
| D.E. Publicado em 05/02/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a matéria preliminar e, no mérito, por maioria, julgar parcialmente procedente o pedido formulado nesta ação rescisória e, em novo julgamento, julgar parcialmente procedente o pedido formulado na ação subjacente, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Relator para Acórdão
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AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0013138-87.2015.4.03.0000/SP
VOTO-VISTA
O Instituto Nacional do Seguro Social - INSS ajuizou a presente ação rescisória, com fulcro no artigo 485, incisos III e V, do Código de Processo Civil/1973, atual artigo 966, incisos III e V, do CPC/2015, visando a desconstituição de julgado que manteve a sentença de procedência do pedido de aposentadoria por invalidez.
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias, em seu brilhante voto de fls. 284/293, houve por bem julgar rejeitar a matéria preliminar e, no mérito, julgar procedente o pedido formulado na presente ação rescisória e, em novo julgamento, julgar improcedente o pedido formulado na ação subjacente, sob o fundamento de que "...a autora filiou-se à previdência social já sem condições físicas para o trabalho, não tendo ela agido com a necessária boa-fé objetiva (artigo 422 do Código Civil)..", assinalando, ainda, ser "Insólito, para se dizer o mínimo, o fato de ser pessoa pobre, com qualificação de costureira, apontada na inicial da ação subjacente, e mesmo assim ter complementado as contribuições para que atingissem o teto...".
Consigna o d. Relator, outrossim, que "...em razão da própria idade da autora (58 anos quando voltou a contribuir) e do caráter degenerativo das doenças (portadora de hérnia da coluna lombar, diabetes mellitus e hipertensão arterial sistêmica), apura-se a presença de incapacidade preexistente à própria refiliação...".
Afirma também o d. Relator que "...não há dúvidas de que se aplica à presente demanda o disposto no artigo 42, §2º, primeira parte, da Lei nº 8.213/91, pois se trata de incapacidade preexistente...", concluindo que a então autora não faz jus ao benefício por incapacidade vindicado. Por derradeiro, determinou a restituição dos valores recebidos pela parte ré por força da decisão ora rescindida, condenando a requerida às penas de litigância de má-fé e multa correspondente em 1% (um por cento) sobre o montante indevidamente recebido.
Pedi vista dos autos apenas para melhor reflexão quanto à possibilidade da abertura da via rescisória com base nos fundamentos indicados pelo ora demandante.
Com efeito, a hipótese de rescisão de julgado resultante de dolo da parte vencedora se configura na situação em que resta evidente conduta processual em desacordo com os princípios da lealdade e da boa-fé processual, visando impedir ou dificultar a atuação do adversário ou, ainda, quando influenciar significativamente o julgador, a ponto de afastá-lo da verdade.
No caso vertente, não vislumbro ardil perpetrado pela então autora, com objetivo de ocultar fato fundamental (filiação ao RGPS já acometida de enfermidade incapacitante) que, se revelado, teria o condão de alterar a conclusão da r. decisão rescindenda no tocante ao preenchimento dos requisitos legais necessários para a concessão do benefício em tela.
O compulsar dos autos demonstra que a então autora, após sua filiação ao RGPS, mediante o recolhimento de contribuições referentes às competências de 08/2007 a 08/2008 e 12/2008, com complementação de valores efetuada em 05/2009, requereu o benefício de auxílio-doença na esfera administrativa em 29.05.2009 (fl. 203), tendo este sido indeferido em razão de parecer médico contrário da perícia. Na sequência, a ora ré apresentou novo requerimento administrativo do aludido benefício em 15.07.2009 (fl. 53), com igual negativa da autarquia previdenciária, em razão da não constatação, em exame realizado pela Perícia Médica, de incapacidade para o trabalho ou para a atividade habitual. Posteriormente, foi apresentado outro requerimento de auxílio-doença em 15.09.2009 (fl. 54), com idêntico indeferimento, fundado nas mesmas razões que embasaram a primeira recusa.
Portanto, não há como firmar convicção acerca da efetiva ciência pela ora ré de sua incapacidade no momento de sua filiação ao RGPS, pois o próprio INSS considerou inexistente a alegada incapacidade para o labor.
Anoto, outrossim, que o ora autor não questionou a integridade do laudo médico judicial que fora produzido nos autos subjacentes (fl. 107/112) e este foi categórico no sentido de que o início da incapacidade se deu no ano de 2009 (resposta ao quesito n. 10 do INSS; fl. 89), ou seja, após a filiação da ora ré ao RGPS.
