Processo
AR - AÇÃO RESCISÓRIA / SP
5016162-67.2017.4.03.0000
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO OCTAVIO BAPTISTA PEREIRA
Órgão Julgador
3ª Seção
Data do Julgamento
27/08/2019
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 29/08/2019
Ementa
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5016162-67.2017.4.03.0000
RELATOR: Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
AUTOR: MARIA ANGELA GALLERANI CARBONI
Advogado do(a) AUTOR: THAIENE TALITA GABUS POLLINI - SP373723-A
RÉU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 966, V E VIII, DO CPC. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR
TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ALTERAÇÃO DO COEFICIENTE DE CÁLCULO. INCLUSÃO DE
TEMPO DE LABOR URBANO. INEXISTÊNCIA DE ERRO DE FATO E DE VIOLAÇÃO
MANIFESTA DE NORMA JURÍDICA.
1. O erro de fato, na acepção dada pelo o Art. 966, VIII, do Código de Processo Civil, implica
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
assumir-se como existente fato inexistente, ou como inexistente fato efetivamente ocorrido, sendo
indispensável, em ambos os casos, que o fato não represente ponto controvertido sobre o qual o
juiz deveria ter se pronunciado.
2. O entendimento esposado pelo julgado, no sentido da impossibilidade de reconhecimento do
tempo de trabalho pleiteado pela parte autora, fundamentou-se na ausência de início de prova
material, bem como na fragilidade da prova testemunhal produzida.
3. A análise do conjunto probatório, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa e da
persuasão racional do magistrado, não induz à existência de erro de fato.
4. A decisão rescindenda, ao considerar não comprovada a relação de emprego da parte autora
junto à empresa familiar, amparou-se em precedentes jurisprudenciais com o mesmo
entendimento, o que revela que a interpretação legal adotada não foi anômala nem aberrante,
mas pautada pelo critério da razoabilidade, com respaldo em outros julgados no mesmo sentido.
5. Inexistência de violação manifesta de norma jurídica.
6. Pedido de rescisão do julgado improcedente.
Acórdao
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5016162-67.2017.4.03.0000
RELATOR: Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
AUTOR: MARIA ANGELA GALLERANI CARBONI
Advogado do(a) AUTOR: THAIENE TALITA GABUS POLLINI - SP373723-A
RÉU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5016162-67.2017.4.03.0000
RELATOR: Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
AUTOR: MARIA ANGELA GALLERANI CARBONI
Advogado do(a) AUTOR: THAIENE TALITA GABUS POLLINI - SP373723-A
RÉU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação rescisória proposta com fundamento no Art. 966, V e VIII, do Código de
Processo Civil, com vista à desconstituição da decisão monocrática proferida nos autos da
apelação cível n° 1999.61.17.002075-4, de relatoria do eminente Desembargador Federal Souza
Ribeiro, por meio da qual deu provimento à apelação do INSS e ao reexame necessário para
reformar a r. sentença proferida pelo MMº. Juízo da 1ª Vara Federal de Jaú/SP,que julgara
parcialmente procedente o pedido formulado naqueles autos,a fim de reconhecero tempo de
trabalho do autor no período a partir de 26/08/1960 atéa julho de 1964, com o consequente
recálculo da renda mensal inicial de sua aposentadoria por tempo de contribuição.
A decisão rescindenda transitou em julgado em 14/10/2015(ID 1052845, p. 95). Esta ação foi
ajuizada em 01/09/2017.
A parte autora sustenta, em síntese, que, houve erro de fato no julgado, em razão do não
reconhecimento do labor do segurado, "na condição de empregado da Empresa do Grupo
Familiar IRMÃOS CARBONI, entre 26/08/1960 a julho de 1964 (objeto dasentença parcial), dado
que preenchia os requisitos da Lei 8.213/91 e a própria posiçãojurisprudencial".
Argumenta que "os documentos dos autos comprovam sem qualquerconstrangimento que o Autor
falecido prestou serviços junto a empresa que tinha comoproprietários seus tios e seu Pai, fato
comum e corriqueiro à época e até nos dias atuais".
Acresce que eventual início de prova material desse tempo de serviço foi perdido em razão de
inundação no local de trabalho, o que enquadra o caso à circunstância prevista no Art. 55, § 3º,
da Lei 8.213/91. Não obstante, afirma que a causa foi carreada com farta prova material indiciária.
