Processo
AR - AÇÃO RESCISÓRIA / SP
5020227-71.2018.4.03.0000
Relator(a)
Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN
Órgão Julgador
3ª Seção
Data do Julgamento
16/08/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 19/08/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA PROPOSTA COM FUNDAMENTO NO INCISO V, DO
ART. 966, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. MANIFESTA VIOLAÇÃO À NORMA JURÍDICA.
RESCISÃO. NOVO JULGAMENTO. MENOR SOB GUARDA DO AVÔ. TEMA 732, STJ. PENSÃO
POR MORTE. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO DA AÇÃO SUBJACENTE. CONSECTÁRIOS
LEGAIS.
- Contrariamente ao entendimento estampado na decisão monocrática objeto de rescisão, a
condição de dependente do menor sob guarda após a alteração introduzida no §2º do art. 16 da
Lei n.º 8.213/91 pela Lei 9.528/97, mostrava-se controvertida, com vários julgados do C. Superior
Tribunal de Justiça favoráveis à tese do autor. Ademais, a decisão rescindenda foi proferida após
determinação de suspensão dos recursos sobre a matéria no Resp 141125/RS (Tema 732).
- A divergência na interpretação do Direito entre tribunais, sem que existisse, ao tempo da
prolação da decisão rescindenda, precedente vinculante do STF ou STJ não importa obstáculo ao
ajuizamento da rescisória com esteio na Súmula 343, do STF, quando, após o trânsito em
julgado, sobrevém precedente obrigatório de tribunal superior. Assim, se no prazo a rescisória, há
direto à rescisão, com base no novo precedente, o que se pode depreender inclusive do §15 do
art. 525, do CPC, que prevê ação rescisória para fazer prevalecer posicionamento de tribunal
superior formado após a coisa julgada.
- O julgado rescindendo ao entender que o menor sob guarda judicial deixara de ter condição de
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
dependente em razão da alteração da redação original trazida pela Lei nº 9.528/97 ao disposto no
artigo 16, §2º da Lei nº 8.2013/91 e afastou o artigo 33 do ECA operou manifesta violação à
norma jurídica e, em juízo rescindendo, desconstitui-se o julgado com esteio no inciso V, do art.
966, do CPC.
- Em julgamento de 11/10/2017, publicado em 21/02/2018, o C. STJ, no REsp 1411258/RS, de
relatoria do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, fixou a seguinte tese: “O menor
sob guarda tem direito à concessão do benefício de pensão por morte do seu mantenedor,
comprovada sua dependência econômica, nos termos do art. 33, § 3º do Estatuto da Criança e do
Adolescente, ainda que o óbito do instituidor da pensão seja posterior à vigência da Medida
Provisória 1.523/96, reeditada e convertida na Lei 9.528/97. Funda-se essa conclusão na
qualidade de lei especial do Estatuto da Criança e do Adolescente (8.069/90), frente à legislação
previdenciária.”
- Os direitos fundamentais da criança e do adolescente têm seu campo de incidência amparado
pelo status de prioridade absoluta, requerendo, assim, uma hermenêutica própria comprometida
com as regras protetivas estabelecidas na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do
Adolescente.
- Conforme disposição inserta no art. 219 do Código de Processo Civil 1973 (atual art. 240 Código
de Processo Civil - Lei nº 13.105/2015), os juros de mora são devidos a partir da citação na
ordem de 6% (seis por cento) ao ano, até a entrada em vigor da Lei nº 10.406/02, após, à razão
de 1% ao mês, consonante com o art. 406 do Código Civil e, a partir da vigência da Lei nº
11.960/2009 (art. 1º-F da Lei 9.494/1997), calculados nos termos deste diploma legal.
- Condenados os réus ao pagamento de honorários advocatícios no valor de R$ 1.000,00, pro
rata, a teor do disposto no art. 85, §8º, do CPC/2015 e do entendimento firmado pela Eg. Terceira
Seção desta Corte.
- Em juízo rescindente, julgado procedente o pedido para desconstituir o v. acórdão proferido nos
autos da ação de nº nº 0000982- 69.2013.403.6133, que tramitou perante a 1ª Vara Federal da
Subseção Judiciária de Mogi das Cruzes, com fundamento no inciso V, do artigo 966, do CPC e,
em juízo rescisório, julgado procedente o pedido formulado na ação subjacente para condenar o
INSS a conceder o benefício de pensão por morte ao autor desde o óbito do guardião, com os
consectários legais indicados.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Seção
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº5020227-71.2018.4.03.0000
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
AUTOR: JOAO VITOR DE FARIA
Advogado do(a) AUTOR: MARIA FERNANDA DA SILVA CARDOSO - SP165524-N
REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, DAIANE APARECIDA FLORINDO
Advogado do(a) REU: ORESTES NICOLINI NETTO - SP314688-N
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região3ª Seção
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº5020227-71.2018.4.03.0000
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
AUTOR: JOAO VITOR DE FARIA
Advogado do(a) AUTOR: MARIA FERNANDA DA SILVA CARDOSO - SP165524-N
REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, DAIANE APARECIDA FLORINDO
Advogado do(a) REU: ORESTES NICOLINI NETTO - SP314688-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL GILBERTO JORDAN (Relator).
Trata-se de ação rescisória ajuizada por João Vitor de Faria em face do Instituto Nacional do
Seguro Social – INSS e Daiane Aparecida Florindo, com fulcro no inciso V, do art. 966, do
Código de Processo Civil, objetivando a desconstituição de decisão monocrática desta Eg.
Corte que deu provimento à remessa oficial e à apelação do INSS para reformar a sentença de
primeiro grau prolatada no feito de nº 0000982- 69.2013.403.6133, que tramitou perante a 1ª
Vara Federal da Subseção Judiciária de Mogi das Cruzes, e julgar improcedente o pedido de
concessão de benefício de pensão por morte. O feito subjacente transitou em julgado em
25.08.16. Valorada a causa em R$ 50.400,00.
Alega o autor que a decisão rescindenda violou normas jurídicas insculpidas nos artigos 557,
§1º-A, do CPC/73 e 33 da Lei 8.069/90, ao argumento de que a matéria envolvendo a
possibilidade de o menor sob guarda ser dependente para fins de concessão de pensão por
morte não era pacífica no Superior Tribunal de Justiça, o que inviabilizava o julgamento
monocrático dos recursos e aquele Tribunal pacificou a questão no tema 732 de forma favorável
à sua tese.
Pede a rescisão do comando judicial indicado, com novo julgamento e procedência do pedido
de concessão do benefício de pensão por morte.
Concedida a gratuidade da justiça.
Em sua contestação, o INSS alega, preliminarmente: a) o decurso do prazo decadencial, ao
argumento de que o autor interpôs recurso inadequado contra a decisão monocrática do relator,
donde o trânsito em julgado deveria ser fixado em 02.03.16; b) inadequação da via eleita, por
não se prestar a rescisória ao reexame do julgado e a desconstituição de julgado baseado em
texto legal de interpretação controvertida (Súmula 343, do STF).
No mérito o INSS requer a improcedência dos pedidos, por ausência de violação de norma
jurídica, pois o julgado rescindendo observou o entendimento predominante à época, ausência
da condição de dependente do autor em relação ao seu avô aposentado, não lhe sendo
aplicável a tese fixada no tema 732, pois ainda não transitou em julgado o Resp 1.411.258/RS.
Subsidiariamente, alega a necessidade de compensação dos valores pagos a título de tutela
provisória na ação subjacente (fl. 359, id 26335266), a fixação do termo inicial do benefício em
12.02.11, em que houve a cessação do benefício à sua avó ou, ainda, na data do requerimento
administrativo. Pede a fixação do termo final do benefício em 18.02.18, e do valor do benefício
em 1/3 da aposentadoria até 11.02.11 e 1/2 de 12.02.11 a 18.02.18, caso em que tais valores
devem ser suportados pela corré Daiane Aparecida Florindo desde 29.11.09. Por fim, requer a
aplicação da Lei 11960/09 a título de juros de mora e verba honorária máxima de R$ 1000,00.
Em contestação Daiane Aparecida Florindo alega, em suma, ausência de condição de
dependente do autor em relação ao avô falecido.
