Processo
AR - AÇÃO RESCISÓRIA / SP
5011580-87.2018.4.03.0000
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO OCTAVIO BAPTISTA PEREIRA
Órgão Julgador
3ª Seção
Data do Julgamento
26/11/2019
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 29/11/2019
Ementa
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5011580-87.2018.4.03.0000
RELATOR: Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
AUTOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
REPRESENTANTE: BENILDES ALVES MOREIRA
RÉU: ESPÓLIO DE LOURENCO ALVES MOREIRA - CPF: 361.928.808-91
Advogado do(a) RÉU: MARCOS ALMEIDA DE ALBUQUERQUE - SP278808-N,
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. CUMULAÇÃO DE
BENEFÍCIOS. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ ACIDENTÁRIA E APOSENTADORIA
ESPECIAL. ART. 57, DA LEI 3.807/60. IMPOSSIBILIDADE. IRREPETIBILIDADE DOS VALORES
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
RECEBIDOS DE BOA-FÉ PELO SEGURADOPOR ERRO DA ADMINISTRAÇÃO.
1. Ocolendo Superior Tribunal de Justiça, em sede de julgamento de recurso representativo da
controvérsia, firmou o entendimento no sentido de que"os atos administrativos praticados antes
da Lei 9.784/99 podem ser revistos pela Administração a qualquer tempo, por inexistir norma
legal expressa prevendo prazo para tal iniciativa. Somente após a Lei 9.784/99 incide o prazo
decadencial de 5 anos nela previsto, tendo como termo inicial a data de sua vigência (01.02.99)".
2.A percepção conjunta de aposentadoria por invalidez acidentária e aposentadoria especial
encontrava expressa vedação legal no Art. 57, da Lei 3.807/60, vigente na época daconcessão
dos benefícios.
3.Reconhecida alegitimidadedo procedimento administrativo realizado pela autarquia
previdenciária, que, após identificar o indevido recebimento cumulativo das aposentadorias,
decidiucessara de menor valor, tendo oportunizadoao segurado o exercício do contraditório e da
ampla defesa, facultando-lhe, inclusive, a opção pelo benefício mais vantajoso.
4.Pelo princípio da autotutela, a Administração Pública possui o poder-dever de rever seus atos
quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou
revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e
ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.
5.A íntegra do processo administrativo que instrui os autos revela que o segurado obteve a
concessão administrativade aposentadoria especial a partir de30/01/1968. Posteriormente, no
ano de 1973, por força de decisão judicial, passou a receberaposentadoria por invalidez
acidentária, com data de início retroativa a 01/02/1968.
6. Os valores foram recebidos de boa-fé e por erro da Administração, haja vista que manteve o
pagamento simultâneo de ambos os benefícios, ainda que a legislação vigente não autorizasse.
7.Restou pacificado pelo e. Supremo Tribunal Federal, ser desnecessária a restituição dos
valores recebidos de boa fé, devido ao seu caráter alimentar, em razão do princípio da
irrepetibilidade dos alimentos (MS 26085, Relatora Ministra Cármen Lúcia, Tribunal Pleno; RE
587371, Relator Ministro Teori Zavascki, Tribunal Pleno; RE 638115, RE 638115, Relator Ministro
Gilmar Mendes, Tribunal Pleno).
8. Uma vez descontado pelo INSS, não se pode cogitar na hipótese de devolução de valores,
compelindo a Administração a pagar algo que, efetivamente, não deve. A natureza alimentar do
benefício não abarca as prestações já descontadas e que não eram devidas.
9.Tendo a autoria decaído de parte do pedido, devem ser observadas as disposições contidas no
Art. 86, do CPC.
10. Pedido de rescisão do julgado procedente e pedido originário parcialmente procedente.
Acórdao
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº5011580-87.2018.4.03.0000
RELATOR:Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
AUTOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
REPRESENTANTE: BENILDES ALVES MOREIRA
RÉU: ESPÓLIO DE LOURENCO ALVES MOREIRA - CPF: 361.928.808-91
Advogado do(a) RÉU: MARCOS ALMEIDA DE ALBUQUERQUE - SP278808-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
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OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação rescisória, com pedido de antecipação de tutela,proposta pelo INSS,com
fundamento no Art. 966, V e VIII, do Código de Processo Civil, com o objetivo de desconstituir
asentença proferida pelo MM. Juízo de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Guarujá/SP, nos
autos do processo nº 4001957-27.2013.8.26.0223, por meio da qual julgou procedente o pedido
para condenar a autarquia ao pagamento das parcelas indevidamente descontadas do benefício
de aposentadoria por invalidez acidentáriarecebido pelo autor originário.