Alega, ainda,que a decisão rescindenda desvirtuouos documentos probatórios, "assim como
desqualificou a prova testemunhal colhida, ignorando queestas esclareceram com riqueza de
detalhes, que o autor falecido desde tenra idade trabalhavadiuturnamente na referida empresa,
assim como, que a mesma pertencia aos tios e pai do mesmo,inclusive, que todos os filhos e
sobrinhos ali trabalhavam e estudavam no período noturno".
Aduz que não há qualquer vedação legal que impeça que um filho seja considerado empregado
de seu pai, mormente quando o pai é apenas um dos sócios da empresa.
Requer arescisão do julgado para que, em nova decisão, este Tribunal julgue totalmente
procedente o pedido formulado nos autos originários.
Os benefícios da gratuidade da justiça foram concedidos(ID 1103095).
Em contestação, o réu sustenta a inexistência de violação manifesta de norma jurídica e de erro
de fato no julgado (ID 1323122).
Por considerar desnecessária a produção de novas provas, determinei o encaminhamento dos
autos ao Ministério Público Federal, para que oferecesse o seu parecer (ID 1541805).
O MPF manifestou-se pelo regular prosseguimento do feito, sem a sua intervenção (ID 2016281).
É o relatório.
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5016162-67.2017.4.03.0000
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RÉU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A controvérsia nos autos cinge-se à questão sobre eventual existência de erro de fato e de
violação manifesta de norma jurídica no julgado, por ter a decisão rescindenda desconsiderado o
conjunto probatório e desrespeitado a legislação de regência, ao deixar de reconhecer o tempo
de trabalho do autor, junto à empresa IRMÃOS CARBONI, no período de 26/08/1960 a julho de
1964, o que possibilitaria o recálculo da renda mensal inicial de seu benefício de aposentadoria.
Consta que o autor originário, nascido em 25/07/1942 (ID 1052525 - p. 39), titular de
aposentadoria por tempo de contribuição desde 10/12/1993 (ID 1052525 - p. 21), ingressou com
ação judicial em que pretendia o reconhecimento do tempo de labor urbano, junto à empresa J.J.
IRMÃOS CARBONI, no intervalo de 31/07/1950 a 31/07/1964. Requereu, assim, a concessão de
aposentadoria por tempo de contribuição com termo inicial em data anterior, a partir de
27/09/1991 (quando teria somado 35 anos de contribuição), com o cancelamento do benefício até
então usufruído. Subsidiariamente, pleiteou que o tempo de trabalho reclamado fosse computado
no seu tempo de serviço, para a alteração do coeficiente de cálculo de seu benefício, com
repercussão sobre o valor da renda mensal.
Dessa forma, a pretensão da parte autora naqueles autos era de reconhecimento do tempo de
labor urbano no período de 31/07/1950 a 31/07/1964, com vista à revisão do ato de concessão de
sua aposentadoria por tempo de contribuição.
Consoante a narrativa na inicial da presente demanda, o autor falecido (óbito ocorrido em
18/07/2001, cfe. ID 1052807 - p. 13) "carreou aos autos, farta prova material indiciária, que
consolidariam [sic] a prestação do trabalho”. Faz-se menção aos seguintes documentos:
“a) Declaração subscrita pelo ex-empregador, em que confirma a real prestação do trabalho pelo
Autor, no período pleiteado na J J e JA., inclusive submetendo-se as penas previstas pela Lei, fls.
05 do apenso do procedimento administrativo;
b) Certidão fornecida pela Prefeitura Municipal local, comprovando a existência da empresa,
dentro do período alvo da J.J e da J.A., fis. 06 do apenso do procedimento administrativo;
c) Declaração fornecida pela ex-empregadora, em que constata, não haver nenhum tipo de
documento comprobatório da prestação do trabalho, haja vista ocorrência notória (enchente), fis.