Em réplica e alegações finais, o autor reitera o alegado na inicial.
Em alegações finais, o INSS afirma que, conforme enunciado da súmula nº 340/STJ, deve ser
aplicada a lei vigente à data do óbito, a saber, Lei 9528/97, que não previa a condição de
dependente do menor sob guarda.
A corré, Daiane Aparecida Florindo, em alegações finais, aduz que não há direito adquirido do
menor à percepção da pensão por morte do avô, pois se aplica a lei vigente à data do óbito.
Concedida a gratuidade da justiça à corré Daiane Aparecida Florindo (129780702).
O MPF opinou pela procedência dos pedidos da ação rescisória (id 141558387).
É o relatório.
Peço dia para julgamento.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região3ª Seção
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº5020227-71.2018.4.03.0000
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
AUTOR: JOAO VITOR DE FARIA
Advogado do(a) AUTOR: MARIA FERNANDA DA SILVA CARDOSO - SP165524-N
REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, DAIANE APARECIDA FLORINDO
Advogado do(a) REU: ORESTES NICOLINI NETTO - SP314688-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL GILBERTO JORDAN (Relator).
Trata-se de ação rescisória ajuizada por João Vitor de Faria em face do Instituto Nacional do
Seguro Social – INSS e Daiane Aparecida Florindo, com fulcro no inciso V, do art. 966, do
Código de Processo Civil, objetivando a desconstituição de decisão monocrática desta Eg.
Corte que deu provimento à remessa oficial e à apelação do INSS para reformar a sentença de
primeiro grau prolatada no feito de nº 0000982- 69.2013.403.6133, que tramitou perante a 1ª
Vara Federal da Subseção Judiciária de Mogi das Cruzes, e julgar improcedente o pedido de
concessão de benefício de pensão por morte.
ADMISSIBILIDADE
Competente esta Eg. Corte para o processamento e julgamento da ação, partes legítimas e
bem representadas, presentes os pressupostos processuais e inexigível o depósito previsto no
inciso II, do artigo 968, do Código de Processo Civil aos beneficiários da gratuidade da justiça, a
teor do §1º, do mesmo artigo e do entendimento pacificado nesta 3ª Seção, na AR
2001.03.000288149-SP, DJU 13/04/2007, Relatora Des. Fed. Therezinha Cazerta).
INÍCIO DO PRAZO PARA DECADÊNCIA
Contra a decisão rescindenda o autor interpôs recurso especial, não admitido pela Vice-
Presidência deste Eg. Corte, por não exaurida a via ordinária, uma vez que a insurgência
deveria ser veiculada por meio de agravo interno (fls. 514/536, ord. dec. id 26335278).
Opostos embargos declaratórios contra a inadmissão do recurso especial, ao argumento de que
em 2014 houve afetação do tema e determinação de suspensão dos feitos que versem sobre a
matéria discutida, em decisão de fls. 542/543, id 26341185, a Eg. Vice-Presidência rejeitou o
recurso, ao fundamento de que a circunstância de a matéria de fundo encontrar-se pendente de
apreciação em sede de recurso representativo de controvérsia não inviabilizava a análise dos
pressupostos objetivos de admissibilidade do recurso especial.
Sobre o prazo decadencial, releva salientar que, conforme atual entendimento do C. STJ,
sedimentado no enunciado da Súmula 401, o prazo decadencial de dois anos para o
ajuizamento da ação rescisória é contado do último pronunciamento judicial, ainda que este
reconheça a intempestividade do recurso interposto (EDcl no AgRg no REsp nº 1.311.177/PE,
Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, Segunda Turma, DJe 15/4/2013).
Com efeito, não há decadência a ser reconhecida, sendo tempestiva a presente ação, pois
ajuizada no prazo decadencial legal, uma vez que o trânsito em julgado da última decisão
proferida nos autos subjacentes ocorreu em 25.08.16 (certidão de fl. 271 e 545, ids 26353746 e
26341185) e a ação rescisória foi ajuizada em 21.08.18.
INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA
O INSS requereu a extinção do feito sem julgamento do mérito por inadequação da via eleita,
ao argumento de que a rescisória não se presta ao reexame do quadro fático-probatório
produzido na ação originária e à desconstituição de decisão baseada em texto legal de
interpretação controvertida.
Todavia, a questão confunde-se com o mérito e com ele será analisada.
Vencidas as preliminares, passa-se ao exame do mérito.
HIPÓTESES DE RESCISÃO
Atualmente, o artigo 966 do Código de Processo Civil de 2015 prevê, de modo taxativo, as
hipóteses de cabimento da ação rescisória, conforme abaixo transcrito, in verbis:
“Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:
I - se verificar que foi proferida por força de prevaricação, concussão ou corrupção do juiz;
II - for proferida por juiz impedido ou por juízo absolutamente incompetente;
III - resultar de dolo ou coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida ou, ainda,
de simulação ou colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei;
IV - ofender a coisa julgada;
V - violar manifestamente norma jurídica;
VI - for fundada em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou venha a
ser demonstrada na própria ação rescisória;
VII - obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava
ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável;
VIII - for fundada em erro de fato verificável do exame dos autos.
§ 1º Há erro de fato quando a decisão rescindenda admitir fato inexistente ou quando
considerar inexistente fato efetivamente ocorrido, sendo indispensável, em ambos os casos,
que o fato não represente ponto controvertido sobre o qual o juiz deveria ter se pronunciado.
§ 2º Nas hipóteses previstas nos incisos do caput , será rescindível a decisão transitada em
julgado que, embora não seja de mérito, impeça:
I - nova propositura da demanda; ou
II - admissibilidade do recurso correspondente.
§ 3º A ação rescisória pode ter por objeto apenas 1 (um) capítulo da decisão.
§ 4º Os atos de disposição de direitos, praticados pelas partes ou por outros participantes do
processo e homologados pelo juízo, bem como os atos homologatórios praticados no curso da
execução, estão sujeitos à anulação, nos termos da lei.
§ 5º Cabe ação rescisória, com fundamento no inciso V do caput deste artigo, contra decisão
baseada em enunciado de súmula ou acórdão proferido em julgamento de casos repetitivos que
não tenha considerado a existência de distinção entre a questão discutida no processo e o
padrão decisório que lhe deu fundamento. (Incluído pela Lei nº 13.256, de 2016) (Vigência)
§ 6º Quando a ação rescisória fundar-se na hipótese do § 5º deste artigo, caberá ao autor, sob
pena de inépcia, demonstrar, fundamentadamente, tratar-se de situação particularizada por
hipótese fática distinta ou de questão jurídica não examinada, a impor outra solução jurídica.”
As hipóteses acima listadas têm por escopo a correção de defeitos processuais e decisões
desarrazoadas.
De se ressaltar que cada fundamento previsto no art. 485 do CPC/73 e no art. 966 do CPC/15
corresponde a uma causa de pedir para o juízo rescindente, ao qual fica adstrito o Tribunal
(arts. 141 e 492, do CPC), sendo certo que para o juízo rescisório, a causa de pedir deverá ser
a mesma da ação originária.
JUÍZO RESCINDENTE E RESCISÓRIO
Para julgamento da ação rescisória, mister proceder o tribunal inicialmente ao juízo de
admissibilidade da ação.
Ao depois, compete à Corte o juízo de mérito quanto ao pedido de rescisão do julgado,
chamado de juízo rescindente ou iudicium rescindens.
Sendo o caso e havendo pedido de novo julgamento e desde que acolhido o pedido de rescisão
do julgado, o tribunal procederá ao rejulgamento do feito por meio do juízo rescisório ou
iudicium rescissorium.
Sobre o tema, confira-se o ensinamento de Fredie Didier Jr.:
"O exercício do juízo 'rescissorium', como se percebe, depende do prévio acolhimento do juízo
'rescindens'. O iudicium rescindens é preliminar ao iudicium rescissorium. Mas nem sempre há
juízo rescisório, conforme visto. Por isso, o art. 968, I, CPC, prescreve que o autor cumulará o
pedido de rejulgamento 'se for o caso'; Por isso, também, o art. 974 determina apenas se for o
caso o tribunal procederá a novo julgamento, caso rescinda a decisão.
