
| D.E. Publicado em 16/11/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a matéria preliminar e, no mérito, julgar improcedente o pedido de rescisão do julgado, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0004576-89.2015.4.03.0000/SP
RELATÓRIO
Trata-se de ação rescisória proposta com fundamento no Art. 485, V, do Código de Processo Civil/1973, com o objetivo de desconstituir acórdão que deu provimento à apelação do INSS para julgar improcedente pedido de concessão de benefício assistencial.
A autora sustenta que a decisão rescindenda violou o disposto no Art. 203, V, da Constituição Federal e no Art. 34, Parágrafo único, do Estatuto do Idoso, por ter levado em consideração, para fins de cálculo da renda familiar per capita, o benefício de prestação continuada recebido pelo marido. Alega que preencheu todos os requisitos necessários ao deferimento do benefício, por ostentar mais de 65 anos de idade e ter demonstrado a sua condição de hipossuficiência. Argumenta que se a Lei 8.742/93 (LOAS) não considera, para efeito de cálculo da renda familiar per capita, o benefício já concedido a qualquer membro da entidade familiar da pessoa que o requer, é evidente que, por analogia, deve-se desconsiderar também a percepção de um salário mínimo a título de aposentadoria a qualquer membro da entidade familiar da pessoa que o requer. Pleiteia a rescisão do julgado para que, em novo julgamento, seja determinada a concessão do benefício de prestação continuada à requerente.
A inicial foi instruída com os documentos de fls. 25/65.
Intimada a apresentar declaração atualizada de hipossuficiência econômica, a fim de viabilizar a análise do pedido de concessão dos benefícios da Justiça gratuita, e fornecer cópia da petição inicial, para servir de contrafé à citação, a autora cumpriu as diligências, sendo-lhe deferido o pedido e determinada a citação do réu (fls. 69/76).
Em contestação, o Instituto Nacional do Seguro Social arguiu a preliminar de carência da ação, por ausência do interesse de agir, sob o argumento de que a autora pretende apenas a rediscussão do quadro fático-probatório produzido na lide originária. No mérito, sustenta a inexistência de violação a literal disposição de lei no julgado, pois o acórdão rescindendo não ignorou o decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.112.557/MG, recurso representativo da controvérsia, ao consignar que "em observância ao princípio do livre convencimento motivado, a jurisprudência pátria tem entendido que a condição de miserabilidade pode ser aferida por outros meios de prova". Acrescenta que o v. aresto levou em consideração os debates sobre o tema ocorridos no âmbito do Supremo Tribunal Federal, no julgamento conjunto da Reclamação 4.374/PR, do RE 580.963/PR e do RE 567.985/MT, com repercussão geral, tendo concluído que, para aferição da renda familiar per capita, bem como para a aplicação analógica do Parágrafo único, do Art. 34, da Lei 10.741/03 (Estatuto do Idoso), é necessário analisar as circunstâncias do caso concreto. Alega que a presente ação rescisória encontra óbice no enunciado da Súmula nº 343/STF, por se tratar de matéria controvertida nas cortes pátrias. Subsidiariamente, aduz que a hipossuficiência da autora não restou demonstrada, uma vez que esta "mora com seu marido, titular de benefício previdenciário no valor de um salário-mínimo, em imóvel próprio ou cedido (não pagam aluguel), proprietários de um veículo automotor CLASSIC LIFE ano 2006 e pais de 03 filhos maiores e empregados e, conforme destacado pelo v. acórdão, embora seja acometida de alguns problemas de saúde, é atendida pelos serviços públicos de saúde". A peça de contestação veio acompanhada dos documentos de fls. 85/94.
Réplica à contestação a fls. 97-113.
As partes não pugnaram pela produção de novas provas (fls. 115/115vº).
Em seu parecer, o Ministério Público Federal se manifestou pela improcedência da ação rescisória, por entender que não houve violação ao Art. 34, Parágrafo único, do Estatuto do Idoso, pois o marido da autora não recebe benefício assistencial de prestação continuada e sim aposentadoria, e ainda que haja divergência doutrinária e jurisprudencial sobre a possibilidade de aplicação analógica do dispositivo a qualquer benefício previdenciário no valor de um salário mínimo, não se pode utilizar desse argumento para rescindir o acórdão transitado em julgado, em razão da incidência dos termos da Súmula nº 343/STF.
É o relatório.
BAPTISTA PEREIRA
Desembargador Federal
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AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0004576-89.2015.4.03.0000/SP
VOTO
A preliminar de carência da ação confunde-se com o mérito e naquele âmbito deve ser analisada.
Passo a examinar a questão de fundo.