A decisão rescindenda transitou em julgado em 23/07/2015(ID 3149677, p. 52). Esta ação foi
ajuizada em 28/05/2018.
O instituto sustenta, que, em decorrência de apuração em processo administrativo, que identificou
a irregularidade na cumulação das aposentadorias percebidas pela parte ré, facultou ao
beneficiário a opção pelo benefício mais vantajoso, passando a efetuar a cobrança dos valores
indevidamente recebidos nos últimos cinco anos anteriores à data da decisão administrativa.
Argumenta, todavia, que a decisão rescindenda incorreu em violação manifesta de norma jurídica
e em erro de fato, em face da ilegalidade da percepção cumulativa de aposentadoria por invalidez
acidentária e aposentadoria especial, bem como em razão do fato de que, por equívoco, a
matéria foi analisada como se fosse o caso de discussão sobre a cumulação de auxílio-acidente e
aposentadoria. Pleiteia a rescisão do julgado para que, em novo julgamento, seja reconhecida a
legalidade do processo administrativo de cessação do benefício e da cobrança dos valores
recebidos indevidamente no quinquênio que antecedeu a decisão administrativa proferida em
09/08/2013. Requer a antecipação da tutela para a imediata suspensão da execução em
curso(ID3148136, pp. 01-13).
Em contestação, a parte ré argumenta que não há óbice à cumulação dos benefícios discutidos
nos autos e que já decaiu o prazo legal para a autarquia revisá-los. Argui, ainda, a inviabilidade
de devolução dos valores indevidamente recebidos pelo segurado (ID 3981869).
Foram-lhe concedidos os benefícios da gratuidade da justiça (ID 4178070).
Deferida a antecipação da tutela para determinar a suspensão da execução do julgado, até a
solução definitiva de presente demanda (ID7310044).
Por se tratar de questão eminentemente de direito, foi dispensada a produção de novas provas(ID
27278995).
As partes apresentaram suas razões finais (ID31840475 e ID38324368).
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo prosseguimento do feito, sem a sua
intervenção(ID 46176790).
É o relatório.
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V O T O
A controvérsia nos autos restringe-se à questão sobre se houve ou não violação manifesta de
norma jurídica no julgado,por ter considerado possível a percepção cumulativa de aposentadoria
por invalidez acidentária e aposentadoria especial; e incorreu em erro de fato, por analisar a
causa como se fosse o caso de discussão sobre a cumulação de auxílio-acidente e
aposentadoria.
O autor originário propôs ação ordinária em face do INSS, em agosto de 2013, na qual pretendia
o reconhecimento do seu direito à manutenção dos benefíciosrecebidos cumulativamente, ou,
subsidiariamente, a declaração da inviabilidade dadevolução dos valores recebidos de boa-fé, por
força de decisão judicial, pelo beneficiário (ID3149674, pp. 01-11).
Segundo consta dos autos, o ex-segurado Lourenço Alves Moreira obteve a concessão
administrativa do benefício de aposentadoria especial, com termo inicial em 30/01/1968
(ID3148145 - pp. 31). Posteriormente, no ano de 1973, logrou, por força de decisão judicial, a
obtenção do benefício de aposentadoria por invalidez acidentária, com data de início retroativa a
01/02/1968 (ID3148145, pp.37-45).
Em 12 de fevereiro de 2007, a autarquia previdenciária deu início a procedimento administrativo
para apurar a cumulação indevida dos benefícios (ID3148145, p. 48), e, em 17 de junho de 2003,
expediu comunicado à procuradora do beneficiário para que este fizesse a opção por uma das
aposentadorias, em razão da impossibilidade da percepção cumulativa (ID 3148145, p. 60),
resultando na cessação, em 09/08/2013, do benefício de aposentadoria especial, com a
consequente cobrança do importe de R$ 57.313,27, a ser descontado da aposentadoria por
invalidez ativa, no limite de 3o% do valor do benefício até a total quitação do débito (ID3148146,
p. 13).
