
3ª Seção
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5002345-52.2025.4.03.0000
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
AUTOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
SUCEDIDO: DAVID BATISTA DE CARVALHO
REU: TAINA RODRIGUES CARVALHO DE PAULA, DAILLA RODRIGUES
Advogado do(a) REU: OCTAVIO MARCELINO LOPES JUNIOR - SP343566-A
OUTROS PARTICIPANTES:
3ª Seção
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5002345-52.2025.4.03.0000
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
AUTOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
SUCEDIDO: DAVID BATISTA DE CARVALHO
REU: TAINA RODRIGUES CARVALHO DE PAULA, DAILLA RODRIGUES
Advogado do(a) REU: OCTAVIO MARCELINO LOPES JUNIOR - SP343566-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL GILBERTO JORDAN. Trata-se de ação rescisória ajuizada pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS em face de DAVID BATISTA DE CARVALHO, com fundamento no artigo 966, IV e V do Código de Processo Civil, objetivando a desconstituição da decisão proferida na ação de nº 5010581- 44.2020.4.03.6183, que teve curso pela 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária do Estado de São Paulo, que concedeu benefício de aposentadoria por invalidez. Valorada a causa em R$ 10.000,00.
Requereu o autor a rescisão do julgado e novo julgamento da causa no sentido da extinção do feito, sem julgamento do mérito, por reconhecimento de ocorrência de coisa julgada; ou, alternativamente, julgamento pela improcedência do pedido formulado na lide primitiva, tendo em vista tratar-se de doença preexistente ao reingresso da ora Ré no RGPS.
Em decisão sob ID-313520244, o autor foi dispensado do depósito a que alude o inc. II, do art. 968, do CPC, foi reconhecida a tempestividade da ação, determinada a citação e deferida em parte a tutela de urgência apenas para suspender a execução do julgado no que se refere a valores atrasados, bem como expedição de ofício requisitório e/ou RPV e levantamento de valores, até o julgamento final do feito, mantendo-se o pagamento do benefício implantado.
A parte ré sucessora apresentou contestação, oportunidade em que pugnou pela concessão da gratuidade da justiça e, preliminarmente, requereu a extinção do feito sem resolução de mérito por ilegitimidade passiva, em razão do falecimento do réu antes do ajuizamento da ação. No mérito, requereu a improcedência do pedido.
Em decisão de fl. 1653, ID-322835077, embasada em jurisprudência pacifica do STJ, no sentido de que o ajuizamento de ação em face de parte falecida anteriormente à propositura da demanda não conduz à extinção imediata do feito, devendo-se oportunizar ao autor a regularização do polo passivo mediante emenda à inicial, foi deferida a emenda da inicial para que, com fundamento nos artigos 319, II, 321 e 338, todos do CPC, constassem, no polo passivo, em substituição ao falecido, DAVID BATISTA DE CARVALHO, as herdeiras TAINÁ RODRIGUES CARVALHO DE PAULA e DAILLA RODRIGUES.
Sem requerimento de produção de provas pelas partes e sem alegações finais, manifestou-se o Ministério Público Federal pelo prosseguimento do feito.
É o relatório.
Peço dia para julgamento.
KS
3ª Seção
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5002345-52.2025.4.03.0000
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
AUTOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
SUCEDIDO: DAVID BATISTA DE CARVALHO
REU: TAINA RODRIGUES CARVALHO DE PAULA, DAILLA RODRIGUES
Advogado do(a) REU: OCTAVIO MARCELINO LOPES JUNIOR - SP343566-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL GILBERTO JORDAN. Trata-se de ação rescisória ajuizada pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS em face de DAVID BATISTA DE CARVALHO, com fundamento no artigo 966, IV e V do Código de Processo Civil, objetivando “A desconstituição da decisão proferida na ação de nº 5010581- 44.2020.4.03.6183, que teve curso pela 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária do Estado de São Paulo, que concedeu o benefício de aposentadoria por invalidez.
Tempestiva a ação e presentes os pressupostos processuais de admissibilidade.
Dispensado o autor do depósito a que alude o art. 968, II, do CPC.
Decidida, sem recursos, a questão da legitimidade da parte ré.
HIPÓTESES DE RESCINDIBILIDADE
O artigo 966 do Código de Processo Civil prevê, de modo taxativo, as hipóteses de cabimento da ação rescisória, conforme abaixo transcrito, in verbis:
“Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:
I - se verificar que foi proferida por força de prevaricação, concussão ou corrupção do juiz;
II - for proferida por juiz impedido ou por juízo absolutamente incompetente;
III - resultar de dolo ou coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida ou, ainda, de simulação ou colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei;
IV - ofender a coisa julgada;
V - violar manifestamente norma jurídica;
VI - for fundada em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou venha a ser demonstrada na própria ação rescisória;
VII - obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável;
VIII - for fundada em erro de fato verificável do exame dos autos.
§ 1º Há erro de fato quando a decisão rescindenda admitir fato inexistente ou quando considerar inexistente fato efetivamente ocorrido, sendo indispensável, em ambos os casos, que o fato não represente ponto controvertido sobre o qual o juiz deveria ter se pronunciado.
§ 2º Nas hipóteses previstas nos incisos do caput , será rescindível a decisão transitada em julgado que, embora não seja de mérito, impeça:
I - nova propositura da demanda; ou
II - admissibilidade do recurso correspondente.
§ 3º A ação rescisória pode ter por objeto apenas 1 (um) capítulo da decisão.
§ 4º Os atos de disposição de direitos, praticados pelas partes ou por outros participantes do processo e homologados pelo juízo, bem como os atos homologatórios praticados no curso da execução, estão sujeitos à anulação, nos termos da lei.
