas;
e impossibilidade de suprir a própria subsistência de maneira própria ou pelos familiares.
Considerou o legislador, no § 3º do artigo 20 de mencionada lei ordinária, que se considera
impossibilitado de suprir a própria subsistência o deficiente inserido em família cuja renda
mensal per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário-mínimo.
Todavia, ao longo dos anos a jurisprudência dos tribunais pátrios consolidou o entendimento de
que o critério de miserabilidade exigido pela lei para a concessão de referido benefício é
extremamente rígido e dissonante da necessidade de promoção da tutela da dignidade da
pessoa humana, pois é flagrante a insuficiência de um quarto do salário-mínimo para o
suprimento das necessidades de uma pessoa.
Na esteira de tais entendimentos, o Supremo Tribunal Federal pronunciou-se pela
inconstitucionalidade do § 3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 no julgamento da reclamação nº
4.374, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, assim ementada:
(...)
Diante disso, os Tribunais Regionais Federais passaram a considerar a quantia de meio salário-
mínimo per capita dentro de uma unidade familiar, para fins de aferição da incapacidade de
promoção do próprio sustento ou de tê-lo provido pelos familiares, tendo a requerente razão em
invocar jurisprudência que aponta para esta conclusão.
Nesse sentido, de fato, é a súmula nº 06 da Turma Regional de Uniformização do Tribunal
Regional Federal da 4ª Região, que afirma:
(...)
Pacíficos os critérios para deferimento do benefício postulado pelo demandante, resta analisar
se eles foram preenchidos por ela no caso concreto, de modo a autorizar ou não sua
concessão.
Os documentos trazidos aos autos pelo autor junto à exordial, notadamente aqueles acostados
a fls. 13/28 indicam que ele está atualmente acometido por uma série de moléstias físicas, das
mais variadas ordens, de sorte a corroborar parcialmente as alegações formuladas na petição
inicial.
No entanto, para os termos da lei, não basta para a concessão do benefício que a parte
requerente esteja acometida de doenças: é necessário que tais doenças resultem num
impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em
interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Portanto, aquele que postula a concessão do benefício de prestação continuada deve
comprovar não apenas a existência de moléstias que o acometam, mas também que estas são
capazes de promover a sua inserção na sociedade em igualdade de condições com as demais
pessoas, isto é, que as doenças, de alguma forma, o impeçam de participar adequadamente do
mercado de trabalho.
Tudo sem olvidar o requisito da renda per capita também exigido pela legislação, considerado
entre todos os integrantes da família.
Nesse contexto, o autor não provou que as moléstias que o acometem são capazes de lhe
tolher a inserção adequada no mercado de trabalho, de promover o próprio sustento. Não
traçou ele nexo de causalidade entre as moléstias que acometem e a miserabilidade que
propalou em sua petição inicial, motivo pelo qual se revela impossível o acolhimento do pedido.
Destaco que o requerente, devidamente intimado a manifestar interesse na produção de provas
durante a fase instrutória, quedou-se inerte, sequer oferecendo réplica aos termos da
contestação ofertada pelo Instituto Nacional do Seguro Social.
Não tendo, assim, o requerente, se desincumbindo do ônus que a ele cabia por força do artigo
373, inciso I, do Código de Processo Civil brasileiro, não se vislumbra possibilidade de acolher o
pleito deduzido em Juízo.
Ante todo o exposto, a Promotoria de Justiça opina pela IMPROCEDÊNCIA da ação.”
Aos 19/03/2019, foi prolatada sentença, no sentido de que (fls. 111-114):
“Vistos
CELSO JORGE MARINHO ajuizou ação ordinária em face do INSTITUTO NACIONAL DO
SEGURO SOCIAL INSS, ambos qualificados nos autos, para obter o benefício de amparo
assistencial. Em síntese, afirmou ser incapacitado de trabalhar em razão de ‘sequela de projétil
de arma de fogo em seu tornozelo, artrose não especificada, artropatia diabética, gota
idiopática, asma, hepatite B, doença pela imunodeficiência humana HIV e histórico de etilismo
CID M 10, B 20, M 19.9, M 14.2, J 45.5 e I 69.4’, bem como que seu grupo familiar está em
situação de miséria. Sustentou que postulou a concessão administrativa, que restou indeferida
sob justificativa de falta de requisitos segundo o §3º, do art. 20, da lei nº 8.742/93.
Alegou que foi injustamente indeferido o benefício na via administrativa, na medida em que
preenche todos os requisitos necessários. Pugnou pela condenação do réu ao pagamento do
benefício. Pediu tutela de urgência e instruiu a petição inicial e juntou documentos.
Parecer do Ministério Público à fl. 33.
Deferidos os benefícios da gratuidade processual às fls. 35/36, oportunidade que restou
indeferido o pedido de tutela de urgência.
Citado, o réu apresentou contestação (fls. 47/53), na qual aduziu que o autor não preenche os
requisitos para a concessão do beneficio, pois a renda per capita familiar ultrapassa ¼ do
salário mínimo e não apresenta anomalias que o impeçam de laborar. Pugnou a improcedência
do pedido e, eventualmente, que a DIB seja fixada a partir do último requerimento.
Juntou documentos (fls. 88/102).
Por despacho de fl. 62 foi determinado que o autor manifesta-se em réplica, bem como que as
partes especificassem provas que pretendem efetivamente produzir.
Decorreu ‘in albis’ o prazo para o autor se manifestar em réplica, bem como para as partes
especificarem provas (fl. 71).
Manifestou-se o Ministério Público pugnando a improcedência da ação às fls. 75/80.
Os autos vieram-me conclusos.
É o relatório.
Fundamento e decido.
A lide comporta julgamento antecipado, nos termos do artigo 355, I, do CPC, eis que
desnecessária a produção de outras provas ou realização de novas diligências.