07 do apenso do procedimento administrativo;
d) Cópia fotostática de ficha de associado do Aero Clube de Jaú, em que consta em observação,
o local de trabalho e da suposta data de admissão na empresa Irmãos Carboni, fls. 09 do apenso
do procedimento administrativo;
e) Declaração de referido Clube, ratificando que a cópia foi extraída do original, existente nos
arquivos da associação, fls. 08 do apenso do procedimento administrativo;
f) Cópia fotostática completa da perícia realizada na empresa por ocasião da ocorrência notória
(inundação), ocorrida em 1 6.02.65, fls. 11 a 23 do apenso -do procedimento administrativo;
g) Declaração fornecida pelo Prefeito da época sobre a ocorrência de outra inundação ocorrida no
ano de 1974, fls. 24 do apenso do procedimento administrativo;
h) Cópia fotostática de matricula escolar datada de 1962 e 1963, em que o Autor declarou como
local de trabalho, o mesmo endereço da sede da empresa, fis. 2 7/29 do apenso do procedimento
administrativo;
i) Declaração conjugada com Boletim de Ocorrência Policial, do acidente sofrido pelo Autor no
ano de 1969, em que comprova que todos documentos foram destruído por força do incêndio em
seu veículo, fis. 30 a 35 do apenso do procedimento administrativo;
j) Partes de um caderneta de contribuição do extinto IAPETEC (Instituto de aposentadorias e
pensões), comprovando a vinculação do Autor com aquele extinto Instituto, constante dos autos
principal do procedimento administrativo;
k) certificado de reservista datado de 1961 em que o mesmo foi qualificado como “comerciante””.
A r. sentença proferida naqueles autos julgou parcialmente procedente o pedido (ID 1167348, p.
2-7), nestes termos:
“Trata-se de ação de conhecimento condenatória, de rito ordinário, movida por IVO CELSO
CARBONI, já qualificado nos autos, em relação ao INSS, visando à obtenção de aposentadoria
integral por tempo de serviço, com termo inicial em 27 de setembro de 1991. Requer, desse
modo, o cancelamento do benefício proporcional que recebe atualmente, que teve data inaugural
em outubro de 1993. De qualquer forma, pugna pelo reconhecimento do período de junho de
1950 a julho 1964 como período efetivamente trabalhado. Por fim, postula a condenação da
Autarquia-ré no pagamento custas e honorários advocatícios.
Com a inicial, vieram documentos (f. 02/21). À f. 29/76, constam as cópias procedimento
administrativo que concedeu o beneficio ao autor em outubro de 1993.
Citado, o INSS apresentou contestação, em que alegou, preliminarmente: 1) inexistência de
litígio, pois nenhuma outra contagem tempo de serviço ou benefício foram negados; 2) que o
beneficio objetivado nesta ação não foi requerido administrativamente; 3) ausência de
documentos que comprovem o indeferimento administrativo do benefício. No mérito, pugna pela
improcedência da ação, pois não há prova da existência de contrato de trabalho de 31.07.1950 a
31.07.1964.
Às f. 107, há juntada de cópia da justificação judicial. O processo foi saneado às f. 233. Às f.
257/266, constam os termos da audiência de instrução e julgamento, em que fora tomado
depoimento pessoa do autor e forma ouvidas três testemunhas. As partes autora e ré
apresentaram memoriais, respectivamente às f. 270/275 e às f. 277/285. Às f. 292/748, há a
juntada completa do procedimento administrativo de concessão do benefício.
É o relatório.
PRELIMINAR
O INSS formulou alegações que se consubstanciam na ausência de interesse de agir - na
modalidade necessidade - pela falta de requerimento administrativo do benefício perseguido.
Como venho decidindo em casos semelhantes, afasto tal preliminar de carência de ação, pois a
Constituição, em seu artigo 5º, XXXV, garante o amplo acesso ao Judiciário, sem limitá-lo a uma
prévia postulação perante as vias administrativas.
Trata-se de entendimento praticamente pacífico do Egrégio Tribunal Federal da 3ª Região, cujas
decisões são no sentido da desnecessidade de prévio requerimento administrativo, em tributo ao
princípio da inafastabilidade da jurisdição.
Seja como for, a questão parece estar superada diante da formalização, levada a efeito pelo
autor, de um procedimento de justificação judicial, já apreciado pela autarquia previdenciária em
sede administrativa, quando buscou obter extrajudicialmente a averbação do tempo de serviço
pleiteada (vide f. 107 e ss.).
Em realidade, pela análise das cópias juntadas às folhas 107 observo que o autor buscou sua
pretensão anteriormente nas instâncias administrativas, tendo exercitado inclusive seu direito de
recorrer e não obteve êxito no pedido, ante a falta de elementos razoáveis de prova.
DA VALORAÇÃO DAS PROVAS
No tocante à alegação do INSS de que a prova exclusivamente testemunhal não basta para
comprovar o tempo de serviço, rejeito-a porque a garantia insculpida no art. 5º, inciso LVI,
somente proíbe as provas obtidas por meios ilícitos, o que autoriza concluir que todas as demais
provas são válidas e poderão ser utilizadas.