De outra parte, a r. decisão rescindenda examinou o conjunto probatório em sua inteireza, tendo adotado interpretação absolutamente razoável das normas que disciplinam a concessão do benefício em comento ( cumprimento da carência, qualidade de segurado, comprovação da incapacidade), não se configurando, neste aspecto, violação à legislação federal.
Por outro lado, da narrativa constante da inicial do presente feito, afigura-se evidenciada a ocorrência de manifesta violação de lei e do princípio constitucional da moralidade administrativa (art. 37 da CF/88), no que tange aos valores recolhidos a título de contribuição previdenciária, na condição de contribuinte individual, tendo em vista que o histórico contributivo da parte ora ré revela que ela efetuou poucas contribuições pelo valor máximo, ou próximo ao teto, já tendo plena consciência que, em razão de sua idade, em breve as patologias inerentes a sua faixa etária se agravariam e dariam ensejo à concessão de um benefício por incapacidade com renda mensal inicial elevada já que por não ter contribuído anteriormente para com a Previdência Social, no período básico de cálculo somente entrariam para a apuração do valor médio de recolhimentos as poucas e expressivas contribuições pagas visando o cumprimento da carência e uma renda mensal inicial totalmente dissociada de seu histórico contributivo.
Verifica-se, pois, que a parte ré, se aproveitando maliciosamente de uma omissão tanto na Lei n. 8.212/91 como na Lei n. 8.213/91 para vedar essa forma de obtenção de vantagem indevida, utilizou-se de sua imprevidência para obter um benefício de valor cinco vezes mais do que de um trabalhador que tenha recolhido durante anos para com a Previdência Social de acordo com sua capacidade contributiva.
Isso ocorre porque o trabalhador autônomo que recolha regularmente suas contribuições terá no cálculo de seu benefício a inclusão de 80% de todos os maiores recolhimentos que efetuou no período básico de cálculo (julho de 1994 para cá), ou seja, um trabalhador que recolhe normalmente suas contribuições pouco conseguirá elevar a renda mensal inicial de seu benefício com o recolhimento de algumas contribuições altas às vésperas de perceber que necessitará de um benefício.
Essa omissão legislativa evidentemente não pode premiar o segurado tardio e malicioso em detrimento da sociedade, causando perplexidade ao segurado que muitas vezes com sacrifício recolhe regularmente suas contribuições previdenciárias, caracterizando-se, assim, ofensa ao princípio constitucional da moralidade administrativa (art. 37 da CF/88) quando o INSS concede um benefício nestas condições, e por parte do segurado malicioso o denominado ABUSO DE DIREITO, razão pela qual a decisão rescindenda violou manifestamente o disposto no art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - Decreto-Lei n. 4.657, de 04/09/1942, in verbis:
Violou, também, consequentemente, o disposto no art. 187 do Código Civil, in verbis:
Segundo lição do eminente jurista Sílvio Rodrigues (2003, p. 46), "O abuso de direito ocorre quando o agente, atuando dentro das prerrogativas que o ordenamento jurídico lhe concede, deixa de considerar a finalidade social do direito e, ao utilizá-lo desconsideramente, causa dano a outrem".
Mesmo que não se reconheça a omissão do legislador previdenciário em vedar a forma de cálculo do benefício declarado pela r. decisão rescindenda, é induvidoso que a ora ré, ao proceder ao recolhimento de contribuições previdenciárias em valores absolutamente incompatíveis com o seu histórico contributivo, com vistas a obter renda mensal equivalente ao teto do RGPS, agiu além dos limites ditados pelos fins socioeconômicos para os quais o direito foi estabelecido, provocando, assim, dano à coletividade de segurados que a Previdência Social busca proteger.
A boa-fé e os bons costumes se irradiam por todo ordenamento jurídico, cabendo destacar, a título de exemplo, o disposto no art. 116, parágrafo único, do CTN.
Impende salientar que a r. decisão rescindenda não acatou, outrossim, o comando inserto no art. 335 do CPC/1973, que estava em vigor à época de sua prolação, atualizado para o art. 375 do CPC/2015, que determina que o julgador, ao valorar e apreciar as provas constantes dos autos, deve levar em conta sempre as máximas de experiência, ou seja, a observância do que ordinariamente acontece, de modo que, no caso concreto, era imperativa a determinação da glosa de valores que compuseram os salários de contribuição para apuração da renda mensal inicial, ante as inconsistências apontadas anteriormente.