Nesse sentido:
‘Julgar antecipadamente a lide é dever do juiz se presentes as condições para tanto, até porque
sendo o juiz destinatário da prova, somente a ele cumpre aferir sobre a necessidade ou não de
sua realização’ (TFR 5ª Turma, Ag. 51.744-MG, Rel. Min. Geraldo Sobral, j. 27.02.89).
O Egrégio Supremo Tribunal Federal já decidiu que: ‘A necessidade de produção de prova em
audiência há que ficar evidenciada para que o julgamento antecipado da lide implique em
cerceamento de defesa. Antecipação legítima se os aspectos decisivos estão suficientemente
líquidos para embasar o convencimento do magistrado’ (RE 101.171-SP).
O pedido formulado nos autos da presente ação é improcedente.
Estabelece a Constituição Federal, em seu artigo 203, inciso V, que ‘a assistência social será
prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social’,
garantindo ‘um salário mínimo de benefício mental à pessoa portadora de deficiência que
comprove não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua
família, conforme dispuser a lei’.
Nos termos do artigo 20, §3º, da Lei nº 8.742/93, os requisitos para a concessão do benefício
de prestação continuada são de duas ordens: a primeira, relativa à pessoa, a saber, portadora
de deficiência ou idosa, circunstância da qual se extrai a incapacidade para a vida independente
e para o trabalho; a segunda, relativa à renda per capita, qual seja, inferior a ¼ do salário
mínimo, a caracterizar a impossibilidade de prover a própria subsistência ou de tê-la provida
pelo grupo familiar.
Apreciando tal dispositivo, o E. STF declarou sua constitucionalidade (ADI nº 1.232/DF, rel. Min.
Nelson Jobim, j. 27/08/1998, DJU 01/06/2001, p.75).
Indicados os critérios para a concessão do benefício pleiteado pelo autor, resta verificar se
estes foram preenchidos.
Conforme os documentos trazidos pelo autor em inicial, observo que eles demonstram a
existência de uma variada ordem de moléstias que o acometem.
Como dispõe a lei, para a concessão do benefício que a parte autora almeja, exige-se que fique
comprovado que as moléstias que a acomete levem ao impedimento físico, mental, intelectual
ou sensorial de participar de forma plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições
com as demais pessoas, contudo, este não restou comprovado.
Além disso, a parte autora também não comprovou se enquadrar dentro do requisito renda per
capita, considerando todos integrantes da família, como determina a lei.
Portanto, não restou comprovado no caso dos autos que o autor encontra-se acometido por
moléstias capazes de impedir sua inserção ao mercado de trabalho, promovendo seu próprio
sustento, bem como não demonstrou a existência da miserabilidade alegada em inicial,
ensejando a impossibilidade do acolhimento do pedido.
Consabido à luz do artigo 373, inciso I, da Lei Processual Civil, sobre o autor pesa o ônus de
provar os fatos constitutivos de seu direito, contudo, no presente caso, o requerente não se
desincumbiu de seu mister, não ficando demonstrada a situação de miserabilidade e o
impedimento para o desenvolvimento da atividade laborativa alegado na inicial que, por sua
vez, motivariam a concessão do benefício.
Insta salientar que a parte autora, quando intimada a manifestar interesse na produção de prova
durante a fase instrutória, bem como ofertar réplica aos termos da contestação, manteve-se
inerte.
Destarte, tecidas as considerações acima e sem maiores delongas, o pedido formulado na
inicial não colhe foros de prosperidade.
Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido contido na petição inicial por CELSO
JORGE MARINHO em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL INSS e, por
conseguinte, julgo extinto o feito com resolução de mérito, com fundamento no artigo 487, inciso
I do Código de Processo Civil.
Sucumbente, arcará o requerente com o pagamento das custas, despesas processuais e
honorários advocatícios, ora fixados em 10% do valor da causa segundo o art. 85, §2º, inciso III
do Novo Código de Processo Civil. Ressalvados os benefícios da gratuidade processual (fls.
35/36).
Com o trânsito em julgado, ao arquivo, com as cautelas de praxe.
P.I.C.” (g. n.)
Em 20/03/2019, peticionou a parte autora (fl. 110):
“CELSO JORGE MARINHO, qualificado nos autos do processo em epígrafe, por sua
procuradora infra-assinada com escritório profissional situado no endereço declinado no rodapé,
onde recebe avisos e vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência, informar que não
tem mais interesse no andamento da presente ação requerendo a extinção do presente feito.
Termos em que,
Pede Deferimento.”
A provisão judicial em comento foi publicada em 26/03/2019 (fl. 120), transitando em julgado
aos 20/05/2019 (fl. 122).
2.1 – FUNDAMENTAÇÃO
Não obstante a parte autora tenha mencionado o art. 485, inc. III, do “Codex” de Processo Civil
de 2015 como violado, pelo princípio "da mihi factum, dabo tibi ius", somos que o litígio não
deveria ter sido solucionado, à luz do art. 355 do mesmo diploma de processo civil.
Com relação ao citado art. 355 do Código de Processo Civil de 2015, verificamos a seguinte
doutrina:
“3. Desnecessidade de prova em audiência. O dispositivo sob análise autoriza o juiz a julgar o
mérito de forma antecipada, quando a matéria for unicamente de direito, ou seja, quando não
houver necessidade de fazer-se prova em audiência. Mesmo quando a matéria objeto da causa
for de fato, o julgamento antecipado é permitido se o fato for daqueles que não precisam ser
provados em audiência, como por exemplo, os notórios, os incontrovertidos etc. (CPC 374).
(...)