Ao presente caso, aplica-se a garantia constitucional insculpida no inciso LVI do art. 5º da CF/88,
que proíbe, apenas e tão-só, ao juiz se valer de provas ilícitas. Sim, interpretada a contrario
sensu, essa garantia constitucional permite ao juiz se utilizar de todas as outras provas, sem se
ater a quaisquer resquícios de prova legal.
Em realidade, a posição do INSS - de postular a não-admissão da prova exclusivamente
testemunhal -, concessa venia, também contraria as normas dos arts. 131 e 332 do Código de
Processo Civil, que preferiram obstar a tendência voltada à valorização da prova legal.
Finalmente, a regra do art. 55, § 3º, da LB dirige-se à administração da Previdência e só a ela
obriga. Sendo assim, todas as provas produzidas neste processo serão valoradas à luz do
sistema do devido processo legal e serão analisadas sob o pálio das regras conformadas no art.
333 do Código de Processo Civil, que cuida da questão concernente ao ônus da prova.
No caso sub judice, ainda existe um pormenor: o autor alega que alguns documentos que
poderiam comprovar seu trabalho no período pretendido (julho de 1950 a julho de 1964) foram
extraviados em razão de uma enchente que vitimou a empresa, bem como em razão de uma
acidente de veículo que o deixou em chamas e eliminou documentos.
Todavia, a questão de se considerar ocorrido caso fortuito, ou a força maior, para os fins do
parágrafo 3º do art. 55 da Lei nº 8.213/91 - hipótese em que estaria legitimada a suficiência da
exclusividade da prova testemunhal – não será tema deste julgamento, porque, de acordo com as
considerações destiladas acima, todas as provas produzidas, inclusive a testemunhal, serão
consideradas válidas e serão levadas em linha de conta na forma estipulada no art. 333 do
Código de Processo Civil.
Pois bem, da análise dos documentos trazidos aos autos, após leitura específica de todos eles,
não se pode afirmar que exista algum deles que indique, quantum satis, a existência de uma
relação jurídica de emprego, stricto sensu, mantida entre as empresas e o autor.
Constata-se que o autor nasceu em 25 de julho de 1942, mas pretende ver reconhecido tempo de
serviço a partir do ano de 1950. Trata-se de pedido difícil de ser acolhido, porque não se concebe
que um garoto de oito anos possa estar desempenhando a figura jurídica de um empregado, nas
circunstâncias verificadas nos autos, em que se tratava de uma empresa familiar.
Realmente, não é possível, diante da ausência de provas neste sentido – afirmar a existência de
uma relação de emprego em sentido estrito, pois não se pôde identificar todos os elementos
dessa relação, como a continuidade, pessoalidade, remuneração, subordinação etc, ex vi o
disposto nos art. 3º da Consolidação das Leis do Trabalho.
Por outro lado, as testemunhas arroladas pelo autor afirmaram que ele trabalhou, desde pequeno,
nas empresas da família. Vide, neste sentido, os depoimentos de fl. 259/260 (Edio Cavassani),
263/264 (José Dirceu Musitano Piragino).
Contudo, o que é possível identificar, nos depoimentos das testemunhas, é a ausência de
precisão a respeito da questão, sobretudo no tocante ao aspecto temporal, pois os depoimentos
são vagos e genéricos – algo comum em razão do tempo decorrido desde aquela época – ao
ponto de impossibilitar um juízo de valor definitivo sobre um período de tempo tão longo de
trabalho (1950 a 1964).
Considerar provado todo o período pretendido seria uma conduta temerária por parte deste
magistrado, o que não o impede de verificar a possibilidade de se constatar a existência de um
período fracionário, a ser considerado como tempo de serviço para fins de aposentadoria.
De todo modo, foi a mesma ausência de provas concernentes a todo o período mencionado que
fez com que o autor não obtivesse acolhimento de sua pretensão em todas as instâncias
administrativas, já suscitadas.
QUESTÕES DE DIREITO
Mas existem outros pormenores que complicam o espectro jurídico desta causa. É que somente
26 de agosto de 1960 – com o advento da Lei nº 3.807/60, nominada Lei Orgânica da Previdência
Social – criou-se um plano nacional de Previdência Social, devidamente padronizado.
