Processo
AR - AçãO RESCISóRIA / SP
5027571-06.2018.4.03.0000
Relator(a)
Desembargador Federal MARIA LUCIA LENCASTRE URSAIA
Órgão Julgador
3ª Seção
Data do Julgamento
30/06/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 03/07/2020
Ementa
E M E N T A
AÇÃO RESCISÓRIA. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. PRELIMINAR. CARÊNCIA DA
AÇÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE
RURAL. VIOLAÇÃO MANIFESTA A NORMA JURÍDICA, ERRO DE FATO E PROVA NOVA NÃO
CONFIGURADOS.
1. A preliminar confunde-se com o mérito e com ele será analisada.
2. No caso dos autos, a violação manifesta a norma jurídica não restou configurada, resultando a
insurgência da parte autora de mero inconformismo com o teor do julgado rescindendo, que lhe
foi desfavorável, insuficiente para justificar o desfazimento da coisa julgada, a teor do que estatui
o artigo 966, inciso V, CPC, que exige, para tanto, ofensa à própria literalidade da norma,
hipótese ausente, in casu.
3. Para se desconstituir a coisa julgada com fundamento em erro de fato é necessária a
verificação de sua efetiva ocorrência, no conceito estabelecido pelo próprio legislador, o que não
ocorreu no presente feito. Tendo o julgado rescindendo apreciado todos os elementos
probatórios, em especial os documentos carreados aos autos em conjunto com a prova
testemunhal colhida, é patente que a parte autora, ao postular a rescisão do julgado, na verdade
busca a reapreciação da prova produzida na ação subjacente.
4. Certo é que a ação rescisória não é via apropriada para corrigir eventual injustiça decorrente de
equivocada valoração da prova, não se prestando, enfim, à simples rediscussão da lide, sem que
qualquer das questões tenha deixado de ser apreciada na demanda originária.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
5. Não configura documento novo aquele que ainda não existia quando do julgamento do feito
subjacente, bem como aquele que, por si só, não seria capaz de acarretar um pronunciamento
judicial favorável.
6. Preliminar rejeitada. Rescisória improcedente.
Acórdao
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº5027571-06.2018.4.03.0000
RELATOR:Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA
AUTOR: ROSA MARTINS DINIZ
Advogado do(a) AUTOR: JOSE CARLOS GOMES PEREIRA MARQUES CARVALHEIRA -
SP139855-N
REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº5027571-06.2018.4.03.0000
RELATOR:Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA
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SP139855-N
REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
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R E L A T Ó R I O
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Trata-se de ação rescisória
ajuizada por Rosa Martins Diniz em face do Instituto Nacional do Seguro Social, com fundamento
no artigo 966, incisos V, VII e VIII, do Código de Processo Civil - violação manifesta a norma
jurídica, prova nova e erro de fato, visando desconstituir acórdão proferido pela 8ª Turma desta
Corte, que negou provimento ao agravo da parte autora, mantendo decisão monocrática que deu
parcial provimento à apelação do INSS para ressalvar que o tempo rural reconhecido (22/11/1975
a 01/07/1986) não pode ser utilizado para efeito de carência, nos termos do artigo 55,§2º, da Lei
nº 8.213/91.
Alega a parte autora que o acórdão em questão deve ser rescindido, pois violou o disposto nos
artigos 11, I e 55, §3º, da Lei nº 8.213/91 e 30, XIII, da Lei nº 8.212/91, pois desconsiderou o
início de prova material da sua condição de rurícola, que foi corroborado pela prova testemunhal,
alegando que se estende à mulher a condição profissional de trabalhador rural do marido. Aduz
que o julgado incidiu também em erro de fato, pois sustentou que não havia tempo suficiente para
o benefício de aposentadoria por tempo de serviço, mesmo na sua forma proporcional,sendo que
estava presente a comprovação da atividade rural. Por fim, afirma que possui documento novo,
consubstanciado em matrícula no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Fartura/SP, em nome
de seu genitor, Paulo Martins Diniz, datada de 28/09/1974.
Os benefícios da justiça gratuita foram concedidos (ID 28474834).
