Processo
AR - AçãO RESCISóRIA / SP
5003312-15.2016.4.03.0000
Relator(a)
Desembargador Federal NELSON DE FREITAS PORFIRIO JUNIOR
Órgão Julgador
3ª Seção
Data do Julgamento
21/08/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 24/08/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. DOLO NÃO VERIFICADO. VIOLAÇÃO LITERAL DE
LEI. ERRO DE FATO. ART. ART. 966 V E VIII DO CPC. OCORRÊNCIA. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA NÃO VERIFICADA. REQUISITOS NÃO
PREENCHIDOS. BENEFÍCIO INDEVIDO. DEVOLUÇÃO INCABÍVEL.
1. A viabilidade da ação rescisória fundada no artigo 966, inciso V, do CPC decorre da não
aplicação de uma determinada lei ou do seu emprego de tal modo aberrante que viole
frontalmente o dispositivo legal, dispensando-se o reexame dos fatos da causa originária.
2. Para efeito de rescisão do julgado, entende-se configurado o erro de fato (art. 966, VIII, do
CPC) quando o julgador não percebe ou tem falsa percepção acerca da existência ou inexistência
de um fato incontroverso e essencial à alteração do resultado da decisão. Não se cuida, portanto,
de um mero erro de julgamento, mas de uma falha no exame do processo a respeito de um ponto
decisivo para a solução da lide.
3. Não há que se falar em dolo da parte vencedora, uma vez que a omissão em relação aos bens
porventura existentes não consubstancia falta do dever de lealdade e boa-fé, por não ter
impedido nem dificultado a atuação da parte adversa.
4. O Superior Tribunal de Justiça já admitia outros meios de prova para aferir a hipossuficiência
do postulante ao amparo assistencial, além do montante da renda per capita, reputando a fração
estabelecida no § 3º do art. 20 da Lei 8.742/1993 como parâmetro abaixo do qual a
miserabilidade deve ser presumida de forma absoluta. Violação ao art. 20, da Lei n. 8.742/93 que
afasta a aplicação do Enunciado de Súmula 343 do E. STF, por se tratar de interpretação atinente
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
a preceito constitucional. Precedente da 3ª Seção desta Corte Regional.
5. O benefício assistencial de prestação continuada ou amparo social encontra assento no art.
203, V, da Constituição Federal, tendo por objetivo primordial a garantia de renda à pessoa
deficiente e ao idoso com idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco anos) em estado de
carência dos recursos indispensáveis à satisfação de suas necessidades elementares, bem assim
de condições de tê-las providas pela família.
6. Segundo a Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) "para efeito de concessão do
benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem
impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em
interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas". De acordo com a referida lei, entende-se
por longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
7. No caso dos autos, no tocante à demonstração da miserabilidade, o Estudo Social produzido
indica que o núcleo familiar era integrado pela parte postulante e seu esposo, aposentado,
recebendo o valor de um salário mínimo, com despesas mensais estimadas em R$ 696,25 (ID
356463). Todavia, na cópia do atestado de óbito da titular do benefício em questão, ocorrido em
03.05.2016 (ID 356463), constou a existência de bens a inventariar. Em que pese o imóvel
descrito no item “A” tenha sido declarado como próprio por ocasião da realização do estudo
social, nota-se a existência de outro imóvel de 270,00 metros quadrados, contendo edificado um
prédio residencial em alvenaria de tijolos, com valor venal de R$ 26.700,00 (vinte e seis mil e
setecentos reais).
8. O direito ao benefício assistencial de prestação continuada está atrelado à situação de sensível
carência material enfrentada pelo postulante, não bastando para a sua concessão a alegação de
meras dificuldades financeiras, sob pena de desnaturar o objetivo almejado pelo Constituinte, isto
é, dar amparo ao deficiente e ao idoso inseridos em contextos de manifesta privação de recursos,
e banalizar a utilização do instituto, sobrecarregando, desse modo, o orçamento da Seguridade
Social.
9. No caso em apreço, não restaram satisfeitos os requisitos necessários a justificar a concessão
do benefício de prestação continuada contemplado no art. 203, V, do Texto Constitucional, e art.
20, caput, da Lei 8.742/1993.
10. Caracterizada a hipótese legal dos incisos V e VIII do artigo 966 do Código de Processo Civil,
rescinde-se o julgado questionado, para, em juízo rescisório, pelas razões já expendidas, julgar
improcedente o pedido formulado na ação subjacente.
11. Embora cassado o benefício em questão, tendo em vista o caráter alimentar e social do
benefício previdenciário, assim como a boa-fé da parte autora, revela-se incabível a devolução
dos valores percebidos por força de decisão judicial.