(...)
Desconstituída a decisão, com o acolhimento do pedido de rescisão, passa, se for o caso, o
tribunal ao exame do juízo rescissorium, procedendo a um novo julgamento da causa, para
julgar procedente ou improcedente o pedido formulado na causa originária e renovado na
petição inicial da ação rescisória. "Percebe-se, então, que a vitória no juízo rescindente não é,
em regra, garantia de vitória no juízo rescisório - e é por isso que o primeiro é preliminar ao
segundo." (in: Curso de Direito Processual Civil, v.3, 13ª ed., 2016, p. 520).
VIOLAÇÃO LITERAL DE DISPOSIÇÃO DE LEI E MANIFESTA VIOLAÇÃO À NORMA
JURÍDICA
Para correção de error in procedendo ou in judicando ou decisão contra precedente obrigatório,
a ação rescisória proposta com fundamento em violação de norma jurídica deve indicar a norma
ou o precedente violado.
As decisões judiciais devem, por meio de interpretação teleológica, escorar-se no ordenamento
jurídico e atender aos fins sociais, exigindo-se a devida fundamentação e observação dos
precedentes jurisprudenciais sobre a matéria.
Conforme preleciona Fredie Didier "quando se diz que uma norma foi violada, o que se violou
foi a interpretação dada à fonte do direito utilizada no caso." (op. cit., p. 492).
A expressão norma jurídica refere-se a princípios, à lei, à Constituição, a normas infralegais, a
negócios jurídicos e precedentes judiciais.
O inciso V, do art. 966, do Código de Processo Civil prevê o cabimento de ação rescisória
quando houver violação evidente, ou seja, demonstrada com prova pré-constituída juntada pelo
autor, de norma jurídica geral, ou seja, lei em sentido amplo, processual ou material. A violação
a normas jurídicas individuais não admite a ação rescisória, cabendo, eventualmente e antes do
trânsito em julgado, reclamação.
Nesse sentido, é o comentário ao art. 485, do CPC/73 de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de
Andrade Nery citando Pontes de Miranda e Barbosa Moreira: "Lei aqui tem sentido amplo, seja
de caráter material ou processual, em qualquer nível (federal, estadual, municipal e distrital),
abrangendo a CF, MedProv., DLeg, etc". (Código de Processo Civil Comentado: legislação
Extravagante, 10ª ed., 2008).
Com efeito, a interpretação dada pelo pronunciamento rescindendo deve ser desarrazoado de
tal modo que viole a norma jurídica em sua literalidade. Contudo, se a decisão rescindenda
eleger uma dentre as interpretações cabíveis, ainda que não seja a melhor, não é caso de ação
rescisória, sob pena de desvirtuar sua natureza, dando-lhe contorno de recurso. Nesse sentido,
é a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça. (Theotonio Negrão, in Código de
Processo Civil e Legislação Processual em vigor, 41ª ed., nota 20 ao art. 485, V, CPC).
Ainda, quanto à rescisão do julgado com fundamento no inciso V, do art. 966, do CPC, ensina
Fredie Didier Jr:
"Se a alegação de violação puder ser comprovada pela prova juntada aos autos com a petição
inicial, cabe a ação rescisória com base no inciso V, do art. 966; se houver necessidade de
dilação probatória, então essa rescisória é inadmissível. A manifesta violação a qualquer norma
jurídica possibilita o ingresso da ação rescisória, com vistas a desconstituir a decisão transitada
em julgado. A norma manifestamente violada pode ser uma regra ou um princípio.
Se a decisão rescindenda tiver conferido uma interpretação sem qualquer razoabilidade ao
texto normativo, haverá manifesta violação à norma jurídica. Também há manifesta violação à
norma jurídica quando se conferir uma interpretação incoerente e sem integridade com o
ordenamento jurídico. Se a decisão tratou o caso de modo desigual a casos semelhantes, sem
haver ou ser demonstrada qualquer distinção, haverá manifesta violação à norma jurídica. É
preciso que a interpretação conferida pela decisão seja coerente. Já se viu que texto e norma
não se confundem, mas o texto ou enunciado normativo tem uma importante função de servir
de limite mínimo, a partir do qual se constrói a norma jurídica. Se a decisão atenta contra esse
limite mínimo, sendo proferida contra legem, desatendendo o próprio texto, sem qualquer
razoabilidade, haverá também 'manifesta violação' à norma jurídica." (g.n., op. cit., p. 495).
E ainda:
"Cabe ação rescisória, nos termos do inciso V do art. 966 do CPC, contra decisão baseada em
enunciado de súmula ou acórdão de julgamento de casos repetitivos, que não tenha
considerado a existência e distinção entre questão discutida no processo e o padrão decisório
que lhe deu fundamento (art. 966, §5º, CPC). A regra aplica-se, por extensão, à decisão
baseada em acórdão de assunção de competência, que também não tenha observado a
existência de distinção.
Nesse caso, cabe ao autor da ação rescisória demostrar, sob pena de inépcia e consequente
indeferimento da petição inicial, fundamentadamente, que se trata de situação particularizada
por hipótese fática distinta ou questão jurídica não examinada, a exigir a adoção de outra
solução jurídica (art. 966, §6º, CPC)."
SÚMULA N. 343, DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
O enunciado da Súmula em epígrafe encontra-se vazado nos seguintes termos: "não cabe ação
rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado
em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais".
Sobre a incidência da Súmula, ensina Fredie Didier Jr. que "Enquanto se mantém a divergência
sem que haja a definição da questão de direito pelo tribunal superior, ainda é aplicável o
enunciado 343 do STF". (op. cit., p. 496).
Frise-se que não incide o enunciado da Súmula nº 343 do C. STF, quando a matéria objeto de
rescisão tenha sido controvertida nos tribunais, todavia, quando da prolação da decisão
rescindenda, já havia decisão sedimentada pelos tribunais superiores.
De outra parte, se a matéria ventilada em ação rescisória é circunspecta à ordem constitucional,
não se aplica a orientação prescrita na Súmula 343, adstrita às ações rescisórias cujo objeto
seja de natureza infraconstitucional ou infralegal.
Confira-se:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO RESCISÓRIA. MATÉRIA
CONSTITUCIONAL. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 343.
2. Inaplicabilidade da Súmula 343 em matéria constitucional, sob pena de infringência à força
normativa da Constituição e ao princípio da máxima efetividade da norma constitucional.
Precedente do Plenário. Agravo regimental a que se nega provimento (AI-AgR nº555806; 2ª
Turma do STF; por unanimidade; Relator Ministro EROS GRAU; 01/04/2008)
PEDIDO. JUÍZO RESCINDENTE. JUÍZO RESCISÓRIO.
O autor desta rescisória, nascido em 18.02.1997, ajuizou ação em 01.04.2013, objetivando a
concessão do benefício de pensão por morte, em razão do óbito de seu avô materno, Élio de
Faria, o qual já era aposentado, ocorrido em 29.11.2009 (processo nº 0000982-
69.2013.4.03.6133, que teve curso pela 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Mogi das
Cruzes).
Alega que desde seu nascimento, conforme termo de guarda nos autos do processo 207/97,
que tramitou pela Vara Distrital de Guararema/SP, esteve sob a guarda de seu avô paterno, Élio
de Faria.
Com a separação dos avós em 2007, sua guarda foi transferida à sua avó materna, Donina
Gonçalves, embora mantido pelo avô, inclusive em razão de decisão proferida em ação de
alimentos.
Com o óbito do avô, ocorrido em 29.11.09, o INSS deferiu benefício de pensão por morte a ex-
esposa (avó e guardiã do autor) e esposa, Daiane Aparecida Florindo.
Em 29.07.2010, requereu a concessão do benefício de pensão por morte, porém, o ente público
negou a pretensão sob a premissa de que ausente a qualidade de dependente.
Ainda, narra o autor que, em 11.02.2011, sua avó materna e guardiã, Donina Gonçalves,
faleceu, cessando o pagamento do benefício de pensão por morte (NB 21/152.372.785-0), com
a reversão de sua cota parte à esposa do falecido e corré nesta ação.