Regularmente citado, o INSS apresentou contestação (ID 33176253), alegando, preliminarmente,
carência da ação, posto que a presente ação rescisória possui caráter recursal, uma vez que a
parte autora quer somente uma reavaliação do quadro fático-probatório, o que é estritamente
vedado em sede de ação rescisória. No mérito, em síntese, aduz ausência de violação aos
dispositivos legais apontados, inexistência de erro de fato e inocorrência de prova nova.
Razões finais apresentadas pela parte autora (ID 52642356), reiterando a inicial, e pelo réu (ID
61354662).
O Ministério Público Federal opinou pela improcedência da ação rescisória (ID 87180538).
É o relatório.
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº5027571-06.2018.4.03.0000
RELATOR:Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA
AUTOR: ROSA MARTINS DINIZ
Advogado do(a) AUTOR: JOSE CARLOS GOMES PEREIRA MARQUES CARVALHEIRA -
SP139855-N
REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Verifico que foi obedecido o
prazo de dois anos estabelecido pelo artigo 975 do CPC, considerando o ajuizamento da
rescisória em 31/10/2018 e o trânsito em julgado ocorrido em 10/11/2016 (ID 7571948).
Quanto à alegação de carência da ação, trata-se de matéria que se confunde com o mérito da
demanda e com ele será examinada.
Pretende a parte autora a rescisão de acórdão proferido nos autos da ação nº
2014.03.99.007553-6, sob fundamento de violação manifesta a norma jurídica, prova nova e erro
de fato, nos termos do artigo 966, incisos V, VII e VIII, do CPC.
Dado o caráter excepcional de que se reveste a ação rescisória, para a configuração da hipótese
de rescisão com fundamento em violação a literal disposição de lei, é certo que o julgado
impugnado deve violar, de maneira flagrante, preceito legal de sentido unívoco e incontroverso.
Sobre o tema, anota Theotonio Negrão:
"Art. 485: 20. 'Para que a ação rescisória fundada no art. 485, V, do CPC prospere, é necessário
que a interpretação dada pelo 'decisum' rescindendo seja de tal modo aberrante que viole o
dispositivo legal em sua literalidade. Se, ao contrário, o acórdão rescindendo elege uma dentre as
interpretações cabíveis, ainda que não seja a melhor, a ação rescisória não merece vingar, sob
pena de tornar-se recurso ordinário com prazo de interposição de dois anos' (RSTJ 93/416. no
mesmo sentido: RT 634/93." (Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor. São
Paulo: Saraiva, 44ª edição, 2012, p. 600).
Contudo, no presente caso, é patente que a parte autora, ao postular a rescisão do julgado, na
verdade busca a reapreciação da prova produzida na ação subjacente.
A parte autora ajuizou ação ordinária postulando aposentadoria por tempo de serviço, mediante o
reconhecimento de atividade rural, sem registro em CTPS, no período de 21/10/1970 a
30/04/1997.
A r. sentença julgou parcialmente procedente o pedido, reconhecendo a atividade rural no período
de 22/11/1975 a 01/07/1986 e determinando que o período fosse averbado para fins
previdenciários independentemente de contribuição ou indenização (ID 7571933).
Documentos apresentados na ação subjacente para comprovação da alegada atividade rural (ID
7570671 – pág. 6/18):
certidão de casamento, realizado em 22/11/1975, na qual o cônjuge (Antonio de Oliveira) está
qualificado como lavrador;
certidão de nascimento da filha da autora, Dirce Diniz de Oliveira, nascida em 14/10/1976, na qual
o genitor está qualificado como lavrador;
certidão de nascimento da filha da autora, Lucineia Diniz de Oliveira, nascida em 10/02/1979, na
qual o genitor está qualificado como lavrador;
CTPS da autora com anotação de vínculo empregatício com início em 01/05/1997, como
empregada doméstica;
título eleitoral do marido da autora, no qual está qualificado como lavrador, datado de 30/07/1976;
certificado de dispensa de incorporação do marido da autora, datado de 31/12/1969;
CTPS do marido da autora com anotação dos seguintes vínculos empregatícios: de 01/07/1986 a
30/09/1986, como guarda noturno; de 01/03/1988 a 30/11/1989, como balconista e de 02/01/2004
a 30/04/2005, como balconista;
certidão da Justiça Eleitoral de Fartura em nome da autora, datada de 22/12/2011, sem
informação sobre a qualificação profissional;
certidão da Justiça Eleitoral de Fartura, em nome do marido da autora, datada de 22/12/2011,
informando que no cadastro consta que o requerente declarou-se como agricultor.
