
3ª Seção
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 0003012-41.2016.4.03.0000
RELATOR: Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
AUTOR: LOURDES APARECIDA DE PLACIDO
Advogado do(a) AUTOR: RUBENS HENRIQUE DE FREITAS - SP177733-A
REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
3ª Seção
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 0003012-41.2016.4.03.0000
RELATOR: Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
AUTOR: LOURDES APARECIDA DE PLACIDO
Advogado do(a) AUTOR: RUBENS HENRIQUE DE FREITAS - SP177733-A
REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de processo devolvido pela e. Vice-Presidência da Corte para juízo de retratação, nos termos do Art. 1.040, II, do CPC, em razão do julgamento do Tema 692 do c. STJ.
Esta Terceira Seção, por unanimidade, decidiu rejeitar a matéria preliminar e, no mérito, dar provimento ao agravo interno interposto pelo INSS para julgar improcedente o pedido de rescisão do julgado, revogando a tutela anteriormente concedida, sem necessidade de devolução dos valores recebidos pela parte autora.
Particularmente sobre a questão da desnecessidade de devolução de valores, o v. acórdão registrou que:
“Vale consignar que, embora não desconheça o decidido pela c. 1ª Seção do e. Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do REsp nº 1401560, julgado conforme procedimento previsto para os Recursos Repetitivos, restou pacificado pelo e. Supremo Tribunal Federal, ser desnecessária a restituição dos valores recebidos de boa fé, devido ao seu caráter alimentar, em razão do princípio da irrepetibilidade dos alimentos. In verbis:
"MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO QUE CONSIDEROU ILEGAL APOSENTADORIA E DETERMINOU A RESTITUIÇÃO DE VALORES. ACUMULAÇÃO ILEGAL DE CARGOS DE PROFESSOR. AUSÊNCIA DE COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS. UTILIZAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO PARA OBTENÇÃO DE VANTAGENS EM DUPLICIDADE (ARTS. 62 E 193 DA LEI N. 8.112/90). MÁ- FÉ NÃO CONFIGURADA. DESNECESSIDADE DE RESTITUIÇÃO DOS VALORES PERCEBIDOS. INOCORRÊNCIA DE DESRESPEITO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL E AO DIREITO ADQUIRIDO. 1. A compatibilidade de horários é requisito indispensável para o reconhecimento da licitude da acumulação de cargos públicos. É ilegal a acumulação dos cargos quando ambos estão submetidos ao regime de 40 horas semanais e um deles exige dedicação exclusiva. 2. O § 2º do art. 193 da Lei n. 8.112/1990 veda a utilização cumulativa do tempo de exercício de função ou cargo comissionado para assegurar a incorporação de quintos nos proventos do servidor (art. 62 da Lei n. 8.112/1990) e para viabilizar a percepção da gratificação de função em sua aposentadoria (art. 193, caput, da Lei n. 8.112/1990). É inadmissível a incorporação de vantagens sob o mesmo fundamento, ainda que em cargos públicos diversos. 3. O reconhecimento da ilegalidade da cumulação de vantagens não determina, automaticamente, a restituição ao erário dos valores recebidos, salvo se comprovada a má- fé do servidor, o que não foi demonstrado nos autos. 4. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem-se firmado no sentido de que, no exercício da competência que lhe foi atribuída pelo art. 71, inc. III, da Constituição da República, o Tribunal de Contas da União cumpre os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal quando garante ao interessado - como se deu na espécie - os recursos inerentes à sua defesa plena. 5. Ato administrativo complexo, a aposentadoria do servidor, somente se torna ato perfeito e acabado após seu exame e registro pelo Tribunal de Contas da União. 6. Segurança parcialmente concedida.
(STF , MS 26085, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 07/04/2008, DJe-107 DIVULG 12-06-2008 PUBLIC 13-06-2008 EMENT VOL-02323-02 PP-00269 RTJ VOL-00204-03 PP-01165)".
Ainda, no julgamento do RE 587.371, o Pleno do STF ressaltou, conforme excerto do voto do Ministro Relator: "... 2) preservados, no entanto, os valores da incorporação já percebidos pelo recorrido, em respeito ao princípio da boa - fé , (...)", ( STF , RE 587371, Relator: Min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, julgado em 14/11/2013, acórdão eletrônico Repercussão Geral - Mérito, DJe-122 divulg 23.06.2014, public 24.06.2014).
E, mais recentemente, o Pleno do STF, ao julgar o RE 638115, novamente decidiu pela irrepetibilidade dos valores recebidos de boa fé, conforme transcrito:
"Recurso extraordinário. 2. Administrativo. 3. Servidor público. 4. Incorporação de quintos decorrente do exercício de funções comissionadas no período compreendido entre a edição da Lei 9.624/1998 e a MP 2.225-48/2001. 5. Impossibilidade. 6. Recurso extraordinário provido. (RE 638115, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 19/03/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-151 DIVULG 31-07-2015 PUBLIC 03-08-2015).”
Os embargos de declaração opostos pela autarquia foram rejeitados.
Ambas as partes interpuseram recursos especiais e extraordinários.
A e. Vice-Presidência determinou a devolução dos autos à Turma julgadora para verificação da pertinência de se proceder ao juízo positivo de retratação, à luz da revisão da tese firmada no Tema Repetitivo nº 692 do STJ (Pet n. 12.482/DF, rel. Min. Og Fernandes, Primeira Seção, julg. 11/5/2022, DJe 24/5/2022.).
Por decisão monocrática não foi exercido o juízo de retratação, mantendo-se o acórdão impugnado, com o retorno dos autos à Vice-Presidência.
A Vice-Presidência admitiu o recurso especial do INSS e negou seguimento ao recurso extraordinário da autarquia, bem como negou admissibilidade aos recursos excepcionais interpostos pela parte autora.
A autora interpôs agravo contra a decisão denegatória de recurso especial.
A e. Ministra Relatora determinou a devolução dos autos a este Tribunal para que, em observância dos Arts. 1.030 e 1.040 do CPC, negue seguimento ao recurso especial, se o acórdão recorrido estiver em conformidade com o entendimento do STJ, ou encaminhe os autos ao órgão julgador para realização do juízo de retratação, se o acórdão recorrido divergir do entendimento daquela Corte.
Por fim, a Vice-Presidência determinou a devolução dos autos à Seção julgadora, para verificação da pertinência de se proceder a juízo positivo de retratação na espécie.
É o relatório.
Com a devida licença do Senhor Relator, divirjo do posicionamento exarado no pronunciamento de Sua Excelência, acerca do juízo de retratação negativo, na reanálise a este órgão julgador oportunizada pela Vice-Presidência desta Corte, nos moldes do art. 1.040, inciso II, do CPC, quanto à questão relacionada ao Tema n.º 692/STJ, a partir de determinação conferida no âmbito da E. Corte Superior, nos termos na sequência transcritos, valendo os destaques sublinhados na decisão correspondente:
Cuida-se de recurso especial, apresentado por INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, com fulcro no art. 105, inciso III, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de origem.
É, no essencial, o relatório. Decido.
Mediante análise dos autos, verifico que há matéria versada no apelo nobre afetada pela Primeira Seção ao rito dos recursos repetitivos como Tema n. 692, que cuida da controvérsia ora transcrita (REsp 1.401.560/MT):
Deve o litigante beneficiário do Regime Geral da Previdência Social - RGPS devolver os valores percebidos do INSS em virtude de decisão judicial precária, que venha a ser posteriormente revogada?
Em 13/10/2015, foi publicado o acórdão do referido tema, com a seguinte tese firmada:
PREVIDÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REVERSIBILIDADE DA DECISÃO.
O grande número de ações, e a demora que disso resultou para a prestação jurisdicional, levou o legislador a antecipar a tutela judicial naqueles casos em que, desde logo, houvesse, a partir dos fatos conhecidos, uma grande verossimilhança no direito alegado pelo autor. O pressuposto básico do instituto é a reversibilidade da decisão judicial. Havendo perigo de irreversibilidade, não há tutela antecipada (CPC, art. 273, § 2º). Por isso, quando o juiz antecipa a tutela, está anunciando que seu decisum não é irreversível. Mal sucedida a demanda, o autor da ação responde pelo recebeu indevidamente. O argumento de que ele confiou no juiz ignora o fato de que a parte, no processo, está representada por advogado, o qual sabe que a antecipação de tutela tem natureza precária.
Para essa solução, há ainda o reforço do direito material. Um dos princípios gerais do direito é o de que não pode haver enriquecimento sem causa. Sendo um princípio geral, ele se aplica ao direito público, e com maior razão neste caso porque o lesado é o patrimônio público. O art. 115, II, da Lei nº 8.213, de 1991, é expresso no sentido de que os benefícios previdenciários pagos indevidamente estão sujeitos à repetição. Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça que viesse a desconsiderá-lo estaria, por via transversa, deixando de aplicar norma legal que, a contrario sensu, o Supremo Tribunal Federal declarou constitucional. Com efeito, o art. 115, II, da Lei nº 8.213, de 1991, exige o que o art. 130, parágrafo único na redação originária (declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal - ADI 675) dispensava.
Orientação a ser seguida nos termos do art. 543-C do Código de Processo Civil: a reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos.
Recurso especial conhecido e provido.
(REsp n. 1.401.560/MT, relator Ministro Sérgio Kukina, relator para acórdão Ministro Ari Pargendler, Primeira Seção, julgado em 12/2/2014, DJe de 13/10/2015).
Outrossim, destaca-se que o Supremo Tribunal Federal, sob o Tema n. 799, em 20/03/2015, no que se refere à "possibilidade de devolução de valores recebidos em virtude de tutela antecipada posteriormente revogada" reconheceu a inexistência de repercussão geral por se tratar de matéria infraconstitucional.
Em 14/11/2018, a Primeira Seção desta Corte, sob a relatoria do Ministro Og Fernandes, decidiu pela revisão do Tema n. 692, ante à necessidade de ampliação do debate das variações a respeito da questão (Pet 12.482/DF), restando assim delimitada:
Proposta de Revisão de Entendimento firmado em tese repetitiva firmada pela Primeira Seção relativa ao Tema 692/STJ, quanto à devolução dos valores recebidos pelo litigante beneficiário do Regime Geral da Previdência Social - RGPS em virtude de decisão judicial precária, que venha a ser posteriormente revogada.
Em 24/05/2022, foi publicado o acórdão de revisão do referido tema, com a seguinte tese firmada:
PROCESSUAL CIVIL. PROPOSTA DE REVISÃO DO ENTENDIMENTO FIRMADO NO TEMA REPETITIVO 692/STJ (RESP N. 1.401.560/MT). ART. 927, § 4º, DO CPC/2015. ARTS. 256-S, 256-T, 256-U E 256-V DO RISTJ. DEVOLUÇÃO DE VALORES DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS RECEBIDOS POR FORÇA DE DECISÃO LIMINAR POSTERIORMENTE REVOGADA. ADVENTO DE NOVA LEGISLAÇÃO. ART. 115, INC. II, DA LEI N. 8.213/1991, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 13.846/2019. TEMA N. 799/STF (ARE 722.421/MG): POSSIBILIDADE DA DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS EM VIRTUDE DE TUTELA ANTECIPADA POSTERIORMENTE REVOGADA. NATUREZA INFRACONSTITUCIONAL. QUESTÃO DE ORDEM JULGADA NO SENTIDO DA REAFIRMAÇÃO, COM AJUSTES REDACIONAIS, DO PRECEDENTE FIRMADO NO TEMA REPETITIVO N. 692/STJ.
