Processo
AR - AÇÃO RESCISÓRIA / SP
5014716-29.2017.4.03.0000
Relator(a)
Desembargador Federal LUIZ DE LIMA STEFANINI
Órgão Julgador
3ª Seção
Data do Julgamento
04/03/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 06/03/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. REVELIA. MANIFESTA VIOLAÇÃO A NORMA
JURÍDICA. ARTIGO 966, V, DO CPC. CERTIDÃO DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO
(CTC).ARTIGOS 40, §10, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E 96, INCISO II, DA LEI 8.213/91.
CONTAGEM FICTA DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
1.A decisão rescindenda transitou em julgado em 09.05.2017 (ID 972046) e esta ação rescisória
foi ajuizada em 16.08.2017 (ID 971813), obedecendo o prazo bienal decadencial e na vigência do
CPC/2015.
2. Decretada a revelia da parte ré, sem o efeito da confissão, visto que,na ação rescisória, o que
se ataca não é a sentença, mas ato oficial do Estado acobertado pelo manto da coisa julgada.
Assim sendo, e considerando que a coisa julgada envolve questão de ordem pública, a revelia
não produz confissão na ação rescisória. Precedente:AR 4.309/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP,
TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 11/04/2012, DJe 08/08/2012.
3.Objetiva o INSS desconstituir acórdão transitado em julgado, que reconheceu a natureza
especial das atividades exercidas pela requerente nos períodos de 01.02.1974 a 16.08.1975 e
01.07.1988 a 26.12.1990, determinando a expedição da respectiva certidão por tempo de serviço,
para fins de contagem de tempo em regime próprio de previdência social, mantido pelo Estado de
São Paulo. Fundamenta a pretensão rescisória no artigo 966, V, do CPC/2015 (manifesta
violação à norma jurídica), ante a impossibilidade de contagem ficta de tempo de contribuição
para expedição da sobredita certidão, conforme disposto nos artigos 96, I, da Lei nº 8.213/91 e
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
40, §10, da Constituição Federal.
4.Admite-se a rescisão de decisão judicial que viole manifestamente uma norma jurídica (art. 966,
V, do CPC).Amanifesta violação a norma jurídica deve ser flagrante, ou seja, evidente, direta, que
de modo patente deflagre conclusão contrária ao dispositivo legal, não configurando a decisão
rescindenda que se utiliza de uma dentre as interpretações possíveis ou de integração
analógica.É inadmissível a desconstituição do julgado com base em mera injustiça, em
interpretações controvertidas, embora fundadas. A rescisória não se confunde com nova instância
recursal. Exige-se mais, que o posicionamento adotado desborde do razoável, que agrida a
literalidade ou o propósito da norma.
5. Sobre o tema, já decidiu o STJ (REsp 448302/PR, 6ª Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido,
DJU de 10/03/2003): "Para fins de contagem recíproca de tempo de serviço, isto é, aquela que
soma o tempo de serviço de atividade privada, seja ela urbana ou rural, ao serviço público, não se
admite a conversão do tempo de serviço especial em comum, por expressa proibição legal.
Inteligência dos Decretos nº 72.771, de 6 de setembro de 1973, 83.080, de 24 de janeiro de 1979
(artigo 203, inciso I), 89.312, de 23 de janeiro de 1984 (artigo 72, inciso I) e da Lei nº 8.213/91
(artigo 96, inciso I). No mesmo sentido:TRF 3ª Região, TERCEIRA SEÇÃO, AR - AÇÃO
RESCISÓRIA - 11276 - 0013665-05.2016.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID
DANTAS, julgado em 11/04/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:22/04/2019.