Asentença proferida pelo MM. Juízo de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Guarujá/SP
julgou procedente o pedido para condenar a autarquia ao pagamento das parcelas indevidamente
descontadas do benefício de aposentadoria por invalidez acidentária, com base nos seguintes
fundamentos:
“Trata-se de Ação Ordinária ajuizada por LOURENÇO ALVES MOREIRA porsua procuradora
BENILDES ALVES MOREIA face de INSTITUTO NACIONAL DOSEGURO SOCIAL, alegando,
em síntese que lhe foi concedido no ano de 1968 o benefício deaposentadoria por invalidez
decorrente de acidente de trabalho e no mesmo ano concedeu-lhetambém a aposentadoria
especial, por decisões judiciais. Aduz que recebeu notificação darequerida informando a
irregularidade na cumulação de benefícios, devendo fazer opção por umdos dois benefícios, além
de efetuar o pagamento dos valores pagos nos últimos cinco anos.Informa que, na ausência de
opção, seria cessado o de menor valor e aponta que encerrou o prazopara entrar com processo
administrativo. Afirma que a percepção cumulativa dos benefícios édireito adquirido e ressalta
que necessita dos valores pagos para sua subsistência. Pleiteia aconcessão da tutela antecipada
para determinar que a requerida se abstenha de cessar o pagamentodos benefícios, bem como
se abstenha de devolver os valores pagos a título de aposentadorias (fls.01/11 e documentos de
fls. 12/24).
A tutela antecipada foi indeferida (fl. 25).
O autor pleiteou a reconsideração da decisão e juntou documentos (fls. 29/83).
A tutela antecipada foi deferida (fl. 84).
Regulamente citada (fl. 88), a requerida ofereceu defesa sustentando, a ausênciados requisitos
necessários à concessão do benefício de auxílio-doença. Aduz que o autor recebebenefício de
aposentadoria por invalidez e não auxílio-acidente razão pela qual não mereceprosperar o pleito
de cumulação de benefício (fls. 94/97).
O autor ofereceu réplica reiterando os termos da inicial (fls. 100/103).
O autor informou o descumprimento da tutela antecipada (fl. 104), deferindo-se aintimação sob
pena de multa (fl.106).
Sobreveio a informação de ausência de cumprimento da ordem liminar (fl. 110).
Instadas a especificar provas (fl. 114).
A autarquia ré juntou documentos (fls. 115/165).
Foi determinado a comprovação da ausência de implantação do benefício (fl. 172),bem como o
ajuizamento apartado da execução de multa por descumprimento judicial (fls. 181).
O feito foi saneado, designando-se a produção de prova pericial (fl. 187 e fl. 199).
Determinou-se a cobrança do laudo pericial (fl. 210), o perito informou a ausênciado autor na
perícia (fl. 214).
O autor justificou a ausência na perícia médica, vez que o objeto da ação éacumulação de
benefícios previdenciário (fl. 215).
É a breve síntese do necessário.
Passo a decidir, de forma concisa diante do invencível volume de trabalhodeste Juízo.
De início, acolho as razões dispendidas a fl. 215 e diante do objeto da lide,reconsidero a
equivocada decisão saneadora proferida por esta subscritora a fl. 187.
Presentes as condições do artigo 330, inciso I, do Código de Processo Civil,considerando, em
especial, o desinteresse das partes e a desnecessidade de produção de quaisqueroutras provas,
passo a analisar diretamente o pedido, julgando antecipadamente a lide.
Não é o caso de aplicação do ônus da impugnação especificada prevista no caputartigo 302 do
Código de Processo Civil, diante do interesse público envolvido e da vedação doartigo 302, inciso
I do mesmo Estatuto.
No mérito, o pedido da parte autora merece acolhimento, tanto porque os benefícios auferidos
pelo autor são decorrentes de decisões judiciais como porque o regime legal aplicável ao autor é
aquele vigente à época da concessão.