§ 5º Cabe ação rescisória, com fundamento no inciso V do caput deste artigo, contra decisão baseada em enunciado de súmula ou acórdão proferido em julgamento de casos repetitivos que não tenha considerado a existência de distinção entre a questão discutida no processo e o padrão decisório que lhe deu fundamento. (Incluído pela Lei nº 13.256, de 2016) (Vigência)
§ 6º Quando a ação rescisória fundar-se na hipótese do § 5º deste artigo, caberá ao autor, sob pena de inépcia, demonstrar, fundamentadamente, tratar-se de situação particularizada por hipótese fática distinta ou de questão jurídica não examinada, a impor outra solução jurídica.” (g.n.)
As hipóteses acima listadas têm por escopo a correção de defeitos processuais e decisões desarrazoadas.
De se ressaltar que cada fundamento previsto no art. 966 do CPC corresponde a uma causa de pedir para o juízo rescindente, ao qual fica adstrito o Tribunal (arts. 141 e 492, do CPC), sendo certo que para o juízo rescisório, a causa de pedir deverá ser a mesma da ação originária.
JUÍZO RESCINDENTE E RESCISÓRIO
Para julgamento da ação rescisória, mister proceder o tribunal inicialmente ao juízo de admissibilidade da ação.
Ao depois, compete à Corte o juízo de mérito quanto ao pedido de rescisão do julgado, chamado de juízo rescindente ou iudicium rescindens.
Sendo o caso e havendo pedido de novo julgamento e desde que acolhido o pedido de rescisão do julgado, o tribunal procederá ao rejulgamento do feito por meio do juízo rescisório ou iudicium rescissorium.
Sobre o tema, confira-se o ensinamento de Fredie Didier Jr.:
"O exercício do juízo 'rescissorium', como se percebe, depende do prévio acolhimento do juízo 'rescindens'. O iudicium rescindens é preliminar ao iudicium rescissorium. Mas nem sempre há juízo rescisório, conforme visto. Por isso, o art. 968, I, CPC, prescreve que o autor cumulará o pedido de rejulgamento 'se for o caso'; Por isso, também, o art. 974 determina apenas se for o caso o tribunal procederá a novo julgamento, caso rescinda a decisão.
(...)
Desconstituída a decisão, com o acolhimento do pedido de rescisão, passa, se for o caso, o tribunal ao exame do juízo rescissorium, procedendo a um novo julgamento da causa, para julgar procedente ou improcedente o pedido formulado na causa originária e renovado na petição inicial da ação rescisória. "Percebe-se, então, que a vitória no juízo rescindente não é, em regra, garantia de vitória no juízo rescisório - e é por isso que o primeiro é preliminar ao segundo." (in: Curso de Direito Processual Civil, v.3, 13ª ed., 2016, p. 520).
MANIFESTA VIOLAÇÃO À NORMA JURÍDICA
Para correção de error in procedendo ou in judicando ou decisão contra precedente obrigatório, a ação rescisória proposta com fundamento em violação de norma jurídica deve indicar a norma ou o precedente violado.
As decisões judiciais devem, por meio de interpretação teleológica, escorar-se no ordenamento jurídico e atender aos fins sociais, exigindo-se a devida fundamentação e observação dos precedentes jurisprudenciais sobre a matéria.
Conforme preleciona Fredie Didier "quando se diz que uma norma foi violada, o que se violou foi a interpretação dada à fonte do direito utilizada no caso." (op. cit., p. 492).
A expressão norma jurídica refere-se a princípios, à lei, à Constituição, a normas infralegais, a negócios jurídicos e precedentes judiciais.
O inciso V, do art. 966, do Código de Processo Civil prevê o cabimento de ação rescisória quando houver violação evidente, ou seja, demonstrada com prova pré-constituída juntada pelo autor, de norma jurídica geral, ou seja, lei em sentido amplo, processual ou material. A violação a normas jurídicas individuais não admite a ação rescisória, cabendo, eventualmente e antes do trânsito em julgado, reclamação.
Nesse sentido, é o comentário ao art. 485, do CPC/73 de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery citando Pontes de Miranda e Barbosa Moreira: "Lei aqui tem sentido amplo, seja de caráter material ou processual, em qualquer nível (federal, estadual, municipal e distrital), abrangendo a CF, MedProv., DLeg, etc". (Código de Processo Civil Comentado: legislação Extravagante, 10ª ed., 2008).
Com efeito, a interpretação dada pelo pronunciamento rescindendo deve ser desarrazoado de tal modo que viole a norma jurídica em sua literalidade. Contudo, se a decisão rescindenda eleger uma dentre as interpretações cabíveis, ainda que não seja a melhor, não é caso de ação rescisória, sob pena de desvirtuar sua natureza, dando-lhe contorno de recurso. Nesse sentido, é a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça. (Theotonio Negrão, in Código de Processo Civil e Legislação Processual em vigor, 41ª ed., nota 20 ao art. 485, V, CPC).
Ainda, quanto à rescisão do julgado com fundamento no inciso V, do art. 966, do CPC, ensina Fredie Didier Jr:
"Se a alegação de violação puder ser comprovada pela prova juntada aos autos com a petição inicial, cabe a ação rescisória com base no inciso V, do art. 966; se houver necessidade de dilação probatória, então essa rescisória é inadmissível. A manifesta violação a qualquer norma jurídica possibilita o ingresso da ação rescisória, com vistas a desconstituir a decisão transitada em julgado. A norma manifestamente violada pode ser uma regra ou um princípio.
Se a decisão rescindenda tiver conferido uma interpretação sem qualquer razoabilidade ao texto normativo, haverá manifesta violação à norma jurídica. Também há manifesta violação à norma jurídica quando se conferir uma interpretação incoerente e sem integridade com o ordenamento jurídico. Se a decisão tratou o caso de modo desigual a casos semelhantes, sem haver ou ser demonstrada qualquer distinção, haverá manifesta violação à norma jurídica. É preciso que a interpretação conferida pela decisão seja coerente. Já se viu que texto e norma não se confundem, mas o texto ou enunciado normativo tem uma importante função de servir de limite mínimo, a partir do qual se constrói a norma jurídica. Se a decisão atenta contra esse limite mínimo, sendo proferida contra legem, desatendendo o próprio texto, sem qualquer razoabilidade, haverá também 'manifesta violação' à norma jurídica." (g.n., op. cit., p. 495).