Fatos controvertidos. Existindo fatos controvertidos, a necessidade de prova a respeito deles
exige ainda que sejam eles pertinentes e relevantes. Fato pertinente é o que diz respeito à
causa, o que não lhe é estranho. Fato relevante é aquele que, sendo pertinente, é capaz
também de influir na decisão da causa. Se o fato, apesar de controvertido (questão de fato),
não é pertinente, é irrelevante, a necessidade de produção de prova a respeito dele inexiste,
pelo que a instrução em audiência seria pura perda de tempo, com prejuízo para a celeridade
do processo, tornando-se imperativo, nesse caso, o julgamento antecipado da lide (RT
684/124).” (NERY JUNIOR, Nelson. ANDRADE NERY, Rosa Maria de. Idem, p. 1049-1050) (g.
n.)
Sob outro aspecto, refere o art. 374 do mesmo Estatuto de Ritos de 2015 que:
“Art. 374. Não dependem de prova os fatos:
I – notórios;
II – afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária;
III – admitidos no processo como incontroversos;
IV – em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade.”
No que concerne a esse dispositivo legal, temos que:
“8. Presunções. Presunção legal e comum. Presunções são ‘ilações tiradas de um fato
conhecido para o reconhecimento da ocorrência de outro desconhecido, podendo, também, ser
definidas como consequências dos constantes efeitos de um fato: ex eo quod plerunque fit
ducantur presumptiones’ (Orozimbo Nonato. Presunções e ficções de direito, REDB, v. XXXIX,
p. 130). ‘Presunção é o convencimento antecipado da verdade provável a respeito de um fato
desconhecido, obtido mediante fato conhecido e conexo’ (Sérgio Carlos Covello. A presunção
em matéria civil, 1983, p. 19). A presunção será legal ‘quando a própria lei se apropria do fato
provado, ou de alguma circunstância do processo, para tirar a ilação referente a um fato que
deva ser demonstrado’ (Frederico Marques, Manual DPC, v. 2, p. 251). A presunção comum
(praesumptio hominis), pelo contrário, não é prova legal mas sim real e indireta (crítica): busca a
verdade real dos fatos e sua ilação se dá com fulcro na experiência comum. Assim, ‘a
convicção do magistrado aí se forma com base em fatos e na observação, para que um
acontecimento conhecido e demonstrado possa concluir pela existência ou inexistência,
veracidade ou falsidade de outro fato’ (Frederico Marques, Manual DPC, v. 2, p. 253).” (NERY
JUNIOR, Nelson. ANDRADE NERY, Rosa Maria de. Ibidem, p. 1093) (g. n.)
Na hipótese ora examinada, ainda que a parte autora se tenha quedado inerte com respeito à
produção de provas, ou mesmo, à confecção de réplica, entendemos que não seria o caso de
julgamento antecipado da lide.
No nosso modo de pensar, evidente a necessidade de produção de perícia médica, a fim de se
demonstrar ou não a incapacidade alegada na exordial, e de estudo social, esse com vistas à
comprovação ou não da miserabilidade igualmente afirmada na proemial da demanda
subjacente, não se havendo, assim, falar-se no julgamento antecipado da lide.
Apenas com a realização de ambas providências adrede, cremos, estaria o Julgador apto a
pronunciar-se acerca do direito da parte requerente, i. e., se faria ou não jus ao benefício de
prestação continuada.
Conquanto não se cuide de indeferimento de produção de prova, esse não é o mote do nosso
raciocínio.
O que estamos a querer dizer é que o Magistrado de Primeira Instância não deveria ter-se
pronunciado em sede antecipada de julgamento, sem que houvesse elementos probantes das
circunstâncias invocadas pela parte autora, verbi gratia, sua incapacidade para manter-se ou ter
por quem pudesse ser mantida.
E, sempre no nosso modo de apreciar a quaestio iuris, pouco importa a ausência de
manifestação da parte autora, obviamente hipossuficiente, cabendo ao Julgador, a fim de
formar seu convencimento motivado, deliberar pela manufatura das provas necessárias ao
deslinde da ação inaugural.
Dessa maneira, acreditamos que a sentença hostilizada deve ser rescindida, nos termos do art.
966, inc. V, do Caderno Processual Civil, em função da motivação que ora expressamos.
No mais, carecendo de comprovação as asserções expendidas pela parte autora, deve o pleito
primevo prosseguir na sua tramitação na Instância de Origem, não se havendo cogitar de seu
julgamento nesta Casa.
Finalmente, uma vez que destituída de fundamento, e sequer observada na Instância a quo, a
desistência ofertada pela parte requerente em nada altera nossa orientação para a espécie.
A propósito, outro não foi o parecer do Parquet Federal nesta “actio rescisoria”, ainda que por
fundamentação parcialmente diversa da nossa, in litteris (fls. 197-205):
“Eg. Tribunal,
1. Relatório
Trata-se de Ação Rescisória proposta por STEFANIE ADRIANA JORGE MARINHO, perante o
Eg. Tribunal Regional Federal da 3ª Região, contra a r. sentença proferida nos autos do
processo n. 1003629-44.2018.8.26.0483, que julgou improcedente a ação ordinária ajuizada
com o objetivo de obter o benefício assistencial de prestação continuada-LOAS.
Na ação originária, a requerente alegou estar incapacitada para trabalhar, em razão de ‘sequela
de projétil de arma de fogo em seu tornozelo, artrose não especificada, artropatia diabética,
gota idiopática, asma, hepatite B, doença pela imunodeficiência humana HIV e histórico de
etilismo CID M 10, B 20, M 19.9, M 14.2, J 45.5 e I 69.4’, bem como a comprovação do requisito
da miserabilidade.