De acordo com o Art. 203, V, da Constituição Federal de 1988, a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, tendo por objetivos a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
Sua regulamentação deu-se pela Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), que, no Art. 20, § 3º, estabeleceu que faz jus ao benefício a pessoa, deficiente ou idoso maior de sessenta e cinco anos, cuja renda familiar per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. In verbis:
No julgamento da ADI 1.232-1/DF, em 27.08.1998, o Tribunal Pleno do e. Supremo Tribunal Federal, por maioria (três votos a dois), entendeu que o § 3º do Art. 20 da Lei 8.742/93 estabelece critério objetivo para a concessão do benefício assistencial, vencidos, parcialmente, os ministros Ilmar Galvão e Néri da Silveira, que, embora igualmente reconhecessem sua constitucionalidade, conferiam-lhe interpretação extensiva, por concluir que o dispositivo apenas instituiu hipótese em que a condição de miserabilidade da família é presumida (presunção iuris et iure), sem, no entanto, afastar a possibilidade de utilização de outros meios para sua comprovação.
Ao apreciar o REsp 1.112.557/MG, em 28.10.2009, sob o regime do Art. 543-C do CPC, a Terceira Seção do c. Superior Tribunal de Justiça firmou posição na linha do voto minoritário do e. STF, por compreender que "a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo", consoante a ementa que ora colaciono:
Nesse sentido pacificou-se a jurisprudência daquela Corte. Confiram-se: AgRg no Ag 1394664/SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, 5ª Turma, DJe 03/05/2012; AgRg no Ag 1394595/SP, Relator Ministro Og Fernandes, 6ª Turma, DJe 09/05/2012; AgRg no Ag 1425746/SP, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, DJe 19/12/2011; AgRg no Ag 1394683/SP, Relator Ministro Gilson Dipp, 5ª Turma, DJe 01/12/2011; AgRg no REsp 1247868/RS, Relator Ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, DJe 13/10/2011; AgRg no REsp 1265039/RS, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJe 28/09/2011; AgRg no REsp 1229103/PR, Relator Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ), 5ª Turma, DJe 03/05/2011; AgRg no Ag 1164852/RS, Relator Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), 5ª Turma, DJe 16/11/2010.
Observa-se que, não obstante vários julgados tenham se baseado no entendimento firmado na ADI 1.232/DF, aquele precedente cedeu espaço à interpretação inaugurada pelo Ministro Ilmar Galvão, no sentido de que é possível a aferição da condição de hipossuficiência econômica do idoso ou do portador de deficiência por outros meios que não apenas a comprovação da renda familiar mensal per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
Mesmo no e. STF, que havia firmado entendimento diverso, a posição findou por ser revista recentemente, em 18.04.2013, no julgamento do RE 567985/MT, pelo sistema da repercussão geral, bem como na apreciação da Reclamação (RCL) 4374, ocasião em que a Suprema Corte, declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/1993.
Nestes termos:
Naquela mesma ocasião, julgou-se ainda o RE 580963/PR, também submetido ao regime da repercussão geral, em que o Pretório Excelso declarou igualmente inconstitucional o parágrafo único do Art. 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).
A ementa restou assim redigida:
Bem explicado, trata-se, em ambos os casos, de inconstitucionalidade parcial por omissão.
No que se refere ao § 3º, do Art. 20, da Lei 8.742/93, considerou-se, segundo o Relator, Ministro Gilmar Mendes, que "era insuficiente para cumprir integralmente o comando constitucional do art. 203, V, Constituição da República", por não contemplar outras hipóteses caracterizadoras da absoluta incapacidade de manutenção do idoso ou o deficiente físico.
Com relação ao Art. 34, Parágrafo único, da Lei 10.741/03, a omissão decorre da violação ao princípio da isonomia, por se afastar do cálculo da renda per capita familiar apenas o benefício assistencial já concedido a outro membro da família, excluindo-se do mesmo tratamento o deficiente também titular de benefício assistencial, bem como o idoso titular de benefício previdenciário de valor mínimo.
Nesse quadro, com base na orientação da Corte Suprema, forçoso concluir que se deve dar interpretação extensiva ao § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/99, a fim de abranger outras situações em que comprovada a condição de miserabilidade do postulante ao benefício assistencial. Assim, em respeito ao princípio da isonomia, deve-se também estender a interpretação do Parágrafo único, do Art. 34, do Estatuto do Idoso, para excluir do cálculo da renda per capita familiar também os benefícios de valor mínimo recebidos por deficiente ou outro idoso.