Por sua vez, a decisão rescindenda apreciou todos os elementos probatórios, especialmente os
documentos carreados aos autos e a prova oral, tendo se pronunciado, quanto ao
reconhecimento da atividade rural, nos seguintes termos:
"(...)
A questão em debate consiste na possibilidade de se reconhecer o trabalho especificado na
inicial no campo, para somados aos períodos de atividade comum estampados em CTPS,
propiciar a concessão da aposentadoria por tempo de serviço.
Para demonstrá-lo, a autora trouxe com a inicial:
- certidão de casamento, de 22/11/1975, indicando a qualificação de lavrador do marido (fls.15);
- certidão de nascimento de filho, de 14/10/1976, constando a profissão de lavrador do cônjuge
(fls. 16);
- certidão de nascimento de filha, de 10/02/1979, atestando a qualificação de lavrador do marido
(fls. 17);
- título de eleitor do marido, de 30/07/1976, informando sua profissão de lavrador (fls. 20);
- certificado de dispensa de incorporação do cônjuge, de 1969, constando sua profissão de
lavrador (fls. 21);
- CTPS do cônjuge, com registros, como trabalhador urbano, de 12/07/1986 a 30/09/1986,
01/03/1988 a 30/11/1989 e de 02/01/2004 a 30/04/2005, indicando, ainda, que anotação relativa a
aposentadoria por invalidez rural (fls. 22/24);
- carta de concessão de aposentadoria por invalidez em nome do cônjuge, de 10/05/2007 (fls.
25);
- certidão emitida pelo 234ª Zona Eleitoral de Fartura em 22/12/2011, informando constar em
seus registros, a ocupação da autora como "outros", sendo estes dados meramente declarados
pela requerente, sem valor probatório (fls. 26);
- certidão emitida pelo 234ª Zona Eleitoral de Fartura em 22/12/2011, informando constar em
seus registros, a ocupação do marido da autora, como lavrador, sendo estes dados meramente
declarados pelo requerente, sem valor probatório (fls. 27);
A fls. 57 consta informação do sistema Dataprev indicando que o marido da autora percebe
aposentadoria por invalidez, como comerciário, desde 10/05/2007 (fls. 57):
Em depoimento pessoal, gravado em mídia eletrônica, afirma que trabalhou no campo, desde
seus 11 anos de idade, com seu pai. Aduz que, após seu casamento, passou a laborar
juntamente com seu marido, em um sítio, por dois anos, sendo que, na sequência, se mudou para
a cidade e passou a trabalhar como bóia-fria.
Foram ouvidas duas testemunhas, cujos depoimentos também foram gravados em mídia
eletrônica, que declararam que conheceram a autora quanto esta já era casada e afirmaram que
trabalhou no campo, em um sítio em companhia do marido e, após, como bóia-fria.
Do compulsar dos autos verifica-se que as certidões de casamento e de nascimento de filhos,
além de demonstrarem a qualificação da autora como lavradora, delimitam o lapso temporal e
caracterizam a natureza da atividade exercida.
A convicção de que ocorreu o efetivo exercício da atividade, com vínculo empregatício, ou em
regime de economia familiar, durante determinado período, nesses casos, forma-se através do
exame minucioso do conjunto probatório, que se resume nos indícios de prova escrita, em
consonância com a oitiva de testemunhas, se houver.
Nesse sentido, é a orientação do Superior Tribunal de Justiça.
Confira-se:
RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO.
VALORAÇÃO DE PROVA. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. EXISTÊNCIA. CARÊNCIA.
1. "1. A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante
justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no artigo 108, só produzirá efeito
quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente
testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no
Regulamento." (artigo 55, parágrafo 3º, da Lei 8.213/91).
2. O início de prova material, de acordo com a interpretação sistemática da lei, é aquele feito
mediante documentos que comprovem o exercício da atividade nos períodos a serem contados,
devendo ser contemporâneos dos fatos a comprovar, indicando, ainda, o período e a função
exercida pelo trabalhador." (REsp 280.402/SP, da minha Relatoria, in DJ 10/9/2001).