Em síntese, a r. decisão rescindenda, ao reconhecer o direito da então autora ao benefício de aposentadoria por invalidez, sem consignar qualquer restrição à utilização dos valores constantes das guias de recolhimento (e sua complementação) para efeito de cálculo da renda mensal inicial, acabou por violar o art. 37 da Constituição Federal/1988 (ofensa à moralidade administrativa), o art. 4º do Decreto-Lei n. 4.657/42 e o art. 187 do Código Civil, na medida em que sancionou, ainda que de forma implícita, o abuso de direito, bem como deixou de aplicar o art. 335 do CPC/1973 na valoração das provas.
Rescindida a decisão exclusivamente quanto ao valor a ser adotado como renda mensal inicial, no âmbito do juízo rescisório, há que prevalecer o importe de um salário mínimo como valor do benefício de aposentadoria por invalidez em comento (NB 549.466.503-4), tendo em vista sua idade à época da filiação, bem como o histórico contributivo.
Por derradeiro, os valores recebidos por força da r. decisão rescindenda, que tenham suplantado o montante de um salário mínimo para cada mês de competência, não podem ser obtidos mediante desconto da nova renda mensal ora ajustada, uma vez que tal proceder levaria a ora ré a receber valor inferior a um salário mínimo, o que é vedado pela Constituição da República/1988, na forma prevista no art. 201, §2º, da Constituição da República, e à luz do fundamento da dignidade da pessoa humana.
Por outro lado, fica autorizada a compensação do crédito da então autora, consistente nas prestações vencidas entre a data de início de benefício (15.07.2009) e a data de sua implantação (01.10.2011) com o crédito do INSS, correspondente ao montante recebido indevidamente pela ora ré.
DO DISPOSITIVO DA RESCISÓRIA
Diante do exposto, divirjo data vênia, do i. Relator e julgo parcialmente procedente o pedido deduzido na presente ação rescisória, para desconstituir parcialmente a r. decisão monocrática proferida com base no art. 557 do CPC/1973, com espeque no art. 485, inciso V, do Código de Processo Civil/1973, atualizado para o art. 966, inciso V, do CPC/2015 e, no juízo rescissorium, julgo parcialmente procedente o pedido formulado pela autora na ação subjacente, para que o valor do benefício de aposentadoria por invalidez então concedido (NB 549.466.503-4) seja fixado em um salário mínimo, com a revogação da decisão que deferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela jurídica, devendo a execução da r. decisão rescindenda ser retomada nos termos da fundamentação. Ante a sucumbência recíproca, cada parte deverá arcar com as suas respectivas despesas, nos termos do art. 86 do CPC/2015, observando-se que a parte ré é beneficiária da assistência judiciária gratuita.
Expeça-se e.mail ao INSS para que seja alterado o valor da aposentadoria por invalidez (NB 549.466.503-4) para um salário mínimo.
É como voto.
SERGIO NASCIMENTO
Desembargador Federal
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AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0013138-87.2015.4.03.0000/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Trata-se de ação rescisória proposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social para, com fundamento no art. 485, incisos III e V, do CPC/73, desconstituir o v. julgado que manteve a sentença de procedência do pedido de aposentadoria por invalidez.
Em síntese, alega ter a decisão rescindenda violado os artigos 151, 24, 25 e 42, todos da Lei n. 8.213/91, ao conceder o benefício sem que fosse cumprida a carência e a qualidade de segurado. Sustenta que pela natureza das doenças incapacitantes só se pode concluir que a data de início da incapacidade é anterior ao ingresso da parte ré no sistema previdenciário.
Assevera, ademais, a existência de dolo processual caracterizado pela: ocultação da preexistência da incapacidade; inscrição com idade avançada sem nunca ter recolhido anteriormente; pagamento de pouco mais de 12 contribuições, as quais foram complementadas para atingir valor máximo, quando sempre teve trabalho informal (costureira); causa patrocinada por advogado que atua em inúmeros casos semelhantes.
Pretende a rescisão do julgado, e em novo julgamento, a improcedência do pedido subjacente.
Requer, ainda, a antecipação dos efeitos da tutela específica, o que foi deferido para suspender, tão somente, a execução do julgado rescindendo até julgamento de mérito desta ação (f. 208/209).
A inicial veio instruída com os documentos de f. 17/206.