1. A presente questão de ordem foi proposta com a finalidade de definir se o entendimento firmado no Tema Repetitivo 692/STJ (REsp n. 1.401.560/MT) deve ser reafirmado, alterado ou cancelado, diante da variedade de situações que ensejam dúvidas quanto à persistência da orientação firmada pela tese repetitiva referida, bem como à jurisprudência do STF, estabelecida em sentido contrário, mesmo que não tendo sido com repercussão geral ou em controle concentrado de constitucionalidade.
2. O CPC/1973 regulamentava a matéria de forma clara, prevendo, em resumo, que a efetivação da tutela provisória corre por conta do exequente, e a sua eventual reforma restituiria as partes ao estado anterior à concessão, o que obrigaria o exequente a ressarcir eventuais prejuízos sofridos pelo executado. A mesma lógica foi mantida pelo legislador do CPC/2015. Por conta disso que sempre se erigiu como pressuposto básico do instituto da tutela de urgência a reversibilidade dos efeitos da decisão judicial.
3. O debate surgiu especificamente no que tange à aplicação de tal regulamentação no âmbito previdenciário. Ou seja, discutia-se se as normas específicas de tal área do direito trariam solução diversa da previsão de caráter geral elencada na legislação processual.
4. A razão histórica para o surgimento dessa controvérsia na área previdenciária consiste na redação original do art. 130 da Lei n. 8.213/1991, o qual dispunha que: "Ocorrendo a reforma da decisão, será suspenso o benefício e exonerado o beneficiário de restituir os valores recebidos". Nos idos de 1997, a Lei n. 9.528 alterou completamente a redação anterior, passando a valer a regra geral do CPC, na ausência de norma especial em sentido contrário no âmbito previdenciário.
5. A partir de então, começou a amadurecer a posição no sentido da necessidade de devolução dos valores recebidos em caso de revogação da tutela antecipada, o que redundou, em 2014, no entendimento vinculante firmado pelo STJ no Tema Repetitivo 692 (REsp n. 1.401.560/MT): "A reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos".
6. Em 2018, esta Relatoria propôs a questão de ordem sob exame, diante da variedade de situações que ensejam dúvidas quanto à persistência da orientação firmada pela tese repetitiva referida, bem como à existência de alguns precedentes em sentido contrário no STF, mesmo não tendo sido com repercussão geral ou em controle concentrado de constitucionalidade.
7. À época, o art. 115, inc. II, da Lei n. 8.213/1991 que regulamenta a matéria no direito previdenciário trazia redação que não era clara e direta como a da legislação processual, uma vez que não referia expressamente a devolução de valores recebidos a título de antecipação dos efeitos da tutela posteriormente revogada. Tal fato, aliás, não passou despercebido pela Primeira Seção ao rejeitar os EDcl no REsp n. 1.401.560/MT fazendo menção a tal fato.
8. Foi essa redação pouco clara que gerou dúvidas e terminou ocasionando, em 2018, a propositura da questão de ordem ora sob julgamento.
9. A Medida Provisória n. 871/2019 e a Lei n. 13.846/2019, entretanto, trouxeram uma reformulação da legislação previdenciária, e o art. 115, inc. II, passou a não deixar mais qualquer dúvida: Na hipótese de cessação do benefício previdenciário ou assistencial pela revogação da decisão judicial que determinou a sua implantação, os valores recebidos devem ser devolvidos à parte adversa.
10. Se o STJ quando a legislação era pouco clara e deixava margem a dúvidas já tinha firmado o entendimento vinculante no Tema Repetitivo 692/STJ, não é agora que deve alterar sua jurisprudência, justamente quando a posição da Corte foi sufragada expressamente pelo legislador reformador ao regulamentar a matéria.
11. Trata-se, pois, de observância de norma editada regularmente pelo Congresso Nacional, no estrito uso da competência constitucional a ele atribuída, não cabendo ao Poder Judiciário, a meu sentir, reduzir a aplicabilidade do dispositivo legal em comento, decorrente de escolha legislativa explicitada com bastante clareza.
12. Ademais, a postura de afastar, a pretexto de interpretar, sem a devida declaração de inconstitucionalidade, a aplicação do art. 115, inc. II, da Lei n. 8.213/1991 pode ensejar questionamentos acerca de eventual inobservância do art. 97 da CF/1988 e, ainda, de afronta ao verbete vinculante n. 10 da Súmula do STF.
13. O STF adota o posicionamento referido em algumas ações originárias propostas (na maioria, mandados de segurança) em seu âmbito. Porém, não o faz com caráter de guardião da Constituição Federal, mas sim na análise concreta das ações originárias. A maioria dos precedentes do STF não diz respeito a lides previdenciárias e, além disso, são todos anteriores às alterações inseridas no art. 115, inc. II, da Lei n. 8.213/1991. Na verdade, atualmente o STF vem entendendo pela inexistência de repercussão geral nessa questão, por se tratar de matéria infraconstitucional, como se verá adiante.
14. O que se discute no caso em tela é a interpretação de artigo de lei federal, mais especificamente, o art. 115, inc. II, da Lei n. 8.213/1991 e vários dispositivos do CPC/2015. Assim, vale o entendimento do STJ sobre a matéria, pois, segundo o art. 105 da Carta Magna, é esta Corte a responsável pela uniformização da interpretação da legislação infraconstitucional no país.
15. A propósito, o STF, ao julgar o Tema 799 da Repercussão Geral (ARE 722.421/MG, j. em 19/3/2015), já firmou expressamente que a questão não é constitucional e deve, portanto, ser deslindada nos limites da legislação infraconstitucional, o que foi feito com bastante clareza pelo legislador ao trazer a nova redação do art. 115, inc. II, da Lei n. 8.213/1991. No mesmo sentido, vide o RE 1.202.649 AgR (relator Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, j. em 20/12/2019), e o RE 1.152.302 AgR (relator Ministro Marco Aurélio, Primeira Turma, j. em 28/5/2019).
16. Ao propor a questão de ordem, esta Relatoria citou as seguintes particularidades processuais que supostamente seriam aptas a ensejar uma consideração específica quanto à possibilidade de revisão do entendimento firmado no Tema 692/STJ: a) tutela de urgência concedida de ofício e não recorrida; b) tutela de urgência concedida a pedido e não recorrida; c) tutela de urgência concedida na sentença e não recorrida, seja por agravo de instrumento, na sistemática processual anterior do CPC/1973, seja por pedido de suspensão, conforme o CPC/2015; d) tutela de urgência concedida initio litis e não recorrida; e) tutela de urgência concedida initio litis, cujo recurso não foi provido pela segunda instância; f) tutela de urgência concedida em agravo de instrumento pela segunda instância; g) tutela de urgência concedida em primeiro e segundo graus, cuja revogação se dá em razão de mudança superveniente da jurisprudência então existente.
17. Quanto a elas, note-se que se trata basicamente do momento em que foi concedida e/ou revogada a tutela de urgência, se logo no início do feito, se na sentença, se na segunda instância, ou se apenas no STF ou no STJ. A ideia subjacente é que, em algumas hipóteses, a tutela de urgência já estaria, de certa forma, incorporada ao patrimônio jurídico da parte autora, e sua revogação poderia resultar em injustiça no caso concreto.
18. Tais situações, entretanto, são tratadas pela lei da mesma forma, não merecendo distinção do ponto de vista normativo. Ou seja, em qualquer desses casos, a tutela de urgência não deixa de ser precária e passível de modificação ou revogação a qualquer tempo, o que implicará o retorno ao estado anterior à sua concessão.
19. Situação diversa é a da tutela de urgência cuja revogação se dá em razão de mudança superveniente da jurisprudência então dominante. Nesses casos, a superação do precedente deverá ser acompanhada da indispensável modulação dos efeitos, a juízo do Tribunal que está promovendo a alteração jurisprudencial, como determina o art. 927, § 3º, do CPC. Assim, como diz a norma, o próprio juízo de superação "de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos" deve ser acompanhado da modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica. Dessa forma, uma eventual guinada jurisprudencial não resultará, em princípio, na devolução de valores recebidos por longo prazo devido à cassação de tutela de urgência concedida com base em jurisprudência dominante à época em que deferida, bastando que o tribunal, ao realizar a superação, determine a modulação dos efeitos.
20. Por fim, não há que se falar em modulação dos efeitos do julgado no caso em tela, uma vez que não se encontra presente o requisito do art. 927, § 3º, do CPC. Isso porque, no caso sob exame, não houve alteração, mas sim reafirmação da jurisprudência dominante do STJ.
21. Questão de ordem julgada no sentido da reafirmação da tese jurídica, com acréscimo redacional para ajuste à nova legislação de regência, nos termos a seguir: "A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago.".
(Pet n. 12.482/DF, relator Ministro Og Fernandes, Primeira Seção, julgado em 11/5/2022, DJe de 24/5/2022, grifo meu).
Diante do julgamento do tema, cabe a esta Corte determinar a devolução dos autos ao Tribunal de origem para reexame do acórdão recorrido, cumprindo-se o rito previsto nos arts. 1.040 e 1.041 do CPC, destacando-se que a observância da sistemática dos recursos repetitivos precede o juízo de admissibilidade do recurso especial, em inteligência ao que dispõe o art. 1.030 do CPC.
Tal entendimento deve prevalecer até mesmo quando apenas um dos pontos de insurgência possuir identidade com o da tese repetitiva. Nesse sentido, o precedente abaixo reproduzido:
QUESTÃO DE ORDEM. PROCESSUAL CIVIL. RECONHECIMENTO DE REPERCUSSÃO GERAL QUANTO AO TEMA VERSADO NO APELO ESPECIAL. SOBRESTAMENTO DESTE ÚLTIMO COM DEVOLUÇÃO À CORTE DE ORIGEM PARA EVENTUAL E OPORTUNO JUÍZO DE CONFORMAÇÃO. POSSIBILIDADE.
1. Podendo a ulterior decisão do STF, em repercussão geral já reconhecida, influenciar no julgamento da matéria veiculada no recurso especial, conveniente se faz que o STJ, em homenagem aos princípios processuais da celeridade e da efetividade, determine o sobrestamento do especial e devolva os autos ao Tribunal de origem, para que nele se realize eventual juízo de retratação frente ao que vier a ser decidido na Excelsa Corte. Precedentes: AgInt no AgInt no REsp 1.603.061/SC, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 28/06/2017; e AgInt no AgInt no REsp 1.380.952/GO, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 21/08/2017.
2. Ainda que parte das questões impugnadas no recurso especial sejam distintas daquela objeto da afetação pelo STF, aplicável se mostra, mutatis mutandis, o comando previsto no art. 1.037, § 7º, do CPC/2015, cujo regramento determina seja julgada em primeiro lugar a matéria afetada, para apenas depois se prosseguir na resolução do especial apelo, relativamente ao resíduo não alcançado pela decisão dada em repercussão geral.
3. Questão de ordem encaminhada no sentido de que, presente a situação descrita nos itens anteriores, tendo sido determinada por este STJ a devolução dos autos à Corte recorrida, esta última, em sendo o caso, faça retornar os autos ao STJ somente após ter exercido o juízo de conformação frente ao que vier a ser decidido pelo STF na repercussão geral.
(QO no REsp 1653884/PR, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe de 6/11/2017).
No caso em tela, observa-se que o Tribunal de origem já se manifestou sobre o o REsp n. 1.401.560/MT, vinculado ao Tema n. 692, o que dispensaria, em tese, a devolução à origem para juízo de adequação.
Todavia, há de se ter em mente a ausência de repercussão geral reconhecida pelo STF no Tema n. 799/STF, por se tratar de matéria infraconstitucional, o que afasta, em princípio, a prevalência de entendimentos firmados em precedentes não vinculantes oriundos da Suprema Corte, ainda que posteriores ao reconhecimento da ausência de repercussão geral.