3. (...)
4. "Não há exigência legal de que o início de prova material se refira, precisamente, ao período de
carência do art. 143 da referida lei, visto que serve apenas para corroborar a prova testemunhal."
(EDclREsp 321.703/SP, Relator Ministro Gilson Dipp, in DJ 8/4/2002).
5. Recurso improvido.
(Origem: STJ - Superior Tribunal de Justiça; Classe: RESP - Recurso Especial - 628995;
Processo: 200400220600; Órgão Julgador: Sexta Turma; Data da decisão: 24/08/2004; Fonte:
DJ, Data: 13/12/2004, página: 470; Relator: Ministro HAMILTON CARVALHIDO)
Saliente-se que, não é possível estender à autora, a qualificação de lavrador do marido presente
no certificado de dispensa de incorporação, de 1969 (fls. 21) uma vez que anterior ao seu
casamento, ocorrido em 1975.
Ademais, as certidões do Cartório Eleitoral de Fartura (fls. 26/27) emitidas em 22/12/2011
declaram apenas que constam em seus registros as ocupações da autora e de seu marido, não
especificando em que época estes registros foram realizados, não constituindo prova material do
labor rural do período alegado, qual seja, de 21/10/1970 a 30/04/1997.
Em suma, é possível reconhecer que a requerente exerceu atividade como rurícola, de
22/11/1975 a 01/07/1986. O marco inicial foi fixado levando-se em conta o documento mais antigo
que comprova o labor campesino, qual seja, a certidão de casamento, de 22/11/1975, indicando a
qualificação de lavrador do marido (fls. 15). O termo final foi demarcado considerando-se o pedido
e o conjunto probatório.
Cabe ressaltar que, o tempo de trabalho rural ora reconhecido não está sendo computado para
efeito de carência, nos termos do §2º, do artigo 55, da Lei nº 8.213/91.
Assentados esses aspectos, tem-se que a autora não perfez o tempo necessário para a
concessão da aposentadoria pretendida, eis que para beneficiar-se das regras permanentes
estatuídas no artigo 201, §7º, da CF/88, deveria cumprir pelo menos 30 (trinta) anos de
contribuição.
(...)”
Sem adentrar no mérito da tese firmada na decisão, certo é que ao analisar a questão referente
ao alegado trabalho rural, o julgado rescindendo, sopesando todo o conjunto probatório acostado
aos autos da ação subjacente, decidiu pelo reconhecimento de uma parte do período rural
pleiteado, considerando o início de prova material apresentado, bem como a prova testemunhal
colhida.
Oportuno lembrar que a ação rescisória não se presta ao debate acerca da justiça ou injustiça da
orientação perfilhada pelo julgado rescindendo, bem como não se aplica à pretensão de mero
reexame de teses já devidamente debatidas no feito subjacente, devendo o pedido rescindente
referir-se a ofensa à própria literalidade da disposição que se tem por malferida.
No caso dos autos, a violação manifesta a norma jurídica não restou configurada, resultando a
insurgência da parte autora de mero inconformismo com o teor do julgado rescindendo, que lhe
foi desfavorável, insuficiente para justificar o desfazimento da coisa julgada, a teor do que estatui
o artigo 966, inciso V, CPC, que exige, para tanto, ofensa à própria literalidade da norma,
hipótese ausente, in casu.
Por oportuno, trago à colação o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:
"ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO
ESPECIAL. DESAPROPRIAÇÃO. AÇÃO RESCISÓRIA. NÃO OCORRÊNCIA DE OFENSA AO
ART. 535 DO CPC. ACÓRDÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO
À LITERAL DISPOSITIVO DE LEI. INOCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. A lide foi solucionada na instância de origem com a devida fundamentação , ainda que sob
ótica diversa daquela almejada pelo ora recorrente. Todas as questões postas em debate foram
efetivamente decididas, não tendo havido vício algum que justificasse o manejo dos Embargos
Declaratórios. Observe-se, ademais, que julgamento diverso do pretendido, como na espécie, não
implica ofensa às normas ora invocadas.