E ainda:
"Cabe ação rescisória, nos termos do inciso V do art. 966 do CPC, contra decisão baseada em enunciado de súmula ou acórdão de julgamento de casos repetitivos, que não tenha considerado a existência e distinção entre questão discutida no processo e o padrão decisório que lhe deu fundamento (art. 966, §5º, CPC). A regra aplica-se, por extensão, à decisão baseada em acórdão de assunção de competência, que também não tenha observado a existência de distinção.
Nesse caso, cabe ao autor da ação rescisória demostrar, sob pena de inépcia e consequente indeferimento da petição inicial, fundamentadamente, que se trata de situação particularizada por hipótese fática distinta ou questão jurídica não examinada, a exigir a adoção de outra solução jurídica (art. 966, §6º, CPC)."
SÚMULA N. 343, DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
O enunciado da Súmula em epígrafe encontra-se vazado nos seguintes termos: "não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais".
Sobre a incidência da Súmula, ensina Fredie Didier Jr. que "Enquanto se mantém a divergência sem que haja a definição da questão de direito pelo tribunal superior, ainda é aplicável o enunciado 343 do STF". (op. cit., p. 496).
Frise-se que não incide o enunciado da Súmula nº 343 do C. STF, quando a matéria objeto de rescisão tenha sido controvertida nos tribunais, todavia, quando da prolação da decisão rescindenda, já havia decisão sedimentada pelos tribunais superiores.
De outra parte, o STF, inicialmente, posicionou-se no sentido de que se a matéria ventilada em ação rescisória fosse circunspecta à ordem constitucional, seria de se afastar o impedimento à ação, conforme julgado de 2008. Confira-se:
“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO RESCISÓRIA. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 343.
2. Inaplicabilidade da Súmula 343 em matéria constitucional, sob pena de infringência à força normativa da Constituição e ao princípio da máxima efetividade da norma constitucional. Precedente do Plenário. Agravo regimental a que se nega provimento.” (AI-AgR nº555806; 2ª Turma do STF; por unanimidade; Relator Ministro EROS GRAU; 01/04/2008)
Com o advento do julgamento do RE nº 590.809/RS, de relatoria do Ministro Marco Aurélio - DJe de 24/11/2014 - submetido ao rito do art. 543-B do CPC/73, a Suprema Corte esclareceu incidir a vedação da Súmula n. 343 que obsta a ação rescisória com fundamento em violação de norma jurídica quando a matéria era controvertida nos Tribunais à época do julgamento, excepcionados os casos submetidos a controle concentrado de constitucionalidade, como extrai do julgado abaixo:
“AÇÃO RESCISÓRIA VERSUS UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA. O Direito possui princípios, institutos, expressões e vocábulos com sentido próprio, não cabendo colar a sinonímia às expressões “ação rescisória” e “uniformização da jurisprudência”. AÇÃO RESCISÓRIA – VERBETE Nº 343 DA SÚMULA DO SUPREMO. O Verbete nº 343 da Súmula do Supremo deve de ser observado em situação jurídica na qual, inexistente controle concentrado de constitucionalidade, haja entendimentos diversos sobre o alcance da norma, mormente quando o Supremo tenha sinalizado, num primeiro passo, óptica coincidente com a revelada na decisão rescindenda.”(RE 590809, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em22/10/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-230DIVULG 21-11-2014 PUBLIC 24-11-2014)
Confira-se ainda:
"EMENTA DIREITO CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. CONSELHO DE FISCALIZAÇÃO DO EXERCÍCIO PROFISSIONAL. NATUREZA JURÍDICA DE AUTARQUIA. NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO DA DISPENSA DE PESSOAL. JULGAMENTO COM BASE EM NORMA DECLARADA INCONSTITUCIONAL PELO STF. AÇÃO RESCISÓRIA. RE 590.809-RG (TEMA Nº 136). SÚMULA Nº 343/STF. INAPLICABILIDADE. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. PRECEDENTES. AGRAVO NÃO PROVIDO
1. O entendimento da Corte de origem, nos moldes do assinalado na decisão agravada, não diverge da jurisprudência firmada no Supremo Tribunal Federal.
2. Ao exame do RE 590.809/RS, submetido à sistemática da repercussão geral (Tema nº 136), de relatoria do Ministro Marco Aurélio, o Tribunal firmou entendimento que restringiu, minimamente, o cabimento de ação rescisória, aplicando a Súmula nº 343/STF mesmo quando a matéria versada nos autos for de índole constitucional.
3. Firmada, naquela oportunidade, compreensão segundo a qual, acaso a decisão rescindenda esteja em harmonia com precedentes do próprio STF à época, a posterior alteração de entendimento por esta Casa não autoriza a rescisória, aplicando-se a Súmula nº 343/STF.
4. A limitação do cabimento da ação rescisória em matéria constitucional cingiu-se a duas hipóteses específicas, quais sejam, (i) quando o acórdão rescindendo estiver em conformidade com a jurisprudência do Plenário desta Casa à época, mesmo que posteriormente alterada, e (ii) quando a matéria seja controvertida no âmbito deste Supremo Tribunal Federal. Precedentes.
5. Para efeito de aplicação da Súmula nº 343/STF em matéria constitucional indispensável perquirir (i) se a matéria era controvertida neste STF e (ii) se a decisão rescindenda estava em consonância com o entendimento deste Tribunal à época. Assim, caso a resposta para ambos os questionamentos seja negativa, inaplicável o entendimento sumulado e, portanto, cabível, em tese, a rescisória. Precedentes.
6. Consolidada jurisprudência desta Corte no sentido da inaplicabilidade da Súmula nº 343/STF quando a matéria versada nos autos for de índole constitucional, mesmo que a decisão objeto da rescisória tenha sido fundamentada em interpretação controvertida em outros Tribunais judiciários ou anterior à orientação fixada pelo Supremo Tribunal Federal, ressalvadas as hipóteses acima explicitadas.