A sentença de piso julgou procedente o pedido, reconheceu sua condição de dependente e
concedeu o benefício de pensão por morte a partir do óbito.
Em segundo grau de jurisdição, proveu-se o apelo do INSS e a remessa oficial para julgar
improcedente o pedido, com fundamento no art. 557, §1º- A, do CPC/1973.
Afirma o autor que, diferentemente do entendimento esposado na decisão rescindenda, o tema
envolvendo a possibilidade de o menor sob guarda ser dependente para fins previdenciários
não era pacífico, ao revés, era controverso no âmbito dos Tribunais Superiores, havendo
Recurso Representativo de Controvérsia (RESP nº 1.411.258), com decisão publicada em
28/02/2014, determinando a suspensão dos recursos nos Tribunais de segunda instância até a
solução da controvérsia.
Confira-se o teor da decisão objeto de rescisão, da lavra da eminente Des. Fed. relatora Marisa
Santos (fls. 267/269, ord. dec., id 26353745):
“DECISÃO
JOÃO VITOR DE FARIA ajuizou ação contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS,
objetivando a concessão de pensão por morte de ELIO DE FARIA, falecido em 29.11.2009.
Narra a inicial que o autor é neto do falecido, sendo seu dependente. Noticia que vivia sob
guarda da avó e do avô materno. Pede a procedência do pedido.
Foi deferida a tutela antecipada e determinada a inclusão da esposa do falecido, DAIANE
APARECIDA FLORINDO, no pólo passivo da ação.
O INSS interpôs agravo de instrumento que foi convertido em retido.
O juízo de 1º grau julgou procedente o pedido e concedeu a pensão por morte a partir do óbito.
Prestações em atraso desde o ajuizamento da ação, corrigidas monetariamente e acrescidas de
juros moratórios nos termos do Provimento COGE 64/2005. Custas na forma da lei. Honorários
advocatícios fixados em 10% das parcelas vencidas até a sentença.
Sentença proferida em 11.09.2014, submetida ao reexame necessário.
Os embargos de declaração do autor requerendo que correção monetária incida a partir da data
do óbito, foram acolhidos pelo Juízo de 1º grau.
O INSS apela, alegando que o menor sob guarda não é dependente perante a legislação
previdenciária. Pugna pela reforma da sentença.
Com contrarrazões, subiram os autos.
Nesta Corte, o Ministério Público Federal opinou pelo prosseguimento do recurso.
É o relatório.
Passo ao julgamento da causa aplicando o disposto no art. 557 do CPC, por se tratar de
matéria pacificada na jurisprudência do STJ e dos demais Tribunais.
Em razão da ausência de reiteração, não conheço do agravo retido, nos termos do art. 523, §
1º, do CPC.
Em matéria de pensão por morte, o princípio segundo o qual tempus regit actum impõe a
aplicação da legislação vigente na data do óbito do segurado.
O evento morte está comprovado com a certidão de óbito, juntada às fls. 57.
Considerando que o falecimento ocorreu em 2009, aplica-se a Lei 8.213/91.
A qualidade de segurado do falecido está demonstrada, tendo em vista que foi concedida
administrativamente a pensão por morte à esposa (NB 150.215.436-3) e à ex-mulher (NB
152.372.785-0).
Cabe apurar, então, se a parte autora era dependente do falecido na data do óbito.
Foi juntado o Termo de Guarda, com data de 11.03.1998, onde consta que o falecido assumiu a
guarda definitiva do autor (fl. 38).
Na redação original, o §2º do art. 16 da Lei 8.213/91 equiparava a filho o menor sob guarda por
determinação judicial.
O § 2º foi alterado pela MP 1.536/96, convertida na Lei 9.528/97, e o menor sob guarda judicial
deixou de ter a condição de dependente.
Surgiu, então, a questão: os menores que estavam sob a guarda judicial do segurado antes da
modificação legislativa, tendo este falecido depois, teriam direito adquirido à condição de
dependente?
O direito adquirido, nessa hipótese, não está configurado porque a relação jurídica entre
dependente e previdência só se forma quando o segurado morre ou é recolhido à prisão.
Ademais, já se disse, o princípio tempus regit actum impõe seja aplicada a legislação vigente na
data do óbito do segurado.
No caso, o óbito do segurado ocorreu em 29.11.2009, após, portanto, a modificação do § 2º do
art. 16 pela Lei 9.528/97, razão pela qual não haveria direito adquirido a invocar.
Entretanto, em razão de decisões proferidas em Ações Civis Públicas ajuizadas pelo Ministério
Público Federal, o INSS editou a IN INSS/D nº 106, de 14.04.2004, que estabeleceu que os
menores sob guarda judicial continuavam mantendo a condição de dependente mesmo após a
publicação da Lei 9.528/97, nos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Sergipe e Tocantins.
Ocorre, contudo, que o STJ cassou a liminar concedida nos autos da Ação Civil Pública
97.0057902-6, que tramitou na 7ª Vara Federal Previdenciária de São Paulo - SP.
O acórdão proferido no REsp 773.944 - SP, Proc. 2005/0135286-6 (5ª Turma), de relatoria do
Min. Arnaldo Esteves Lima, publicado no DJE de 18/05/2009, foi lavrado nos seguintes termos:
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. PENSÃO POR MORTE. MENOR DESIGNADO.
LEI 8.069/90 (ECA). NÃO-APLICAÇÃO. ENTENDIMENTO DA TERCEIRA SEÇÃO. LEI
9.528/97. INCIDÊNCIA. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM. RESSALVA
PESSOAL DO RELATOR. RECURSO PROVIDO.
1. A Terceira Seção deste Tribunal pacificou o entendimento no sentido de que, em se tratando
de menor sob guarda designado como dependente de segurado abrangido pelo Regime Geral
da Previdência Social, a ele não se aplicam as disposições previdenciárias do Estatuto da
Criança e do Adolescente. Ressalva de ponto de vista pessoal do relator.
2. Recurso especial provido.
Tendo o STJ pacificado entendimento no sentido de que as disposições previdenciárias do ECA
não se aplicam ao menor sob guarda, não há como acolher a pretensão do autor.
Por outro lado, o art. 3º da Instrução Normativa INSS/DC Nº 106 - de 14/04/2004, publicada no
DOU de 15/04/2004, estabeleceu expressamente que "os efeitos deste Ato são restritos aos
Estados de Minas Gerais, São Paulo, Sergipe e Tocantins, onde ficam suspensas, enquanto
vigorarem as respectivas decisões judiciais, a aplicação dos artigos 15, 233, 271 e 290 da
Instrução Normativa nº 95 INSS/DC, de 7 de outubro de 2003, e os seus procedimentos devem
ser aplicados em todos os processos de benefícios pendentes de decisão final, quer em
primeira instância administrativa, quer em instância recursal, bem como para os pedidos de
revisão de benefícios" (grifei).
Portanto, tendo o STJ cassado a liminar concedida nos autos da Ação Civil Pública nº
97.0057902-6, que tramitou na 7ª Vara Federal Previdenciária de São Paulo - SP, não
prevalece a tese sustentada na inicial, razão pela qual deve ser julgado improcedente o pedido
inicial.
NÃO CONHEÇO do agravo retido e DOU PROVIMENTO à apelação e ao reexame necessário
para julgar improcedente o pedido, cassando a tutela concedida. Sem condenação em
honorários advocatícios e custas processuais, por ser o(a) autor(a) beneficiário(a) da justiça
gratuita, conforme entendimento do STF.
Oficie-se ao INSS para o imediato cumprimento desta decisão.
Int.
São Paulo, 15 de janeiro de 2016.”
A eminente relatora à época entendeu que em razão da alteração da redação original trazida
pela Lei nº 9.528/97 ao disposto no artigo 16, §2º da Lei nº 8.2013/91, o menor sob guarda
judicial deixara de ter condição de dependente, e o que o C. STJ teria pacificado a prevalência
das mudanças da Lei nº 8.528/97 sobre o disposto no art. 33, § 3º, do ECA.
Em 15 de janeiro de 2016, data em que prolatada a decisão acima transcrita, vigia o Código de
Processo Civil de 1973, cujo §1º, do art. 557 assim estabelecia:
“Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente,
prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo
tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.