12. Procedência parcial do pedido formulado em ação rescisória para desconstituir a sentença
prolatada no processo n. 000228-93.2015.8.26.0407, e, em juízo rescisório, julgar improcedente o
pedido formulado na demanda subjacente, nos termos da fundamentação supra. Honorários
advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa, nos termos do art. 85 do Código de
Processo Civil.
Acórdao
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº5003312-15.2016.4.03.0000
RELATOR:Gab. 37 - DES. FED. NELSON PORFIRIO
AUTOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
REU: DORIVAL ANTONIO POLLI, LOURDES CRISTINA POLLI DA SILVA, CLEIDE APARECIDA
POLLI DA SILVA, ANGELA MARIA POLLI DOS SANTOS, DONISETE APARECIDO POLLI, LUIS
FERNANDO POLLI
OUTROS PARTICIPANTES:
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5003312-15.2016.4.03.0000
RELATOR: Gab. 37 - DES. FED. NELSON PORFIRIO
AUTOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RÉU: DORIVAL ANTONIO POLLI, LOURDES CRISTINA POLLI DA SILVA, CLEIDE APARECIDA
POLLI DA SILVA, ANGELA MARIA POLLI DOS SANTOS, DONISETE APARECIDO POLLI, LUIS
FERNANDO POLLI
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Trata-se de ação rescisória ajuizada
pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em face de em face de DORIVAL
ANTONIO POLLI, LOURDES CRISTINA POLI DA SILVA, CLEIDE APARECIDA POLLI DA
SILVA, ANGELA MARIA POLLI DOS SANTOS, DONISETE APARECIDO POLLI, LUIS
FERNANDO POLLI, sucessores de MARIA DE CARVALHO POLLI, com fundamento no artigo
966, incisos III, V e VIII, do Código de Processo Civil (2015), visando a rescisão da sentença
prolatada no processo n. 000228-93.2015.8.26.0407, que tramitou perante o Juízo de Direito da
2ª Vara da Comarca de Osvaldo Cruz/SP, que concedeu o benefício assistencial à sucedida,
desde 23.12.2014.
Sustenta o INSS, em síntese, que “a decisão do Juízo de Direito da Segunda Vara Cível da
Comarca de Osvaldo Cruz que condenou o INSS a conceder a benefício assistencial à parte ré
desde 23/12/2014, baseou-se no laudo socioeconômico de fls. 40/42 dos autos principais e nas
declarações da Sra. MARIA DE CARVALHO POLLI, segundo o qual não tinham bens e
sobreviviam da aposentadoria, no valor de um salário mínimo, de seu esposo” (ID 356462).
Todavia, após o óbito da sra. Maria, no inventario, constatou-se a existência de bens,
“circunstância incompatível com o estado de miserabilidade alegado durante a instrução
probatória”. Alega, ainda, que a concessão do benefício assistencial à parte ré violou literalmente
o disposto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, que exige a impossibilidade da subsistência ser
provida pela família como condição para o deferimento do benefício assistencial e, “não bastasse
o dolo da parte ré, há evidente erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa,
incidindo a hipótese de rescindibilidade também no artigo 966, VIII do CPC de 2015”.
Aduz, também, que tendo o óbito da titular do benefício ocorrido antes do trânsito em julgado da
sentença, inexiste direito adquirido ao recebimento dos atrasados pelos sucessores.
Requer a concessão da tutela provisória para suspender a execução no feito subjacente. Pleiteia,
ainda, a restituição dos valores recebidos indevidamente.
O pedido de tutela provisória foi deferido para determinar a suspensão da ação de execução em
comento, até posterior decisão (ID 407756).
Devidamente citados (ID 635191), os réus não apresentaram resposta, motivo pelo qual foi
determinada a observância do disposto no art. 346 do CPC/2015 (ID 754234).
O INSS não postulou a produção de novas provas (ID 791427).
Alegações finais do INSS (ID 1027420).
O Ministério Público Federal opinou pela procedência da ação rescisória (ID 1302877).
É o relatório.
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5003312-15.2016.4.03.0000
RELATOR: Gab. 37 - DES. FED. NELSON PORFIRIO
AUTOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RÉU: DORIVAL ANTONIO POLLI, LOURDES CRISTINA POLLI DA SILVA, CLEIDE APARECIDA
POLLI DA SILVA, ANGELA MARIA POLLI DOS SANTOS, DONISETE APARECIDO POLLI, LUIS
FERNANDO POLLI
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): conforme já salientado, não houve o
transcurso do prazo decadencial de 02 (dois) anos para a propositura da ação rescisória, previsto
no artigo 975 do Código de Processo Civil.