7. As razões do agravo interno não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada.
8. A teor do art. 85, § 11, do CPC/2015, o “tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento”.
9. Agravo interno conhecido e não provido.
(RE 1389170 AgR / SP - SÃO PAULO AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min. ROSA WEBER; Julgamento: 19/09/2022; Publicação: 22/09/2022 Órgão julgador: Primeira Turma)
E ainda, no âmbito do STJ, quanto à aplicação da Súmula 343, do STF, em matéria constitucional, assim já se decidiu:
“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. SÚMULA N. 343 DO STF. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7 DO STJ.
I - Na origem, trata-se de ação rescisória pretendendo desconstituir o acórdão que rejeitou a preliminar de ilegitimidade ativa e reformou a sentença, no reexame necessário procedido de ofício, para julgar improcedentes os pedidos iniciais, prejudicadas as apelações. No Tribunal a quo, a sentença foi mantida.
II - Sobre a alegada inviabilidade da aplicação da Súmula n. 343 do STF, quando a ação rescisória versar sobre violação da matéria constitucional, observa-se que o STF, no RE n. 590.809/RS, julgado em regime de repercussão geral, pacificou o entendimento no sentido de que não há impedimento para a aplicação da súmula quando inexiste controle concentrado de constitucionalidade e existem entendimentos diferentes sobre o alcance da norma. Nesse sentido: AR n. 5.601/MA, relator Ministro Og Fernandes, Primeira Seção, julgado em 14/8/2019, DJe 19/8/2019 e AR n. 5.261/RS, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, julgado em 23/10/2019, DJe 19/11/2019 .
III - Por outro lado, no tocante à aduzida impossibilidade de aplicação da Súmula n. 343 do STF em desfavor de divergência do mesmo Tribunal, verifica-se que esse tema não foi abordado no âmbito do acórdão recorrido, atraindo o comando da Súmula n. 282/STF, tendo em vista a ausência do necessário pré-questionamento.
IV - Por fim, observe-se que, para aferir a aplicabilidade da referida súmula, no tocante à divergência jurisprudencial do tema entelado, seria impositivo revisitar o conjunto probatório dos autos, ou mesmo efetivar dilação probatória, o que é inviável na estreita via do recurso especial. Incidência da Súmula n. 7/STJ.
V - Agravo interno improvido.”
(AgInt no AREsp 1457130/MG, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/02/2022, DJe 16/02/2022).
Como se vê, houve alteração na orientação do C. STF, passando a ser aplicada a Súmula 343/STF, em matéria constitucional, para não se admitir ação rescisória por violação de norma jurídica, quando o acórdão rescindendo estiver em conformidade com a jurisprudência do Plenário do próprio STF à época, mesmo que posteriormente alterada, e quando a matéria for controvertida no âmbito do STF.
DA COISA JULGADA
A ofensa à coisa julgada pode ocorrer em relação à proibição de nova decisão quando já existente coisa julgada sobre a questão ou, ainda, no tocante à obrigatoriedade de se levar em consideração a coisa julgada como questão prejudicial de outra lide. A primeira ofensa ocorre quando se decide novamente a mesma lide e a segunda quando a questão prejudicial da segunda lide é questão principal da primeira, como no caso da ação de investigação de paternidade e alimentos. O reconhecimento da paternidade objeto de trânsito em julgado não pode deixar de ser levado em consideração como questão prejudicial em futura ação de alimentos.
Na hipótese de rescisória fundada em ofensa à coisa julgada por repetição de ação, o tribunal não poderá rejulgar a demanda, o que ofenderia novamente a coisa julgada.
Já no caso em que a coisa julgada é questão prejudicial da segunda ação, o tribunal deve julgar novamente o pedido, agora com respeito à coisa julgada.
Sobre a indiscutibilidade da coisa julgada, ensina Fredie Didier Jr:
“A indiscutibilidade opera em duas dimensões.
Em uma dimensão, a coisa julgada impede que a mesma questão seja decidida novamente – a essa dimensão dá-se o nome de efeito negativo da coisa julgada. Se a questão decidida for posta novamente para a apreciação jurisdicional, a parte poderá objetar com a afirmação de que já há coisa julgada sobre o assunto, a impedir o reexame do que fora decidido. A inidiscutibilidade gera, neste caso, uma defesa para o demandado (art. 337, VII, CPC).
Na outra dimensão, a coisa julgada deve ser observada, quando utilizada como fundamento de uma demanda – a essa dimensão dá-se o nome de efeito positivo da coisa julgada. O efeito positivo da coisa julgada determina que a questão indiscutível pela coisa julgada, uma vez retornando como fundamento de uma pretensão (como questão incidental, portanto), tenha de ser observada, não podendo ser resolvida de modo distinto. O efeito positivo da coisa julgada gera a vinculação do julgador (de uma segunda causa) ao quanto decidido na causa em que a coisa julgada produzida. O juiz fica adstrito ao que foi decidido em outro processo. Dois exemplos: a) na fase de liquidação de sentença, o juiz deve levar em consideração a coisa julgada formada na fase de conhecimento – não pode decidir contra o que já fora decidido, dizendo, por exemplo, que não existe a dívida; b) em ação de alimentos lastreada em coisa julgada de filiação, o juiz não pode negar os alimentos, sob o fundamento de que não existe o vínculo de família – pode negar os alimentos, mas não por esse fundamento, pois sobre a existência de filiação já há coisa julgada. A indiscutibilidade gera um direito adquirido que, sendo fundamento de outro, deve ser observado pelo órgão julgador.” (in: Curso de Direito Processual Civil, v.2, 11ª.ed, 2006, págs. 527-528).
Tendo em vista que o processo civil brasileiro segue a teoria da substanciação da ação, conforme o artigo 319 do CPC, entende-se que a causa de pedir inclui tanto os argumentos jurídicos (causa de pedir próxima) quanto os fatos apresentados pela parte (causa de pedir remota).
Dessa forma, quando são apresentados fatos distintos e autônomos, está-se diante de causa de pedir diversa, afastando o reconhecimento da identidade entre as demandas e, de conseguinte, da coisa julgada.