§ 1º-A. Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com
jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator
poderá dar provimento ao recurso.”
Em julgamento de 11/10/2017, publicado em 21/02/2018, o C. STJ, no REsp 1411258/RS, de
relatoria do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, fixou a seguinte tese:
“O menor sob guarda tem direito à concessão do benefício de pensão por morte do seu
mantenedor, comprovada sua dependência econômica, nos termos do art. 33, § 3º do Estatuto
da Criança e do Adolescente, ainda que o óbito do instituidor da pensão seja posterior à
vigência da Medida Provisória 1.523/96, reeditada e convertida na Lei 9.528/97. Funda-se essa
conclusão na qualidade de lei especial do Estatuto da Criança e do Adolescente (8.069/90),
frente à legislação previdenciária.”
Confira-se a íntegra do v. aresto exarado no âmbito do C. STJ:
"DIREITO PREVIDENCIÁRIO E HUMANITÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO
DA CONTROVÉRSIA. PROCESSAMENTO NOS TERMOS DO ART. 543-C DO CPC E DA
RESOLUÇÃO 08/STJ. DIREITO DO MENOR SOB GUARDA À PENSÃO POR MORTE DO
SEU MANTENEDOR. EMBORA A LEI 9.528/97 O TENHA EXCLUÍDO DO ROL DOS
DEPENDENTES PREVIDENCIÁRIOS NATURAIS OU LEGAIS DOS SEGURADOS DO INSS.
PROIBIÇÃO DE RETROCESSO. DIRETRIZES CONSTITUCIONAIS DE ISONOMIA,
PRIORIDADE ABSOLUTA E PROTEÇÃO INTEGRAL À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE
(ART. 227 DA CF). APLICAÇÃO PRIORITÁRIA OU PREFERENCIAL DO ESTATUTO DA
CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (LEI 8.069/90), POR SER ESPECÍFICA, PARA ASSEGURAR
A MÁXIMA EFETIVIDADE DO PRECEITO CONSTITUCIONAL DE PROTEÇÃO. PARECER DO
MPF PELO NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO, A TEOR DA SÚMULA 126/STJ.
RECURSO ESPECIAL CONHECIDO, PORÉM DESPROVIDO.
1. A não interposição de Recurso Extraordinário somente tem a força de impedir o
conhecimento de Recurso Especial quando (e se) a matéria decidida no acórdão recorrido
apresenta dupla fundamentação, devendo a de nível constitucional referir imediata e
diretamente infringência à preceito constitucional explícito; em tema de concessão de pensão
por morte a menor sob guarda, tal infringência não se verifica, tanto que o colendo STF já
decidiu que, nestas hipóteses, a violação à Constituição Federal, nesses casos, é meramente
reflexa. A propósito, os seguintes julgados, dentre outros: ARE 804.434/PI, Rel. Min. DIAS
TOFFOLI, DJe 19.3.2015; ARE 718.191/BA, Rel. Min. LUIZ FUX, DJe 17.9.2014; RE
634.487/MG, Rel. Min. ROSA WEBER, DJe 1.8.2014; ARE 763.778/RS, Rel. Min. CARMEN
LÚCIA, DJe 24.10.2013; não se apresenta razoável afrontar essa orientação do STF, porquanto
se trata, neste caso, de questão claramente infraconstitucional.
2. Dessa forma, apesar da manifestação ministerial em sentido contrário, entende-se possível,
em princípio, conhecer-se do mérito do pedido recursal do INSS, afastando-se a incidência da
Súmula 126/STJ, porquanto, no presente caso, o recurso deve ser analisado e julgado, uma vez
que se trata de matéria de inquestionável relevância jurídica, capaz de produzir precedente da
mais destacada importância, apesar de não interposto o Recurso Extraordinário.
3. Quanto ao mérito, verifica-se que, nos termos do art. 227 da CF, foi imposto não só à família,
mas também à sociedade e ao Estado o dever de, solidariamente, assegurar à criança e ao
adolescente os direitos fundamentais com absoluta prioridade. Além disso, foi imposto ao
legislador ordinário a obrigação de garantir ao menor os direitos previdenciários e trabalhistas,
bem como o estímulo do Poder Público ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou
adolescente órfão ou abandonado.
4. A alteração do art. 16, § 2o. da Lei 8.213/91, pela Lei 9.528/97, ao retirar o menor sob guarda
da condição de dependente previdenciário natural ou legal do Segurado do INSS, não elimina o
substrato fático da dependência econômica do menor e representa, do ponto de vista
ideológico, um retrocesso normativo incompatível com as diretrizes constitucionais de isonomia
e de ampla e prioritária proteção à criança e ao adolescente.
5. Nesse cenário, a jurisprudência desta Corte Superior tem avançado na matéria, passando a
reconhecer ao menor sob guarda a condição de dependente do seu mantenedor, para fins
previdenciários. Precedentes: MS 20.589/DF, Rel. Min. RAUL ARAÚJO, Corte Especial, DJe
2.2.2016; AgRg no AREsp. 59.461/MG, Rel. Min. OLINDO MENEZES, DJe 20.11.2015; AgRg
no REsp. 1.548.012/PE, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 20.11.2015; AgRg no REsp.
1.550.168/SE, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 22.10.2015; REsp.
1.339.645/MT, Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, DJe 4.5.2015.
6. Não se deve perder de vista o sentido finalístico do Direito Previdenciário e Social, cuja
teleologia se traduz no esforço de integração dos excluídos nos benefícios da civilização e da
cidadania, de forma a proteger as pessoas necessitadas e hipossuficientes, que se encontram
em situações sociais adversas; se assim não for, a promessa constitucional de proteção a tais
pessoas se esvai em palavras sonoras que não chegam a produzir qualquer alteração no
panorama jurídico.
7. Deve-se proteger, com absoluta prioridade, os destinatários da pensão por morte de
Segurado do INSS, no momento do infortúnio decorrente do seu falecimento, justamente
quando se vêem desamparados, expostos a riscos que fazem periclitar a sua vida, a sua saúde,
a sua alimentação, a sua educação, o seu lazer, a sua profissionalização, a sua cultura, a sua
dignidade, o seu respeito individual, a sua liberdade e a sua convivência familiar e comunitária,
combatendo-se, com pertinácia, qualquer forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão (art. 227, caput da Carta Magna).
8. Considerando que os direitos fundamentais devem ter, na máxima medida possível, eficácia
direta e imediata, impõe-se priorizar a solução ao caso concreto de forma que se dê a maior
concretude ao direito. In casu, diante da Lei Geral da Previdência Social que apenas se tornou
silente ao tratar do menor sob guarda e diante de norma específica que lhe estende a pensão
por morte (Lei 8.069/90, Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 33, § 3o.), cumpre
reconhecer a eficácia protetiva desta última lei, inclusive por estar em perfeita consonância com
os preceitos constitucionais e a sua interpretação inclusiva.
9. Em consequência, fixa-se a seguinte tese, nos termos do art. 543-C do CPC/1973: O
MENOR SOB GUARDA TEM DIREITO À CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DE PENSÃO POR
MORTE DO SEU MANTENEDOR, COMPROVADA A SUA DEPENDÊNCIA ECONÔMICA,
NOS TERMOS DO ART. 33, § 3o. DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE,
AINDA QUE O ÓBITO DO INSTITUIDOR DA PENSÃO SEJA POSTERIOR À VIGÊNCIA DA
MEDIDA PROVISÓRIA 1.523/96, REEDITADA E CONVERTIDA NA LEI 9.528/97. FUNDA-SE
ESSA CONCLUSÃO NA QUALIDADE DE LEI ESPECIAL DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE (8.069/90), FRENTE À LEGISLAÇÃO PREVIDENCIÁRIA.
10. Recurso Especial do INSS desprovido".
(STJ, Primeira Seção, REsp 1.411.258 - RS, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe
21/02/2018).
Antes do julgamento, o tema indicado foi afetado em 28.02.14, oportunidade em que o ministro
relator, nos termos dos arts. 2º, caput, da Resolução 8/08 do STJ e do disposto no 543-C, §2º,
do CPC/73, determinou a suspensão, nos Tribunais de segunda instância, de todos os recursos
nos quais houvesse tal controvérsia.