O Magistrado de origem julgou improcedente a demanda, sob o fundamento de que ‘o
requerente não se desincumbiu de seu mister, não ficando demonstrada a situação de
miserabilidade e o impedimento para o desenvolvimento da atividade laborativa alegado na
inicial que, por sua vez, motivariam a concessão do benefício. Insta salientar que a parte autora,
quando intimada a manifestar interesse na produção de prova durante a fase instrutória, bem
como ofertar réplica aos termos da contestação, manteve-se inerte’.
A sentença transitou em julgado no dia 20/05/2019 (id. 155730188).
Na petição inicial, a requerente fundamenta a Ação Rescisória no art. 966, incisos V e VII, do
Código de Processo Civil, aduzindo que: a) houve violação ao art. 485, III, § 1º, do Código de
Processo Civil, uma vez que, na hipótese de ausência de manifestação de interesse na
produção de provas e de ausência de oferecimento de réplica, seria caso de extinção do feito
sem julgamento do mérito, em razão do abandono da causa, e que esta medida dependeria,
ainda, de prévia intimação pessoal da parte, não bastando a intimação do advogado; b) a
existência de documento novo, que, segundo a requerente comprova a sua condição de
miserabilidade, qual seja, o comprovante de cadastramento do Cadastro Único para Programas
Sociais do Governo Federal.
Ao final, pleiteia que a Ação Rescisória seja julgada procedente, ‘para fins de rescindir a r.
sentença rescindenda, declarando nula, garantindo concessão do benefício de AMPARO
ASSISTENCIAL - BPC, nos termos em que protocolado o benefício do INSS, bem como
concessão dos valores atrasados desde a data do requerimento administrativo, devidamente
corrigidos monetariamente’.
Alternativamente, requer a realização de perícia médica, avaliação social e oitiva das
testemunhas arroladas na inicial.
A liminar foi indeferida pelo Relator.
O INSS ofereceu contestação, alegando, preliminarmente, a ausência de interesse de agir, bem
como o caráter recursal da Ação Rescisória. No mérito, alega a inexistência de prova nova, bem
como a ausência de violação à norma jurídica.
Após, vieram os autos para manifestação do Ministério Público Federal.
É o relatório.
2. Preliminarmente
O INSS alegou, preliminarmente, a ausência de interesse de agir, uma vez que ‘(...) não é
necessário ajuizar ação rescisória para discutir alteração no seu estado de saúde. Ele poderia
propor nova ação, fundada em eventual novo requerimento administrativo, para concessão do
benefício a partir de agora’. Aduz, ainda, que o autor faz uso da ação rescisória com nítido
caráter recursal.
Todavia, verifica-se que a análise das teses preliminares se confunde com o próprio mérito da
demanda.
Assim, passa-se ao exame meritório da ação.
3. Mérito
Como é sabido, o ajuizamento de ação rescisória encontra fundamento no art. 966 do
CPC/2015, in verbis:
(...)
No caso, a autora sustenta a necessidade de rescisão da sentença proferida nos autos da ação
ordinária n. 1003629-44.2018.8.26.0483, com fundamento no art. 966, incs. V e VII, do CPC,
tendo em vista a existência de documento novo, capaz de demonstrar o preenchimento dos
requisitos necessários para a concessão do benefício assistencial de prestação continuada,
bem como a suposta violação ao art. 485, inciso III, §1º do CPC, o qual dispõe o seguinte:
Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando:
(...)
III - por não promover os atos e as diligências que lhe incumbir, o autor abandonar a causa por
mais de 30 (trinta) dias;
(...)
§ 1º Nas hipóteses descritas nos incisos II e III, a parte será intimada pessoalmente para suprir
a falta no prazo de 5 (cinco) dias.
A decisão impugnada foi assim fundamentada:
(...)
Como se vê, na ação de origem, não foi determinada a produção de provas periciais (estudo
social e exame médico), destinadas a averiguar o preenchimento dos requisitos necessários à
concessão do benefício de prestação continuada de amparo ao deficiente, consistentes na
deficiência que incapacita a pessoa para o trabalho e na situação de miserabilidade financeira.
A não realização de diligências foi fundada no fato de que o advogado da parte autora quedou-
se inerte quando intimado para se manifestar em réplica e requerer a produção de provas.
Assim, o d. magistrado sentenciante julgou improcedente o pedido contido na inicial, ao
argumento de que as provas documentais juntadas pela autora não eram suficientes para
demonstrar a hipossuficiência financeira tampouco a deficiência nos termos da Lei de
Assistência Social.
Cabe registrar, nessa senda, que foi proferida sentença de extinção do feito com resolução do
mérito, com fundamento no artigo 487, inciso I do Código de Processo Civil.
Com efeito, o magistrado não reconheceu o abandono de causa, hipótese de extinção do
processo sem resolução do mérito, tendo efetivamente analisado o mérito da ação.
Contudo, considerando que a ação originária visava à concessão do benefício assistencial de
prestação continuada, verifica-se que, na hipótese, a mácula processual recai sobre a própria
instrução do feito, que foi deficitária, visto que não foi determinada a produção de provas
periciais (estudo social e exame médico), destinadas a averiguar o preenchimento dos
requisitos necessários à concessão do benefício de prestação continuada de amparo ao
deficiente.
Há que se considerar, nessa senda, que o julgador tem o poder de assegurar a regular
instrução do feito, determinando, de ofício, a produção das provas necessárias à elucidação da
causa, mormente em se tratando de pleito de concessão do benefício assistencial de prestação
continuada.