Antes de 1960, não havia um plano nacional unificado de previdência social, embora já estivesse
surgindo a uniformização de políticas legislativas sobre Previdência Social desde 1940. O
Regulamento Geral dos Institutos de Aposentadorias e Pensões, plasmado no Decreto nº 35.448,
de 1º de maio de 1954, já havia uniformizado princípios gerais aplicáveis a todos os institutos de
pensão, mas ainda não havia padronização do sistema assistencial.
A literatura sobre o assunto ainda ensina que a Lei nº 3.807/60 foi várias vezes alterada,
principalmente pelos Decretos-leis nº 66 e 72, ambos de 1966. Por este último, os institutos de
aposentadorias e pensões foram unificados, centralizando-se a organização no Instituto Nacional
de Previdência Social, autarquia que reuniu numa só entidade a concessão de benefícios da
previdência.
Dito isso, pode-se obtemperar que o INSS somente poderia computar contribuições vertidas à
previdência aquelas que foram comprovadas pelos pretéritos institutos e casas de pensão. Do
contrário, a ausência de contribuições implicaria a perda da qualidade de segurado do
contribuinte.
O que ocorreu no presente processo? Pretende o autor ver reconhecido como tempo de serviço
um período de catorze anos, dentre os quais dez anos num intervalo de tempo em que não havia
um sistema unificado de previdência e não era obrigatória a filiação.
Dessarte, nestes dez primeiros anos (de 1950 a 1960), em que o sistema de previdência não era
unificado legalmente num plano nacional, não é possível conceder o reconhecimento do tempo de
serviço, com reflexos no cálculo da aposentadoria, porque: (a) a prova do tempo de serviço, como
empregado stricto sensu, não é suficiente; (b) a filiação não ocorria ope legis, mas dependia de
inscrição do segurado.
Porém, esses óbices não persistem a partir do advento da Lei nº 3.807/60, pois: a uma, porque é
possível considerar provado o tempo de serviço a partir daí, quanto o autor já tinha vinte anos de
idade, tornando plausível suas alegações (das testemunhas, inclusive) de que realmente prestava
serviço; a duas, porque, a partir do advento dessas LOPS, a filiação passou a decorrer de lei e
ser obrigatória, manifestando-se a filiação a partir do momento em que a pessoa física passa a
desempenhar alguma das atividades ali previstas como de filiação obrigatória e o trabalho na
relação de emprego implicava obrigatoriedade da filiação; a três, porque, a partir do advento da
Lei nº 3.807/60, a responsabilidade pelo recolhimento das contribuições era da empresa, de
modo que a ausência da comprovação dos recolhimentos não poderá prejudicar o autor.
Sendo assim, a pretensão do autor deverá ser parcialmente acolhida, reconhecendo-se como
tempo de serviço o desenvolvido desde a vigência da Lei nº 3.807/60, em 26-8-1960, até julho de
1964, inclusive, operando-se os reflexos disso no cálculo da renda mensal do benefício.
DISPOSITIVO
Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO e extingo o processo
com julgamento do mérito, na forma do art. 269, I, do Código de Processo Civil. Condeno o INSS
a reconhecer, em favor de IVO CELSO CARBONI, como tempo de serviço, o período a partir da
vigência da Lei nº 3.807/60 até julho de 1964, com o quê deverá ser recalculado o valor da
aposentadoria, modificando-se a data do início do benefício, bem como o percentual aplicável
sobre o salário-de-benefício, que resultará num aumento da renda mensal”.
Os embargos de declaração opostos contra a decisão de primeiro grau foram acolhidos para o fim
de esclarecer que “não há que se falar em cancelamento do benefício que vinha sendo pago ao
autor, mas de recálculo de sua renda mensal inicial, mediante o aumento percentual incidente
sobre o salário-de-benefício, com o consequente pagamento das diferenças” (ID 1052807, pp. 27-
28).
Por sua vez, a decisão rescindenda (ID 1052817, pp. 14-18), ao proceder ao reexame necessário
e à análise da apelação interposta pela autarquia previdenciária, assim se pronunciou:
"A matéria comporta julgamento monocrático, nos moldes do art. 557 do Código de Processo
Civil, considerando os precedentes jurisprudenciais a respeito.
Inicialmente, observo que a sentença está sujeita ao reexame necessário, a teor do disposto na
Súmula nº 490 do Superior Tribunal de Justiça.