A decisão rescindenda foi proferida em 15 de janeiro de 2016, ocasião em que a controvérsia já
estava instaurada e expressamente determinada a suspensão dos recursos sobre o tema pelo
ministro relator do Resp 141125/RS, tema 732, em 2014.
Nessa toada, de fato, o julgamento do feito encontrava vedação em razão da determinação de
suspensão pela Corte Superior, justamente por conta de se tratar de tema repetitivo e com
julgados díspares em diversos tribunais.
Assim, em que pese a aplicação da regra do artigo 557-A do Código de Processo Civil de 1973
não impusesse que a jurisprudência dos Tribunais acerca da questão fosse unânime, bastando
que o entendimento fosse dominante sobre o tema, contrariamente ao entendimento estampado
na decisão monocrática objeto de rescisão, a condição de dependente do menor sob guarda
após a alteração introduzida no §2º do art. 16 da Lei n.º 8.213/91 pela Lei 9.528/97, de fato,
mostrava-se controvertida e com determinação de suspensão de julgamento pelo STJ, havendo
vários julgados dos Tribunais Regionais Federais e do C. Superior Tribunal de Justiça
favoráveis à tese do autor (RMS 36.034/MT, Rel. Ministro BENEDITO GONCALVES, Primeira
Seção, DJe 15/04/2014; AgRg no REsp n. 1.476.567/MG, relator Ministro Mauro Campbell
Marques, Segunda Turma, DJe de 8/10/2014; MS 20.589/DF, Rel. Min. RAUL ARAUJO, Corte
Especial, DJe 2.2.2016; AgRg no AREsp. 59.461/MG, Rel. Min. OLINDO MENEZES, DJe
20.11.2015; AgRg no REsp. 1.548.012/PE, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 20.11.2015;
AgRg no REsp. 1.550.168/SE, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 22.10.2015;
REsp. 1.339.645/MT, Rel. Min. SERGIO KUKINA, DJe 4.5.2015).
Nesse consoar, o procedimento adotado destoa da determinação contida no art. 557, §1º, do
CPC, para cuja aplicação a sentença recorrida deveria estar em manifesto confronto com
súmula ou com jurisprudência dominante dos tribunais superiores.
Ou seja, o entendimento constante da decisão rescindenda não retratava o entendimento
dominante à época sobre o tema. Confira-se enunciado da Súmula 568 do Superior Tribunal de
Justiça: “O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar
provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema.”
A decisão rescindenda, com efeito, não estava alinhada ao entendimento predominante nas
Cortes Federais, no sentido da prevalência do 3º, do art. 33 da Lei 8.069/90 sobre o art. 16 da
Lei 8213/91. Confira-se a redação do § 3º, do art. 33, do ECA:
“Art. 33. A guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional a criança ou
adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais.
(...)
§ 3º A guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e
efeitos de direito, inclusive previdenciários.”
De se pontuar, outrossim, que, conquanto houvesse interpretações diversas aos dispositivos
que tratavam da condição de dependência para fins previdenciários do menor sob guarda, não
é o caso de aplicação da vedação à rescisão prevista na Súmula 343, do C. STF, estando
presente o direito à rescisão com base no novo precedente obrigatório para o fim de concretizar
o princípio da unidade do direito e a igualdade.
Confira-se, sobre o tema, o escólio de Fredie Didier Jr:
“O n. 343 da súmula do STF prescreve que não cabe ação rescisória por ofensa a literal
disposição de lei, quando a rescisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de
interpretação controvertida nos tribunais. Esse enunciado ainda deve ser aplicado, mas com
algumas ponderações. A aplicação desse enunciado dever ser examinada em quatro exemplos
ora aventados.(...)
B) Divergência na interpretação do Direito entre tribunais, sem que existisse, ao tempo da
prolação da decisão rescindenda, precedente vinculante do STF ou STJ (art. 927, CPC) sobre o
tema; após o trânsito em julgado, sobrevém precedente obrigatório do tribunal superior:
observado o prazo da ação rescisória, há direto à rescisão, com base nesse novo precedente,
para concretizar o princípio da unidade do Direito e a igualdade. Note que o §15 do art. 525,
examinado mais à frente, reforça a tese de que cabe ação rescisória para fazer prevalecer
posicionamento de tribunal superior formado após a coisa julgada.” (g.n.)(ob. cit., p. 495 e 496).
Corroborando a inaplicabilidade da Súmula 343, do STF à hipótese dos autos, confira-se a
redação dos parágrafos 12 a 15, do art. 525, do atual CPC:
“§ 12. Para efeito do disposto no inciso III do § 1º deste artigo, considera-se também inexigível
a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo
considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou
interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível
com aConstituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso.
§ 13. No caso do § 12, os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal poderão ser
modulados no tempo, em atenção à segurança jurídica.
§ 14. A decisão do Supremo Tribunal Federal referida no § 12 deve ser anterior ao trânsito em
julgado da decisão exequenda.
§ 15. Se a decisão referida no § 12 for proferida após o trânsito em julgado da decisão
exequenda, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão
proferida pelo Supremo Tribunal Federal.”
De todo o explanado, conclui-se que a interpretação dada pela decisão rescindenda mostrou-se
desarrazoada e incoerente com o arcabouço legislativo, ensejando a violação da norma jurídica
insculpida nos artigos 557, §1o-A, do Código de Processo Civil de 1973 e §3º, do art. 33, da Lei
8069/90, a ensejar, em juízo rescindendo, a desconstituição do julgado com esteio no inciso V,
do art. 966, do CPC/15.
Passa-se ao juízo rescisório.
DA PENSÃO POR MORTE
O primeiro diploma legal brasileiro a prever um benefício contra as consequências da morte foi
a Constituição Federal de 1946, em seu art. 157, XVI. Após, sobreveio a Lei n.º 3.807, de 26 de
agosto de 1960 (Lei Orgânica da Previdência Social), que estabelecia como requisito para a
concessão da pensão o recolhimento de pelo menos 12 (doze) contribuições mensais e fixava o
valor a ser recebido em uma parcela familiar de 50% (cinquenta por cento) do valor da
aposentadoria que o segurado percebia ou daquela a que teria direito, e tantas parcelas iguais,
cada uma, a 10% (dez por cento) por segurados, até o máximo de 5 (cinco).
A Constituição Federal de 1967 e sua Emenda Constitucional n.º 1/69, também disciplinaram o
benefício de pensão por morte, sem alterar, no entanto, a sua essência.
A atual Carta Magna estabeleceu em seu art. 201, V, que:
"A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de
filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e
atenderá, nos termos da lei a:
V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e
dependentes, observado o disposto no § 2º."
A Lei n.º 8.213, de 24 de julho de 1991 e seu Decreto Regulamentar n.º 3048, de 06 de maio de
1999, disciplinaram em seus arts. 74 a 79 e 105 a 115, respectivamente, o benefício de pensão
por morte, que é aquele concedido aos dependentes do segurado, em atividade ou aposentado,
em decorrência de seu falecimento ou da declaração judicial de sua morte presumida.
Depreende-se do conceito acima mencionado que para a concessão da pensão por morte é
necessário o preenchimento de dois requisitos: ostentar o falecido a qualidade de segurado da
Previdência Social, na data do óbito e possuir dependentes incluídos no rol do art. 16 da
supracitada lei.
A qualidade de segurado, segundo Wladimir Novaes Martinez, é a:
"denominação legal indicativa da condição jurídica de filiado, inscrito ou genericamente
atendido pela previdência social. Quer dizer o estado do assegurado, cujos riscos estão
previdenciariamente cobertos." (Curso de Direito Previdenciário. Tomo II - Previdência Social.
São Paulo: LTr, 1998, p. 594).
Mantém a qualidade de segurado aquele que, mesmo sem recolher as contribuições, conserve
todos os direitos perante a Previdência Social, durante um período variável, a que a doutrina
denominou "período de graça", conforme o tipo de segurado e a sua situação, nos termos do
art. 15 da Lei de Benefícios, a saber:
"Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:
I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;
II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer
atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem
remuneração;
III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de
segregação compulsória;
IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso;
V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para
prestar serviço militar;
VI - até (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo."