Tecidas estas considerações, observo que na inicial da ação subjacente, a autora pleiteou a concessão do benefício assistencial previsto no Art. 203, V, da Constituição Federal, sob a alegação de ser pessoa economicamente carente, com 68 anos de idade, acometida de problemas de saúde, como cardiopatia, pressão alta, artrose e depressão, o que provocava a necessidade de gastos com medicação para alívio dos sintomas, no montante aproximado de R$ 250,00 mensais, para tratamento de suas doenças e das enfermidades de seu esposo. Argumentou, ainda, que a entidade familiar é composta por ambos, e que seu marido aufere renda mensal no valor de um salário mínimo, a qual não seria bastante para custear o orçamento doméstica e as despesas com medicamentos, de maneira que a renda obtida se mostrava insuficiente para garantir sua própria subsistência e a de sua família.
Para demonstrar a veracidade dos fatos alegados, juntou aos autos os documentos médicos de fls. 40/45.
No curso da ação, foi realizado o estudo socioeconômico, que concluiu a receita auferida pela entidade familiar é insuficiente para suprir as necessidades básicas e necessárias do casal.
A sentença proferida pelo MM. Juízo de Direito da Comarca de Osvaldo Cruz/SP julgou procedente o pedido, tendo considerado que o benefício de valor mínimo percebido pelo marido da autora possui natureza assistencial e não deve ser considerado para apuração da renda individual dos membros da unidade familiar, em virtude da aplicação do disposto no Art. 34, Parágrafo único, da Lei 10.741/03 - Estatuto do Idoso (fls. 50/54).
Todavia, o acórdão rescindendo, ao apreciar a apelação interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social, concluiu que a entidade familiar usufrui da aposentadoria de valor mínimo recebida pelo marido da demandante, e que a renda familiar per capita resulta em, ao menos, ½ salário mínimo, suficiente para custear as despesas do casal com gastos domésticos e medicação. Além disso, podem contar com o auxílio financeiro dos três filhos maiores, e a autora se aproveita dos serviços médicos fornecidos universalmente pelo Estado. Desse modo, entendeu que não houve comprovação da situação de miserabilidade necessária à concessão do benefício.
O v. aresto, ao debruçar-se na análise do teor das decisões proferidas pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.112.557/MG, e mais tarde, no Incidente de Uniformização de Jurisprudência suscitado pelo INSS, por meio da Petição nº 7.203-PE; bem como ao estudar a abrangência das decisões proferidas pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal, no julgamento conjunto da Reclamação 4.374/PE, RE 580.963/PR e 567.985/MT, sob o regime da repercussão geral, deu a seguinte interpretação ao caso concreto:
Como visto, o estudo social apontou que a renda familiar era proveniente da aposentadoria percebida pelo cônjuge, no valor de um salário mínimo (R$ 545,00 à época) - não havendo, aparentemente, outra fonte de renda; e as despesas mensais totalizavam R$ 428,00. A renda auferida, segundo consta, nem mesmo permitiria que o marido arcasse com os custos de seus próprios medicamentos, motivo por que deixou de utilizá-los.
Todavia, verifica-se, conforme noticiado pelo réu nestes autos, a partir da juntada de extrato emitido pela Secretaria Nacional de Segurança Pública, vinculada ao Ministério da Justiça (fls. 90), que a autora e seu marido são proprietários de um veículo automotor CLASSIC LIFE, ano 2006. Ademais, é certo afirmar que a autora não impugnou essa prova, nem tampouco teceu qualquer consideração sobre o assunto.
Em consulta à tabela divulgada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas - FIPE, observo que o valor de mercado do citado bem, no mês de referência de agosto/2017, é de R$ 13.555,00. Assim, é possível extrair que os gastos com o licenciamento do veículo, no ano corrente, incluídas as despesas com IPVA, seguro obrigatório e emissão do CRLV, foram da ordem de R$ 695,54. Afora isso, tem-se que o automóvel foi financiado e, portanto, há também o gasto com as prestações mensais, além do indicativo de que o casal goza de crédito junto a instituições financeiras.
Tais informações, forçoso concluir, malferem a capacidade probatória do estudo socioeconômico elaborado, por demonstrar que a requerente, na realidade, goza de uma situação financeira bem mais favorável que a retratada nos autos e, portanto, não detém a condição de hipossuficiência exigida à concessão do benefício de prestação continuada, não se podendo afirmar que não possui meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Destarte, em face dessas constatações, não estando configurada a alegada violação a literal disposição de lei, de rigor a improcedência do pedido formulado na inicial.
Ante o exposto, REJEITO A MATÉRIA PRELIMINAR E, NO MÉRITO, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO DE RESCISÃO DO JULGADO, arcando a autoria com honorários advocatícios de 10% sobre o valor atualizado dado à causa, que ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade, a teor do Art. 98, § 3º, do CPC, por ser beneficiária da justiça gratuita.
É o voto.
BAPTISTA PEREIRA
Desembargador Federal
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| Data e Hora: | 27/10/2017 18:45:45 |