Não se deve olvidar, outrossim, que em momento posterior à apreciação do Tema n. 799/STF e ao acórdão recorrido, houve a revisão do Tema n. 692 por esta Corte, com a reafirmação da tese referente ao dever de restituição dos valores recebidos (embora estabelecido nesse julgamento o limite de 30% para o desconto da importância de eventual benefício que ainda estiver sendo pago ao segurado), o que justifica o retorno dos autos ao Tribunal a quo.
Ante o exposto, determino a devolução dos autos ao Tribunal de origem, com a devida baixa, nos termos do art. 256-L, II, do RISTJ, para que, em observância aos arts. 1.030 e 1.040 do CPC:
a) negue seguimento ao recurso especial se o acórdão recorrido estiver em conformidade com o entendimento do STJ;
b) encaminhe os autos ao órgão julgador para realização do juízo de retratação se o acórdão recorrido divergir do entendimento do STJ.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília, 22 de junho de 2023.
MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA
Presidente
(REsp n. 2.073.224, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 26/06/2023)
Como visto, a controvérsia foi objeto de afetação pela sistemática dos recursos repetitivos pelo Superior Tribunal de Justiça, que, por meio de revisão de entendimento anterior, proferiu decisão no caso tomado como paradigma (ementa constante da deliberação acima reproduzida).
Estabeleceu-se, portanto, a tese jurídica, remarque-se, de que “a reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago”.
Ademais, expressamente consignado no precedente qualificado em questão, de observância obrigatória, que “não há que se falar em modulação dos efeitos do julgado no caso em tela, uma vez que não se encontra presente o requisito do art. 927, § 3º, do CPC, segundo o qual, ‘na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica’. Isso porque, no caso sob exame, não houve alteração, mas sim reafirmação da jurisprudência dominante do STJ”.
Agrega salientar, outrossim, a propósito do dever, pelo segurado, de devolver ao erário os valores recebidos decorrentes de tutela provisória reformada, a recentíssima complementação da tese firmada no Tema 692 pelo Tribunal da Cidadania:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA PETIÇÃO. QUESTÃO DE ORDEM NO TEMA REPETITIVO 692/STJ. DEVOLUÇÃO DE VALORES DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS RECEBIDOS POR FORÇA DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA POSTERIORMENTE REVOGADA. ART. 115, II, DA LEI 8.213/1991. COMPLEMENTAÇÃO DA TESE JURÍDICA. POSSIBILIDADE DE LIQUIDAÇÃO NOS MESMOS AUTOS. ARTS. 520, II, DO CPC/2015 E 475-O, II, DO CPC/1973. ART. 1.022 DO CPC/2015. OMISSÃO CONFIGURADA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PARCIALMENTE ACOLHIDOS.
1. Em análise, embargos de declaração opostos contra acórdão da Primeira Seção do STJ, o qual julgou questão de ordem, no sentido da reafirmação da tese jurídica no Tema 692/STJ, com acréscimo redacional para ajuste à nova legislação de regência, nos termos a seguir: "A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago."
2. Nos termos do art. 1.022 do Código de Processo Civil, os embargos de declaração têm o objetivo de introduzir o estritamente necessário para eliminar a obscuridade, contradição ou suprir a omissão existente no julgado, além de corrigir erro material, não permitindo em seu bojo a rediscussão da matéria.
3. Não obstante o voto proferido na Questão de Ordem no Tema 692/STJ tenha sido claro quanto à possibilidade de liquidação nos próprios autos, quando reformada a decisão que lastreava a execução provisória, com base no art. 520, I e II, do CPC/2015 (art. 475-O, I e II, do CPC/1973), a tese jurídica não fez nenhuma referência a essa questão.
4. Por essa razão, a fim de evitar desnecessárias controvérsias derivadas do julgamento da presente Questão de Ordem, pertinente uma complementação no conteúdo da tese jurídica consagrada no Tema 692/STJ, para incluir, expressamente, a possibilidade de liquidação nos próprios autos, na forma do art. 520, I e II, do CPC/2015 (art. 475-O, I e II, do CPC/1973).
5. Solução do caso concreto: Embargos de declaração do INSS parcialmente acolhidos, para complementar a tese jurídica firmada no Tema 692/STJ.
6. Tese jurídica firmada: "A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago, restituindo-se as partes ao estado anterior e liquidando-se eventuais prejuízos nos mesmos autos, na forma do art. 520, II, do CPC/2015 (art. 475-O, II, do CPC/73)."
(EDcl na Pet n. 12.482/DF, relator Ministro Afrânio Vilela, Primeira Seção, julgado em 9/10/2024, DJe de 11/10/2024)
Senhor Presidente, demais eminentes pares, com o máximo respeito aos que entendem de modo contrário, o acórdão que a 3.ª Seção proferiu no presente feito, levando-se em conta as premissas acima postas, não está em consonância com a referida orientação assentada pelo Superior Tribunal de Justiça, razão pela qual a reconsideração na hipótese dos autos impõe-se de rigor.
Oportuno ressaltar que acórdãos desta Corte, na linha dos julgados citados no voto distribuído pelo Senhor Relator, têm recebido o seguinte tratamento, monocraticamente, pelos Ministros do STJ, em decisões bastante atuais abaixo colacionadas, a título exemplificativo, uma vez mais grifando-se:
RECURSO ESPECIAL Nº 2178504 - SP (2024/0405531-6)
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. TUTELA ANTECIPADA. REVOGAÇÃO. DEVOLUÇÃO DE VALORES. POSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA N. 1.401.560/MT. TEMA N. 692 DO STJ. TESE REAFIRMADA NO EXAME DA PET N. 12.482/DF. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.
DECISÃO
Trata-se de recurso especial interposto pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS contra acórdão prolatado pelo TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO, em juízo de retratação, assim ementado (fl. 515):
PREVIDENCIÁRIO - PROCESSO CIVIL - INCIDENTE DE JUÍZO DE RETRATAÇÃO - ART. 1.040 DO CPC - VERBAS RECEBIDAS A TÍTULO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA - DEVOLUÇÃO - DESCABIMENTO - CARÁTER ALIMENTAR DOS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS - BOA-FÉ - ENTENDIMENTO DO E. STF.
I - A restituição pretendida pelo INSS é indevida, porquanto as quantias auferidas tiveram como suporte decisão judicial que se presume válida e com aptidão para concretizar os comandos nelas insertos, não restando caracterizada, assim, a má-fé em seu recebimento.
II - Não se desconhece o julgamento proferido pelo C. STJ no Recurso Especial Representativo de Controvérsia nº 1.401.560/MT, que firmou orientação no sentido de que a reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos. Todavia, o Supremo Tribunal Federal já assentou entendimento de que o benefício previdenciário recebido de boa-fé pelo segurado, em decorrência de decisão judicial, não está sujeito à repetição de indébito, em razão de seu caráter alimentar. Precedentes jurisprudenciais.
III - O entendimento ora adotado não se descura do princípio da vedação do enriquecimento sem causa, porquanto, ante o conflito de princípios concernente às prestações futuras (vedação do enriquecimento sem causa x irrepetibilidade dos alimentos), há que se dar prevalência à natureza alimentar das prestações, em consonância com um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito: a dignidade da pessoa humana.
IV - Possibilidade de retratação afastada. Determinada a remessa dos autos à Vice-Presidência.
Os subsequentes embargos de declaração foram rejeitados.
Nas razões do apelo nobre, fundamentado na alínea a do permissivo constitucional, o INSS alega, inicialmente, ofensa aos arts 11, 489 e 1.022 do CPC/2015, aduzindo que o Tribunal de origem não se manifestou "acerca dos dispositivos legais que determinam a devolução dos valores e pagos pela Administração por força de tutela, posteriormente revogada" (fl. 583).
Sustenta, ainda, violação dos arts. 296, 297, parágrafo único, 300, § 3º, 302, incisos I e II, 520, incisos I e II, 948 e 949 do CPC/2015; 3º da Lei de Introdução ao Código Civil; 115, inciso II e § 1º, da Lei n. 8.213/1991; 154 do Decreto n. 3.048/1999; e 876, 884 e 885 do Código Civil. Assinala, em síntese, que, "ainda que presente a boa-fé, necessária a restituição dos valores recebidos em razão de tutela antecipada, evitando-se o enriquecimento sem causa" (fl. 584).
Apresentadas as contrarrazões (fls. 596-606), o recurso especial foi admitido na origem.
É o relatório.
Decido.
Inicialmente, esclareço que o acórdão recorrido não possui a omissão suscitada pelo recorrente. Ao revés, apresentou, concretamente, os fundamentos que justificaram a sua conclusão. Como é cediço, o Julgador não está obrigado a rebater, individualmente, todos os argumentos suscitados pelas partes, sendo suficiente que demonstre, fundamentadamente, as razões do seu convencimento.
No caso, existe mero inconformismo da parte recorrente com o resultado do julgado proferido no acórdão recorrido, que lhe foi desfavorável. Inexiste, portanto, ofensa ao art. 1022 do Código de Processo Civil. Nesse sentido: AgInt no AREsp n. 2.381.818/RS, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 18/12/2023, DJe de 20/12/2023; AgInt no REsp n. 2.009.722/PR, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 3/10/2022, DJe de 6/10/2022.
Quanto ao mais, a questão da devolução das quantias recebidas pelo beneficiário do Regime Geral da Previdência Social - RGPS, em virtude de decisão judicial precária, que venha a ser posteriormente revogada, foi objeto de análise no REsp n. 1.401.560/MT (Julgado em 12/2/2014, DJe de 13/10/2015), sob o rito dos julgamentos repetitivos, tendo sido firmada a seguinte tese (Tema n. 692/STJ): "a reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos".
Posteriormente, a Primeira Seção desta Corte, em questão de ordem na Pet n. 12.482/DF, da relatoria do Ministro Og Fernandes (DJe de 24/5/2022), reafirmou a tese contida no referido Tema n. 692/STJ, com acréscimo redacional a fim de ajustá-la à nova legislação de regência, nestes termos:
A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago.
É oportuno destacar que o Supremo Tribunal Federal, ao analisar o Tema n. 799, afastou o reconhecimento da repercussão geral da matéria ora em análise. Prevalece, assim, nesses casos, a tese firmada pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Tema n. 692/STJ, posteriormente confirmada na Pet n. 12.482/DF.
Registro, ainda, que a Primeira Seção desta Corte, na sessão de julgamento de 9/10/2024, ao apreciar os embargos de declaração opostos pelo INSS na Pet n. 12.482/DF (relator Ministro Afrânio Vilela), acolheu parcialmente o recurso integrativo para complementar a tese firmada no julgamento do Tema n. 692/STJ, incluindo a possibilidade de liquidação nos próprios autos. A tese ficou assim definida:
A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago, restituindo-se as partes ao estado anterior e liquidando-se eventuais prejuízos nos mesmos autos, na forma do art. 520, II, do CPC/2015 (art. 475- O, II, do CPC/1973).
Confira-se a ementa do referido julgado:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA PETIÇÃO. QUESTÃO DE ORDEM NO TEMA REPETITIVO 692/STJ. DEVOLUÇÃO DE VALORES DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS RECEBIDOS POR FORÇA DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA POSTERIORMENTE REVOGADA. ART. 115, II, DA LEI 8.213/1991. COMPLEMENTAÇÃO DA TESE JURÍDICA. POSSIBILIDADE DE LIQUIDAÇÃO NOS MESMOS AUTOS. ARTS. 520, II, DO CPC/2015 E 475-O, II, DO CPC/1973. ART. 1.022 DO CPC/2015. OMISSÃO CONFIGURADA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PARCIALMENTE ACOLHIDOS.
1. Em análise, embargos de declaração opostos contra acórdão da Primeira Seção do STJ, o qual julgou questão de ordem, no sentido da reafirmação da tese jurídica no Tema 692/STJ, com acréscimo redacional para ajuste à nova legislação de regência, nos termos a seguir: "A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago."