É de se observar, ainda, que o § 1º do supracitado artigo prorroga por 24 (vinte e quatro) meses
tal período de graça aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses.
Em ambas as situações, restando comprovado o desemprego do segurado perante o órgão do
Ministério do Trabalho ou da Previdência Social, os períodos serão acrescidos de mais 12
(doze) meses. A comprovação do desemprego pode se dar por qualquer forma, até mesmo
oral, ou pela percepção de seguro-desemprego.
Convém esclarecer que, conforme disposição inserta no § 4º do art. 15 da Lei nº 8.213/91, c.c.
o art. 14 do Decreto Regulamentar nº 3.048/99, com a nova redação dada pelo Decreto nº
4.032/01, a perda da qualidade de segurado ocorrerá no 16º dia do segundo mês seguinte ao
término do prazo fixado no art. 30, II, da Lei nº 8.212/91 para recolhimento da contribuição,
acarretando, consequentemente, a caducidade de todos os direitos previdenciários.
Conforme já referido, a condição de dependentes é verificada com amparo no rol estabelecido
pelo art. 16 da Lei de Benefícios, segundo o qual possuem dependência econômica presumida
o cônjuge, o(a) companheiro(a) e o filho menor de 21 (vinte e um) anos, não emancipado ou
inválido. Também ostentam a condição de dependente do segurado, desde que comprovada a
dependência econômica, os pais e o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de
21 (vinte e um) anos ou inválido.
De acordo com o § 2º do supramencionado artigo, o enteado e o menor tutelado são
equiparados aos filhos mediante declaração do segurado e desde que comprovem a
dependência econômica.
DO CASO DOS AUTOS
Na ação ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o autor,
nascido em 18.02.97, filho de Ana Paula de Faria, sem indicação do genitor em seu RG de fl.
587, id 4429670 e na certidão de nascimento, objetivava a concessão do benefício de pensão
por morte, na condição de neto sob a guarda do avô, falecido em 2009.
Narra o autor na inicial da ação subjacente que foi abandonado na maternidade pela mãe, que
nunca participou de sua vida e não sabe quem é o seu pai, tendo sido resgatado pelo avô, Elio
de Faria, o qual detinha sua guarda definitiva desde 11.03.98, a teor do termo de guarda do
proc. 207/97 (fl. 688, id 4432686), que tramitou perante a Vara Cível Distrital de Guararema/SP
(fls. 652/678, id 4432684).
Contudo, em 2007 Elio de Faria separou-se da sua avó e transferiu-lhe judicialmente a guarda
do autor, o que restou decidido no processo n. 205/07, que também tramitou perante a Vara
Cível Distrital de Guararema/SP (fls. 690/703, id 4432686).
No acordo de separação judicial ficou avençado que o avô garantiria o sustento da ex-esposa
com dois salários mínimos (processo n. 116/07, mesma Vara Distrital de Guararema).
Ainda, na ação de alimentos de n. 282/08, que teve trâmite na mesma Vara Distrital de
Guararema, foi fixada pensão alimentícia ao menor a ser paga pelo avô, Eliode Faria,
correspondente a 40% do salario mínimo, inclusive sobre o 13º (fls. 705/706, id 4432686).
O óbito de Elio de Faria, nascido em 7.11.48, ocorreu em 29.11.09, o que está comprovado pela
respectiva Certidão (fl. 708, id 4432686).
Como o autor contava com 12 anos na data do óbito, pleiteou o benefício desde então.
Com o óbito do avô, sua ex-exposa e sua esposa passaram a dividir o benefício de pensão por
morte.
Sua avó, antes de falecer em 11.02.11, requereu administrativamente a pensão para o autor em
29.07.10, que restou indeferida pelo INSS, ocasião em que o autor contava com 13 anos.
Ao depois, a guarda do autor passou para sua tia, casada com o irmão da sua mãe, em 28.8.12
(fl. 686, id 4432684).
A qualidade de segurado do de cujus está demonstrada, uma vez que era titular do benefício
previdenciário de aposentadoria que, com seu falecimento, deu ensejo à concessão
administrativa de pensões por morte à esposa (NB 150.215.436-3) e à ex-esposa (NB
152.372.785-0) (fls. 94, 709 e 732, ids 63041828, 4432686 e 4432688).
Conforme se verifica do termo de guarda definitiva, expedido 11.03.1998, expedido pela Vara
Cível Distrital de Guararema/SP (fls. 652/678, id 4432684), nos autos do processo 207/97, o
avô e segurado obtivera a guarda judicial do neto, com o compromisso de zelar por sua
proteção e assistência material, moral e educacional. O autor, nascido em 18.02.1997, contava
na ocasião com 1 (um) ano de idade (fl. 688, id 4432686).
Com base no acervo probatório, notadamente no termo de guarda de 11.03.98, restou provada
a dependência econômica em relação ao guardião, pelo que o menor faz jus ao benefício de
pensão por morte, uma vez que os direitos fundamentais da criança e do adolescente têm seu
campo de incidência amparado pelo status de prioridade absoluta, requerendo, assim, uma
hermenêutica própria comprometida com as regras protetivas estabelecidas na Constituição
Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Ademais, repita-se que, de acordo com o julgamento do REsp 1.411.258/RS, Relator Ministro
Napoleão Nunes Maia Filho, sob a sistemática de recurso repetitivo, referente ao TEMA 732,
publicado no Diário da Justiça Eletrônico do dia 21/02/2018, restou firmada a tese de que o
menor sob guarda tem direito à concessão do benefício de pensão por morte do seu
mantenedor, comprovada a sua dependência econômica, ainda que o óbito do instituidor da
pensão seja posterior à vigência da Medida Provisória 1.523/96.
Ainda, o julgamento do REsp 1.411.258 tem eficácia imediata, tendo o C. STJ colocado fim à
controvérsia sobre a matéria, donde impositiva a obrigatoriedade de adoção pelos demais
órgãos do Poder Judiciário, da tese fixada no tema 732, nos termos dos artigos 927, III e 1.040,
ambos do CPC.
Depreende-se do referido julgado que não basta que o menor esteja sob a guarda do segurado,
sendo indispensável a comprovação da dependência econômica e, no caso em apreço, diante
do acervo probatório, esta restou configurada.
Em face de todo o explanado, a postulante faz jus ao benefício de pensão por morte, em valor a
ser calculado pelo INSS.
Por ocasião da liquidação da sentença, deverá ser compensado o valor das parcelas auferidas
em decorrência da antecipação da tutela deferida na ação subjacente.
CONSECTÁRIOS
TERMO INICIAL
O termo inicial do benefício de pensão por morte, segundo o art. 74 da Lei nº 8.213/91, com a
nova redação vigente ao tempo do óbito, seria o da data do óbito, caso requerido até trinta dias
após a sua ocorrência, ou na data em que fosse pleiteado, se transcorrido este prazo.
Ocorre que o direito à pensão por morte, que nasce para o absolutamente incapaz com o óbito
do segurado do qual dependia economicamente, não se extingue diante da inércia de seus
representantes legais. O lapso temporal transcorrido entre a data do evento morte e a da
formulação do pedido, não pode ser considerado em desfavor daquele que se encontra
impossibilitado de exercer pessoalmente atos da vida civil.
Nesse sentido, trago à colação o seguinte julgado do Colendo Superior Tribunal de Justiça:
“PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. PENSÃO POR MORTE. ABSOLUTAMENTE
INCAPAZ. INTERDITADO. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. TERMO INICIAL DO
BENEFÍCIO: DATA DO ÓBITO DO INSTITUIDOR DA PENSÃO. SENTENÇA DE INTERDIÇÃO:
EFEITOS
DECLARATÓRIOS. RECURSO ESPECIAL DO INSS A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. A pessoa absolutamente incapaz para os atos da vida civil, submetida à curatela, tem direito
ao benefício de pensão por morte desde o óbito do Segurado, ainda que não postulado
administrativamente no prazo de trinta dias, uma vez que não se sujeita aos prazos
prescricionais.
2. É firme o entendimento desta Corte de que a suspensão do prazo de prescrição para tais
indivíduos ocorre no momento em que se manifesta
a sua incapacidade, sendo a sentença de interdição, para esse fim específico, meramente
declaratória.