De início, no tocante à legitimidade dos herdeiros em receber os atrasados em questão, a
jurisprudência do STJ tem entendimento no sentido de que, apesar do caráter personalíssimo dos
benefícios previdenciários e assistenciais, os herdeiros tem o direito de receber eventuais
parcelas que seriam devidas ao autor que falece no curso da ação. A saber:
"PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 535, INCISO II,
DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. OMISSÃO NÃO CONFIGURADA. ÓBITO DO TITULAR DO
BENEFÍCIO. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DOS SUCESSORES PARA POSTULAR EM
JUÍZO O RECEBIMENTO DE VALORES DEVIDOS E NÃO RECEBIDOS EM VIDA PELO DE
CUJUS. ART. 112 DA LEI N.º 8.213/91. PRECEDENTES. ACÓRDÃO RECORRIDO EM
SINTONIA COM ESSE ENTENDIMENTO. SÚMULA N.º 83 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTIÇA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. A suposta afronta ao art. 535, inciso II, do Código de Processo Civil não subsiste, porquanto o
acórdão hostilizado solucionou a quaestio juris de maneira clara e coerente, apresentando todas
as razões que firmaram o seu convencimento.
2. Na forma do art. 112 da Lei n. 8.213/91, os sucessores de ex-titular - falecido - de benefício
previdenciário detêm legitimidade processual para, em nome próprio e por meio de ação própria,
pleitear em juízo os valores não recebidos em vida pelo de cujus, independentemente de
habilitação em inventário ou arrolamento de bens.
3. Agravo regimental desprovido" (AgRg no REsp 1.260.414/CE, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta
Turma, DJe 26/3/2013).
No mesmo sentido o posicionamento desta eg. Corte Regional:
"PREVIDENCIÁRIO - PROCESSUAL CIVIL - EXECUÇÃO - BENEFÍCIO ASSISTENCIAL -
ÓBITO DA AUTORA NO CURSO DO PROCESSO - PARCELAS NÃO RECEBIDAS EM VIDA
PELA PARTE BENEFICIÁRIA - POSSIBILIDADE DE RECEBIMENTO DAS PARCELAS
VENCIDAS PELOS SUCESSORES.
I - Não merece prosperar o argumento do INSS, no sentido de que são indevidas as parcelas do
benefício assistencial aos sucessores da autora, em razão do seu óbito ter ocorrido antes do
trânsito em julgado do título judicial, uma vez que o trânsito em julgado da decisão exequenda
somente não se deu antes do falecimento da requente em virtude de a própria autarquia ter
interposto os recursos especial e extraordinário, que posteriormente se mostraram infrutíferos.
II - Ainda que se trate de benefício assistencial, de caráter personalíssimo, há que se reconhecer,
nos termos em que definido no Decreto nº 6.214/07, a possibilidade de pagamento do resíduo
não recebido pelo beneficiário falecido aos seus sucessores, devidamente habilitados na forma
da lei civil. Precedentes jurisprudenciais do E. STJ e desta Corte.
III - Apelação da parte autora provida." (TRF 3ª Região, 10ª Turma, AC 1393279, proc. 0003046-
36.2009.4.03.9999, rel. Des. Fed. Sérgio Nascimento, v. u., e-DJF3 02.08.2017)
Da alegada violação a literal disposição de lei
Quanto a esta alegação, dispõe o art. 485, V, do Código de Processo Civil/1973:
"Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:
(...)
V - violar literal disposição de lei".
Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil/2015, a matéria está disciplinada no art.
966, inc. V, assim redigido:
"Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:
(...)
V - violar manifestamente norma jurídica".
A viabilidade da ação rescisória fundada no artigo 966, inciso V, do CPC (2015) decorre da não
aplicação de uma determinada lei ou do seu emprego de tal modo aberrante que viole
frontalmente o dispositivo legal, dispensando-se o reexame dos fatos da causa originária.
Do alegado erro de fato
Para efeito de rescisão do julgado, entende-se configurado o erro de fato (art. 966, VIII, do
CPC/2015) quando o julgador não percebe ou tem falsa percepção acerca da existência ou
inexistência de um fato incontroverso e essencial à alteração do resultado da decisão. Não se
cuida, portanto, de um mero erro de julgamento, mas de uma falha no exame do processo a
respeito de um ponto decisivo para a solução da lide.
Considerando o previsto no inciso VIII e no § 1º do artigo 966, do Código de Processo Civil (1973)
é, ainda, indispensável para o exame da rescisória com fundamento em erro de fato, que não
tenha havido controvérsia, nem pronunciamento judicial sobre o fato, e que o erro se evidencie
nos autos do feito em que foi proferida a decisão rescindenda, sendo inaceitável a produção de
provas para demonstrá-lo na ação rescisória.