2. A Ação Rescisória não é o meio adequado para corrigir suposta injustiça da sentença, apreciar
má interpretação dos fatos, reexaminar as provas produzidas ou complementá-las.
(...)
4. Agravo Regimental do MUNICÍPIO DE GOIÂNIA/GO desprovido."
(AgRg no REsp nº 1.202.161, Primeira Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, v.u., j.
18/03/14, DJe 27/03/14)
Tampouco resta configurada a hipótese prevista no artigo 966, inciso VIII e § 1º, do Código de
Processo Civil, pois para a verificação do erro de fato, a ensejar a rescisão do julgado, é
necessário que este tenha admitido fato inexistente ou considerado inexistente fato efetivamente
ocorrido, bem como não tenha ocorrido controvérsia e nem pronunciamento judicial sobre o fato.
Como já salientado, não se presta a rescisória ao rejulgamento do feito, como ocorre na
apreciação dos recursos. Para se desconstituir a coisa julgada com fundamento em erro de fato é
necessária a verificação de sua efetiva ocorrência, no conceito estabelecido pelo próprio
legislador.
No presente caso, a decisão rescindenda, já transcrita, apreciou as questões referentes à
comprovação da atividade rural pela parte autora, concluindo que somente era possível o
reconhecimento do período de 22/11/1975 a 01/07/1986, tendo vista o início de prova material e a
prova oral constantes dos autos da ação subjacente, bem como que não havia tempo suficiente à
aposentação, considerado o tempo rural reconhecido e o tempo de serviço anotado em CTPS, a
partir de 01/05/1997.
Como bem observou a decisão rescindenda não é possível estender à autora, a qualificação de
lavrador do marido presente no certificado de dispensa de incorporação, de 1969, uma vez que
anterior ao seu casamento, ocorrido em 1975. Por outro lado, o marido da autora passou a
exercer atividades urbanas a partir de julho de 1986.
Outrossim, a admissão de documento em nome do marido ou companheiro, extensível à mulher,
dá-se em consideração ao exercício da atividade que se presume ser comum ao casal. Se o
marido deixou a lida rural, não se pode afirmar que a mulher continuou exercendo atividade rural
nesse regime.
No entanto, se a autora passou a exercer a atividade rural independente, há necessidade de que
traga para os autos início de prova material dessa condição após o início da atividade urbana de
seu marido, o que não é o caso dos autos.
Nesse sentido, convém citar o REsp 1.304.479/SP, submetido ao procedimento dos recursos
repetitivos, cuja questão submetida a julgamento foi a repercussão de atividade urbana do
cônjuge na pretensão de configuração jurídica de trabalhador rural previsto no art. 143 da Lei nº
8.213/91, tendo sido firmada a seguinte tese: "Em exceção à regra geral (...), a extensão de prova
material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele
passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana" (Tema
Repetitivo nº 533. STJ. REsp 1.304.479/SP. Relator Min. Herman Benjamin. Data de afetação
21/03/2012. Julgado em 10/10/2012. Acórdão publicado em 19/12/2012. Trânsito em julgado em
05/03/2013).
Nas palavras do eminente processualista Cassio Scarpinella Bueno: "O erro de fato não autoriza
a rescisão da sentença e o proferimento de nova decisão por má avaliação da prova ou da
matéria controvertida em julgamento. Não se trata de uma "nova chance" para rejulgamento da
causa. Muito diferentemente, o erro de fato que autoriza a ação rescisória é o que se verifica
quando a decisão leva em consideração fato inexistente nos autos ou desconsidera fato
inconteste nos autos. Erro de fato se dá, por outras palavras, quando existe nos autos elemento
capaz, por si só, de modificar o resultado do julgamento, embora ele não tenha sido considerado
quando do seu proferimento ou, inversamente, quando leva-se em consideração elemento
bastante para julgamento que não consta dos autos do processo"(in Código de Processo Civil
Interpretado. Coordenador Antonio Carlos Marcato. São Paulo: Atlas, 2004, p. 1480).
Sobre o tema, já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça nos seguintes termos:
"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. ERRO DE FATO.
AUSÊNCIA. RURÍCOLA. APOSENTADORIA POR IDADE. PROVA. VALORAÇÃO.