DO CASO DOS AUTOS
O INSS alegou, em suma, que o julgado rescindendo o condenara a pagar benefício por incapacidade ao ora réu desde 19.05.2014, contrariando a coisa julgada formada em processo anterior que tramitou no JEF, em que se fixou a DII da mesma moléstia em 02.10.2017, ocasião em que o ora réu não detinha qualidade de segurado. Requereu a desconstituição do julgado, com prolação de nova decisão, extinguindo o feito, sem julgamento de mérito ou, sucessivamente, julgando improcedente o pedido na matriz.
Narra o INSS, na inicial, que:
“(...) Como se infere do exame dos autos, em 31.08.2020, o ora Réu, nascido em 20.05.1965, ajuizou ação pretendendo a concessão do benefício de auxílio por incapacidade temporária ou aposentadoria por incapacidade permanente, desde a data “do indeferimento”; ou, “no caso da concessão da aposentadoria por invalidez, atendendo a (DII) ratificada por eventual perícia médica judicial, a fim de pagar as diferenças devidas a título da conversão do auxílio-doença anteriormente concedido”, sustentando encontrar-se incapaz para o trabalho em razão de estar acometido por HIV doença pelo vírus da imunodeficiência humana não especificada, Tuberculose pulmonar, hepatite C e insuficiência cardíaca. (processo nº 5010581-44.2020.4.03.6183, que teve curso pela 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária do Estado de São Paulo).
Cumpre destacar que o ora Réu esteve em gozo de benefício de auxílio-doença (atual auxilio por incapacidade temporária), no período de 19/05/2014 a 16/03/2016 (NB B/31-606.246.290-2).
A prova técnica produzida apontou que o ora Réu se encontrava total e permanentemente incapaz para o trabalho, desde 02.12.2021 (fixando o início da doença no ano de 1999), em razão de Doença pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) não especificada, Hepatite C, Insuficiência cardíaca, Insuficiência renal crônica não dialítica e Hiperuricemia.
Tendo em vista o teor da prova técnica produzida, a r. sentença acolheu o pedido, ‘para condenar o INSS no pagamento, à parte autora, do benefício de aposentadoria por invalidez desde a concessão do NB 31/606.246.290-2 (19/05/2014 – ID Num. 55556118 - Pág. 7), momento em que já se encontrava incapaz, conforme se extrai do laudo pericial’, respeitada a prescrição quinquenal.
Em segundo grau de jurisdição, por decisão singular, a sentença foi parcialmente alterada, apenas quanto aos consectários legais. (processo registrado no Tribunal Regional Federal da Terceira Região sob o mesmo número).
Ante a ausência de recurso, a r. decisão transitou em julgado em 07.02.2023.” (g.n.)
O INSS alega que a decisão prolatada na ação subjacente (5010581-44.2020.4.03.6183) ofendeu a coisa julgada, porque contraria decisão anterior proferida no processo nº 0043287- 10.2017.4.03.6301, que teve curso perante o Juizado Especial Federal de São Paulo que, apreciando a questão relativa a incapacidade laborativa do ora Réu, apontou incapacidade total e temporária para o labor em razão de insuficiência cardíaca, fixando a data da incapacidade laborativa em 02.10.2017, data em que autor da ação não detinha qualidade de segurado.
Confira-se fragmentos da inicial:
“(...) Como se vê, a prova técnica, com base nos documentos médicos apresentados pelo ora Réu, entendeu haver incapacidade laborativa em razão de estar acometido pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) não especificada em tratamento, como também as doenças de hepatite -c, insuficiência cardíaca, insuficiência renal crônica não dialítica e hiperuricemia, fixando a data de início da incapacidade laborativa em 02.12.2021, contrariando, assim, os achados médicos constantes dos autos do processo nº 0043287-10.2017.4.03.6301, que teve curso pelo Juizado Especial Federal de São Paulo, que, apreciando a questão relativa a incapacidade laborativa do ora Réu em razão de estar acometido por HIV doença pelo vírus da imunodeficiência humana não especificada, Tuberculose pulmonar, hepatite C, entendeu ausente a incapacidade laborativa e, quanto a insuficiência cardíaca, entendeu haver incapacidade laborativa total e temporária, fixando a data de início da doença e de sua incapacidade laborativa em 02.10.2017, data em que não detinha qualidade de segurado.”
Quanto à violação à norma jurídica, assevera o INSS que a r. decisão rescindenda violou o preceituado nos artigos 485, V, 337, VII §§ 1º, 2º e 4º; 502; 504, I e II; 505; 507; 508, do Código de Processo Civil atualmente em vigor (artigos 267, V, 301, inciso VI e parágrafos 1º e 2º, 467, 468, 471, 472 e 473, do Código de Processo Civil de 1973), 15, 42 e 59, da Lei 8.213/91, autorizando a rescisão do julgado também com base no disposto no artigo 966, inciso V, do CPC.
Isso porque a interpretação conferida pelo acórdão rescindendo não se apresenta razoável e infringe os preceitos legais citados em sua literalidade, ao não reconhecer a coisa julgada e deferir o benefício indevidamente.
QUANTO À ALEGAÇÃO DE COISA JULGADA
De fato, são semelhantes as ações de nº 0043287-10.2017.4.03.6301 (movida em 04.09.2017) e a ação subjacente, de n. 5010581- 44.2020.4.03.618 (movida em 31.08.2020), pois objetivavam a concessão de benefício por incapacidade, em função das mesmas moléstias (HIV, Tuberculose pulmonar, hepatite C e insuficiência cardíaca), sendo que na primeira ação se pretendia a concessão do benefício desde a alta médica em 17.03.16 e na segunda ação a concessão do benefício desde 19.5.14 (fls. 18 e 22).
Na primeira ação, o pedido foi julgado improcedente (fl. 165), ao fundamento de que o autor não possuía qualidade de segurado no início da incapacidade fixada pelo perito médico, com trânsito em julgado em 29.03.2019.