Diante dos elementos convicção reunidos nos autos, curvo-me do entendimento adotado pelo
mesmo STJ no julgamento do REsp nº 1.296.673/MG, ocorrido em 22.08.2012, e em outros
precedentes, no sentido de que a cumulação dos benefícios somente é possível se a lesão
incapacitante e a aposentadoria forem anteriores à Lei nº 9.528/97, o qual foi sedimentado na
Súmula nº 507, de seguinte teor: “A acumulação de auxílio-acidente com aposentadoria
pressupõe que a lesão incapacitante e a aposentadoria sejam anteriores a 11/11/1997, observado
o critério do art. 23 da Lei nº 8.213/91 para definição do momento da lesão nos casos de doença
profissional ou do trabalho”.
A Egrégia Primeira Seção do Colendo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso
Especial nº 1.296.673/MG, submetido ao regime do art. 543-C (recursos repetitivos), do Código
de Processo Civil, decidiu que, para a cumulação de benefícios, a incapacidade ensejadora do
direito ao auxílio-acidente e o início da aposentadoria devem ser anteriores à alteração
promovida, em 11.11.1997, pela Medida Provisória nº 1.596-14/1997, posteriormente convertida
na Lei nº 9.528/97.
Assim, como no caso dos autos a aposentadoria previdenciária foi concedida no ano de 1968, ou
seja, anteriormente a entrada em vigor da Lei nº 9.528/97, era de rigor amanutenção dos
benefícios, diante da possibilidade de cumulação das benesses.
Assim, entende-se que o benefício é devido, isto porque há direito adquirido na permanência da
aposentadoria concedida ao autor antes da entrada em vigor da Lei nº 9.528/97”.
De início, cabe esclarecer que o colendo Superior Tribunal de Justiça, em sede de julgamento de
recurso representativo da controvérsia, firmou o entendimento no sentido de que"os atos
administrativos praticados antes da Lei 9.784/99 podem ser revistos pela Administração a
qualquer tempo, por inexistir norma legal expressa prevendo prazo para tal iniciativa. Somente
após a Lei 9.784/99 incide o prazo decadencial de 5 anos nela previsto, tendo como termo inicial
a data de sua vigência (01.02.99)" (REsp 1114938 AL, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA
FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 14/04/2010, DJe 02/08/2010). Portanto, não há que se
falar na decadência do direito de rever o ato de concessão da aposentadoria cassada.
Na hipótese, ambos os benefícios, de aposentadoria por invalidez acidentária e aposentadoria
especial, foram concedidos no ano de 1968, sob a égide da Lei 3.807/60, que, no seu Art. 57,
Parágrafo único ealínea "b", assim previa:
"Art. 57. Não prescreverá o direito ao benefício, mas prescreverão as prestações respectivas não
reclamadas no prazo de 5 (cinco) anos, a contar da data em que forem devidas.
Parágrafo único.É lícita a acumulação de benefícios, não sendo, porém, permitida ao segurado a
percepção conjunta, pela mesma instituição de previdência social:
a) de auxílio-doença e aposentadoria;
b)de aposentadoria de qualquer natureza;
c) de auxílio-natalidade'.
A legislação vigente à época da concessão dos benefícios vedava expressamentea percepção
conjunta de aposentadoria por invalidez acidentária e aposentadoria especial, a teor doArt. 57, da
Lei 3.807/60.
Diante disso, reconhece-se alegitimidadedo procedimento administrativo realizado pela autarquia
previdenciária, que, após identificar o indevido recebimento cumulado das aposentadorias,
decidiucessara de menor valor, tendo oportunizadoao segurado o exercício do contraditório e da
ampla defesa, facultando-lhe, inclusive, a opção pelo benefício mais vantajoso.
Portanto, restacaracterizada aviolação manifesta de norma jurídica, hábil à rescisão do julgado,
nos moldes do Art. 966, V, do CPC, tornando despicienda a análise do argumento de erro de fato.
Passo à análise em sede de juízo rescisório.
Pelo princípio da autotutela, a Administração Pública possui o poder-dever de rever seus atos
quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou
revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e
ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.