Nos termos do art. 55, caput, da Lei nº 8.213/91, o tempo de serviço será comprovado na forma
estabelecida no Regulamento, sendo que, consoante o parágrafo 3º do referido dispositivo, essa
comprovação só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo
admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou
caso fortuito.
Para comprovar o tempo de serviço prestado sem registro em CTPS, no período compreendido
entre 1950 e 1964, o autor trouxe aos autos justificação judicial, na qual as testemunhas ouvidas
teriam confirmado o trabalho do autor na empresa "Irmãos Carboni".
No tocante à não apresentação de início de prova material, sustenta o autor a ocorrência de
"motivo de força maior", em razão da destruição dos documentos que comprovariam o tempo de
serviço por inundações no seu local de trabalho e incêndio em seu veículo.
Independentemente da comprovação ou não da ocorrência de motivo de força maior, o fato é
que, pelo conjunto probatório dos autos, não é possível aferir se o trabalho exercido pelo autor se
deu na qualidade de empregado. As testemunhas ouvidas em juízo (fls. 259/264) não souberam
informar, com precisão, se o autor recebia algum tipo de salário pelo trabalho realizado na
empresa da família, bem como qual era a jornada de trabalho. Aliás, o próprio autor, em seu
depoimento pessoal, afirmou que "para ganhar uma espécie de mesada, tinha que trabalhar na
empresa" (fls. 257).
Com efeito, a CLT, no seu art. 3º, assim define o empregado:
"Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a
empregador, sob a dependência deste e mediante salário."
Pela leitura do artigo supra transcrito, verifica-se que não há como enquadrar o autor na
qualidade de empregado, pois não está comprovado o vínculo empregatício e de dependência,
próprio das relações de emprego.
Observo, ademais, que o autor era filho de um dos proprietários do estabelecimento. É incomum
que um filho preste serviços ao pai com vínculo empregatício, de forma direta. Verifica-se, por
vezes, que o filho seja registrado como empregado de empresa do pai, mas a prestação de
serviços direta ao pai, com vínculo empregatício, não é comum. Por isso, não é crível que o autor
tenha prestado serviços ao seu pai, na qualidade de empregado, mormente porque teria iniciado
essa atividade quando ainda criança.
Portanto, sendo o autor filho do proprietário da empresa, não há como considerar a existência de
relação de emprego apenas com os dados constantes dos autos. Logo, para haver o
reconhecimento do referido período, o autor teria que comprovar o recolhimento das contribuições
previdenciárias.
Nesse sentido é o entendimento deste Tribunal, ao que se verifica da leitura dos julgados que
transcrevo a seguir:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. RECONHECIMENTO DA
ATIVIDADE DE ALFAIATE. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL DA RELAÇÃO EMPREGATÍCIA
E DE CONTRIBUIÇÕES. IMPROCEDÊNCIA.
- O artigo 55, § 3º, da Lei n° 8.213/91, exige início de prova material para a comprovação de
tempo de serviço, para fins previdenciários, sendo insuficiente a produção de prova testemunhal,
inválida à comprovação do tempo de serviço almejado.
- A ausência de prova material impede o reconhecimento do labor como alfaiate, no
estabelecimento do irmão, no período de março de 1955 a dezembro de 1970.
- O pedido de reconhecimento de relação empregatícia em relação ao irmão, na medida em que
"era este quem possuía o poder de comando, de direção, de disciplina", inviabiliza o enfoque
como empresa familiar.
- Para o reconhecimento de atividade exercida como autônomo, imperiosa a indenização do
período correspondente, conforme previsão do artigo 96, inciso IV, da Lei nº 8.213/91.
- O autor é responsável pelas conseqüências adversas da lacuna do conjunto probatório, quanto
às suas alegações, cabendo-lhe o ônus de provar o fato constitutivo de seu direito (art. 333, I, do
CPC).
- Observância do princípio da livre convicção motivada.
- Os recolhimentos como autônomo e os períodos anotados em CTPS somam 25 anos, 9 meses
e 2 dias, insuficientes à concessão de aposentadoria.
- Apelação a que se nega provimento.
(AC 97030175490, DESEMBARGADORA FEDERAL THEREZINHA CAZERTA, TRF3 - OITAVA
TURMA, DJF3 CJ2 DATA:10/02/2009 PÁGINA: 713.)
PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO DECLARATÓRIA VISANDO RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE
URBANA, FILHO QUE TRABALHA EM ESTABELECIMENTO COMERCIAL DO PAI. EMPRESA
FAMILIAR. DESCARACTERIZAÇÃO. ENQUADRAMENTO COMO CONTRIBUINTE
INDIVIDUAL. NECESSIDADE DE INDENIZAÇÃO.