Do alegado dolo
Para efeito de rescisão do julgado, na lição de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade
Nery, entende-se configurado o dolo rescisório (art. 485, III, do CPC/1973) quando a parte
vencedora utiliza-se, na prática, “além das condutas vedadas pelo CPC17, de ardis, maquinações
e atividades enganosas em geral, capazes de subtrair da parte contrária o direito de produzir atos
e provas no processo, reduzindo-lhe a capacidade de defesa e afastando o juiz de uma decisão
de acordo com a verdade (Rizzi, Ação resc., 74/75)” (in Código de Processo Civil Comentado e
legislação extravagante, 13ª Ed, 2013, p. 935).
Quanto a esse aspecto, não há que se falar em dolo da parte vencedora, uma vez que a omissão
em relação aos bens porventura existentes não consubstancia falta do dever de lealdade e boa-
fé, por não ter impedido nem dificultado a atuação da parte adversa.
Pois bem. O julgado rescindendo assim apreciou a matéria relativa à presença de requisitos para
a concessão de benefício assistencial (LOAS) (ID 356463):
“(...)
- No tocante à renda per capita ser superior ao permitido pela lei do LOAS, entendo que tais
fatores não acarretam a improcedência do pedido, pois o benefício percebido pelo marido da
autora possui natureza previdenciária/assistencial e não deve ser considerado para apuração da
renda individual dos membros do grupo familiar, aplicando-se para tanto o parágrafo único do art.
34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso): "Parágrafo único: O benefício já concedido a qualquer
membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda
familiar per capita a que se refere a Loas."
(...)
Dessa forma, constatando-se que a autora tem 66 anos e seu esposo 70 anos de idade, ambos
com sérios problemas de saúde (fls. 40/42), além de fazerem uso de variados medicamentos, e
aplicando os critérios acima delineados, conclui-se que ela preenche o requisito do § 3.º do art.
20 da Lei 8.742/1993. Ademais, in casu, é incontroversa a incapacidade da autora para provera
própria subsistência, uma vez que não consegue trabalho quer pela idade avançada quer pelos
problemas de saúde comuns ao idoso.
Registre-se que o laudo social consignou que o núcleo familiar é constituído apenas pela autora e
seu esposo, e que vivem com o valor de R$ 788,00, saldo proveniente do benefício de
aposentadoria por idade recebido pelo cônjuge”.
No tocante à situação socioeconômica do beneficiário, consta do § 3º do art. 20 da Lei Orgânica
da Assistência Social, com a redação dada pela Lei 12.435/2001:
"Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja
renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo."
Inicialmente, o dispositivo em referência teve a constitucionalidade afirmada pelo Supremo
Tribunal Federal em sede de controle concentrado na ADIn nº 1.232-1 (Rel. Min. Ilmar Galvão,
por redistribuição, DJU, 26 maio 1995, p. 15154). Entretanto, a pretexto da ocorrência de
processo de inconstitucionalização oriundo de alterações de ordem fática (políticas, econômicas e
sociais) e jurídica (estabelecimento de novos patamares normativos para concessão de
benefícios assistenciais em geral), o Supremo Tribunal Federal reviu o anterior posicionamento,
declarando a inconstitucionalidade parcial do dispositivo, sem pronúncia de nulidade, em julgado
assim ementado:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V,
da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na
ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que "considera-se incapaz de prover a
manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita
seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo". O requisito financeiro estabelecido pela lei teve
sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente
miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto
constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo
Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais
contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos
critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não
pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita
estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se
contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de
miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas
leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios
assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que
instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa
Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios
que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O
Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores
posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do
processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas,
econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares
econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte
do Estado brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade,
do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento." (RE
567985, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES,
Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-194 DIVULG 02-10-2013
PUBLIC 03-10-2013).
Consequentemente, foi rechaçada a aferição da miserabilidade unicamente pelo critério objetivo
previsto no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993, passando-se a admitir o exame das reais condições
sociais e econômicas do postulante ao benefício, como denota a seguinte decisão:
"Agravos regimentais em reclamação. Perfil constitucional da reclamação. Ausência dos
requisitos. Recursos não providos. 1. Por atribuição constitucional, presta-se a reclamação para
preservar a competência do STF e garantir a autoridade de suas decisões (art. 102, inciso I,
alínea l, CF/88), bem como para resguardar a correta aplicação de súmula vinculante (art. 103-A,
§ 3º, CF/88). 2. A jurisprudência desta Corte desenvolveu parâmetros para a utilização dessa
figura jurídica, dentre os quais se destaca a aderência estrita do objeto do ato reclamado ao
conteúdo das decisões paradigmáticas do STF. 3. A definição dos critérios a serem observados
para a concessão do benefício assistencial depende de apurado estudo e deve ser verificada de
acordo com as reais condições sociais e econômicas de cada candidato à beneficiário, não sendo
o critério objetivo de renda per capta o único legítimo para se aferir a condição de miserabilidade.