Dessa forma, respeitado o prazo de dez anos, previsto pelo Art. 103-A, da Lei 8.213/91, nada
obsta que a autarquia previdenciária proceda à revisão do ato de concessão irregular.
O processo administrativo de cassação da aposentadoria especial do autor originário
fundamentou-se na ilegalidade da percepção cumulativa das aposentadorias recebidas e o ato de
cancelamento do benefício respeitou o devido processo legal, razão pela qualdeve ser mantido.
Por outro turno,a íntegra do processo administrativo que instrui os autos revela que o segurado
obteve a concessão administrativade aposentadoria especial a partir de30/01/1968 (ID3148145 -
pp. 31). Ulteriormente, no ano de 1973, por força de decisão judicial, passou a receber
aposentadoria por invalidez acidentária, com data de início retroativa a 01/02/1968 (ID3148145,
pp.37-45).
Nesse quadro, é possível inferir que os valores foram recebidos de boa-fé e por erro da
Administração, haja vista que manteve o pagamento simultâneo de ambos os benefícios, ainda
que a legislação vigente não autorizasse.
Destarte, em razão da boa-fé do segurado e da natureza alimentar do benefício, não há que se
falar em restituição dos valores indevidamente recebidos.
Saliente-se que restou pacificado pelo e. Supremo Tribunal Federal, ser desnecessária a
restituição dos valores recebidos de boa fé, devido ao seu caráter alimentar, em razão do
princípio da irrepetibilidade dos alimentos.
Confira-se:
"MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO QUE
CONSIDEROU ILEGAL APOSENTADORIA E DETERMINOU A RESTITUIÇÃO DE VALORES.
ACUMULAÇÃO ILEGAL DE CARGOS DE PROFESSOR. AUSÊNCIA DE COMPATIBILIDADE
DE HORÁRIOS. UTILIZAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO PARA OBTENÇÃO DE VANTAGENS
EM DUPLICIDADE (ARTS. 62 E 193 DA LEI N. 8.112/90). MÁ- FÉ NÃO CONFIGURADA.
DESNECESSIDADE DE RESTITUIÇÃO DOS VALORES PERCEBIDOS. INOCORRÊNCIA DE
DESRESPEITO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL E AO DIREITO ADQUIRIDO.
1. A compatibilidade de horários é requisito indispensável para o reconhecimento da licitude da
acumulação de cargos públicos. É ilegal a acumulação dos cargos quando ambos estão
submetidos ao regime de 40 horas semanais e um deles exige dedicação exclusiva.
2. O § 2º do art. 193 da Lei n. 8.112/1990 veda a utilização cumulativa do tempo de exercício de
função ou cargo comissionado para assegurar a incorporação de quintos nos proventos do
servidor (art. 62 da Lei n. 8.112/1990) e para viabilizar a percepção da gratificação de função em
sua aposentadoria (art. 193, caput, da Lei n. 8.112/1990). É inadmissível a incorporação de
vantagens sob o mesmo fundamento, ainda que em cargos públicos diversos.
3. O reconhecimento da ilegalidade da cumulação de vantagens não determina,
automaticamente, a restituição ao erário dos valores recebidos, salvo se comprovada a má- fé do
servidor, o que não foi demonstrado nos autos.
4. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem-se firmado no sentido de que, no exercício
da competência que lhe foi atribuída pelo art. 71, inc. III, da Constituição da República, o Tribunal
de Contas da União cumpre os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo
legal quando garante ao interessado - como se deu na espécie - os recursos inerentes à sua
defesa plena.
5. Ato administrativo complexo, a aposentadoria do servidor, somente se torna ato perfeito e
acabado após seu exame e registro pelo Tribunal de Contas da União.
6. Segurança parcialmente concedida.
(STF , MS 26085, Relatora Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, julgado em 07/04/2008, DJe-107
divulg 12-06-2008 public 13-06-2008 ement vol-02323-02 PP-00269 RTJ VOL-00204-03 PP-
01165)".
Ainda, no julgamento do RE 587.371, o Pleno do STF ressaltou, conforme excerto do voto do
Ministro Relator: "... 2) preservados, no entanto, os valores da incorporação já percebidos pelo
recorrido, em respeito ao princípio da boa - fé , (...)" ( STF , RE 587371, Relator: Min. Teori
Zavascki, Tribunal Pleno, julgado em 14/11/2013, acórdão eletrônico Repercussão Geral - Mérito,
DJe-122 divulg 23.06.2014, public 24.06.2014).