I - Ausência de erro de fato no julgado a ensejar propositura de ação rescisória, tendo em vista
que todas as provas juntadas aos autos foram valoradas.
II - A concessão de benefício previdenciário a rurícola depende de razoável comprovação
documental da atividade laborativa rural. Súmula 149-STJ.
III - Recurso não conhecido." (REsp nº 268.506/DF, Relator Ministro GILSON DIPP, j. 04/10/2001,
DJ 05/11/2001, p. 130).
Confira-se, ainda, o entendimento adotado à unanimidade pela Terceira Seção desta Corte
Regional:
"AÇÃO RESCISÓRIA. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. EXERCÍCIO DE
ATIVIDADE RURAL. ERRO DE FATO. NÃO OCORRÊNCIA. OFENSA A LITERAL DISPOSIÇÃO
DE LEI. MATÉRIA DE INTERPRETAÇÃO CONTROVERTIDA NOS TRIBUNAIS. REGIME DE
ECONOMIA FAMILIAR. NÃO CONFIGURAÇÃO.
I - O erro de fato, como resultado de atos ou fatos do processo, configura-se desde que admitido
fato inexistente, ou negado fato ocorrido, sem que, sobre a matéria, tenha havido controvérsia ou
pronunciamento judicial.
II - Hipótese em que houve expressa apreciação da matéria, restando assentado no acórdão que
os documentos que instruíram o pedido originário não servem para traduzir início de prova
material, daí porque não se pode afirmar ter ocorrido admissão de fato inexistente, ou que tenha
sido considerado inexistente fato efetivamente verificado, ainda que se possa, em tese, aventar a
injustiça do julgamento, controvérsia, porém, que gira em torno de valoração da prova,
insuscetível, nesse passo, de ser reexaminada em sede de ação rescisória. Aplicação do art. 485,
inc. IX e §§ 1º e 2º, CPC."
III - A matéria referente à utilidade ou não, como início razoável de prova material, da
documentação trazida ao feito originário, em razão de referir-se, toda, ao marido da autora, e
também em vista de nada demonstrar no tocante a um eventual exercício da atividade em regime
de economia familiar, recebeu tratamento divergente pelos tribunais, ora afirmando a sua
possibilidade, ora negando-a, dissensão somente pacificada com a edição da Súmula 149/STJ,
que assentou entendimento no sentido da vedação ao reconhecimento desse tempo de serviço
sem outras provas.
IV - O aresto rescindendo, que adotou orientação contrária à autora, pela imprestabilidade dos
documentos trazidos à colação para servir de prova indiciária, não infringiu qualquer disposição
literal de lei, a teor do que dispõe o art. 485, V, CPC. Orientação da Súmula nº 343/STF.
V - Além disso, os elementos carreados aos autos da ação subjacente não são suficientes à
comprovação do regime de economia familiar, no qual o trabalho é exercido pelos membros da
família, em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados,
tido como indispensável à própria subsistência, nos termos do art. 11, § 1º, da Lei nº 8.213/91,
sendo tal conceito, aliás, já esboçado no artigo 160 do Estatuto do Trabalhador Rural - Lei nº
4.214, de 02 de março de 1963.
VI - Demonstrou-se, naquele feito, que o marido da autora é proprietário de dois imóveis rurais: o
primeiro, de 75,6250 hectares, ou 31 alqueires e ¼, adquirido em 09 de junho de 1958,
denominado "Fazenda Macaúbas" e localizado no Município de Magda/SP, conforme a cópia de
certidão expedida pelo Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Nhandeara/SP (fls. 26); o
segundo, adquirido em 18 de agosto de 1964, em área contígua à propriedade anterior, medindo
36 hectares, 90 ares e 51 centiares, ou 15 alqueires e uma quarta, constituído de duas glebas de
24,20 hectares e 12,10 hectares, conforme as cópias da escritura de venda e compra (fls. 25) e
das certidões emanadas do mesmo cartório, trazidas à colação, ainda, cópias de notas fiscais de
produtor, abrangendo o período de 1990 a 1997, nas quais apenas se atesta a inscrição do
cônjuge varão perante o fisco estadual, à época.