Precedente (Rcl nº 4.374/PE) 4. Agravos regimentais não providos."(Rcl 4154 AgR, Relator(a):
Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 19/09/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-229
DIVULG 20-11-2013 PUBLIC 21-11-2013).
É importante destacar que o Superior Tribunal de Justiça já admitia outros meios de prova para
aferir a hipossuficiência do postulante ao amparo assistencial, além do montante da renda per
capita, reputando a fração estabelecida no § 3º do art. 20 da Lei 8.742/1993 como parâmetro
abaixo do qual a miserabilidade deve ser presumida de forma absoluta. Nesse sentido, a seguinte
decisão prolatada em sede de recurso especial representativo de controvérsia:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO
MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe
que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de
deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua
renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade
dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o
acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana,
especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse
dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e
economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se
comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou
seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior
a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art.
131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do
valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de
miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a
determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido."
(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO,
julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009).
No mesmo sentido tem se orientado a jurisprudência desta Corte:
“CONSTITUCIONAL. PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA.
AGRAVO (CPC, ART. 557, §1º). REQUISITOS LEGAIS NÃO COMPROVADOS.
I - Ao negar seguimento à apelação da parte autora, a decisão agravada levou em conta que, não
obstante o preenchimento do requisito etário, não restou comprovada a sua miserabilidade.
II - Não se olvida que o entendimento predominante na jurisprudência é o de que o limite de renda
per capita de um quarto do salário mínimo, previsto no artigo 20, §3º, da Lei 8.742/93, à luz do
sistema de proteção social ora consolidado, se mostra inconstitucional, devendo a análise da
miserabilidade levar em conta a situação específica do postulante ao benefício assistencial.
Todavia, no caso dos autos, observada a situação socioeconômica da parte autora, não restou
comprovada a miserabilidade alegada.
III - Agravo (CPC, art. 557, §1º) interposto pela parte autora improvido”. (TRF 3ª Região, DÉCIMA
TURMA, AC 0011936-51.2015.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL SERGIO
NASCIMENTO, julgado em 18/08/2015, e-DJF3 Judicial 1 DATA:26/08/2015)
Atualmente encontra-se superada a discussão em torno da renda per capita familiar como único
parâmetro de medida do critério socioeconômico, pois, com a inclusão pela Lei n. 13.146/2015 do
§ 11 no art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social, passou a constar previsão legal expressa
autorizando a utilização de outros elementos probatórios para a verificação da miserabilidade e
do contexto de vulnerabilidade do grupo familiar exigidos para a concessão do benefício
assistencial de prestação continuada.
Cumpre, então, examinar o preenchimento dos requisitos para a concessão do benefício
pleiteado, no caso vertente.
O benefício assistencial de prestação continuada ou amparo social encontra assento no art. 203,
V, da Constituição Federal, tendo por objetivo primordial a garantia de renda à pessoa deficiente
e ao idoso com idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco anos) em estado de carência dos
recursos indispensáveis à satisfação de suas necessidades elementares, bem assim de
condições de tê-las providas pela família. A propósito, consta do Texto Constitucional:
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
...........................................................
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família, conforme dispuser a lei.".
Até a regulamentação do citado dispositivo constitucional, ocorrida com a edição da Lei
8.742/1993 (Lei Orgânica da Assistência Social), a proteção ao deficiente e ao idoso
hipossuficientes era objeto da Lei 6.179/1974, a qual instituiu o benefício denominado "amparo
previdenciário" destinado a pessoas maiores de 70 (setenta) anos ou inválidas, consistente no
pagamento mensal de renda vitalícia equivalente à metade do salário mínimo vigente no país. A
partir do advento da Constituição de 1988, o valor do benefício foi elevado para 1 (um) salário
mínimo, à vista do disposto no art. 139, § 2º, da Lei 8.213/1991.
A renda mensal vitalícia em referência foi extinta pelo art. 40 da Lei 8.742/1993, sendo
estabelecido em seu lugar o benefício assistencial de prestação continuada previsto no art. 20 do
mesmo diploma legal.
Atualmente, a disciplina legal do instituto encontra-se formatada pelas Leis 9.720/1998
12.435/2011, 12.470/2011 e 13.146/2015, as quais promoveram alterações substanciais nos arts.
20 e 21 da Lei Orgânica da Assistência Social.
No tocante aos beneficiários, dispõe o art. 20 da Lei 8.742/1993:
"Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família."