1. A relação empregatícia que o Autor pretende que seja reconhecida, na condição de empregado
torna-se enfraquecida, pois sua co-participação no negócio da família não era simplesmente
como empregado, mas como proprietário da empresa, inclusive executando as mais variadas
tarefas no estabelecimento.
2. Não restou demonstrado nenhum dos requisitos previstos para formalização do contrato de
trabalho, consoante o artigo 3º da Consolidação das Leis do trabalho.
3. Não há como enquadrar o Autor como "empregado", mas como contribuinte individual,
segundo o no artigo 5, inciso III da Lei n 3.807/60,
4. Somente mediante o pagamento das contribuições, nos termos do 96, IV, da Lei n 8.213/81
poderia a Autarquia ser condenada a computar o período pretendido e expedir a certidão de
tempo de serviço ou averbá-lo.
5. Apelação não provida.
(AC 200503990412424, DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO, TRF3 - SÉTIMA
TURMA, DJF3 DATA:23/07/2008.)
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL TIDA POR INTERPOSTA.
AGRAVO RETIDO - TUTELA ANTECIPADA NA SENTENÇA - DESCABIMENTO.
APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. TRABALHADOR URBANO.
RECONHECIMENTO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE ATIVIDADE LABORATIVA
DE BALCONISTA EXERCIDA EM EMPRESA FAMILIAR DE 12.09.1963 A 11.04.1972.
NECESSIDADE DE INDENIZAÇÃO PELAS CONTRIBUIÇÕES NÃO PAGAS AO TEMPO EM
QUE DEVIDAS. ARTIGO 96, IV, LEI Nº 8213/91. TEMPO LEGALMENTE EXIGIDO PARA
APOSENTADORIA PROPORCIONAL POR TEMPO DE SERVIÇO COMPROVADO.
CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. CUSTAS E DESPESAS PROCESSUAIS.
HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS.
(...)
VIII - Tendo o labor sido desenvolvido em empresa familiar, onde o autor agia como se
proprietário fosse, deve ser aplicado ao caso o artigo 96, IV, da Lei nº 8.213/91.
IX - Equiparado o autor à mesma condição do pai, ou seja, de titular de firma individual, à época
da prestação do trabalho, e sendo segurado obrigatório da Previdência Social, conforme dispunha
o artigo 5º, inciso III, da antiga LOPS (Lei nº 3.807, de 26/08/1960), estava obrigado ao
recolhimento das contribuições previdenciárias devidas, nos termos do artigo 79 da mesma lei.
X - O recolhimento das parcelas devidas a título de contribuição previdenciária deve obedecer as
normas vigentes à época da prestação do trabalho, aplicando-se à hipótese aquela contida no
artigo 144 do CTN.
XI - De acordo com a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, neste período,
referidas contribuições tinham caráter tributário. Somente a partir da Emenda 08/77, até a Carta
Magna de 1988 entrar em vigor, é que passaram a ter outro perfil.
(...)(AC 98030245953, JUIZ CONVOCADO HONG KOU HEN, TRF3 - NONA TURMA, DJF3
DATA:25/06/2008.)
Diante de todo o exposto, a sentença deve ser reformada, devendo ser julgado improcedente o
pedido.
Deixo de condenar a parte autora ao pagamento das verbas de sucumbência, por ser beneficiária
da assistência judiciária gratuita.
Posto isso, com fundamento no art. 557, § 1º-A, do Código de Processo Civil, DOU
PROVIMENTO à apelação do INSS e ao reexame necessário para, reformando a sentença, julgar
improcedente a demanda”.
O erro de fato, na acepção dada pelo o Art. 966, VIII, do Código de Processo Civil, implica
assumir-se como existente fato inexistente, ou como inexistente fato efetivamente ocorrido, sendo
indispensável, em ambos os casos, que o fato não represente ponto controvertido sobre o qual o
juiz deveria ter se pronunciado.
Como se observa, o entendimento esposado pelo julgado, no sentido da impossibilidade de
reconhecimento do tempo de trabalho pleiteado pela parte autora, fundamentou-se na ausência
de início de prova material, bem como na fragilidade da prova testemunhal produzida. Interpretou-
se, ainda, que o teor da declaração prestada pelo próprio autor, em seu depoimento pessoal, bem
como a pouca idade que ostentava quando do início do suposto contrato junto à empresa da
família, infirmavam o alegado labor naquele período.