E, mais recentemente, o Pleno do STF, ao julgar o RE 638115, novamente decidiu pela
irrepetibilidade dos valores recebidos de boa fé, conforme a ata de julgamento de 23.03.2015,
abaixo transcrita:
"Decisão: Preliminarmente, o Tribunal, por maioria, apreciando o tema 395 da repercussão geral,
conheceu do recurso extraordinário, vencidos os Ministros Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia
e Celso de Mello. Em seguida, o Tribunal, por maioria, deu provimento ao recurso extraordinário,
vencidos os Ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia e Celso de Mello. O Tribunal, por maioria, modulou
os efeitos da decisão para desobrigar a devolução dos valores recebidos de boa-fé pelos
servidores até esta data, nos termos do voto do relator, cessada a ultra-atividade das
incorporações concedidas indevidamente, vencido o Ministro Marco Aurélio, que não modulava os
efeitos da decisão. Impedido o Ministro Roberto Barroso. Presidiu o julgamento o Ministro Ricardo
Lewandowski. Plenário, 19.03.2015.
(RE 638115, Relator Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 19/03/2015, processo
eletrônico Repercussão Geral - Mérito DJe-151 divulg 31-07-2015 public 03-08-2015)".
De sua vez, o e. Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de ser indevida a
restituição de valores recebidos de boa fé em decorrência de erro da Administração:
"PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. PAGAMENTO INDEVIDO. BOA-FÉ. ERRO DA
ADMINISTRAÇÃO. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO DE VALORES.
IMPOSSIBILIDADE.
1. Conforme a jurisprudência do STJ, é incabível a devolução de valores percebidos por
pensionista de boa-fé por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da
Administração.
2. É descabido ao caso dos autos o entendimento fixado no Recurso Especial 1.401.560/MT,
julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, pois não se discute na espécie a restituição de valores
recebidos em virtude de antecipação de tutela posteriormente revogada.
3. Recurso Especial não provido.
(STJ, REsp 1553521/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em
03/11/2015, DJe 02/02/2016) e
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. DEVOLUÇÃO DOS VALORES
PAGOS EM RAZÃO DE ERRO DA ADMINISTRAÇÃO NA CONCESSÃO DE BENEFÍCIO.
DESNECESSIDADE. BOA-FÉ DO SEGURADO. HIPOSSUFICIÊNCIA. NATUREZA ALIMENTAR
DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO.
É incabível a devolução pelos segurados do Regime Geral da Previdência Social de valores
recebidos em decorrência de erro da Administração Pública. Entendimento sustentado na boa-fé
do segurado, na sua condição de hipossuficiente e na natureza alimentar dos benefícios
previdenciários.
Agravo regimental desprovido.
(AgRg no Ag 1170485/RS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em
17/11/2009, DJe 14/12/2009)".
Por conseguinte, é de se manter a decisão administrativa de cancelamento da aposentadoria
especial recebida de forma cumulativa, porém, afastando-se a cobrança dos valores recebidos de
boa-fé pelo segurado.
Todavia, no que concerne aos descontos já efetuados, não há que se falar em restituição à parte
autora, uma vez que foram realizados no âmbito administrativo, no exercício do poder-dever da
autarquia de apurar os atos ilegais, nos termos da Súmula 473, do STF :
"A administração pode anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornam ilegais,
porque deles não se originam direitos; ou revoga-los, por motivo de conveniência ou
oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação
judicial".
Com efeito, uma vez descontado pelo INSS, não se pode cogitar na hipótese de devolução de
valores, compelindo a administração a pagar algo que, efetivamente, não deve. A natureza
alimentar do benefício não abarca as prestações já descontadas e que não eram devidas.