2. Nos termos do art. 1.022 do Código de Processo Civil, os embargos de declaração têm o objetivo de introduzir o estritamente necessário para eliminar a obscuridade, contradição ou suprir a omissão existente no julgado, além de corrigir erro material, não permitindo em seu bojo a rediscussão da matéria.
3. Não obstante o voto proferido na Questão de Ordem no Tema 692/STJ tenha sido claro quanto à possibilidade de liquidação nos próprios autos, quando reformada a decisão que lastreava a execução provisória, com base no art. 520, I e II, do CPC/2015 (art. 475-O, I e II, do CPC/1973), a tese jurídica não fez nenhuma referência a essa questão.
4. Por essa razão, a fim de evitar desnecessárias controvérsias derivadas do julgamento da presente Questão de Ordem, pertinente uma complementação no conteúdo da tese jurídica consagrada no Tema 692/STJ, para incluir, expressamente, a possibilidade de liquidação nos próprios autos, na forma do art. 520, I e II, do CPC/2015 (art. 475-O, I e II, do CPC/1973).
5. Solução do caso concreto: Embargos de declaração do INSS parcialmente acolhidos, para complementar a tese jurídica firmada no Tema 692/STJ.
6. Tese jurídica firmada: "A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago, restituindo-se as partes ao estado anterior e liquidando-se eventuais prejuízos nos mesmos autos, na forma do art. 520, II, do CPC/2015 (art. 475-O, II, do CPC/73)." (EDcl na Pet n. 12.482/DF, relator Ministro Afrânio Vilela, Primeira Seção, julgado em 9/10/2024, DJe de 11/10/2024.)
Na hipótese, o Tribunal a quo decidiu a controvérsia em desconformidade com a jurisprudência desta Corte, como se percebe do seguinte trecho do aresto recorrido (fls. 512-514):
[...]
Sobre a matéria dos autos, nos mesmos termos das decisões anteriormente proferidas, entendo que a restituição pretendida pelo INSS é indevida, porquanto as quantias auferidas tiveram como suporte decisão judicial que se presume válida e com aptidão para concretizar os comandos nelas insertos, não restando caracterizada, assim, a má-fé em seu recebimento.
Muito embora se tenha ciência da decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do recurso representativo de controvérsia nº 1.401.560/MT (Tema 692), a qual firmou a tese de que A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago, a jurisprudência do STF tem reiteradamente estabelecido de forma contrária, ou seja, no sentido de ser indevida a restituição das quantias recebidas em razão de decisão judicial que antecipa os efeitos da tutela, considerando-se a boa-fé do segurado e do princípio da irrepetibilidade dos alimentos.
[...]
Importante salientar que o entendimento ora adotado não se descura do princípio da vedação do enriquecimento sem causa, porquanto, ante o conflito de princípios concernente às prestações futuras (vedação do enriquecimento sem causa x irrepetibilidade dos alimentos), há que se dar prevalência à natureza alimentar das prestações, em consonância com um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito: a dignidade da pessoa humana.
Destarte, considerando que o julgamento proferido por esta 10ª Turma está em conformidade com a orientação do E. STF, resta afastada a possibilidade de retratação.
Confiram-se, ainda, os seguintes julgados:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. TUTELA ANTECIPADA. REVOGAÇÃO. DEVOLUÇÃO DE VALORES. POSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA N. 1.401.560/MT. TEMA N. 692 DO STJ. TESE REAFIRMADA NA QUESTÃO DE ORDEM NA PET. N. 12.482/DF. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
1. É possível a cobrança dos valores indevidamente recebidos pela parte autora, em virtude de antecipação dos efeitos da tutela, posteriormente revogada, nos termos da jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, firmada no julgamento do Tema n. 692/STJ e reafirmada no exame da Pet n. 12.482/DF.
2. O acórdão regional, ao dispensar a parte autora da repetição das parcelas recebidas, por força da antecipação dos efeitos da tutela, porque não consta do título a obrigação de devolvê-las em sede de cumprimento de sentença, destoou da jurisprudência consolidada desta Corte.
3. Com efeito, "a obrigação de indenizar o dano causado pela execução de tutela antecipada posteriormente revogada é consequência natural da improcedência do pedido, decorrência ex lege da sentença, cujo valor exato será posteriormente apurado em liquidação nos próprios autos" (REsp n. 1.790.445/RS, relator Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe de 02/08/2024).
4. Agravo interno desprovido. Decisão que determinou o sobrestamento deste feito reconsiderada para, com fundamento no art. 255, § 4º, inciso III, do RISTJ, dar provimento ao recurso especial para possibilitar ao INSS, ora recorrente, a cobrança dos valores indevidamente recebidos pela parte autora, em virtude de antecipação dos efeitos da tutela, posteriormente revogada, nos termos da jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça (AgInt no REsp n. 2.115.324/RS, relator Ministro Teodoro Silva Santos, Segunda Turma, julgado em 30/9/2024, DJe de 3/10/2024.)
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. TUTELA ANTECIPADA REVOGADA. RESTITUIÇÃO DOS VALORES. EXIGIBILIDADE.
1. Tendo o recurso sido interposto contra decisão publicada na vigência do Código de Processo Civil de 2015, devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele previsto, conforme Enunciado Administrativo n. 3/2016/STJ.
2. O Supremo Tribunal Federal, no Tema 799, julgado em 20/03/2015, DJe de 30/03/2015, reconheceu a natureza infraconstitucional da matéria relativa à devolução de valores recebidos em virtude de concessão de antecipação de tutela posteriormente revogada.
3. A Primeira Seção desta Corte, ao julgar a Pet n. 12.482/DF, ratificou o entendimento anteriormente firmado no julgamento do Tema repetitivo n. 692/STJ, no sentido de que a reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela obriga a parte autora à restituição dos valores recebidos.
4. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp n. 2.103.259/SP, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 12/8/2024, DJe de 19/8/2024.)
Ante o exposto, com fundamento no art. 255, § 4º, inciso III, do RISTJ, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso especial para possibilitar ao INSS, ora recorrente, a cobrança dos valores indevidamente recebidos pela parte autora, em virtude de antecipação dos efeitos da tutela, posteriormente revogada, nos termos da jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, firmada no julgamento do Tema n. 692/STJ e reafirmada no exame da Pet n. 12.482/DF.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília, 31 de outubro de 2024.
MINISTRO TEODORO SILVA SANTOS
Relator
(REsp n. 2.178.504, Ministro Teodoro Silva Santos, DJe de 05/11/2024)
RECURSO ESPECIAL Nº 2172501 - SP (2024/0363442-9)
DECISÃO
Trata-se de recurso especial interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, com fundamento no art. 105, III, a, da CF, contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, assim ementado (fl. 553):
PROCESSUAL. VALOR DA CONDENAÇÃO INFERIOR A 1000 SALÁRIOS MÍNIMOS. REMESSA OFICIAL NÃO CONHECIDA. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE DE COMPANHEIRO. UNIÃO ESTÁVEL NÃO COMPROVADA. REQUISITO DA QUALIDADE DE DEPENDENTE NÃO PREENCHIDO. BENEFÍCIO INDEVIDO.
1. A sentença foi proferida já na vigência do novo Código de Processo Civil - Lei 13.105/2015 -, razão pela qual se deve observar o disposto no art. 496, §3º, I. No caso dos autos, não obstante a sentença seja ilíquida, é certo que o valor da condenação não supera 1.000 salários mínimos, sendo incabível, portanto, a remessa oficial.
2. Nos termos dos artigos 74 e 26 da Lei 8.213/91, a pensão por morte é devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não, independentemente de carência.
3. Em face dos ditames do artigo 16 da Lei 8.213/91, a dependência econômica da companheira é presumida.
4. Não demonstrada a alegada união estável entre a parte autora e o falecido no período exigido, de modo que não foi preenchido o requisito da qualidade de dependente.
5. Não satisfeitos todos os requisitos necessários à concessão do benefício, não faz jus a parte autora ao recebimento da pensão por morte.
6. Apesar do julgamento do recurso representativo de controvérsia REsp nº 1.401.560/MT, entendo que, enquanto mantido o posicionamento firmado pelo e. STF no ARE 734242 AgR, este deve continuar a ser aplicado nestes casos, afastando-se a necessidade de devolução de valores recebidos de boa fé, em razão de sua natureza alimentar.
7. Os honorários advocatícios devem ser fixados em 10% sobre o valor da causa, observada a gratuidade de justiça.
8. Remessa oficial não conhecida. Apelação do INSS provida.
Os aclaratórios opostos foram rejeitados (fl. 611).
Em novo julgamento para juízo de retratação, o acórdão foi mantido, nos seguintes termos (fl. 664):
PROCESSUAL CIVIL. ART. 1.040, INC. II, DO CPC. JUÍZO DE RETRATAÇÃO NEGATIVO. RESP 1.401.560/MT. PET N. 12.482/DF. PREVIDENCIÁRIO. TUTELA ANTECIPADA. REVOGAÇÃO. DEVOLUÇÃO DE VALORES. VERBA DE NATUREZA ALIMENTAR. BOA-FÉ DO SEGURADO. POSICIONAMENTO DO STF. ACÓRDÃO MANTIDO.
1. Reexame da matéria conforme previsto no artigo 1.040, inc. II, do CPC.
2. O Superior Tribunal de Justiça, em sede de Recurso Repetitivo de Controvérsia, entendeu que a reforma de decisão que antecipa a tutela obriga o autor a devolver os benefícios previdenciários recebidos por força dela.
3. Aplicação do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no sentido de que o benefício previdenciário recebido pelo segurado, em decorrência de decisão judicial, não está sujeito à repetição de indébito, em razão de seu caráter alimentar. Precedentes jurisprudenciais.
4. Juízo de retratação negativo. Acórdão mantido.
Em seu especial, aponta a parte recorrente violação dos arts. 296, 297, parágrafo único, 300, § 3º, 302, I e II, e 520, I e II, 927, III, 948 e 949 do CPC; 3º, da LINDB; 876, 884 e 885, do CC; 115, II, § 1º, da Lei 8.213/91; e 154, do Decreto n. 3.048/1999.
Sustenta, em síntese, (I) existência de negativa de prestação jurisdicional e (II) a necessidade de devolução de valores recebidos por força de tutela antecipada posteriormente revogada.
Nestes termos, afirma que o Código de Processo Civil não excepciona a devolução das quantias recebidas a título de tutela antecipada posteriormente revogada, mesmo nos casos de verba alimentar ou na hipótese de constatação de boa-fé por parte do autor, sendo que não existe previsão legal para a dispensa da devolução destas quantias.
Contrarrazões não apresentadas.
É O RELATÓRIO. SEGUE A FUNDAMENTAÇÃO.
A irresignação comporta acolhida, mas parcial.
No caso em questão, inexistem omissão, contradição, obscuridade ou erro material, uma vez que, pela leitura do inteiro teor do acórdão embargado, depreende-se que este apreciou devidamente a matéria em debate e analisou de forma exaustiva, clara e objetiva as questões relevantes para o deslinde da controvérsia.
Quanto à devolução de valores por parte do segurado, trata-se de questão já solucionada pelo rito repetitivo (Tema 692/STJ), em que foi firmada a tese de que "A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago".