A propósito, em situações semelhantes, esta E. Corte Regional já reconheceu a nulidade da
sentença quando ausente o estudo social e este se mostra imprescindível ao deslinde da
causa. Nesse sentido:
EMENTA PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. AUSÊNCIA DE ESTUDO
SOCIAL. APELAÇÃO PREJUDICADA. - A concessão do benefício assistencial somente pode
ser feita mediante a produção de prova eminentemente documental, notadamente o laudo
pericial e o estudo social. - É necessária a elaboração de laudo pericial detalhado e conclusivo
a respeito da incapacidade e da miserabilidade da parte autora, a fim de se possibilitar a efetiva
entrega da prestação jurisdicional ora buscada. - No caso, ausente o estudo social. - Sentença
anulada. Apelação da parte autora prejudicada. (APELAÇÃO CÍVEL ..SIGLA_CLASSE: ApCiv
6078093-59.2019.4.03.9999 ..PROCESSO_ANTIGO: ..PROCESSO_ANTIGO_FORMATADO:,
..RELATORA: Desembargadora Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA, TRF3 - 9ª
Turma, Intimação via sistema DATA: 08/05/2020)
EMENTA BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL. NECESSIDADE DE INSTRUÇÃO DO FEITO. CERCEAMENTO DE DEFESA.
ESTUDO SOCIAL. SENTENÇA ANULADA. 1.O benefício assistencial de prestação continuada,
previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do
artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65
(sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir
meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família. 2. Ausência de
laudo social. Documento imprescindível para o deslinde da lide. 3. Cerceamento de defesa
caracterizado. Instrução probatória deficitária. Negativa de prestação jurisdicional adequada. 4.
Apelação parcialmente provida. Sentença anulada. Retorno dos autos ao Juízo de origem.
(APELAÇÃO CÍVEL ..SIGLA_CLASSE: ApCiv 6223973-82.2019.4.03.9999
..PROCESSO_ANTIGO: ..PROCESSO_ANTIGO_FORMATADO:, ..RELATOR: Desembargador
Federal PAULO SERGIO DOMINGUES , TRF3 - 7ª Turma, e - DJF3 Judicial 1 DATA:
03/12/2020)
Na hipótese, de fato, nem o estudo social nem o exame médico pericial foram realizados a fim
de se verificar a presença dos requisitos necessários à concessão do BPC, o que tornou a
instrução deficitária e maculou o processo e a sentença de mérito.
Outrossim, consoante ressaltou o autor, caso o juízo a quo tivesse o propósito de reconhecer o
abandono de causa, deveria ter seguido o trâmite descrito no art. 485, inciso III, §1º, do CPC,
intimando pessoalmente a parte autora para suprir a deficiência e, caso esta persistisse, seria
caso de extinção do feito sem resolução do mérito.
Com efeito, as circunstâncias do caso concreto demonstram que seria caso de extinção do feito
sem julgamento do mérito, em razão do abandono da causa, e não de apreciação do mérito.
Ademais, esta medida depende de prévia intimação pessoal da parte, não bastando a intimação
do advogado, o que também não foi realizado. Conforme a certidão que consta do id.
155730188, somente o patrono da requerente foi intimado para especificar as provas que
pretendia produzir, bem como para o oferecimento de réplica, não tendo havido a intimação
pessoal da requerente para sanar a deficiência, após o transcurso do prazo in albis.
Além disso, convém salientar que a parte autora não pode ser prejudicada pela atuação
ineficiente e desidiosa do patrono. Verifica-se que, à exceção da petição inicial, ao longo de
todo o processo, o advogado da parte foi omisso, visto que sequer manifestou interesse em
interpor recurso em face da mencionada sentença de mérito, o que levou à necessidade de
ajuizamento da presente ação rescisória.
Dessa forma, constata-se que a requerente foi prejudicada pela atuação do patrono, cuja
conduta omissiva poderia ter sido sanada ao longo do processo. No entanto, não há provas de
que foi conferida oportunidade à parte para regularizar a representação.
Com efeito, a extinção do processo com resolução do mérito, que induz à formação de coisa
julgada, pode prejudicar a requerente caso deseje intentar nova ação com o mesmo pedido.
Portanto, resta autorizado o ajuizamento da presente ação rescisória, nos termos do art. 966, V,
do CPC.
Não se ignora o entendimento jurisprudencial no sentido de que ‘Não há que se falar em
incidência de coisa julgada nas causas que versem sobre benefício assistencial, porquanto, a
qualquer tempo, poderá a parte ingressar com nova ação, com base em fatos novos ou direito
novo, transcorrido tempo hábil a fim de que a situação se modifique. A coisa julgada opera
efeitos secundum eventum litis ou secundum eventum probationis, ou seja, nestas ações ante
novas provas ou circunstâncias, o pedido pode ser revisto a qualquer tempo” (TRF-3 - AC:
00234133720164039999 SP, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS,
Data de Julgamento: 10/10/2016, SÉTIMA TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial
DATA:21/10/2016).
Contudo, a própria jurisprudência afirma que a revisão do pedido de concessão do benefício
assistencial está condicionada à existência de fatos novos ou direito novo, o que pode ser difícil
de ser provado pela autora caso a sentença não seja rescindida.
Assim, na hipótese, a prolação de sentença resolutiva de mérito diante de evidente desídia do
patrono da parte, aliada à ausência de intimação pessoal da autora para promover o regular
andamento do feito, bem como à patente deficiência na instrução probatória, configura violação
manifesta da norma jurídica (artigo 485, inciso III e § 1º do Código de Processo Civil), apta a
ensejar a rescisão do Julgado.
Ressalte-se que, no caso, a ação rescisória não objetiva a desconstituição do julgado por
divergir da interpretação dada pela decisão aos elementos de prova reunidos no processo de
origem, mas, sim, evitar a formação de coisa julgada em processo com instrução
manifestamente deficitária, envolvendo pessoa que alega ser hipossuficiente e deficiente, o que
enseja, portanto, a procedência da ação.
Logo, em juízo rescisório, entendo que deve ser rescindida a sentença, retornando-se os autos
ao juízo de origem, a fim de possibilitar a realização das diligências cabíveis (perícia médica e
laudo social).