Citado, o réu apresentou contestação, na qual afirma carência da ação por não se prestar a rescisória: i) a rediscussão do quadro fático-probatório, já exaustivamente debatido e sob o qual paira a preclusão, ii) ou mesmo a apresentação de fundamentos novos não ventilados durante o trâmite da ação de conhecimento, seja em contestação ou apelação. No mérito, aduziu não restarem demonstradas as hipóteses do artigo 485 do CPC/73, autorizadoras da abertura desta via excepcional. Pugnou pela improcedência da actio rescisória.
Réplica às f. 230/240.
Instadas à especificação de provas, as partes informaram que não havia provas a produzir.
Razões finais apresentadas às f.248/251 e 253.
O DD. Órgão do Ministério Público Federal, em seu parecer, sugere a improcedência do pedido rescisório (f. 255/259).
É o relatório.
Sem revisão, consoante o disposto no art. 34 do Regimento Interno desta Corte, com a redação da Emenda Regimental n. 15/2016.
Rodrigo Zacharias
Juiz Federal Convocado
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AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0013138-87.2015.4.03.0000/SP
VOTO
Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Preliminarmente, à vista da declaração de pobreza, defiro o pedido de justiça gratuita, já que a única renda da ré é o benefício ora hostilizado.
Trata-se de ação rescisória proposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social, com o fim de desconstituir o v. julgado que manteve a sentença de procedência do pedido de aposentadoria por invalidez.
A ação rescisória é o remédio processual de que a parte dispõe para invalidar decisão de mérito transitada em julgado, dotada de autoridade imutável e indiscutível.
Nessas condições, o que ficou decidido vincula os litigantes. A ação rescisória autoriza as partes a apontamento de imperfeições no julgado; seu objetivo é anular ato estatal com força de lei entre as partes.
Assinalo não ter sido superado o biênio imposto à propositura da ação, pois o ajuizamento desta rescisória deu-se em 11/06/2015 e o trânsito em julgado do decisum, em 09/10/2014 (f. 184).
A rescisória não pressupõe o prequestionamento da matéria nela suscitada, porquanto é ação, e não recurso (Confira-se a respeito, decisão da e. Des. Fed. Marisa Santos, i. Relatora da AR 1.493, TRF/3ª Região, v.u., DJU 22/10/2003, p. 226).
Ademais, é o único meio adequado para rescindir decisão coberta pelo manto da coisa julgada.
Rejeito a matéria preliminar. Passo ao juízo rescindendo.
A solução da lide reclama a análise de dolo e violação de lei.
Aduz o INSS que houve dolo processual por parte da ré, representado por má-fé e deslealdade, conduzindo o julgador a uma decisão equivocada, que é objeto desta ação rescisória.
Na ação subjacente a parte autora, ora ré, formula pedido de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença.
Um dos requisitos necessários à concessão desses benefícios é a demonstração de que o segurado não era portador da alegada enfermidade ao filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social.
Nesse aspecto, a ausência de boa-fé objetiva salta aos olhos.
É certo que a parte não é obrigada a produzir prova contrária a seu direito. Contudo, a lei exige que a parte não engane o juiz. O princípio da veracidade é pedra basilar do sistema processual:
No caso, houve omissão dolosa quanto ao estado de saúde já incompatível com atividade laborativa quando da filiação.
A autora, ora ré, optou por exercer seu ofício na informalidade, sem recolher contribuições.
Recolheu as 12 (doze) contribuições, a partir de 08/2007, complementou os recolhimentos em 20/05/2009 (f. 199/201), e logo requereu o benefício administrativamente (15/07/2009- f. 53).
A despeito das conclusões do perito judicial, o qual indicou que a segurada era portadora de hérnia da coluna lombar, diabetes mellitus e hipertensão arterial sistêmica, encontrando-se total e permanentemente incapacitada para o trabalho desde 2009, afigura-se inviável crer que, de repente, pouco tempo após a filiação, em 2009, tenha havido agravamento decisivo para a configuração da aposentadoria por invalidez.
Não há dificuldade em se constatar a realidade do contexto fático trazido a julgamento, dada a facilidade na concessão de benefícios por incapacidade por aqueles que passaram anos, ou mesmo décadas, sem contribuir para o sistema previdenciário.
Lícito é constatar que a autora filiou-se à previdência social já sem condições físicas para o trabalho, não tendo ela agido com a necessária boa-fé objetiva (artigo 422 do Código Civil). Pelo contrário, agiu com comportamento finalístico, com vistas à obtenção de benefício.