Eis a ementa do julgado que traz o mencionado preceito:
PROCESSUAL CIVIL. PROPOSTA DE REVISÃO DO ENTENDIMENTO FIRMADO NO TEMA REPETITIVO 692/STJ (RESP N. 1.401.560/MT). ART. 927, § 4º, DO CPC/2015. ARTS. 256-S, 256-T, 256-U E 256-V DO RISTJ. DEVOLUÇÃO DE VALORES DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS RECEBIDOS POR FORÇA DE DECISÃO LIMINAR POSTERIORMENTE REVOGADA. ADVENTO DE NOVA LEGISLAÇÃO. ART. 115, INC. II, DA LEI N. 8.213/1991, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 13.846/2019. TEMA N. 799/STF (ARE 722.421/MG): POSSIBILIDADE DA DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS EM VIRTUDE DE TUTELA ANTECIPADA POSTERIORMENTE REVOGADA. NATUREZA INFRACONSTITUCIONAL. QUESTÃO DE ORDEM JULGADA NO SENTIDO DA REAFIRMAÇÃO, COM AJUSTES REDACIONAIS, DO PRECEDENTE FIRMADO NO TEMA REPETITIVO N. 692/STJ.
1. A presente questão de ordem foi proposta com a finalidade de definir se o entendimento firmado no Tema Repetitivo 692/STJ (REsp n. 1.401.560/MT) deve ser reafirmado, alterado ou cancelado, diante da variedade de situações que ensejam dúvidas quanto à persistência da orientação firmada pela tese repetitiva referida, bem como à jurisprudência do STF, estabelecida em sentido contrário, mesmo que não tendo sido com repercussão geral ou em controle concentrado de constitucionalidade.
2. O CPC/1973 regulamentava a matéria de forma clara, prevendo, em resumo, que a efetivação da tutela provisória corre por conta do exequente, e a sua eventual reforma restituiria as partes ao estado anterior à concessão, o que obrigaria o exequente a ressarcir eventuais prejuízos sofridos pelo executado. A mesma lógica foi mantida pelo legislador do CPC/2015. Por conta disso que sempre se erigiu como pressuposto básico do instituto da tutela de urgência a reversibilidade dos efeitos da decisão judicial.
3. O debate surgiu especificamente no que tange à aplicação de tal regulamentação no âmbito previdenciário. Ou seja, discutia-se se as normas específicas de tal área do direito trariam solução diversa da previsão de caráter geral elencada na legislação processual.
4. A razão histórica para o surgimento dessa controvérsia na área previdenciária consiste na redação original do art. 130 da Lei n. 8.213/1991, o qual dispunha que: "Ocorrendo a reforma da decisão, será suspenso o benefício e exonerado o beneficiário de restituir os valores recebidos". Nos idos de 1997, a Lei n. 9.528 alterou completamente a redação anterior, passando a valer a regra geral do CPC, na ausência de norma especial em sentido contrário no âmbito previdenciário.
5. A partir de então, começou a amadurecer a posição no sentido da necessidade de devolução dos valores recebidos em caso de revogação da tutela antecipada, o que redundou, em 2014, no entendimento vinculante firmado pelo STJ no Tema Repetitivo 692 (REsp n. 1.401.560/MT): "A reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos.
6. Em 2018, esta Relatoria propôs a questão de ordem sob exame, diante da variedade de situações que ensejam dúvidas quanto à persistência da orientação firmada pela tese repetitiva referida, bem como à existência de alguns precedentes em sentido contrário no STF, mesmo não tendo sido com repercussão geral ou em controle concentrado de constitucionalidade.
7. À época, o art. 115, inc. II, da Lei n. 8.213/1991 que regulamenta a matéria no direito previdenciário trazia redação que não era clara e direta como a da legislação processual, uma vez que não referia expressamente a devolução de valores recebidos a título de antecipação dos efeitos da tutela posteriormente revogada. Tal fato, aliás, não passou despercebido pela Primeira Seção ao rejeitar os EDcl no REsp n. 1.401.560/MT fazendo menção a tal fato.
8. Foi essa redação pouco clara que gerou dúvidas e terminou ocasionando, em 2018, a propositura da questão de ordem ora sob julgamento.
9. A Medida Provisória n. 871/2019 e a Lei n. 13.846/2019, entretanto, trouxeram uma reformulação da legislação previdenciária, e o art. 115, inc. II, passou a não deixar mais qualquer dúvida: Na hipótese de cessação do benefício previdenciário ou assistencial pela revogação da decisão judicial que determinou a sua implantação, os valores recebidos devem ser devolvidos à parte adversa.
10. Se o STJ o quando a legislação era pouco clara e deixava margem a dúvidas o já tinha firmado o entendimento vinculante no Tema Repetitivo 692/STJ, não é agora que deve alterar sua jurisprudência, justamente quando a posição da Corte foi sufragada expressamente pelo legislador reformador ao regulamentar a matéria.
11. Trata-se, pois, de observância de norma editada regularmente pelo Congresso Nacional, no estrito uso da competência constitucional a ele atribuída, não cabendo ao Poder Judiciário, a meu sentir, reduzir a aplicabilidade do dispositivo legal em comento, decorrente de escolha legislativa explicitada com bastante clareza.
12. Ademais, a postura de afastar, a pretexto de interpretar, sem a devida declaração de inconstitucionalidade, a aplicação do art. 115, inc. II, da Lei n. 8.213/1991 pode ensejar questionamentos acerca de eventual inobservância do art. 97 da CF/1988 e, ainda, de afronta ao verbete vinculante n. 10 da Súmula do STF 13. O STF adota o posicionamento referido em algumas ações originárias propostas (na maioria, mandados de segurança) em seu âmbito. Porém, não o faz com caráter de guardião da Constituição Federal, mas sim na análise concreta das ações originárias. A maioria dos precedentes do STF não diz respeito a lides previdenciárias e, além disso, são todos anteriores às alterações inseridas no art. 115, inc. II, da Lei n. 8.213/1991. Na verdade, atualmente o STF vem entendendo pela inexistência de repercussão geral nessa questão, por se tratar de matéria infraconstitucional, como se verá adiante.
14. O que se discute no caso em tela é a interpretação de artigo de lei federal, mais especificamente, o art. 115, inc. II, da Lei n. 8.213/1991 e vários dispositivos do CPC/2015. Assim, vale o entendimento do STJ sobre a matéria, pois, segundo o art. 105 da Carta Magna, é esta Corte a responsável pela uniformização da interpretação da legislação infraconstitucional no país.
15. A propósito, o STF, ao julgar o Tema 799 da Repercussão Geral (ARE 722.421/MG, j. em 19/3/2015), já firmou expressamente que a questão não é constitucional e deve, portanto, ser deslindada nos limites da legislação infraconstitucional, o que foi feito com bastante clareza pelo legislador ao trazer a nova redação do art. 115, inc. II, da Lei n. 8.213/1991. No mesmo sentido, vide o RE 1.202.649 AgR (relator Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, j. em 20/12/2019), e o RE 1.152.302 AgR (relator Ministro Marco Aurélio, Primeira Turma, j. em 28/5/2019).
16. Ao propor a questão de ordem, esta Relatoria citou as seguintes particularidades processuais que supostamente seriam aptas a ensejar uma consideração específica quanto à possibilidade de revisão do entendimento firmado no Tema 692/STJ: a) tutela de urgência concedida de ofício e não recorrida; b) tutela de urgência concedida a pedido e não recorrida; c) tutela de urgência concedida na sentença e não recorrida, seja por agravo de instrumento, na sistemática processual anterior do CPC/1973, seja por pedido de suspensão, conforme o CPC/2015; d) tutela de urgência concedida initio litis e não recorrida; e) tutela de urgência concedida initio litis, cujo recurso não foi provido pela segunda instância; f) tutela de urgência concedida em agravo de instrumento pela segunda instância; g) tutela de urgência concedida em primeiro e segundo graus, cuja revogação se dá em razão de mudança superveniente da jurisprudência então existente.
17. Quanto a elas, note-se que se trata basicamente do momento em que foi concedida e/ou revogada a tutela de urgência, se logo no início do feito, se na sentença, se na segunda instância, ou se apenas no STF ou no STJ. A ideia subjacente é que, em algumas hipóteses, a tutela de urgência já estaria, de certa forma, incorporada ao patrimônio jurídico da parte autora, e sua revogação poderia resultar em injustiça no caso concreto.
18. Tais situações, entretanto, são tratadas pela lei da mesma forma, não merecendo distinção do ponto de vista normativo. Ou seja, em qualquer desses casos, a tutela de urgência não deixa de ser precária e passível de modificação ou revogação a qualquer tempo, o que implicará o retorno ao estado anterior à sua concessão.
19. Situação diversa é a da tutela de urgência cuja revogação se dá em razão de mudança superveniente da jurisprudência então dominante. Nesses casos, a superação do precedente deverá ser acompanhada da indispensável modulação dos efeitos, a juízo do Tribunal que está promovendo a alteração jurisprudencial, como determina o art. 927, § 3º, do CPC. Assim, como diz a norma, o próprio juízo de superação "de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos" deve ser acompanhado da modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica. Dessa forma, uma eventual guinada jurisprudencial não resultará, em princípio, na devolução de valores recebidos por longo prazo devido à cassação de tutela de urgência concedida com base em jurisprudência dominante à época em que deferida, bastando que o tribunal, ao realizar a superação, determine a modulação dos efeitos.
20. Por fim, não há que se falar em modulação dos efeitos do julgado no caso em tela, uma vez que não se encontra presente o requisito do art. 927, § 3º, do CPC. Isso porque, no caso sob exame, não houve alteração, mas sim reafirmação da jurisprudência dominante do ST.
21. Questão de ordem julgada no sentido da reafirmação da tese jurídica, com acréscimo redacional para ajuste à nova legislação de regência, nos termos a seguir: "A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago.".
(Pet n. 12.482/DF, relator Ministro Og Fernandes, Primeira Seção, DJe de 24/5/2022.)
Posteriormente, esse julgado foi complementado em embargos de declaração, nestes termos:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA PETIÇÃO. QUESTÃO DE ORDEM NO TEMA REPETITIVO 692/STJ. DEVOLUÇÃO DE VALORES DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS RECEBIDOS POR FORÇA DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA POSTERIORMENTE REVOGADA. ART. 115, II, DA LEI 8.213/1991. COMPLEMENTAÇÃO DA TESE JURÍDICA. POSSIBILIDADE DE LIQUIDAÇÃO NOS MESMOS AUTOS. ARTS. 520, II, DO CPC/2015 E 475-O, II, DO CPC/1973. ART. 1.022 DO CPC/2015. OMISSÃO CONFIGURADA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PARCIALMENTE ACOLHIDOS.
1. Em análise, embargos de declaração opostos contra acórdão da Primeira Seção do STJ, o qual julgou questão de ordem, no sentido da reafirmação da tese jurídica no Tema 692/STJ, com acréscimo redacional para ajuste à nova legislação de regência, nos termos a seguir: "A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago."
2. Nos termos do art. 1.022 do Código de Processo Civil, os embargos de declaração têm o objetivo de introduzir o estritamente necessário para eliminar a obscuridade, contradição ou suprir a omissão existente no julgado, além de corrigir erro material, não permitindo em seu bojo a rediscussão da matéria.
3. Não obstante o voto proferido na Questão de Ordem no Tema 692/STJ tenha sido claro quanto à possibilidade de liquidação nos próprios autos, quando reformada a decisão que lastreava a execução provisória, com base no art. 520, I e II, do CPC/2015 (art. 475-O, I e II, do CPC/1973), a tese jurídica não fez nenhuma referência a essa questão.
4. Por essa razão, a fim de evitar desnecessárias controvérsias derivadas do julgamento da presente Questão de Ordem, pertinente uma complementação no conteúdo da tese jurídica consagrada no Tema 692/STJ, para incluir, expressamente, a possibilidade de liquidação nos próprios autos, na forma do art. 520, I e II, do CPC/2015 (art.
475-O, I e II, do CPC/1973).