Por fim, cabe registrar que o documento novo apresentado pela autora (comprovante de
cadastramento do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal) não é
suficiente para comprovar sua condição de miserabilidade, por si só.
O referido documento, que foi juntado no id. n. 155730193, possui a data de cadastramento de
08/03/2013 e a última atualização cadastral é de 17/07/2020, constatando que a renda familiar
per capita da requerente é entre 89,01 até R$ 178,00.
Ocorre que o referido documento já era de conhecimento da requerente, visto que o seu
cadastro é anterior à procuração outorgada à advogada para a propositura da ação visando o
benefício assistencial, cuja data é de 27/08/2018.
Dessa forma, a alegação da existência de documento novo não é hábil para a rescisão da coisa
julgada. Todavia, é mais um motivo que demonstra a necessidade de anulação do julgado, para
viabilizar a instrução probatória em favor da autora.
4. Conclusão
Ante o exposto, o Ministério Público Federal manifesta-se pela procedência parcial da ação
rescisória, nos termos acima narrados, com a anulação da sentença e a reabertura da instrução
processual.” (g. n.)
3 - ART. 966, INC. VII, CPC/2015
Quanto ao comprovante do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal,
imputado novo pela parte autora, por anuirmos às razões do Ministério Público Federal,
deixamos de considerá-lo apto à desconstituição do decisum vergastado.
Destacamos:
“(...)
Por fim, cabe registrar que o documento novo apresentado pela autora (comprovante de
cadastramento do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal) não é
suficiente para comprovar sua condição de miserabilidade, por si só.
O referido documento, que foi juntado no id. n. 155730193, possui a data de cadastramento de
08/03/2013 e a última atualização cadastral é de 17/07/2020, constatando que a renda familiar
per capita da requerente é entre 89,01 até R$ 178,00.
Ocorre que o referido documento já era de conhecimento da requerente, visto que o seu
cadastro é anterior à procuração outorgada à advogada para a propositura da ação visando o
benefício assistencial, cuja data é de 27/08/2018.
Dessa forma, a alegação da existência de documento novo não é hábil para a rescisão da coisa
julgada. Todavia, é mais um motivo que demonstra a necessidade de anulação do julgado, para
viabilizar a instrução probatória em favor da autora.
(...).”
E ainda que assim não fosse, não serviria, de per se, para infirmar o fundamento da sentença,
de que não demonstrada a incapacidade, o mesmo podendo-se asseverar sobre os vários
documentos médicos acostados, que se relacionam às enfermidades da parte autora, não,
necessariamente, à sua inaptidão para manter-se, a par de, alguns, datarem de momento
posterior ao trânsito em julgado da provisão judicial atacada, a exemplo do atestado de fl. 172,
de 19/03/2021.
4 - DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto no sentido de rejeitar a matéria preliminar arguida e julgar parcialmente
procedente o pedido formulado na ação rescisória, a fim de desconstituir a decisão hostilizada
(art. 966, inc. V, CPC/2015), e determinar a reabertura da instrução processual na Instância de
origem. O INSS fica condenado na verba honorária advocatícia de R$ 1.200,00 (mil e duzentos
reais), nos moldes do art. 85 do Estatuto de Ritos de 2015. Custas e despesas processuais “ex
vi legis”.
É o voto.
A Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA. Com a devida vênia do Excelentíssimo
Senhor Relator e dos demais desembargadores que o acompanham, divirjo do entendimento
exarado no pronunciamento de Sua Excelência, quanto à viabilidade da procedência com
fundamento no art. 966, inciso V, do Código de Processo Civil, sob pena de se admitir a
utilização da presente demanda fora de seus trilhos legais, fazendo-o sob fundamento diverso
em relação ao quanto pontuado no respeitável voto da Juíza Federal Convocada Mônica
Bonavina, porquanto impossível extrair da petição inicial o fundamento pertinente à
desconstituição da sentença.
Conquanto no âmbito desta Seção especializada encontre-se cada vez mais alargada, no
julgamento de rescisórias, a máxima de que "ao formular suas postulações ou defesas, a parte
tem o ônus absoluto de alegar os fatos em que se fundam, sob pena de, em princípio, não
poderem ser, ou ao menos não serem levados em conta pelo juiz ao decidir. Não têm porem um
ônus da mesma intensidade quanto às normas legais aplicáveis ou sobre a interpretação
correta dos textos constitucionais ou legais, porque o juiz tem o dever de conhecer bem o direito
e aplicá-lo corretamente ainda quando as partes não hajam invocado normal alguma ou hajam
invocado uma norma de modo impróprio. Na teoria dasubstanciação, acatada pelo sistema
processual brasileiro, o juiz está vinculado aos fatos narrados na petição inicial, não podendo
decidir com fundamento em outros, mas é sempre livre para aplicar o direito conforme seu
entendimento - porquejura novit curia", convém não olvidar que "essa regra é mitigada quando
se cuidado recurso extraordinário ou do especial, qualificados comorecursos de direito, bem
comoda ação rescisória por violação a literal disposição de lei (CPC, art. 485, inc. V), nos
quaisa parte tem o ônus de indicar o preceito constitucional ou legal alegadamente
transgredido, para que o tribunal decida sobre a ocorrência ou não de uma infidelidade a ele"
(Cândido Rangel Dinamarco,Vocabulário do processo civil. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 352).