No caso dos autos, no tocante à demonstração da miserabilidade, o Estudo Social produzido
indica que o núcleo familiar era integrado pela parte postulante e seu esposo, aposentado,
recebendo o valor de um salário mínimo, com despesas mensais estimadas em R$ 696,25 (ID
356463).
Todavia, na cópia do atestado de óbito da titular do benefício em questão, ocorrido em
03.05.2016 (ID 356463), constou a existência de bens a inventariar. Na escritura pública de
inventário e partilha, constou os seguintes bens:
“DOS BENS E DIREITOS: O de cujus possuía, por ocasião da abertura da sucessão, os
seguintes bens:- A-) UM IMÓVEL.URBANO constituído pelo lote n. 02 (dois) da Quadra 02 (dois),
situado no loteamento denominado Osvaldo Cruz III, na cidade e comarca de OSVALDO CRUZ-
SP, medindo 10,00 metros de frente, confrontando com a Rua José de Aléssio; da frente aos
fundos medindo 20,00 metros de ambos lados; pelo lado direito, confrontando com o lote O1, pelo
lado esquerdo com o lote 03, e nos fundos, medindo 10,00 metros, confrontando com o lote 20,
perfazendo uma área total de 200,00 metros quadrados, contendo edificado um prédio residencial
em alvenaria de tijolos, com 40,61 metros quadrados de construção, localizado na Rua José
Aléssio, n; 20; cadastrado na Prefeitura do Município-de Osvaldo Cruz sob ·n. 001167000-0, a
qual lhe atribui o valor venal de R$ 23.394,79 (vinte três mil e trezentos e noventa e quatro reais e
setenta e nove centavos); para, o corrente exercício; imóvel havido por força do Registro n. 7, da
Matrícula n. 15.300, do Oficial de Registro de Imóveis da comarca de Osvaldo Cruz-SP; e, para
efeitos fiscais, as partes atribuem a este bem imóvel o valor de R$ 23.400,00 (vinte e três mil e
quatrocentos reais); B-) UM lMÓVEL URBANO constituído pelo lote n. 06 (seis) da Quadra n. 02
(dois), do loteamento denominado "Jardim das Nações", situado na cidade e comarca de
OSVALDO CRUZ-SP, dentro das seguintes medidas e confrontações: pela frente mede 12,00
(doze) metros e confronta com a Rua Argélia; nos fundos mede 12,00 (doze) metros e confronta
com lote n. 14 (quatorze); na lateral direita mede 22,50 (vinte e dois metros e cinquenta
centímetros) e confronta com o lote n. 05 (cinco) e na lateral esquerda mede 22,50 (vinte e dois
metros e cinquenta centímetros) e, confronta com o lote n. 07 (sete), totalizando a área de 270,00
metros quadrados, contendo edificado um prédio residencial em alvenaria de tijolos, medindo
68,80 metros quadrados de construção, localizado à Rua Argélia, n. 470, Jardim das Nações;
cadastrado na Prefeitura do Município de Osvaldo Cruz sob n. 001024500-0, a qual lhe atribuído
o valor venal de R$ 26.670,74 (vinte e seis mil e seiscentos e setenta reais e setenta e quatro
centavos), para o corrente exercício; imóvel havido por força do Registro n. 4, da Matrícula n.
14.164, do Oficial de Registro de Imóveis da comarca de Osvaldo Cruz-SP; e, para efeitos fiscais,
as partes atribuem a este bem imóvel o valor de R$ 26.700,00 (vinte e seis mil e setecentos
reais); e, C-) Depósito Bancário em conta poupança – Banco Itaú Unibanco S.A. - Banco 341,
agência 0436, conta corrente n. 31482-7, no valor de R$ 1.704,78 (um mil e setecentos e quatro
reais e setenta e oito centavos). DOS DÊBITOS E OBRIGAÇÕES: A autora da herança não
possuía dívidas por ocasião da abertura da sucessão, segundo declarações das partes. DA
PARTILHA E PAGAMENTO DOS QUINHÕES: O total líquido dos bens e haveres do espólio
correspondem em R$ 51.804,78 (cinquenta e mil e oitocentos e quatro reais e setenta e oito
centavos)” (ID 356464). (grifei)
Em que pese o imóvel descrito no item “A” tenha sido declarado como próprio por ocasião da
realização do estudo social, nota-se a existência de outro imóvel com área total de 270,00 metros
quadrados, contendo edificado um prédio residencial em alvenaria de tijolos, com valor venal de
R$ 26.700,00 (vinte e seis mil e setecentos reais), além de depósito em conta poupança junto ao
Banco Itaú S.A., no valor de R$ 1.704,78 (um mil e setecentos e quatro reais e setenta e oito
centavos).Sendo assim, há elementos o bastante para se afirmar que não se trata de família que
vive em estado de miserabilidade.