Tendo o instituto decaído de parte do pedido, vez que não reconhecido o direito à cobrança dos
valores recebidos de boa-fé pelo segurado, devem ser observadas as disposições contidas no
Art. 86, do CPC. A autarquia previdenciária está isenta das custas e emolumentos, nos termos do
Art. 4º, I, da Lei 9.289/96, do Art. 24-A, da Lei 9.028/95, com a redação dada pelo Art. 3º da MP
2.180-35/01, e do Art. 8º, § 1º, da Lei 8.620/93 e a parte autora, por ser beneficiária da
assistência judiciária integral e gratuita, está isenta de custas, emolumentos e despesas
processuais.
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido para rescindiro julgado e, em novo julgamento,
JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido deduzido nos autos da ação originária.
É o voto.
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5011580-87.2018.4.03.0000
RELATOR: Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
AUTOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
REPRESENTANTE: BENILDES ALVES MOREIRA
RÉU: ESPÓLIO DE LOURENCO ALVES MOREIRA - CPF: 361.928.808-91
Advogado do(a) RÉU: MARCOS ALMEIDA DE ALBUQUERQUE - SP278808-N,
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. CUMULAÇÃO DE
BENEFÍCIOS. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ ACIDENTÁRIA E APOSENTADORIA
ESPECIAL. ART. 57, DA LEI 3.807/60. IMPOSSIBILIDADE. IRREPETIBILIDADE DOS VALORES
RECEBIDOS DE BOA-FÉ PELO SEGURADOPOR ERRO DA ADMINISTRAÇÃO.
1. Ocolendo Superior Tribunal de Justiça, em sede de julgamento de recurso representativo da
controvérsia, firmou o entendimento no sentido de que"os atos administrativos praticados antes
da Lei 9.784/99 podem ser revistos pela Administração a qualquer tempo, por inexistir norma
legal expressa prevendo prazo para tal iniciativa. Somente após a Lei 9.784/99 incide o prazo
decadencial de 5 anos nela previsto, tendo como termo inicial a data de sua vigência (01.02.99)".
2.A percepção conjunta de aposentadoria por invalidez acidentária e aposentadoria especial
encontrava expressa vedação legal no Art. 57, da Lei 3.807/60, vigente na época daconcessão
dos benefícios.
3.Reconhecida alegitimidadedo procedimento administrativo realizado pela autarquia
previdenciária, que, após identificar o indevido recebimento cumulativo das aposentadorias,
decidiucessara de menor valor, tendo oportunizadoao segurado o exercício do contraditório e da
ampla defesa, facultando-lhe, inclusive, a opção pelo benefício mais vantajoso.
4.Pelo princípio da autotutela, a Administração Pública possui o poder-dever de rever seus atos
quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou
revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e
ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.
5.A íntegra do processo administrativo que instrui os autos revela que o segurado obteve a
concessão administrativade aposentadoria especial a partir de30/01/1968. Posteriormente, no
ano de 1973, por força de decisão judicial, passou a receberaposentadoria por invalidez
acidentária, com data de início retroativa a 01/02/1968.
6. Os valores foram recebidos de boa-fé e por erro da Administração, haja vista que manteve o
pagamento simultâneo de ambos os benefícios, ainda que a legislação vigente não autorizasse.
7.Restou pacificado pelo e. Supremo Tribunal Federal, ser desnecessária a restituição dos
valores recebidos de boa fé, devido ao seu caráter alimentar, em razão do princípio da
irrepetibilidade dos alimentos (MS 26085, Relatora Ministra Cármen Lúcia, Tribunal Pleno; RE
587371, Relator Ministro Teori Zavascki, Tribunal Pleno; RE 638115, RE 638115, Relator Ministro
Gilmar Mendes, Tribunal Pleno).
8. Uma vez descontado pelo INSS, não se pode cogitar na hipótese de devolução de valores,
compelindo a Administração a pagar algo que, efetivamente, não deve. A natureza alimentar do
benefício não abarca as prestações já descontadas e que não eram devidas.
9.Tendo a autoria decaído de parte do pedido, devem ser observadas as disposições contidas no
Art. 86, do CPC.
10. Pedido de rescisão do julgado procedente e pedido originário parcialmente procedente.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Seção, por
unanimidade, decidiu julgar procedente o pedido para rescindir o julgado e, em novo julgamento,
julgar parcialmente procedente o pedido deduzido nos autos da ação originária, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