Válidas a esse propósito, outrossim, as anotações na obra de Theotonio Negrão (Código de
Processo Civil e Legislação Processual em Vigor, Saraiva, 45ª edição, p. 610), no sentido de
que "'A indicação que se dispensa é a do art. 485, V; pouco importa que o autor, na inicial,
deixe de menciona-lo, ou que, por engano, mencione texto diverso.Precisa ele, ao contrário,
indicar a norma (ou as normas) que, a seu ver, a sentença rescindenda violou, como
elemento(s) que é (ou são) da sua causa de pedir' (RSTJ 47/181; a citação é do voto do relator,
reproduzindo lições de Barbosa Moreira)"; e "A ação rescisória não pode ser julgada procedente
com base em violação a disposição de lei outra que a indicada na petição inicial: 'Se a ação
rescisória é ajuizada com fundamento em violação de literal disposição de lei, não cabe ao
julgador acolher o pedido e afastar a autoridade da coisa julgada ao argumento de que violada
disposição diversa daquela que alegada pelo autor' (RSTJ 181/231)".
A jurisprudência atual do Superior Tribunal de Justiça empresta força ao entendimento em
questão, valendo a menção ao precedente abaixo ementado, didático ao extremo para
compreensão do tema em discussão:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. EXCEPCIONALIDADE.
HIPÓTESES. TAXATIVIDADE. EXAURIMENTO DE INSTÂNCIA. PRESCINDIBILIDADE. ART.
485, V, DO CPC/73. LITERAL VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO LEGAL. INDICAÇÃO DA NORMA
VIOLADA. ÔNUS DO AUTOR. CAUSA DE PEDIR. TRIBUNAL. VINCULAÇÃO. JULGAMENTO
ANTECIPADO. PRODUÇÃO DE PROVA. INDEFERIMENTO MOTIVADO. REAPRECIAÇÃO.
INVIABILIDADE. JUÍZO RESCINDENTE. LIMITES. EXTRAPOLAÇÃO. SUCEDÂNEO
RECURSAL. CARACTERIZAÇÃO.
1. Ação rescisória, pautada no art. 485, V, do CPC/ 73, por meio da qual, por alegada violação
literal dos arts. 332, 382 e 397 do CPC/73, se pretende desconstituir sentença que julgou
parcialmente procedente ação adjudicatória de imóvel, objeto de contrato de compra e venda.
2. Recurso especial interposto em: 10/11/2016; conclusos ao gabinete em: 20/12/2017;
aplicação do CPC/15.
3. A correção de vícios por meio da ação rescisória é medida excepcional, cabível nos limites
das hipóteses taxativas de rescindibilidade previstas no art. 485 do CPC/73, em homenagem à
proteção constitucional à coisa julgada e ao princípio da segurança jurídica. Precedente.
4. Como se trata de via processual própria para a desconstituição da coisa julgada, que
corresponde à preclusão máxima do sistema processual, o exaurimento de instância no
processo rescindendo não é um dos pressupostos para a ação rescisória, tampouco a
preclusão consumativa é obstáculo ao seu processamento. Precedente.
5. Ainda que, na hipótese concreta, a requerente não tenha interposto apelação da sentença
rescindenda - que, julgou antecipadamente a lide e indeferiu a produção de prova por ela
requerida -, essa circunstância, por si mesma, não representa óbice ao cabimento da ação
rescisória.
6. A rescisória fundada no art. 485, V, do CPC/73, pressupõe a demonstração clara e
inequívoca de que a decisão de mérito impugnada contrariou a literalidade do dispositivo legal
suscitado, atribuindo-lhe interpretação jurídica absurda, teratológica ou insustentável, não
alcançando a reapreciação de provas ou a análise da correção da interpretação de matéria
probatória.
7. A indicação do dispositivo de lei violado é ônus do requerente, haja vista constituir a causa de
pedir da ação rescisória, vinculando, assim, o exercício da jurisdição pelo órgão competente
para sua apreciação.
8. Não é possível ao Tribunal, a pretexto da iniciativa do autor, reexaminar toda a decisão
rescindenda, para verificar se nela haveria outras violações à lei não alegadas pelo
demandante, mesmo que se trate de questão de ordem pública.
9. O juiz é o destinatário final das provas, a quem cabe avaliar sua efetiva conveniência e
necessidade, advindo daí a possibilidade de indeferimento fundamentado das diligências inúteis
ou meramente protelatórias, em juízo cuja revisão demanda a reapreciação do conjunto fático
dos autos. Precedentes.
10. Na hipótese dos autos, o juízo rescindente promovido pelo Tribunal de origem ultrapassou
os limites das causas de pedir deduzidas pelo autor na presente ação rescisória, além de não
ter observado que o indeferimento da produção probatória e o julgamento antecipado da lide foi
devidamente fundamentado.
11. O acolhimento da pretensão de desconstituição da sentença transitada em julgado
acarretou, portanto, a utilização da ação rescisória como sucedâneo recursal.
12. Recurso especial provido.
(REsp 1663326/RN, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em
11/02/2020, DJe 13/02/2020)
De rigor, portanto, o reconhecimento da improcedência do pedido de desconstituição do
julgado.
Por se tratar de beneficiária da gratuidade da justiça, condeno a parte autora a pagar custas
processuais e honorários de advogado, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor
atualizado da causa, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do CPC.
Posto isso, divirjo do Excelentíssimo Senhor Relator para julgar improcedente o pedido
rescisório formulado.
É o voto.
D I V E R G Ê N C I A
O eminente Desembargador Federal David Dantas submete à apreciação do Colegiado ação
rescisória proposta por CELSO JORGE MARINHO, fundada no art. 966, incs. V e VII, do
CPC/2015, em que se busca desconstituir provimento jurisdicional em autos de ação de
concessão de benefício assistencial.
Segundo o eminente Relator, procede o requerido na ação rescisória, exclusivamente à luz da
noticiada violação de norma jurídica, pois, ainda que, na demanda originária, a parte autora
tenha permanecido inerte na fase da especificação de provas, equivocado seria o julgamento
antecipado da lide, na medida em que, para comprovação do pedido de benefício assistencial,
faz-se necessária a produção de provas, tanto quanto a alegação de deficiência, como da
hipossuficiência, essenciais à regular apreciação do feito e que não dependeriam de
providência da parte.