5. Solução do caso concreto: Embargos de declaração do INSS parcialmente acolhidos, para complementar a tese jurídica firmada no Tema 692/STJ.
6. Tese jurídica firmada: "A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago, restituindo-se as partes ao estado anterior e liquidando-se eventuais prejuízos nos mesmos autos, na forma do art. 520, II, do CPC/2015 (art. 475-O, II, do CPC/73)."
(EDcl na Pet n. 12.482/DF, relator Ministro Afrânio Vilela, Primeira Seção, DJe de 11/10/2024.)
Ainda sobre a questão em debate, convém ressaltar que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE-RG 722421, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, já se pronunciou no sentido de que não existe repercussão geral quando a matéria versar sobre a possibilidade de devolução de valores recebidos em virtude de tutela antecipada posteriormente revogada, considerando-se que a solução da controvérsia envolve o exame de legislação infraconstitucional. Esta a razão de não prosperar a alegada equivalência de declaração de inconstitucionalidade ao se afastar a aplicação de dispositivos legais.
Assim, tendo o acórdão recorrido divergido de tese definida sob o rito de recurso especial repetitivo, deve ele ser reformado, de modo a permitir o ressarcimento dos valores recebidos indevidamente, em decorrência de antecipação de tutela, nos termos do art. 115, II, da Lei 8.213/91.
ANTE O EXPOSTO, conheço do recurso especial para dar-lhe parcial provimento e fazer incidir a tese firmada no Tema 692/STJ .
Publique-se.
Brasília, 17 de outubro de 2024.
Sérgio Kukina
Relator
(REsp n. 2.172.501, Ministro Sérgio Kukina, DJe de 18/10/2024)
RECURSO ESPECIAL Nº 2175455 - SP (2024/0294861-2)
DECISÃO
Vistos.
Trata-se de Recurso Especial interposto pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS) contra acórdão prolatado, por unanimidade, pela 10ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, assim ementado (fl. 367e):
PREVIDENCIÁRIO - PROCESSO CIVIL - INCIDENTE DE JUÍZO DE RETRATAÇÃO - ART. 1.040 DO CPC - VERBAS RECEBIDAS A TÍTULO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA - DEVOLUÇÃO - DESCABIMENTO - CARÁTER ALIMENTAR DOS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS - BOA-FÉ - ENTENDIMENTO DO E. STF.
I - A restituição pretendida pelo INSS é indevida, porquanto as quantias auferidas tiveram como suporte decisão judicial que se presume válida e com aptidão para concretizar os comandos nelas insertos, não restando caracterizada, assim, a má-fé em seu recebimento.
II - Não se desconhece o julgamento proferido pelo C. STJ no Recurso Especial Representativo de Controvérsia nº 1.401.560/MT, que firmou orientação no sentido de que a reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos. Todavia, o Supremo Tribunal Federal já assentou entendimento de que o benefício previdenciário recebido de boa-fé pelo segurado, em decorrência de decisão judicial, não está sujeito à repetição de indébito, em razão de seu caráter alimentar. Precedentes jurisprudenciais.
III - O entendimento ora adotado não se descura do princípio da vedação do enriquecimento sem causa, porquanto, ante o conflito de princípios concernente às prestações futuras (vedação do enriquecimento sem causa x irrepetibilidade dos alimentos), há que se dar prevalência à natureza alimentar das prestações, em consonância com um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito: a dignidade da pessoa humana.
IV - Possibilidade de retratação afastada. Determinada a remessa dos autos à Vice-Presidência.
Com amparo no art. 105, III, a, da Constituição da República, aponta-se ofensa aos arts. 298, § 3º, 876, 884 e 885 do Código Civil, 948 do Código de Processo Civil e 115, II, da Lei n. 8.213/1991, alegando-se, em síntese, já ter havido a consolidação do entendimento concluindo pela necessidade de reversibilidade da situação das partes ao estado anterior da demanda, com a devolução dos valores recebidos a título de tutela antecipada posteriormente revogada.
Com contrarrazões (fls. 441/443e), o recurso foi inadmitido (fls. 445/448e), posteriormente convertido em Recurso Especial (fl. 483e).
Feito breve relato, decido.
Por primeiro, consoante o decidido pelo Plenário desta Corte, na sessão realizada em 9.3.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Assim sendo, in casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015.
Nos termos do art. 932, V, do Código de Processo Civil de 2015, combinado com os arts. 34, XVIII, c, e 255, III, do Regimento Interno desta Corte, o Relator está autorizado, por meio de decisão monocrática, a dar provimento a recurso se o acórdão recorrido for contrário à tese fixada em julgamento de recurso repetitivo ou de repercussão geral (arts. 1.036 a 1.041), a entendimento firmado em incidente de assunção de competência (art. 947), à súmula do Supremo Tribunal Federal ou desta Corte ou, ainda, à jurisprudência dominante acerca do tema, consoante Enunciado da Súmula n. 568/STJ:
O Relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema.
Acerca da revogação da tutela antecipada, a 1ª Seção desta Corte, no julgamento, em 12.02.2014 do Recurso Especial n. 1.401.560/MT, inclusive sob a sistemática do art. 543-C do Código de Processo Civil, pacificou entendimento no sentido da necessidade de devolução dos valores relativos a benefício previdenciário recebidos em razão de antecipação dos efeitos da tutela posteriormente revogada, consoante fundamentos resumidos na seguinte ementa:
PREVIDÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REVERSIBILIDADE DA DECISÃO.
O grande número de ações, e a demora que disso resultou para a prestação jurisdicional, levou o legislador a antecipar a tutela judicial naqueles casos em que, desde logo, houvesse, a partir dos fatos conhecidos, uma grande verossimilhança no direito alegado pelo autor. O pressuposto básico do instituto é a reversibilidade da decisão judicial. Havendo perigo de irreversibilidade, não há tutela antecipada (CPC, art. 273, § 2º). Por isso, quando o juiz antecipa a tutela, está anunciando que seu decisum não é irreversível. Mal sucedida a demanda, o autor da ação responde pelo recebeu indevidamente. O argumento de que ele confiou no juiz ignora o fato de que a parte, no processo, está representada por advogado, o qual sabe que a antecipação de tutela tem natureza precária.
Para essa solução, há ainda o reforço do direito material. Um dos princípios gerais do direito é o de que não pode haver enriquecimento sem causa. Sendo um princípio geral, ele se aplica ao direito público, e com maior razão neste caso porque o lesado é o patrimônio público. O art. 115, II, da Lei nº 8.213, de 1991, é expresso no sentido de que os benefícios previdenciários pagos indevidamente estão sujeitos à repetição. Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça que viesse a desconsiderá-lo estaria, por via transversa, deixando de aplicar norma legal que, a contrario sensu, o Supremo Tribunal Federal declarou constitucional. Com efeito, o art. 115, II, da Lei nº 8.213, de 1991, exige o que o art. 130, parágrafo único na redação originária (declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal - ADI 675) dispensava.
Orientação a ser seguida nos termos do art. 543-C do Código de Processo Civil: a reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos.
Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 1.401.560/MT, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, Rel. p/ Acórdão Ministro ARI PARGENDLER, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/02/2014, DJe 13/10/2015).
Posteriormente, mediante o julgamento de Questão de Ordem - Pet 12.482/DF -, esta Corte reafirmou o posicionamento adotado no Tema n. 692/STJ, ora referido, no sentido de que "A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago".
Na mesma linha, os seguintes julgados:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. TEMA REPETITIVO 692/STJ (RESP 1.401.560/MT). DEVOLUÇÃO DE VALORES DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS RECEBIDOS POR FORÇA DE TUTELA ANTECIPATÓRIA POSTERIORMENTE REVOGADA. POSSIBILIDADE. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. O Superior Tribunal de Justiça firmou posição no Tema Repetitivo 692 (REsp 1.401.560/MT) no sentido de que os valores recebidos por decisão judicial precária, posteriormente revogada, devem ser devolvidos. Proposta revisão do entendimento em Questão de Ordem autuada como Pet 12.482/DF, Rel. Ministro Og Fernandes, Primeira Seção, DJe de 24.5.2022, decidiu-se no sentido de reafirmar, com ajustes redacionais, a possibilidade de devolução na referida hipótese.
2. Agravo Interno não provido.
(AgInt no REsp n. 2.020.551/MG, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 6/3/2023, DJe de 27/3/2023 - destaque meu).
SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. VALORES PAGOS EM RAZÃO DE DECISÃO JUDICIAL PRECÁRIA. RESTITUIÇÃO AO ERÁRIO.
CABIMENTO. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO.
I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015.
II - É legítima a restituição ao Erário de valores pagos a servidor público/pensionista em razão do cumprimento de decisão judicial precária, posteriormente cassada em segundo grau de jurisdição.
III - Não apresentação de argumentos suficientes para desconstituir a decisão recorrida.
IV - Em regra, descabe a imposição da multa, prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil de 2015, em razão do mero improvimento do Agravo Interno em votação unânime, sendo necessária a configuração da manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso a autorizar sua aplicação, o que não ocorreu no caso.
V - Agravo Interno improvido.
(AgInt no REsp n. 1.889.325/SC, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 13/3/2023, DJe de 16/3/2023 - destaque meu).
Por fim, a jurisprudência desta Corte reconhece possível proceder à execução, nos próprios autos, objetivando o ressarcimento de valores despendidos a título de tutela provisória, posteriormente revogada, sendo desnecessário, portanto, o ajuizamento de ação autônoma para pleitear a devolução do numerário.
Nesse sentido:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. DESISTÊNCIA DA DEMANDA APÓS A CONCESSÃO DA TUTELA PROVISÓRIA. EXTINÇÃO DO FEITO, SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA FORMULADO PELA PARTE RÉ PLEITEANDO O RESSARCIMENTO DOS VALORES DESPENDIDOS EM RAZÃO DO DEFERIMENTO DA TUTELA PROVISÓRIA. CABIMENTO. DESNECESSIDADE DE PRONUNCIAMENTO JUDICIAL PRÉVIO NESSE SENTIDO. OBRIGAÇÃO EX LEGE. INDENIZAÇÃO QUE DEVERÁ SER LIQUIDADA NOS PRÓPRIOS AUTOS. ARTS. 302, CAPUT, INCISO III E PARÁGRAFO ÚNICO, E 309, INCISO III, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. REFORMA DO ACÓRDÃO RECORRIDO QUE SE IMPÕE. RECURSO PROVIDO.
1. A questão jurídica discutida consiste em definir se é possível proceder à execução, nos próprios autos, objetivando o ressarcimento de valores despendidos a título de tutela antecipada, posteriormente revogada em virtude de sentença que extingue o processo, sem resolução de mérito, por haver a autora desistido da ação.
2. O Código de Processo Civil de 2015, seguindo a mesma linha do CPC/1973, adotou a teoria do risco-proveito, ao estabelecer que o beneficiado com o deferimento da tutela provisória deverá arcar com os prejuízos causados à parte adversa, sempre que: i) a sentença lhe for desfavorável; ii) a parte requerente não fornecer meios para a citação do requerido no prazo de 5 (cinco) dias, caso a tutela seja deferida liminarmente; iii) ocorrer a cessação da eficácia da medida em qualquer hipótese legal; ou iv) o juiz acolher a decadência ou prescrição da pretensão do autor (CPC/2015, art. 302, caput e incisos I a IV).
3. Em relação à forma de se buscar o ressarcimento dos prejuízos advindos com o deferimento da tutela provisória, o parágrafo único do art. 302 do CPC/2015 é claro ao estabelecer que "a indenização será liquidada nos autos em que a medida tiver sido concedida, sempre que possível", dispensando-se, assim, o ajuizamento de ação autônoma para esse fim.