Anote-se que o direito ao benefício assistencial de prestação continuada está atrelado à situação
de sensível carência material enfrentada pelo postulante, não bastando para a sua concessão a
alegação de meras dificuldades financeiras, sob pena de desnaturar o objetivo almejado pelo
Constituinte, isto é, dar amparo ao deficiente e ao idoso inseridos em contextos de manifesta
privação de recursos, e banalizar a utilização do instituto, sobrecarregando, desse modo, o
orçamento da Seguridade Social.
Dessa forma, no caso em apreço, não restaram satisfeitos os requisitos necessários a justificar a
concessão do benefício de prestação continuada contemplado no art. 203, V, do Texto
Constitucional, e art. 20, caput, da Lei 8.742/1993.
Assim, caracterizada a hipótese legal dos incisos V e VIII do artigo 966 do Código de Processo
Civil/2015, rescinde-se o julgado questionado, para, em juízo rescisório, pelas razões já
expendidas, julgar improcedente o pedido formulado na ação subjacente.
Restando indevido o benefício, incabível o recebimento de eventuais valores em atraso por parte
dos sucessores.
Por sua vez, embora cassado o benefício em questão, tendo em vista o caráter alimentar e social
do benefício previdenciário, assim como a boa-fé da parte autora, revela-se incabível a devolução
dos valores percebidos por força de decisão judicial.
Demais disso, a leitura da ementa da decisão proferida no Recurso Especial Representativo de
Controvérsia n. 1.401.560 mostra que a mesma trata precipuamente da tutela antecipada
concedida com base no art. 273 do CPC/73, eis que menciona expressamente a impossibilidade
de concessão da medida quando presente perigo de irreversibilidade (§ 2º do art. 273). Não é
exatamente o que ocorre no caso vertente, em que se defronta com a tutela específica prevista
no art. 461, § 3º, do CPC/73, ou seja, aquela concedida em sede de sentença, após cognição
exauriente e em relação à qual não se coloca, s.m.j., a eventual irreversibilidade como óbice.
Não se trata, ainda, de negar vigência ou de declarar implicitamente a inconstitucionalidade do
art. 115 da Lei nº 8.213/91, uma vez que tal norma em nenhum momento trata da devolução de
benefício previdenciário pago em razão de determinação judicial, observando-se, finalmente, que
há diversos julgados do C. Supremo Tribunal Federal no sentido de que os valores recebidos de
boa-fé, por segurado da Previdência Social, não são passíveis de repetição, tendo em vista a
natureza alimentar das prestações previdenciárias:
"DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO
COM AGRAVO. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. NATUREZA ALIMENTAR. RECEBIMENTO DE
BOA-FÉ EM DECORRÊNCIA DE DECISÃO JUDICIAL. TUTELA ANTECIPADA REVOGADA.
DEVOLUÇÃO.
1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já assentou que o benefício previdenciário
recebido de boa-fé pelo segurado, em decorrência de decisão judicial, não está sujeito à
repetição de indébito, em razão de seu caráter alimentar. Precedentes.
2. Decisão judicial que reconhece a impossibilidade de descontos dos valores indevidamente
recebidos pelo segurado não implica declaração de inconstitucionalidade do art. 115 da Lei nº
8.213/1991. Precedentes.
3. Agravo regimental a que se nega provimento". (STF, ARE 734242 AgR, Relator Ministro
ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 04.08.2015, PJ-e, DJe-175 DIVULG 04-09-
2015 PUBLIC 08-09-2015).
No mesmo sentido: Ag.Reg. no ARE nº 726.056, de Relatoria da E. Ministra Rosa Weber; ARE
658.950-AgR/DF, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJe 14.9.2012; RE 553.159-ED/DF, Rel. Min.
Ellen Gracie, 2ª Turma, DJe 18.12.2009 e RE 633.900-AgR/BA, Rel. Min. Cármen Lúcia, 1ª
Turma, DJe 08.4.2011.
Condeno a parte ré ao pagamento dos honorários advocatícios que arbitro em 10% sobre o valor
da causa, nos termos do art. 85 do Novo Código de Processo Civil.
Diante do exposto, julgo procedente o pedido formulado na presente demanda rescisória para
desconstituir a sentença prolatada no processo n. 000228-93.2015.8.26.0407, e, em juízo
rescisório, julgo improcedente o pedido formulado na demanda subjacente, nos termos da
fundamentação supra.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. DOLO NÃO VERIFICADO. VIOLAÇÃO LITERAL DE
LEI. ERRO DE FATO. ART. ART. 966 V E VIII DO CPC. OCORRÊNCIA. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA NÃO VERIFICADA. REQUISITOS NÃO
PREENCHIDOS. BENEFÍCIO INDEVIDO. DEVOLUÇÃO INCABÍVEL.