Ao final determina, em juízo rescisório, o prosseguimento do feito originário, com a realização
das diligências cabíveis.
De minha parte, acompanho o bem lançado voto proferido no que concerne à rejeição da
matéria preliminar destacada – embora, no tocante à ausência de prévio requerimento
administrativo, ressalto que a questão não se cuida, propriamente, de assunto preliminar ao
juízo rescindente, cabendo mais, com eventual rejulgamento da causa originária (a ensejar a
extinção do processo sem exame de mérito, à falta de interesse). De qualquer forma, trata-se
de tema que merece reflexão e inoportuno neste momento, avançando, pois, no mérito.
E nesse ponto acompanho o eminente Relator no que toca à descaracterização do quesito da
prova nova no caso em estudo. De efeito, não reconheço nos documentos trazidos -
comprovantes de cadastramento em programas governamentais sociais – força bastante à
reversão do julgado proferido. Demais, tais peças eram de conhecimento da autoria e não se
justificam, aqui, a princípio, discussões sobre requisitos essenciais aos rurícolas.
Divirjo, contudo, de S. Exa. no que tange à apontada caracterização, na espécie, de agressão
de norma jurídica.
Como sabido, a possibilidade de desconstituição de julgado decorrente de violação literal de
norma jurídica autoriza o desfazimento de decisões judiciais contrárias à ordem positiva,
contemplando interpretações verdadeiramente aberrantes e injustificáveis sob qualquer ponto
de vista jurídico.
Assim, se a orientação adotada pelo julgado guarda alguma plausibilidade, detectando-se que o
julgador adotou uma das interpretações jurídicas possíveis, ainda quando não se afigure a mais
correta, justa ou adequada, tem-se por inviável a via rescisória, que não se trata de substituto
recursal, nem tampouco se destina à mera substituição de interpretações judiciais ou mesmo ao
reexame do conjunto probatório, em busca de provimento jurisdicional favorável à sua autoria.
Considerando que a parte autora, apesar de hipossuficiente, estava regularmente assistida por
advogado - a quem incumbe o dever de bem agir e zelar pelos interesses de seu representado -
e que houve inércia por ocasião da especificação de provas e na réplica à contestação do
INSS, parece-me plausível o julgamento antecipado no caso e o deslinde atribuído à causa
originária, contrário aos interesses do particular.
Por outro lado, mesmo sendo notórias as flexibilizações no campo previdenciário em
homenagem aos mais vulneráveis, não estão a afastar as disposições contidas no CPC, dentre
as quais a que determina a sujeição da parte aos efeitos da preclusão temporal (CPC, artigo
223), pena, inclusive, de ofensa ao devido processo legal.
Nesse panorama em que desponta ao menos dúvida sobre o assunto em discussão, observa-
se que o julgado rescindendo adotou uma das soluções possíveis à espécie originária, sem
nota de desproporcionalidade a ensejar o êxitoda rescisória.
Dessarte, pelo meu voto, renovada a vênia, julgo improcedente o pleito rescindente. Na forma
da jurisprudência da Seção, condeno a autoria em verba honorária, à base de R$ 1.000,00,
observada a gratuidade judiciária.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA.
MATÉRIA PRELIMINAR REJEITADA. VIOLAÇÃO DE LEI E DOCUMENTAÇÃO NOVA.
AFRONTA DE DISPOSITIVO LEGAL: CARACTERIZAÇÃO NA ESPÉCIE. PEDIDO
FORMULADO NA “ACTIO RESCISORIA” JULGADO PROCEDENTE EM PARTE.
DETERMINADA A REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL NA PRIMEIRA
INSTÂNCIA.
- Impróprio cogitar-se de prévio requerimento administrativo para a hipótese, seja porque a
providência reclamada já foi adotada pela parte autora, seja porque não se trata de primeira
reivindicação no Judiciário ou porque observado o intuito do órgão previdenciário em não
conceder o “BPC”, haja vista contestações ofertadas.
- A alegação de que a vertente “actio rescisoria” apresenta caráter recursal confunde-se com o
mérito e como tal é apreciada e resolvida.
- Na hipótese ora examinada, ainda que a parte autora se tenha quedado inerte com respeito à
produção de provas, ou mesmo, à confecção de réplica, não seria o caso de julgamento
antecipado da lide.
- Evidente a necessidade de produção de perícia médica, a fim de demonstrar-se ou não a
incapacidade alegada na exordial, e de estudo social, esse com vistas à comprovação ou não
da miserabilidade igualmente afirmada na proemial da demanda subjacente.
- Violação do art. 355 do Código de Processo Civil de 2015. Decisão rescindida (art. 966, inc. V,
CPC/2015).
- Carecendo de comprovação as asserções expendidas pela parte autora, deve o pleito primevo
prosseguir na sua tramitação na Instância de Origem, não se havendo cogitar de seu
julgamento nesta Casa.
- Com respeito à documentação dita nova, não serve à desconstituição do julgado hostilizado.
- Condenado o INSS na verba honorária advocatícia de R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais), nos
moldes do art. 85 do Estatuto de Ritos de 2015. Custas e despesas processuais “ex vi legis”.
- Rejeitada a matéria preliminar arguida. Desconstituída a decisão vergastada. Determinada a
reabertura da instrução processual na Instância de origem. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Seção, por
maioria, decidiu rejeitar a matéria preliminar arguida e julgar parcialmente procedente o pedido
formulado na ação rescisória, a fim de desconstituir a decisão hostilizada (art. 966, inc. V,
CPC/2015), e determinar a reabertura da instrução processual na Instância de origem, nos
termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