4. Com efeito, a obrigação de indenizar a parte adversa dos prejuízos advindos com o deferimento da tutela provisória posteriormente revogada é decorrência ex lege da sentença de improcedência ou de extinção do feito sem resolução de mérito, como no caso, sendo dispensável, portanto, pronunciamento judicial a esse respeito, devendo o respectivo valor ser liquidado nos próprios autos em que a medida tiver sido concedida, em obediência, inclusive, aos princípios da celeridade e economia processual.
5. Recurso especial provido.
(REsp n. 1.770.124/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 21/5/2019, DJe de 24/5/2019.)
In casu, tendo o acórdão recorrido contrariado entendimento pacificado nesta Corte, de rigor sua reforma.
Posto isso, com fundamento nos arts. 932, V, do Código de Processo Civil de 2015 e 34, XVIII, c, e 255, III, ambos do RISTJ, DOU PROVIMENTO ao Recurso Especial para determinar a devolução dos valores percebidos por força da tutela antecipada revogada.
Publique-se e intimem-se.
Brasília, 09 de outubro de 2024.
REGINA HELENA COSTA Relatora
(REsp n. 2.175.455, Ministra Regina Helena Costa, DJe de 11/10/2024)
Isso tudo considerado, reiterada a vênia, divirjo para, em juízo de retratação positivo, reconhecer a viabilidade de o INSS cobrar da segurada, parte autora nesta ação rescisória, a restituição dos valores pagos em razão de antecipação, nos presentes autos, dos efeitos da tutela posteriormente revogada.
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal
3ª Seção
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 0003012-41.2016.4.03.0000
RELATOR: Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
AUTOR: LOURDES APARECIDA DE PLACIDO
Advogado do(a) AUTOR: RUBENS HENRIQUE DE FREITAS - SP177733-A
REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Ao apreciar a questão de ordem na Pet nº 12.482/DF, o c. Superior Tribunal de Justiça decidiu reafirmar a tese jurídica firmada no Tema Repetitivo nº 692/STJ (REsp nº 1.401.560/MT), com acréscimo redacional, nos seguintes termos:
"A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago".
Não obstante, verifica-se que o acórdão objeto de recurso especial está assentado em entendimento firmado pelo e. STF, no sentido da desnecessidade de restituição dos valores recebidos, com fundamento no princípio da boa-fé e no caráter alimentar do benefício.
Quanto ao ponto, cabe asseverar que, em que pese a Suprema Corte tenha decidido, em julgamento pelo Plenário Virtual, na data de 20/03/2015, que "a questão acerca da devolução de valores recebidos em virtude de concessão de antecipação de tutela posteriormente revogada tem natureza infraconstitucional e a ela atribuem-se os efeitos da ausência de repercussão geral" (Tema 799/STF), mantém-se hígida a interpretação jurisprudencial segundo a qual os valores recebidos de boa-fé, por força de decisão judicial, são irrepetíveis, diante de sua natureza alimentar.
Com efeito, não há notícia, até o presente momento, de que o Excelso Pretório tenha alterado sua orientação sobre a matéria.
A título exemplificativo, cito os seguintes julgados, proferidos por sua Primeira Turma:
"DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. NATUREZA ALIMENTAR. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ EM DECORRÊNCIA DE DECISÃO JUDICIAL. TUTELA ANTECIPADA REVOGADA. DEVOLUÇÃO. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já assentou que o benefício previdenciário recebido de boa-fé pelo segurado, em decorrência de decisão judicial, não está sujeito à repetição de indébito, em razão de seu caráter alimentar. Precedentes. 2. Decisão judicial que reconhece a impossibilidade de descontos dos valores indevidamente recebidos pelo segurado não implica declaração de inconstitucionalidade do art. 115 da Lei nº 8.213/1991. Precedentes. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(ARE 734242 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 04/08/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-175 DIVULG 04-09-2015 PUBLIC 08-09-2015); e
AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. ACÓRDÃO DO TCU QUE DETERMINOU A IMEDIATA INTERRUPÇÃO DO PAGAMENTO DA URP DE FEVEREIRO DE 1989 (26,05%). EXCLUSÃO DE VANTAGEM ECONÔMICA RECONHECIDA POR DECISÃO JUDICIAL COM TRÂNSITO EM JULGADO. NATUREZA ALIMENTAR E A PERCEPÇÃO DE BOA-FÉ AFASTAM A RESTITUIÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS ATÉ A REVOGAÇÃO DA LIMINAR. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A jurisprudência desta Corte firmou entendimento no sentido do descabimento da restituição de valores percebidos indevidamente em circunstâncias, tais como a dos autos, em que o servidor público está de boa-fé. (Precedentes: MS 26.085, Rel. Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJe 13/6/2008; AI 490.551-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, DJe 3/9/2010) 2. A boa-fé na percepção de valores indevidos bem como a natureza alimentar dos mesmos afastam o dever de sua restituição. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(MS 25921 AgR, Relator(a): LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 01/12/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-060 DIVULG 01-04-2016 PUBLIC 04-04-2016)".
Em julgado posterior, igualmente, de forma colegiada, manteve-se o entendimento no sentido da desnecessidade de devolução dos valores recebidos de boa-fé:
"Direito Constitucional e Administrativo. Embargos de Declaração em Mandado de Segurança. Decisão do TCU que recusou registro ao ato concessivo de aposentadoria em razão de indevida incorporação aos proventos do percentual de 84,32%. Devolução de valores recebidos por ordem judicial revogada. 1. A jurisprudência do STF afirma a desnecessidade de restituição de parcelas recebidas por decisão judicial posteriormente revogada em razão de mudança da jurisprudência. A orientação ampara-se: (i) na confiança legítima que tinham os beneficiários de a pretensão ser acolhida; e (ii) no lapso temporal transcorrido entre o deferimento da liminar e a sua revogação. Precedentes. 2. No caso em análise, a liminar foi deferida em 09.07.2013, com fundamento em antiga jurisprudência que reconhecia a oponibilidade da coisa julgada ao TCU de decisão judicial que reconhecia o direito a incorporação de parcelas remuneratórias. A revogação da liminar ocorreu em 15.08.2017, em razão de mudança dessa jurisprudência desta Corte. Assim, os princípios da boa-fé e da segurança jurídica afastam o dever de restituição de parcelas recebidas por ordem liminar revogada. 3. Embargos de declaração providos para sanar omissão, sem efeitos modificativos.(MS 32185 ED, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 24/10/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-169 DIVULG 02-08-2019 PUBLIC 05-08-2019)".
Ademais, no caso concreto, a decisão que a revogou a tutela, assegurando a irrepetibilidade dos valores, foi proferida em 22/2/2018, antes da entrada em vigor da Lei 13.846/19, que, ao dar nova redação ao Art. 115, II, da Lei 8.213/91, passou a prever que pode ser descontado do benefício "pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial indevido, ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da sua importância, nos termos do regulamento", não havendo, até aquela ocasião, previsão legal no âmbito previdenciário que determinasse a restituição dos valores na hipótese de revogação da tutela judicial.
Outrossim, a controvérsia sobre se o entendimento adotado no Tema nº 692/STJ deveria ser reafirmado, alterado ou cancelado, diante da variedade de situações que ensejaram dúvidas sobre sua aplicação, somente foi dirimida no julgamento da questão de ordem na Pet nº 12.482/DF, ocorrido em 24/05/2022, quando foram definidos os contornos de incidência da tese firmada, com acréscimo redacional para ajuste à nova legislação de regência.
Por conseguinte, entendo que as situações jurídicas consolidadas anteriormente ao novo panorama legislativo e jurisprudencial devem ser preservadas, em homenagem à segurança jurídica e à confiança legítima que o cidadão deposita no Estado, notadamente quando se trata de prestação de natureza alimentar, recebida de boa-fé, por força de decisão judicial.
Acerca do tema, discorre Victor Souza, em sua obra "Proteção e Promoção da Confiança no Direito Previdenciário", que:
"O Poder Judiciário, representado por suas cortes superiores, não pode se afastar da confiança depositada pelos jurisdicionados. A jurisprudência de um tribunal gravita em torno de permanências e evoluções, mas não se pode aceitar que mutações jurisprudenciais possam ter eficácia retrospectiva, sem qualquer proteção dos jurisdicionados que legitimamente se viam protegidos e vêm a perder o direito a uma tutela judicial, e ainda serão cobrados a devolver valores que legitimamente estavam recebendo.
A própria tese da repetibilidade dos valores correspondentes aos benefícios previdenciários recebidos em virtude de decisão que antecipa os efeitos da tutela posteriormente revogada, hoje em tramitação na primeira seção do STJ, é importante exemplo do overruling, pois já foi alterada em mais de uma ocasião.
Destarte, com base no princípio da proteção da confiança, havendo algum risco de prejuízo com a nova decisão que alterou a jurisprudência ou a decisão administrativa, agravando-a, caso a anulação da base da confiança seja inafastável, a nova decisão deve avaliar a possibilidade de modulações de seus efeitos, caso haja confiança legítima a ser protegida, manifestando-se específica e fundamentadamente sobre segurança e confiança legítima na decisão alteradora, judicial ou administrativa, tendo em vista o dever constitucional e legal de fundamentação dos atos estatais. Sendo impossível a modulação, mas sendo a confiança passível de proteção estatal, é recomendável avaliar a possibilidade de regras de transição ou medidas compensatórias".
(SOUZA, Victor; "Proteção e Promoção da Confiança no Direito Previdenciário". Curitiba: Alteridade, 2018, pp. 278-279).
Na mesma linha de entendimento:
"PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. DEVOLUÇÃO DE VALORES AO ERÁRIO. PAGAMENTO INDEVIDO. TUTELA ANTECIPADA REVOGADA. APLICAÇÃO DO ENTENDIMENTO EXARADO PELO STJ NO JULGAMENTO DO RESP 1.401.560/MT. PRECEDENTES DO EXCELSO PRETÓRIO EM CASOS ASSEMELHADOS. JUÍZO DE RETRATAÇÃO NEGATIVO.
- Retratação prevista no artigo 543-C, § 7º, II, do CPC/1973. Julgamento final do REsp 1.401.560/MT.
- No que pertine à redução da renda mensal do benefício, o decisório atacado, ao ditar a manutenção da sentença, resvalou em exegese distinta à veiculada na deliberação repetitiva focalizada, pontuando que, antes de principiar os descontos problematizados, incumbia à Administração Previdenciária, quando menos, oportunizar ao segurado os predicados da ampla defesa e do contraditório.
- Quanto ao mais, o Excelso Pretório vem outorgando diferentes contornos à discussão posta, fincando a irrepetibilidade de importâncias, desde que evidenciada a boa-fé do segurado, redundando no reestudo da matéria no âmbito do próprio STJ.
- Juízo de retratação negativo.
Monica Bonavina
Juíza Federal Convocada
(TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 0006696-22.2012.4.03.6108, Rel. Desembargador Federal MONICA APARECIDA BONAVINA CAMARGO, julgado em 04/05/2022, DJEN DATA: 11/05/2022);
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. TUTELA ESPECÍFICA CONCEDIDA NA SENTENÇA. POSTERIORMENTE REVOGADA. DEVOLUÇÃO. TEMA 692 STJ. INAPLICABILIDADE NO CASO. TEMPUS REGIT ACTUM. SEGURANÇA JURÍDICA. CARÁTER ALIMENTAR. BOA-FÉ. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. AGRAVO DE INSTRUMENTO IMPROVIDO.
1. Recurso conhecido, nos termos do parágrafo único, do artigo 1.015, do CPC.
2. O E. STJ concluiu a revisão do tema 692, dos recursos especiais repetitivos, reafirmando a tese sobre a devolução de valores correspondentes a benefícios previdenciários concedidos em tutela antecipada cassada por decisão judicial posterior.