O perito, na ação movida no JEF, constatou incapacidade laborativa, total e temporária, com início em 02/10/2017.
A sentença prolatada no JEF, mantida pela Turma Recursal, indicou que, em análise do CNIS, constatava-se que o autor esteve em gozo do auxílio-doença (NB 606.246.290-2) de 19/05/2014 a 16/03/2016, mantendo sua qualidade de segurado, portanto, até 15/05/2017, nos termos do art. 15, II da Lei de Benefícios, não havendo hipóteses de prorrogação.
Daí, na DII de 02/10/2017, o autor não ostentava qualidade de segurado.
Na ação subjacente, a r. sentença acolheu o pedido, para condenar a autarquia no pagamento do benefício de aposentadoria por incapacidade permanente, a partir 19.05.2014.
É certo que nos casos de ações em que se pugna pela concessão de benefício por incapacidade, via de regra, quanto à existência de incapacidade ou não, aplica-se a “cláusula rebus sic stantibus”, segundo a qual os benefícios por incapacidade são condicionados ao estado de saúde do segurado, de modo que, havendo modificação no estado do segurado (recuperação ou agravamento), é possível a revisão, cessação ou conversão do benefício.
Nessa medida, é possível o ajuizamento de nova ação pugnando pela concessão do mesmo benefício, desde que fundada em causa de pedir diversa, decorrente do agravamento da moléstia e surgimento da incapacidade.
Na ação subjacente, em princípio, quanto à incapacidade, seria possível nova disceptação judicial, para que fosse constatada a situação atual de incapacidade do requerente.
Todavia, no caso, a incapacidade do autor não é objeto de controvérsia e a questão que transitara em julgado não diz respeito à capacidade, senão à qualidade de segurado, questão objetiva delineada conforme os vínculos e recolhimentos do autor e a data do início da incapacidade.
É de se consignar que tanto na ação precedente como na subjacente reconheceu-se a incapacidade do autor, sendo certo que na primeira ação a perícia fixou a DII em 2017 e na segunda em 2021 e o julgado rescindendo não poderia fixar DII anterior a 2017, conforme a seguir se passa a esclarecer.
A primeira ação, proposta perante o Juizado Especial Federal, foi movida em 01/09/17 (fl. 157), após a vigência do CPC de 2015, em 18/03/16.
Consta da sentença prolatada no Juizado Especial Federal, na ação precedente, que o autor percebera auxílio-doença de 19/05/2014 a 16/03/2016, mantendo sua qualidade de segurado, portanto, até 15/05/2017, nos termos do art. 15, II da Lei 8.213/91.
O autor voltou a recolher contribuições ao sistema, na condição de contribuinte facultativo, no lapso de 01/08/21 a 30/11/21 (quatro meses).
Todavia, na ação subjacente, a sentença de procedência do pedido concedeu aposentadoria por invalidez desde 2014, inclusive com concessão de tutela de evidência, conforme se infere do trecho abaixo transcrito:
“Não obstante a fixação da incapacidade pela perícia em 2021, pelos laudos médicos particulares de ID Num. 37843063 nota-se que as doenças da parte autora tiveram início há muitos anos, jamais tendo se recuperado satisfatoriamente desde a cessação de seu auxílio-doença em 2016. Portanto, no caso em apreço, há que ser restabelecido o auxílio-doença e posteriormente concedido aposentadoria por invalidez. Ante o exposto, julgo procedente o pedido para condenar o INSS no pagamento, à parte autora, do benefício de aposentadoria por invalidez desde a concessão do NB 31/606.246.290-2 (19/05/2014 – ID Num. 55556118 - Pág. 7), momento em que já se encontrava incapaz, conforme se extrai do laudo pericial de ID Num. 241184731 e documentos de ID Num. 37843063, observada a prescrição quinquenal. (g.n., fl. 293)
A decisão rescindenda, prolatada pelo em. Des. Fed. David Dantas, à fl. 302 seguiu a mesma linha de raciocínio da sentença quanto à qualidade de segurado. Confira-se:
“No que concerne a demonstração da qualidade de segurado e cumprimento de carência, restaram comprovados, tendo em vista que o autor recebeu o benefício de auxílio-doença, desde 19/05/2014 a 16/03/2016, cessado indevidamente, a despeito de perdurar o quadro incapacitante.” (g.n., trânsito em julgado em 7.2.23, fl. 312)
Contudo, tendo em vista que a primeira ação, ajuizada perante o Juizado Especial Federal, foi proposta em 01/09/2017 (fl. 157), já sob a vigência do CPC/2015, e a controvérsia sobre a qualidade de segurado constituir questão prejudicial incidental com trânsito em julgado, verifica-se a ocorrência de ofensa à coisa julgada quanto ao período anterior ao trânsito em julgado da ação ajuizada no JEF, o que impõe o acolhimento da rescisão pleiteada, com fundamento no inc. IV, do art. 966, do CPC.
Vejamos.
QUESTÃO PREJUDICIAL INCIDENTAL
A questão principal - que é o pedido - é julgada no dispositivo, seja formal ou substancial, da sentença, ao passo que a questão prejudicial é julgada na fundamentação da decisão de mérito.
Tradicionalmente a coisa julgada sempre recaiu sobre a solução de questões principais, sendo certo que as questões incidentais não faziam coisa julgada, por constarem da fundamentação.
Assim, na vigência do Código de Processo Civil de 1973 não havia amparo legal à formação da coisa julgada em relação às questões decididas na fundamentação, ainda que se tratasse de questões prejudiciais incidentais, exceto no caso de ação declaratória incidental.
Com o novo Código de Processo Civil as questões prejudiciais incidentais passaram a transitar em julgado, desde que preenchidos os requisitos listados no §1º, do art. 503, a saber, em suma, menção e análise expressa; de sua resolução depender o julgamento do mérito; ter havido contraditório prévio e efetivo; não ter havido revelia e julgamento por juízo competente.
Confira-se a redação do art. 503, do Código de Processo Civil:
“Art. 503. A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida.