VII - É de ser assentada, em conseqüência, a ausência de qualquer documento que pudesse
fornecer esclarecimento acerca do tipo de exploração econômica da propriedade, tal como
inscrição dos imóveis rurais junto ao INCRA, a fim de se averiguar se havia, ou não, o concurso
de empregados, o que, em caso positivo, serviria para descaracterizar o alegado exercício da
atividade em regime de economia familiar.
VIII - Ressalve-se ter vindo à colação cópia da Certidão de Casamento da autora, em que seu
marido aparece qualificado como lavrador, documento que se revela de nenhum interesse para a
causa, eis que, por si só, não têm o condão de assentar a natureza do exercício do labor
supostamente desenvolvido, vale dizer, se a forma de exploração das propriedades se dava com
a utilização de empregados ou somente por meio do trabalho prestado pelos membros da família.
IX - Ação rescisória julgada improcedente." (AR n.º 1325/SP, Relatora Desembargadora Federal
Marisa Santos, j. 11/05/2005, DJ 14/07/2005).
E ainda:
AÇÃO RESCISÓRIA. PREVIDENCIÁRIO. VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI.
PRETENSÃO A REEXAME DE PROVAS. ERRO DE FATO. EXISTÊNCIA DE
PRONUNCIAMENTO JUDICIAL. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO.
I- Merece rejeição a alegada violação a literal disposição de lei, uma vez que o autor objetiva a
rescisão do julgado apenas por divergir da interpretação dada pelo decisum aos elementos de
prova reunidos no processo de Origem.
II - A decisão atacada negou o reconhecimento de tempo de serviço urbano e a especialidade da
atividade apontada na inicial com fundamento no exame das provas dos autos, e não por afastar
a aplicação da lei.
III- Impossível a desconstituição do V. Acórdão, com fundamento no art. 485, inc. IX, do CPC/73,
nos casos em que tenha existido "pronunciamento judicial sobre o fato" (art. 485, § 2º, do
CPC/73), na medida em que é inviável a utilização da ação rescisória para reexame de prova ou
nos casos em que tenha existido "má apreciação" do conjunto probatório.
IV- Ação Rescisória improcedente.
(AR 2015.03.00.012891-1, Rel. Des. Fed. Newton de Lucca, v.u., j. em 25/04/2019; D.E.
08/05/2019)
O artigo 966, VII, do CPC trata do cabimento da ação rescisória quando a parte autora, depois do
trânsito em julgado, obtiver prova nova, capaz de por si só alterar o resultado da decisão que se
pretende rescindir. A prova nova é aquela que não foi apresentada no feito originário e cuja
existência era ignorada pelo autor da ação rescisória ou de que não pode fazer uso por motivo
estranho à sua vontade. Deve ainda o documento/prova referir-se a fatos alegados no processo
original.
Nas palavras do eminente processualista Vicente Grecco Filho: "O documento novo não quer
dizer produzido após a sentença, mas documento até então desconhecido ou de utilização
impossível. A impossibilidade de utilização deve ser causada por circunstâncias alheias à vontade
do autor da rescisória. A negligência não justifica o seu não-uso na ação anterior. Aliás, esta
última situação é de ocorrência comum. A parte (ou o advogado) negligencia na pesquisa de
documentos, que muitas vezes estão à sua disposição em repartições públicas ou cartórios. Essa
omissão não propicia a rescisão, mesmo que a culpa seja do advogado e não da parte. A esta
cabe ação de perdas e danos, eventualmente. Como no inciso anterior, o documento novo deve
ser suficiente para alterar o julgamento, ao menos em parte, senão a sentença se
mantém."(Direito Processual Civil Brasileiro. 2º v., São Paulo: Saraiva, 1996, p. 426).
A parte autora aponta como documento novo matrícula no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Fartura em nome de seu genitor (Paulo Martins Diniz) datado de 28/09/1974 (ID 7570669 – pág.
1/2). Ainda que se pudesse considerar tal documento como início de prova material da alegada
atividade rural da parte autora no período anterior ao seu casamento, a prova oral colhida atestou
o labor rural apenas no período posterior ao casamento, ocorrido em 22/11/1975.
Conclui-se, destarte, que tal documentação, ainda que fizesse parte da instrução probatória do
feito subjacente, não seria capaz, por si só, de garantir à parte autora um pronunciamento judicial
favorável.