3. No caso dos autos, o benefício concedido ao autor, em sentença, foi posteriormente revogado por esta E. Corte, ao dar parcial provimento ao recurso de apelação da Autarquia, com a expressa revogação da tutela concedida, em 11/12/2015, conforme certidão (ID 4084641 - Pág. 11), ou seja, anteriormente à alteração legislativa do artigo 115, II, da Lei 8.213/91.
4. As relações previdenciárias são pautadas pela observância ao princípio do tempus regit actum, segundo o qual se aplica a lei vigente à época dos fatos, de forma que, é inaplicável a legislação superveniente aos fatos ocorridos antes de sua vigência (18/06/2019), sob pena de ofensa a garantia de irretroatividade da lei, prevista no artigo 5º., inciso XXXVI, da CF.
5. Considerando que à época dos fatos, vigorava o entendimento consolidado pelo C. STF, no sentido de ser desnecessária a restituição dos valores recebidos de boa-fé, mediante decisão judicial, devido ao seu caráter alimentar, em razão do princípio da irrepetibilidade dos alimentos, é defeso a Autarquia exigir a devolução de valores já pagos.
6. Agravo de instrumento improvido.
(TRF 3ª Região, 9ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5000847-28.2019.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal NILSON MARTINS LOPES JUNIOR, julgado em 20/10/2022, DJEN DATA: 28/10/2022);
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. REVOGAÇÃO DE TUTELA ANTECIPADA. DEVOLUÇÃO DE VALORES INDEVIDA. ENTENDIMENTO DO C. STF.
I - A restituição pretendida pelo INSS é indevida, porquanto as quantias auferidas tiveram como suporte decisão judicial que se presume válida e com aptidão para concretizar os comandos nelas insertos, não restando caracterizada, assim, a má-fé da demandante.
II - Tal entendimento não se descura do princípio da vedação do enriquecimento sem causa, porquanto, ante o conflito de princípios concernente às prestações futuras (vedação do enriquecimento sem causa X irrepetibilidade dos alimentos), há que se dar prevalência à natureza alimentar das prestações, em consonância com um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito: a dignidade da pessoa humana.
III - Não se desconhece a tese firmada recentemente pelo C. STJ, no julgamento do Tema 692, na qual definiu-se que “a reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago”.
IV - Entretanto, esta Turma Julgadora, a despeito da referida decisão, entende que deve prevalecer o entendimento firmado pelo E. Supremo Tribunal Federal que apontam pela desnecessidade de devolução de valores.
V - As parcelas em atraso serão resolvidas em liquidação de sentença, compensando-se os valores recebidos pelo autor a título de antecipação de tutela.
VI – Agravo interno (art. 1.021, CPC) interposto pelo INSS improvido. Embargos de declaração opostos pelo autor parcialmente acolhidos, sem efeitos infringentes.
(TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5328185-40.2020.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal SYLVIA MARLENE DE CASTRO FIGUEIREDO, julgado em 14/07/2022, Intimação via sistema DATA: 18/07/2022);
PREVIDENCIÁRIO. JUÍZO DE RETRATAÇÃO NEGATIVO. TEMA 692/STJ. PARCELAS DE BENEFÍCIO PAGAS POR FORÇA DE DECISÃO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA POSTERIORMENTE REVOGADA. APLICAÇÃO DA TÉCNICA DA DISTINÇÃO.
- Trata-se de reexame com fulcro no artigo 1.040, inciso II, do Código de Processo Civil (CPC), para eventual juízo positivo de retratação de v. acórdão proferido por esta E. Décima Turma, conforme determinada pela E. Vice-Presidência desta C. Corte.
- A Primeira Seção do E. Superior Tribunal de Justiça firmou o Tema 692 no julgamento do REsp 1.401.560/MT, cujo v. acórdão foi publicado no DJe de 13/10/2015, com a seguinte tese: “A reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos”.
- Na mesma ocasião, o C. Supremo Tribunal Federal proferiu compreensão a respeito do assunto, manifestando-se pela desnecessidade de devolução de valores de benefício previdenciário recebidos de boa-fé pelo segurado, quando decorrentes de decisão judicial. Precedentes.
- Registre-se, noutro giro, que o E. Plenário do C. STF, ao deliberar sobre o Tema 799/STF, se pronunciou pela natureza infraconstitucional da controvérsia jurídica acerca da “possibilidade da devolução de valores recebidos em virtude de tutela antecipada posteriormente revogada”, no julgamento do ARE 722.421/MG, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, rejeitando a repercussão geral, (Tribunal Pleno, j. 19/03/2015, publ. 30/03/2015).
- Por essas razões, dada à proximidade dos julgamentos das Colendas Cortes Superiores, e com o intuito de espancar dissonâncias, o C. STJ selecionou a Pet 12.482/DF para novo exame do Tema 692/STJ, conforme o julgamento de Questão de Ordem nos Recursos Especiais ns. 1.734.627/SP, 1.734.641/SP, 1.734.647/SP, 1.734.656/SP, 1.734.685/SP e 1.734.698/SP, com acórdão publicado em 03/12/2018.
- A Primeira Seção do E. Superior Tribunal de Justiça, em 11/05/2022, procedeu ao julgamento da Questão de Ordem para reafirmar a tese jurídica contida no Tema Repetitivo 692/STJ, apenas com acréscimo redacional para ajuste à nova legislação de regência, fixando-a nos seguintes termos: "A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago".
- No caso vertente, a prolação da decisão que revogou a tutela antecipada se deu à época em que ainda não havia sido julgado o Tema 692/STJ, por ocasião de sucessivos pronunciamentos pelo C. Supremo Tribunal Federal no sentido da não devolução dos valores dos benefícios.
- Afigura-se pertinente a aplicação da técnica da distinção com o fito de preservar o entendimento consentâneo ao momento jurisprudencial no qual foi prolatada a decisão, em homenagem à certeza do direito. Trata-se de medida extravagante, como sói ocorrer nas hipóteses em que calha excepcionar precedente obrigatório, e, além disso, a providência vai ao encontro da máxima cristalizada na Súmula 343 da C. Corte Suprema, cujo verbete, embora aplicável à desconstituição da coisa julgada, cai como luva à hipótese dos autos, na medida em que o valor segurança jurídica, contido no pretérito pronunciamento judicial que antecipou os efeitos da tutela, havia oferecido a firme confiança, especialmente àqueles que de boa-fé bateram às portas do Poder Judiciário para garantir a própria sobrevivência, de que o plexo de direitos que defendiam fora reconhecido, ainda que por decisão provisória, antes da sedimentação da jurisprudência.
- Insista-se que não se está aqui a proclamar decisão contrária ao Tema 692/STJ, cujo caráter vinculante para as instâncias ordinárias é indiscutível, mas, isto sim, a preservar o direito da parte autora, cuja pretensão deduzida nos autos foi decidida segundo a diretriz jurisprudencial do C. STF, que se apresentava até então como pacificada.
- O assunto é deveras complexo, evidentemente, em decorrência dos aspectos econômico, financeiro e orçamentário inerentes ao cômputo das despesas da Autarquia Previdenciária com a devolução. Não obstante, após a pacificação pelo C. Tribunal da Cidadania, as partes autoras têm a possibilidade de dimensionar os seus pleitos segundo a certeza do direito assentada na diretriz jurisprudencial, que antes não existia.
- Juízo de retratação negativo.
(TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 0001636-11.2012.4.03.6127, Rel. Desembargador Federal LEILA PAIVA MORRISON, julgado em 12/06/2024, Intimação via sistema DATA: 18/06/2024);
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. IMPOSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO. TEMA STJ N. 692 AFASTADO. APARENTE CONFLITO DE NORMAS. SUBSISTÊNCIA DO INDIVÍDUO PREVISTA NO PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS. NORMA SUPRALEGAL.
1. Os Estados devem garantir meios de subsistência ao indivíduo, em consonância com o princípio da dignidade da pessoa humana, nos termos dos artigos 7º, 9º e 11 do “Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais", do qual o Brasil é signatário, promulgado por meio do Decreto n. 591, de 6 de julho de 1992. Conforme entendimento fixado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 95.967 e RE 466.343, trata-se de norma supralegal.
2. No caso, a não aplicação do Tema 692 do STJ não configura desrespeito ao artigo 927, inciso III, do CPC, e nem desrespeito ao Tema 799 do STF, uma vez que em nenhum dos casos houve a análise pelo prisma da hierarquia da norma supralegal sobre a norma ordinária.
3. Aparente conflito de normas, que pode ser resolvido por meio de controle de convencionalidade, pelo excelso Supremo Tribunal Federal.
4. Juízo de retratação negativo, com acréscimo de fundamentação.
(TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5001377-37.2021.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal JOAO EDUARDO CONSOLIM, julgado em 25/09/2024, DJEN DATA: 27/09/2024);
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PARCELAS PAGAS. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA REVOGADA. TEMA 692/STJ. APLICAÇÃO. TÉCNICA DA DISTINÇÃO. ACÓRDÃO MANTIDO. RETRATAÇÃO NEGATIVA.
1. O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.401.560/MT (Tema 692), pela sistemática dos recursos repetitivos, cujo v. acórdão foi publicado no DJe de 13/10/2015, firmou a seguinte tese jurídica: “A reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos”, a reafirmando, com acréscimo de fundamentação, em 11/05/2022, por decisão ainda não transitada em julgado.
2. O Supremo Tribunal Federal, ao debruçar-se sobre o tema em oportunidades posteriores ao não reconhecimento da repercussão geral do tema 799 e também da reafirmação da tese do tema 692 do STJ, manifesta o caráter alimentar das verbas previdenciárias recebidas a título precário, concluindo pela sua irrepetibilidade, observada a boa-fé do segurado. Precedentes.
3. Pela análise cronológica, a decisão que revogou a liminar foi proferida à época em que ainda não havia sido julgada/reafirmada a tese do Tema 692/STJ, estando embasada em precedentes da Corte Superior e deste Tribunal Regional Federal, além de influenciada por sucessivos pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal no sentido da não devolução dos valores recebidos.
4. Torna-se pertinente, neste caso, a aplicação da técnica da distinção (distinguishing) com o objetivo de preservar o entendimento consentâneo ao momento jurisprudencial no qual foi prolatada a decisão, em homenagem à certeza do direito.
5. Juízo de retratação negativo.
(TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5067340-94.2018.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal MARCOS MOREIRA DE CARVALHO, julgado em 25/09/2024, DJEN DATA: 01/10/2024)".
Destarte, é de se concluir que os fundamentos do acórdão recorrido não se enquadram nos estritos parâmetros de incidência do precedente firmado sob o rito dos recursos repetitivos, estando erigido em preceitos constitucionais e na orientação jurisprudencial dada pela Suprema Corte à matéria.
Ante o exposto, mantenho o acórdão impugnado e determino o retorno dos autos à Vice-Presidência.
É o voto.
E M E N T A
AÇÃO RESCISÓRIA. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. TEMA N.º 692/STJ. CPC, ART. 1.040, INCISO II. JUÍZO DE RETRATAÇÃO POSITIVO.
- Reanálise nos moldes do art. 1.040, inciso II, do CPC, quanto à temática abarcada na apreciação do Tema n.º 692, em que estabelecida, definitivamente, a tese jurídica de que “a reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago”.
- Decreto colegiado que está em desacordo com a orientação assentada pelo Superior Tribunal de Justiça, de obrigatória observância. Precedentes.
- Juízo de retratação positivo: viabilidade de o INSS cobrar da segurada, parte autora na ação rescisória, a restituição dos valores pagos em razão de antecipação, nos respectivos autos, dos efeitos da tutela posteriormente revogada, nos termos da fundamentação constante do voto.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADORA FEDERAL