§ 1º O disposto no caput aplica-se à resolução de questão prejudicial, decidida expressa e incidentemente no processo, se:
I - dessa resolução depender o julgamento do mérito;
II - a seu respeito tiver havido contraditório prévio e efetivo, não se aplicando no caso de revelia;
III - o juízo tiver competência em razão da matéria e da pessoa para resolvê-la como questão principal.
§ 2º A hipótese do § 1º não se aplica se no processo houver restrições probatórias ou limitações à cognição que impeçam o aprofundamento da análise da questão prejudicial.”
Ainda, o art. 1054 do Código de Processo Civil expressamente exclui a aplicação do novo regime de coisa julgada às questões prejudiciais incidentais nos processos iniciados antes de sua vigência, conforme in verbis:
"Art. 1.054. O disposto no art. 503, § 1o, somente se aplica aos processos iniciados após a vigência deste Código, aplicando-se aos anteriores o disposto nos arts. 5º, 325 e 470 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973."
Como já referido, a ação movida perante o JEF foi ajuizada após a vigência do CPC/2015, de modo que as disposições relativas à coisa julgada das questões prejudiciais incidentais se aplicam ao feito.
A despeito da possibilidade de nova ação em função do agravamento da moléstia, a existência de qualidade de segurado quando do início da incapacidade deve ser enquadrada como questão prejudicial incidental, de cuja análise depende a solução da lide.
Ainda, no âmbito do Juizado Especial, houve efetivo e prévio contraditório e o julgamento se deu por juízo competente.
Não obstante o parágrafo § 2º, do art. 503, do CPC, estabeleça que não haverá coisa julgada de questão prejudicial incidental quando no processo antecedente houver restrições probatórias ou limitações à cognição que impeçam o aprofundamento da análise da questão prejudicial, tenho que não houve no Juizado Especial Federal Cível qualquer restrição à análise da questão prejudicial, permitindo o reconhecimento da coisa julgada.
Isso porque, conquanto norteados os Juizados Especiais Cíveis pelos princípios da oralidade, informalidade, simplicidade e celeridade, não houve qualquer restrição à análise da existência da qualidade de segurado, que depende de prova documental e pericial, regularmente produzidas no feito transitado em julgado.
Ou seja, foram exauridos os meios probatórios, não subsistindo quaisquer restrições de ordem instrutória ou limitações ao âmbito da cognição jurisdicional que obstassem o aprofundado exame da questão prejudicial, pelo que presentes estavam todos os requisitos legais à ultimação da coisa julgada de questão prejudicial incidental, nos termos no novo CPC.
Corolário lógico, considerando que na demanda subjacente, a parte autora requereu a concessão do mesmo benefício em função das mesmas moléstias da ação precedente, em que fora fixada a DII em 2017 e reconhecida a falta de qualidade de segurado, não há como afastar a ocorrência de coisa julgada material da questão prejudicial incidental a vincular o julgamento do feito subjacente, até a data do trânsito em julgado da ação no JEF, em 29.03.2019.
Considerando o trânsito em julgado da ação precedente em 29.03.19, em que se afastou a qualidade de segurado, não poderia o julgado rescindendo na ação matriz conceder aposentadoria por invalidez retroativamente a 2014, período anterior a 29.03.19.
DE OUTRO LADO, o laudo produzido na ação subjacente de n. 5010581-44.2020.4.03.6183 (fls. 232/243), relativo ao exame realizado em 17/12/2021, atestou que o autor é portador de HIV, hepatite C, insuficiência cardíaca e insuficiência renal crônica não dialítica e hiperuricemia e encontra-se total e permanentemente incapacitado com DII em 02/12/2021 e DID em 1999.
Do CNIS de fls. 261, emitido em 01/02/22, infere-se que o autor possuía vínculos empregatícios no período descontínuo de 01/02/1979 a 29/05/2003, vertera contribuições ao sistema, na condição de contribuinte facultativo, de 01/09/2004 a 30/11/10 e percebera auxílios-doença previdenciários de 25/10/10 a 16/03/12, 20/04/12 a 28/02/13, 18/04/13 a 30/11/13, 19/05/14 a 16/03/16.
Com efeito, o autor percebera auxílio-doença de 19/05/2014 a 16/03/2016, mantendo sua qualidade de segurado, portanto, até 15/05/2017, nos termos do art. 15, II da Lei 8.213/91.
O autor voltou a recolher contribuições ao sistema, na condição de contribuinte facultativo, no lapso de 01/08/21 a 30/11/21 (quatro meses).
Em 2021, já estava em vigor a regra trazida pela Lei nº 13.846/2019 (originada da MP 871/2019), pelo que para reaquisição da qualidade de segurado o autor teria que recolher uma contribuição válida.
Todavia, para ter direito ao benefício por incapacidade, após a perda da qualidade de segurado em 15/05/2017, era necessário recolher seis contribuições mensais para reaproveitar as contribuições anteriores.
Portanto, na DII de 02.12.2021, como havia recolhido apenas 4 contribuições, o autor, em princípio, não teria cumprido o requisito carência, pelo que não faria jus ao benefício por incapacidade pleiteado.
Assim, houve ofensa à coisa julgada em relação à concessão de aposentadoria por invalidez em período anterior a 29.03.19, porque na ação anteriormente movida não foi reconhecida a qualidade de segurado. Considerando o trânsito em julgado da ação precedente em 29.03.19, não pode o julgado rescindendo proferido na ação matriz conceder aposentadoria por invalidez retroativamente a período que o julgado naquela ação anterior afastou a qualidade de segurado, ofendendo a coisa julgada, autorizando, assim, a sua rescisão, com fundamento no art. 966, IV, do CPC.
Quanto ao período posterior a 29.03.19, à míngua dos requisitos objetivos à concessão do benefício, incorreu o acordão em violação manifesta da Lei nº 8.213/91, também sendo de se rescindir o julgado, agora com fundamento no art. 966, V, do CPC.