Assinale-se que a ação rescisória também não presta a uma nova oportunidade para a
complementação das provas, conforme julgado do C. Superior Tribunal de Justiça:
"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIA.
DOCUMENTO NOVO. NÃO CONFIGURAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE ASSEGURAR
PRONUNCIAMENTO FAVORÁVEL À PARTE AUTORA. SÚMULA 283/STF. AGRAVO INTERNO
NÃO PROVIDO.
1. Nos termos da jurisprudência desta Corte de Justiça, o documento novo, apto a amparar o
pedido rescisório fundado no art. 485, VII, do CPC/73, deve ser preexistente à decisão
rescindenda, mas ignorado pelo interessado ou impossível de obtenção para utilização no
processo. Ademais, deve ser capaz de, por si só, assegurar o pronunciamento judicial favorável
ao autor da rescisória, o que não se verifica no caso em exame.
2. A ausência de impugnação, nas razões do recurso especial, de fundamento autônomo e
suficiente à manutenção do acórdão recorrido atrai o óbice da Súmula 283 do STF.
3. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp 1551977/RJ, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em
04/05/2020, DJe 18/05/2020)
Por fim, em consulta ao Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, em terminal instalado
no gabinete desta Relatora, verificou-se que a parte autora recebe aposentadoria por idade desde
08/11/2016.
Diante do exposto, REJEITO A MATÉRIA PRELIMINAR E JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO
formulado na presente ação rescisória, nos termos da fundamentação acima.
Condeno a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios que fixo em R$1.000,00 (mil
reais), cuja exigibilidade fica suspensa, nos termos do art. 98, §3º, do CPC/2015, por ser
beneficiária da assistência judiciária gratuita, conforme entendimento majoritário da 3ª Seção
desta Corte.
É o voto.
E M E N T A
AÇÃO RESCISÓRIA. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. PRELIMINAR. CARÊNCIA DA
AÇÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE
RURAL. VIOLAÇÃO MANIFESTA A NORMA JURÍDICA, ERRO DE FATO E PROVA NOVA NÃO
CONFIGURADOS.
1. A preliminar confunde-se com o mérito e com ele será analisada.
2. No caso dos autos, a violação manifesta a norma jurídica não restou configurada, resultando a
insurgência da parte autora de mero inconformismo com o teor do julgado rescindendo, que lhe
foi desfavorável, insuficiente para justificar o desfazimento da coisa julgada, a teor do que estatui
o artigo 966, inciso V, CPC, que exige, para tanto, ofensa à própria literalidade da norma,
hipótese ausente, in casu.
3. Para se desconstituir a coisa julgada com fundamento em erro de fato é necessária a
verificação de sua efetiva ocorrência, no conceito estabelecido pelo próprio legislador, o que não
ocorreu no presente feito. Tendo o julgado rescindendo apreciado todos os elementos
probatórios, em especial os documentos carreados aos autos em conjunto com a prova
testemunhal colhida, é patente que a parte autora, ao postular a rescisão do julgado, na verdade
busca a reapreciação da prova produzida na ação subjacente.
4. Certo é que a ação rescisória não é via apropriada para corrigir eventual injustiça decorrente de
equivocada valoração da prova, não se prestando, enfim, à simples rediscussão da lide, sem que
qualquer das questões tenha deixado de ser apreciada na demanda originária.
5. Não configura documento novo aquele que ainda não existia quando do julgamento do feito
subjacente, bem como aquele que, por si só, não seria capaz de acarretar um pronunciamento
judicial favorável.
6. Preliminar rejeitada. Rescisória improcedente. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Seção, por
unanimidade, decidiu rejeitar a matéria preliminar e julgar improcedente o pedido formulado na
presente ação rescisória, nos termos do voto da Desembargadora Federal LUCIA URSAIA
(Relatora), no que foi acompanhada pelos Desembargadores Federais TORU YAMAMOTO,
DAVID DANTAS, GILBERTO JORDAN, PAULO DOMINGUES, NELSON PORFIRIO, CARLOS
DELGADO, INÊS VIRGÍNIA e BATISTA GONÇALVES, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