Ao contrário do afirmado na inicial,todos os elementos carreados aos autos forampreviamente
debatidos entre as partes, constituindo objeto de expresso pronunciamento judicial.
Ressalte-se que a análise do conjunto probatório, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa
e da persuasão racional do magistrado, não induz à existência de erro de fato.
Certo ou errado, justo ou injusto, é do nosso sistema processual o princípio da livre convicção
motivada do magistrado, de modo que, tratando-se de valoração de prova, inexiste mecanismo
apto a rever tal posicionamento, salvo se presente o denominado erro de fato, hipótese que não
se confirma no caso dos autos.
Por outro turno, ficou patente que a decisão rescindenda, ao considerar não comprovada a
relação de emprego da parte autora junto à empresa familiar, amparou-se em precedentes
jurisprudenciais com o mesmo entendimento, o que revela que a interpretação legal adotada não
foi anômala nem aberrante, mas pautada pelo critério da razoabilidade, com respaldo em outros
julgados no mesmo sentido.
Nesse quadro, cabe salientar que a interpretação razoável da lei não dá azo a violação manifesta
de norma jurídica.
Ressai que, a pretexto dos vícios indicados, pretende a parte autora apenas a rediscussão do
quadro probatório produzido na lide subjacente, o que é vedado, sob pena de se atribuir à
rescisória a finalidade de mero recurso.
Sobre a impossibilidade de manejo de ação rescisória fundada unicamente no inconformismo da
parte, é firme a jurisprudência deste colegiado. Nesse sentido: AR 0015332-75.2006.4.03.0000,
Rel. Des. Fed. Marisa Santos, julg. 24/01/2013, e-DJF3 22/02/2013; AR 0049770-
30.2006.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Daldice Santana, julg. 10/05/2012, e-DJF3 21/05/2012; AR
0018516-97.2010.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Sergio Nascimento, julg. 23/02/2012, e-DJF3
06/03/2012; AR 0088493-84.2007.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Leide Polo, julgado em 09/02/2012,
e-DJF3 27/02/2012.
Destarte, de rigor a improcedência do pedido formulado na inicial, arcando a autoria com
honorários advocatícios de 10% sobre o valor atualizado dado à causa, que ficarão sob condição
suspensiva de exigibilidade, a teor do Art. 98, § 3º, do CPC, por se tratar de beneficiária da
gratuidade da justiça.
Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido de rescisão do julgado.
É o voto.
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5016162-67.2017.4.03.0000
RELATOR: Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
AUTOR: MARIA ANGELA GALLERANI CARBONI
Advogado do(a) AUTOR: THAIENE TALITA GABUS POLLINI - SP373723-A
RÉU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 966, V E VIII, DO CPC. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR
TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ALTERAÇÃO DO COEFICIENTE DE CÁLCULO. INCLUSÃO DE
TEMPO DE LABOR URBANO. INEXISTÊNCIA DE ERRO DE FATO E DE VIOLAÇÃO
MANIFESTA DE NORMA JURÍDICA.
1. O erro de fato, na acepção dada pelo o Art. 966, VIII, do Código de Processo Civil, implica
assumir-se como existente fato inexistente, ou como inexistente fato efetivamente ocorrido, sendo
indispensável, em ambos os casos, que o fato não represente ponto controvertido sobre o qual o
juiz deveria ter se pronunciado.
2. O entendimento esposado pelo julgado, no sentido da impossibilidade de reconhecimento do
tempo de trabalho pleiteado pela parte autora, fundamentou-se na ausência de início de prova
material, bem como na fragilidade da prova testemunhal produzida.
3. A análise do conjunto probatório, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa e da
persuasão racional do magistrado, não induz à existência de erro de fato.
4. A decisão rescindenda, ao considerar não comprovada a relação de emprego da parte autora
junto à empresa familiar, amparou-se em precedentes jurisprudenciais com o mesmo
entendimento, o que revela que a interpretação legal adotada não foi anômala nem aberrante,
mas pautada pelo critério da razoabilidade, com respaldo em outros julgados no mesmo sentido.
5. Inexistência de violação manifesta de norma jurídica.
6. Pedido de rescisão do julgado improcedente.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Seção, por
unanimidade, decidiu julgar improcedente o pedido de rescisão do julgado, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