3. Recurso Especial do INSS a que se nega provimento.
(STJ, Primeira Turma, REsp 1429309/SC, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe
08/08/2018)”.
Desta forma, deve-se fixar o termo inicial a contar da data do falecimento (29/11/09).
TERMO FINAL E RESPONSABILIDADE DA CORRÉ
O valor do benefício de pensão por morte deve ser pago pelo INSS até a data em que o menor
atingir a maioridade para fins previdenciários, que, a teor do inciso I, do art. 16, da Lei 8213/91
é atingida quando o menor completar 21 anos de idade.
JUROS DE MORA
Conforme disposição inserta no art. 219 do Código de Processo Civil 1973 (atual art. 240
Código de Processo Civil - Lei nº 13.105/2015), os juros de mora são devidos a partir da citação
na ordem de 6% (seis por cento) ao ano, até a entrada em vigor da Lei nº 10.406/02, após, à
razão de 1% ao mês, consonante com o art. 406 do Código Civil e, a partir da vigência da Lei nº
11.960/2009 (art. 1º-F da Lei 9.494/1997), calculados nos termos deste diploma legal.
CORREÇÃO MONETÁRIA
A correção monetária deve ser aplicada em conformidade com a Lei n. 6.899/81 e legislação
superveniente (conforme o Manual de Cálculos da Justiça Federal), observados os termos da
decisão final no julgamento do RE n. 870.947, Rel. Min. Luiz Fux.
CUSTAS E DESPESAS PROCESSUAIS
Conquanto a Lei Federal nº 9.289/96 disponha no art. 4º, I, que as Autarquias são isentas do
pagamento de custas na Justiça Federal, seu art. 1º, §1º, delega à legislação estadual
normatizar sobre a respectiva cobrança nas causas ajuizadas perante a Justiça Estadual no
exercício da competência delegada. Note-se que, em se tratando das demandas aforadas no
Estado de São Paulo, tal isenção encontra respaldo na Lei Estadual nº 11.608/03 (art. 6º).
A isenção referidanão abrange as despesas processuais que houver efetuado, bem como,
aquelas devidas a título de reembolso à parte contrária, por força da sucumbência.
HONORÁRIOS DE ADVOGADO
Condeno o INSS e a corré ao pagamento de honorários advocatícios no valor de R$ 1.000,00, a
teor do disposto no art. 85, §8º, do CPC/2015, rateado entre ambos, observada a gratuidade da
justiça quanto à corré Daiane Aparecida Florindo e do entendimento firmado pela Eg. Terceira
Seção desta Corte.
DISPOSITIVO
Diante do exposto, em juízo rescindente, julgo procedente o pedido deduzido na presente ação
rescisória para desconstituir o v. acórdão proferido nos autos da ação de nº 0000982-
69.2013.403.6133, que tramitou perante a 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Mogi das
Cruzes, com fundamento no inciso V, do artigo 966, do CPC e, em juízo rescisório, julgo
procedente o pedido formulado na ação subjacente para condenar o INSS a conceder o
benefício de pensão por morte ao autor desde o óbito do guardião, com os consectários legais
indicados na forma acima fundamentada.
Tendo em vista que os autos subjacentes tramitaram perante o Juízo da 1ª Vara Federal da
Subseção Judiciária de Mogi das Cruzes – São Paulo, oficie-se àquele Juízo, após o trânsito
em julgado da presente decisão, dando-lhe ciência do inteiro teor do acórdão.
Com o trânsito em julgado, arquivem-se os autos.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA PROPOSTA COM FUNDAMENTO NO INCISO V, DO
ART. 966, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. MANIFESTA VIOLAÇÃO À NORMA
JURÍDICA. RESCISÃO. NOVO JULGAMENTO. MENOR SOB GUARDA DO AVÔ. TEMA 732,
STJ. PENSÃO POR MORTE. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO DA AÇÃO SUBJACENTE.
CONSECTÁRIOS LEGAIS.
- Contrariamente ao entendimento estampado na decisão monocrática objeto de rescisão, a
condição de dependente do menor sob guarda após a alteração introduzida no §2º do art. 16 da
Lei n.º 8.213/91 pela Lei 9.528/97, mostrava-se controvertida, com vários julgados do C.
Superior Tribunal de Justiça favoráveis à tese do autor. Ademais, a decisão rescindenda foi
proferida após determinação de suspensão dos recursos sobre a matéria no Resp 141125/RS
(Tema 732).
- A divergência na interpretação do Direito entre tribunais, sem que existisse, ao tempo da
prolação da decisão rescindenda, precedente vinculante do STF ou STJ não importa obstáculo
ao ajuizamento da rescisória com esteio na Súmula 343, do STF, quando, após o trânsito em
julgado, sobrevém precedente obrigatório de tribunal superior. Assim, se no prazo a rescisória,
há direto à rescisão, com base no novo precedente, o que se pode depreender inclusive do §15
do art. 525, do CPC, que prevê ação rescisória para fazer prevalecer posicionamento de
tribunal superior formado após a coisa julgada.
- O julgado rescindendo ao entender que o menor sob guarda judicial deixara de ter condição
de dependente em razão da alteração da redação original trazida pela Lei nº 9.528/97 ao
disposto no artigo 16, §2º da Lei nº 8.2013/91 e afastou o artigo 33 do ECA operou manifesta
violação à norma jurídica e, em juízo rescindendo, desconstitui-se o julgado com esteio no
inciso V, do art. 966, do CPC.
- Em julgamento de 11/10/2017, publicado em 21/02/2018, o C. STJ, no REsp 1411258/RS, de
relatoria do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, fixou a seguinte tese: “O
menor sob guarda tem direito à concessão do benefício de pensão por morte do seu
mantenedor, comprovada sua dependência econômica, nos termos do art. 33, § 3º do Estatuto
da Criança e do Adolescente, ainda que o óbito do instituidor da pensão seja posterior à
vigência da Medida Provisória 1.523/96, reeditada e convertida na Lei 9.528/97. Funda-se essa
conclusão na qualidade de lei especial do Estatuto da Criança e do Adolescente (8.069/90),
frente à legislação previdenciária.”
- Os direitos fundamentais da criança e do adolescente têm seu campo de incidência amparado
pelo status de prioridade absoluta, requerendo, assim, uma hermenêutica própria comprometida
com as regras protetivas estabelecidas na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do
Adolescente.
- Conforme disposição inserta no art. 219 do Código de Processo Civil 1973 (atual art. 240
Código de Processo Civil - Lei nº 13.105/2015), os juros de mora são devidos a partir da citação
na ordem de 6% (seis por cento) ao ano, até a entrada em vigor da Lei nº 10.406/02, após, à
razão de 1% ao mês, consonante com o art. 406 do Código Civil e, a partir da vigência da Lei nº
11.960/2009 (art. 1º-F da Lei 9.494/1997), calculados nos termos deste diploma legal.
- Condenados os réus ao pagamento de honorários advocatícios no valor de R$ 1.000,00, pro
rata, a teor do disposto no art. 85, §8º, do CPC/2015 e do entendimento firmado pela Eg.
Terceira Seção desta Corte.
- Em juízo rescindente, julgado procedente o pedido para desconstituir o v. acórdão proferido
nos autos da ação de nº nº 0000982- 69.2013.403.6133, que tramitou perante a 1ª Vara Federal
da Subseção Judiciária de Mogi das Cruzes, com fundamento no inciso V, do artigo 966, do
CPC e, em juízo rescisório, julgado procedente o pedido formulado na ação subjacente para
condenar o INSS a conceder o benefício de pensão por morte ao autor desde o óbito do
guardião, com os consectários legais indicados. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Seção, por
unanimidade, decidiu, em juízo rescindente, julgar procedente o pedido deduzido na presente
ação rescisória para desconstituir o v. acórdão proferido nos autos da ação de nº 0000982-
69.2013.403.6133, com fundamento no inciso V, do artigo 966, do CPC e, em juízo rescisório,
julgar procedente o pedido formulado na ação subjacente para condenar o INSS a conceder o
benefício de pensão por morte ao autor desde o óbito do guardião, nos termos do relatório e
voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