Causa estranheza o fato de a ré nunca ter contribuído, e resolver o fazer, quando as dificuldades inerentes ao tempo surgiram.
Insólito, para se dizer o mínimo, o fato de a autora ser pessoa pobre, com qualificação de costureira, apontada na inicial da ação subjacente, e mesmo assim ter complementado as contribuições para que atingissem o teto.
O contexto destes autos é atualmente bastante conhecido, tendo se formado no país verdadeira indústria da filiação tardia, em que idosos já incapazes se filiam por prazo mínimo, apenas para cumprir a carência e já obter o benefício, sem participarem do prévio "jogo previdenciário" estabelecido na lei.
Não é possível conceder benefício previdenciário a quem só contribui quando lhe é conveniente, deixando de exercer o dever de solidariedade social e legal no custeio no decorrer de sua vida e violando a boa-fé objetiva, que também deve permear as relações do cidadão com o Estado.
Fato notório é que esse tipo de artifício - filiação tardia - tornou-se lugar comum, como relata o INSS em sua inicial, ao informar sobre a existência de outros processos patrocionados por este mesmo advogado, que se encontram na mesma situação.
Seja como for, independente das conclusões do perito, esse tipo de proceder- filiação tardia-, com vistas à obtenção de benefício por incapacidade, não pode contar com a complacência do Judiciário.
A previdência é essencialmente contributiva (artigo 201, caput, da Constituição Federal) e só pode conceder benefícios mediante o atendimento dos requisitos legais, sob pena de transmudar-se em Assistência Social, ao arrepio da legislação.
Evidenciada a conduta maliciosa a fim de obter vantagem indevida, de rigor a rescisão do julgado por dolo.
Quanto à violação de lei, não se ignora que a rescisória não se presta a corrigir injustiças ou a reanálise de provas.
Todavia, na hipótese, desponta frontal e direta a violação ao sentido e propósito das normas que regem o sistema previdenciário, notadamente artigo 42, § 2º, da Lei nº 8.213/91, que tem estrita ligação com o princípio do custeio.
A toda evidência, em razão da própria idade da autora (58 anos quando voltou a contribuir) e do caráter degenerativo das doenças (portadora de hérnia da coluna lombar, diabetes mellitus e hipertensão arterial sistêmica), apura-se a presença de incapacidade preexistente à própria filiação.
Não há como não entender premeditado o fato do contribuinte estar longo período afastado do sistema e a ele se filiar, já combalido pelo tempo e doenças, somente para recolher o mínimo necessário para lhe garantir o direito ao benefício.
Registre-se, a propósito, que o valor da renda mensal da aposentadoria por invalidez, concedida judicialmente à parte ré é, em 06/2017, do valor de R$ 2.578,06, consoante apurado em extrato INFBEN.
Enfim, trata-se de comportamento astuto, e que não deve contar com a benevolência do Poder Judiciário, não apenas por conta de sua ilegalidade, mas também em respeito aos milhões de segurados que agem previdentemente no decorrer da vida, contribuindo ao INSS, para custear, pelo sistema de repartição, o sistema previdenciário.
E muitos deles contribuíram por décadas - como os aposentados por tempo de contribuição - em, ainda assim, recebem benefício de valor mínimo.
Enfim, deve o juiz atender aos "fins sociais" do direito, consoante reza o artigo 5º da LINDB, evitando, com isso, contemplar os "fins individuais", mormente quando praticado com base na solércia ou velhacaria.
Importa ressaltar que essa atitude compromete a saúde financeira do sistema de previdência social, amesquinhando a proteção social dos beneficiários atuais e futuros.
Ensina Flávio Luiz Yarshell:
Assim, configurada está a violação de lei.
A propósito, cito o julgado:
Em última análise, num resumo das circunstancias objetivas verificadas nesta lide, entendo não haver dúvida a respeito da preexistência da incapacidade, a ensejar a rescisão do julgado por dolo e violação à lei:
a) a autora trabalhava como costureira, labor sujeito a desgaste da condição de saúde;
b) ela trabalhou durante toda sua vida na informalidade, sem contribuir para a previdência social;
c) a autora filiou-se com 58 (cinquenta e oito) anos de idade;
d) houve recolhimento de poucos meses de contribuição, ou seja, 12 (doze) meses, o mínimo exigido como carência (artigo 25, I, da LBPS);
e) complementação de contribuições no teto, mesmo sem apresentar capacidade financeira para tanto;
f) semelhança do contexto fático com outros clientes do mesmo advogado que patrocinou a ação subjacente.