1. A viabilidade da ação rescisória fundada no artigo 966, inciso V, do CPC decorre da não
aplicação de uma determinada lei ou do seu emprego de tal modo aberrante que viole
frontalmente o dispositivo legal, dispensando-se o reexame dos fatos da causa originária.
2. Para efeito de rescisão do julgado, entende-se configurado o erro de fato (art. 966, VIII, do
CPC) quando o julgador não percebe ou tem falsa percepção acerca da existência ou inexistência
de um fato incontroverso e essencial à alteração do resultado da decisão. Não se cuida, portanto,
de um mero erro de julgamento, mas de uma falha no exame do processo a respeito de um ponto
decisivo para a solução da lide.
3. Não há que se falar em dolo da parte vencedora, uma vez que a omissão em relação aos bens
porventura existentes não consubstancia falta do dever de lealdade e boa-fé, por não ter
impedido nem dificultado a atuação da parte adversa.
4. O Superior Tribunal de Justiça já admitia outros meios de prova para aferir a hipossuficiência
do postulante ao amparo assistencial, além do montante da renda per capita, reputando a fração
estabelecida no § 3º do art. 20 da Lei 8.742/1993 como parâmetro abaixo do qual a
miserabilidade deve ser presumida de forma absoluta. Violação ao art. 20, da Lei n. 8.742/93 que
afasta a aplicação do Enunciado de Súmula 343 do E. STF, por se tratar de interpretação atinente
a preceito constitucional. Precedente da 3ª Seção desta Corte Regional.
5. O benefício assistencial de prestação continuada ou amparo social encontra assento no art.
203, V, da Constituição Federal, tendo por objetivo primordial a garantia de renda à pessoa
deficiente e ao idoso com idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco anos) em estado de
carência dos recursos indispensáveis à satisfação de suas necessidades elementares, bem assim
de condições de tê-las providas pela família.
6. Segundo a Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) "para efeito de concessão do
benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem
impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em
interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas". De acordo com a referida lei, entende-se
por longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
7. No caso dos autos, no tocante à demonstração da miserabilidade, o Estudo Social produzido
indica que o núcleo familiar era integrado pela parte postulante e seu esposo, aposentado,
recebendo o valor de um salário mínimo, com despesas mensais estimadas em R$ 696,25 (ID
356463). Todavia, na cópia do atestado de óbito da titular do benefício em questão, ocorrido em
03.05.2016 (ID 356463), constou a existência de bens a inventariar. Em que pese o imóvel
descrito no item “A” tenha sido declarado como próprio por ocasião da realização do estudo
social, nota-se a existência de outro imóvel de 270,00 metros quadrados, contendo edificado um
prédio residencial em alvenaria de tijolos, com valor venal de R$ 26.700,00 (vinte e seis mil e
setecentos reais).
8. O direito ao benefício assistencial de prestação continuada está atrelado à situação de sensível
carência material enfrentada pelo postulante, não bastando para a sua concessão a alegação de
meras dificuldades financeiras, sob pena de desnaturar o objetivo almejado pelo Constituinte, isto
é, dar amparo ao deficiente e ao idoso inseridos em contextos de manifesta privação de recursos,
e banalizar a utilização do instituto, sobrecarregando, desse modo, o orçamento da Seguridade
Social.
9. No caso em apreço, não restaram satisfeitos os requisitos necessários a justificar a concessão
do benefício de prestação continuada contemplado no art. 203, V, do Texto Constitucional, e art.
20, caput, da Lei 8.742/1993.
10. Caracterizada a hipótese legal dos incisos V e VIII do artigo 966 do Código de Processo Civil,
rescinde-se o julgado questionado, para, em juízo rescisório, pelas razões já expendidas, julgar
improcedente o pedido formulado na ação subjacente.
11. Embora cassado o benefício em questão, tendo em vista o caráter alimentar e social do
benefício previdenciário, assim como a boa-fé da parte autora, revela-se incabível a devolução
dos valores percebidos por força de decisão judicial.
12. Procedência parcial do pedido formulado em ação rescisória para desconstituir a sentença
prolatada no processo n. 000228-93.2015.8.26.0407, e, em juízo rescisório, julgar improcedente o
pedido formulado na demanda subjacente, nos termos da fundamentação supra. Honorários
advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa, nos termos do art. 85 do Código de
Processo Civil. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Seção, por
unanimidade, decidiu julgar procedente o pedido formulado na demanda rescisória para
desconstituir a sentença e, em juízo rescisório, julgar improcedente o pedido formulado na
demanda subjacente, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