Nesse consoar, há que se reconhecer que o julgado rescindendo ofendera a coisa julgada e violara manifestamente norma jurídica, a saber, o parágrafo único, do artigo 24, da Lei n. 8.213/91, o inc. V, do art. 485 e o art. 503, ambos do CPC.
JUÍZO RESCISÓRIO
Em juízo rescisório, em virtude das razões acima alinhavadas, julgo extinto o feito sem julgamento do mérito quanto ao pedido de concessão de benefício por incapacidade até a data do trânsito em julgado da primeira ação em 29.03.19, com fundamento nos artigos 485, V, e 503, do CPC e, no mais, julgo improcedente o pedido.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Condeno a parte ré em honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa, observada a gratuidade da justiça.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, julgo procedente o pedido para rescindir o julgado prolatado na ação de n. 5010581- 44.2020.4.03.6183, que teve curso pela 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária do Estado de São Paulo, com fundamento nos incisos IV e V, do art. 966, do CPC e, em juízo rescisório, julgo extinto o feito sem exame de mérito, com fundamento nos artigos 485, V, e 503, do CPC, quanto ao pedido de concessão de benefício por incapacidade até 29.03.19 e, no mais, julgo improcedente o pedido, fixados os honorários advocatícios na forma acima fundamentada.
Tendo em vista que os autos subjacentes tramitaram perante a 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária do Estado de São Paulo -SP, oficie-se àquele Juízo, após o trânsito em julgado da presente decisão, dando-lhe ciência do inteiro teor do acórdão.
Com o trânsito em julgado, arquivem-se os autos.
É o voto.
KS
| Autos: | AÇÃO RESCISÓRIA - 5002345-52.2025.4.03.0000 |
| Requerente: | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
| Requerido: | DAVID BATISTA DE CARVALHO e outros |
Ementa: DIREITO PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. OFENSA À COISA JULGADA MATERIAL. QUESTÃO PREJUDICIAL INCIDENTAL. VIOLAÇÃO MANIFESTA DE NORMA JURÍDICA. PROCEDÊNCIA.
I. CASO EM EXAME
1. O INSS ajuizou ação rescisória em face de decisão transitada em julgado na ação nº 5010581-44.2020.4.03.6183, que havia condenado a autarquia a conceder aposentadoria por incapacidade permanente desde 19.05.2014.
2. Sustentou a existência de coisa julgada formada no processo nº 0043287-10.2017.4.03.6301 (JEF/SP), no qual fora fixada a data de início da incapacidade em 02.10.2017, quando o segurado não mais detinha qualidade de segurado.
3. Alegou, ainda, violação manifesta de norma jurídica, notadamente dos arts. 485, V, 503, 966, IV e V, do CPC/2015, bem como dos arts. 15, 42 e 59 da Lei nº 8.213/1991.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
4. Há duas questões em discussão: (i) saber se a decisão rescindenda ofendeu a coisa julgada material ao fixar DII anterior a 2017, em contrariedade ao decidido na ação anterior do JEF; e (ii) saber se houve violação manifesta de norma jurídica ao conceder benefício por incapacidade em período em que não preenchidos os requisitos da qualidade de segurado e da carência.
III. RAZÕES DE DECIDIR
5. O artigo 966 do Código de Processo Civil elenca, de modo taxativo, as hipóteses de cabimento da ação rescisória, dentre as quais, os incisos IV e V dispõe sobre a possibilidade de desconstituição do julgado nas hipóteses de ofensa à coisa julgada e manifesta violação de norma jurídica.
6. A ação precedente (JEF/SP, nº 0043287-10.2017.4.03.6301) transitou em julgado em 29.03.2019, fixando a ausência de qualidade de segurado na DII de 2017. Trata-se de questão prejudicial incidental, sobre a qual incidiu coisa julgada material nos termos do art. 503, §1º, do CPC/2015.
7. Considerando o trânsito em julgado da ação precedente em 29.03.19, em que se afastou a qualidade de segurado, não poderia o julgado rescindendo na ação matriz conceder aposentadoria por invalidez retroativamente a 2014, período anterior a 29.03.19. Reconhecida a ofensa à coisa julgada em relação à concessão de aposentadoria por invalidez em período anterior a 29.03.19.
8. Ainda, na DII de 02.12.2021, o segurado não havia cumprido o requisito de carência (recolheu apenas 4 contribuições após a perda da qualidade de segurado em 2017), razão pela qual incorreu o acórdão rescindendo em violação manifesta da Lei nº 8.213/1991.
9. Presentes, portanto, os fundamentos do art. 966, IV e V, do CPC, autorizando a rescisão da decisão.
10. Em juízo rescisório, julgado extinto o feito sem julgamento do mérito quanto ao pedido de concessão de benefício por incapacidade até a data do trânsito em julgado da primeira ação em 29.03.19, com fundamento nos artigos 485, V, e 503, do CPC e, no mais, julgado improcedente o pedido.
11. Condenada a parte ré em honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa, observada a gratuidade da justiça.
IV. DISPOSITIVO E TESE
12. Pedido procedente. Julgado rescindido. Em juízo rescisório, extingue-se o feito sem exame de mérito quanto ao período anterior a 29.03.2019 e, no mais, julga-se improcedente o pedido de concessão de benefício por incapacidade.
Tese de julgamento:
“1. A decisão rescindenda que fixa DII anterior àquela reconhecida em processo anterior transitado em julgado ofende a coisa julgada material da questão prejudicial incidental (CPC, art. 503, §1º). 2. É improcedente o pedido de concessão de benefício por incapacidade quando não preenchidos os requisitos objetivos de qualidade de segurado e carência, configurando violação manifesta de norma jurídica (CPC, art. 966, V).”
___________________
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXVI; CPC/2015, arts. 485, V, 503, 966, IV e V; Lei nº 8.213/1991, arts. 15, 24, p.u., 42 e 59.
Jurisprudência relevante citada: STF, RE 567.985, Rel. Min. Gilmar Mendes, Plenário, j. 18.04.2013; STJ, REsp 1.355.052, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Seção, j. 25.02.2015.
ACÓRDÃO
Desembargador Federal