Tecidas essas considerações, passo ao juízo rescisório.
Discute-se o atendimento das exigências à concessão dos benefícios por incapacidade (aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença).
São exigidos à concessão desses benefícios: a qualidade de segurado, a carência de doze contribuições mensais - quando exigida, a incapacidade para o trabalho de forma permanente e insuscetível de recuperação ou de reabilitação para outra atividade que garanta a subsistência (aposentadoria por invalidez) e a incapacidade temporária (auxílio-doença), bem como a demonstração de que o segurado não era portador da alegada enfermidade ao filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social.
No caso dos autos, a perícia judicial, realizada em 03/12/2010, atesta que a autora, nascida aos 10/12/1949, costureira, portadora de hérnia da coluna lombar, diabetes mellitus e hipertensão arterial sistêmica, está total e permanentemente incapacitada para o trabalho desde 2009.
Não obstante, ela não faz jus ao benefício.
A parte autora passou toda a idade laborativa sem jamais contribuir para a previdência social e só se filiou, em 08/2007, quando contava cinquenta e sete anos de idade e já se encontrava fisicamente incapaz para o trabalho remunerado.
Ressalte-se que, muito embora o perito tenha fixado a DII em 2009, com base nos documentos médicos apresentados, é evidente que os exames antigos não lhe foram fornecidos, como sói ocorrer em situações que tais.
Um simples folhear dos documentos que instruem a inicial da ação subjacente comprova tal assertiva.
Ocorre que os males da autora são antigos, e ela nunca havia contribuído para a previdência social e não tinha a qualidade de segurada.
Enfim, considerando a natureza das patologias diagnosticadas, de caráter não súbito, mas crônico e degenerativo, dúvidas não restam que a autora ao se filiar já apresentava quadro clínico incapacitante bastante avançado.
Não é possível conceder benefício previdenciário a quem se filia à previdência social quando não mais consegue trabalhar ou mesmo em vias de se tornar inválido.
In casu, não há dúvidas de que se aplica à presente demanda o disposto no artigo 42, § 2º, primeira parte, da Lei nº 8.213/91, pois se trata de incapacidade preexistente.
Nesse diapasão:
Para além, a despeito da ausência de requerimento específico, a determinação de devolução de valores, quando configurada a má-fé, é decorrência lógica do resultado da ação, a fim de coibir o enriquecimento ilícito e a movimentação da máquina estatal com propósitos escusos.
Nesse sentido, já se manifestou esta e. Terceira Seção:
Assim, em sentido contrário aos casos de boa-fé, verificada a manipulação dos fatos para obtenção de vantagem indevida em detrimento aos cofres públicos, é de rigor a devolução dos valores indevidamente recebidos a título de aposentadoria por invalidez, devendo ser cessado imediatamente o benefício.
Diante do exposto, rejeito a matéria preliminar e, no mérito, julgo procedente o pedido formulado nesta ação rescisória, para rescindir o julgado, nos termos do artigo 485, incisos III e V, do CPC/73 (art. 966, III e V, do Novo Código de Processo Civil), e, em novo julgamento, julgo improcedente o pedido subjacente.
À vista do dolo aferido, determino a restituição dos valores recebidos pela parte ré por força da decisão ora rescindida, e condeno o requerido às penas de litigância de má-fé, por infração ao art. 17, II (alterar intencionalmente a verdade dos fatos) e IV (usar do processo com o intuito de conseguir objetivo ilegal), do CPC/73, e fixo a multa correspondente em 1% (um por cento) sobre o montante indevidamente recebido, na forma do art. 18, caput, CPC/73.
Fica condenada a parte ré, ainda, a pagar custas processuais e honorários de advogado. Levando em conta que o valor atribuído à causa é irrisório, nos termos do artigo 85, § 8º, do Novo CPC, fixo o valor dos honorários de advogado em R$ 1.000,00 (um mil reais), cuja exigibilidade fica suspensa, segundo a regra do artigo 98, § 3º, do mesmo código, por ser beneficiária da justiça gratuita.
Oficie-se o D. Juízo da causa, informando o inteiro teor deste julgado.
Comunique-se o INSS, via e-mail, para que cesse imediatamente o pagamento do benefício (NB 5494665034).
É o voto.
Rodrigo Zacharias
Juiz Federal Convocado
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