6. Não é possível a conversão de tempo especial para comum, prestado junto ao Regime Geral
da Previdência Social, para fins de fruição de aposentadoria no setor público (RPSP).Nas
hipóteses de contagem recíproca, o INSS, ao expedir Certidão de Tempo de Contribuição - CTC,
considera apenas o período efetivamente laborado pelo à época segurado, sem proceder a
acréscimos pela insalubridade da atividade desempenhada. Cumpre esclarecerque, na hipótese,
não há divergência acerca da averbação do tempo de serviço especial reconhecido na sentença e
no acórdão, cingindo-se a controvérsia à possibilidade de expedição de certidão de tempo de
contribuição, com base no referido tempo de serviço, mediante conversão do tempo especial em
tempo comum, para fins de revisão de aposentadoria no serviço público.
7. No contexto do autos,conclui-se que a decisão rescindenda violou os artigos 40, § 10, da
Constituição Federal, e 96, I, da Lei nº 8.213/91, pois vedadaexpressamente, para fins de
contagem recíproca, a expedição de certidão de tempo de contribuição com o cômputo de tempo
ficto, resultante da conversão do tempo de serviço especial em comum.Portanto, em juízo
rescisório, deve ser desprovido parcialmente o recurso de apelação da ré, para vedar a expedição
de certidão de tempo de contribuição para fins de contagem recíproca com a inclusão de tempo
ficto, referente à atividade de natureza especial.
8. Ação rescisória julgada procedente,para desconstituir o julgado tão somente quanto a
determinação de expedição de certidão de tempo de contribuição para fins de contagem
recíproca com a inclusão de tempo ficto, referente a atividade de natureza especial, JULGANDO
IMPROCEDENTE o respectivo pedido na ação subjacente.
9. Condenada a parte réao pagamento da verba honorária, fixada em R$ 1.000,00 (mil reais), nos
termos da jurisprudência desta C. Seção, devendo ser observado o disposto no artigo 98, § 3º, do
CPC/2015, por tratar-se de beneficiária justiça gratuita.
Acórdao
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº5014716-29.2017.4.03.0000
RELATOR:Gab. 29 - DES. FED. LUIZ STEFANINI
AUTOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RÉU: SONIA MARIA ROCHA NEVES
OUTROS PARTICIPANTES:
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº5014716-29.2017.4.03.0000
RELATOR:Gab. 29 - DES. FED. LUIZ STEFANINI
AUTOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RÉU: SONIA MARIA ROCHA NEVES
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação rescisória ajuizada pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS
em face de SÔNIA MARIA ROCHA NEVES, com fundamento no artigo 966, V, do Código de
Processo Civil/2015, objetivando desconstituir julgado desta Corte, transitado em julgado em
09.05.2017, proferido pela Egrégia Décima Turma, que não conheceu do agravo retido, negou
provimento à remessa necessária e à apelação do INSS, e deu parcial provimento à apelação da
parte autora, para reconhecer a natureza especial das atividades exercidas nos períodos de
01.02.1974 a 16.08.1975, 19.08.1975 a 08.03.1986 e 01.07.1988 a 26.12.1990, bem como
determinar a expedição da respectiva certidão por tempo de serviço.
Relata o INSS que a ré é titular de benefício em regime próprio de previdência social mantido pelo
Estado de São Paulo e que requereu em juízo a revisão de certidão de tempo de contribuição
(CTC) para que determinados períodos fossem reconhecidos especiais pela autarquia. Salienta
que a sentença de procedência foi parcialmente reformada para que fossem acrescentados
períodos especiais aos já reconhecidos, com a expedição da respectiva certidão.
Sustenta, contudo, que da decisão rescindenda “não se extrai nenhum excerto que enfrente o
tema da contagem ficta como tempo de contribuição”, ou seja, “o órgão julgador deixou de
analisar o cabimento de se utilizar determinado período especial para a obtenção de benefício em
outro regime”.
Fundamenta a pretensão rescisória no artigo 966, V, do CPC/2015 (violação à norma jurídica),
visto que “é vedado à autarquia a conversão de período especial em comum para fins de
aposentadoria em outro regime que não seja o do INSS, conforme o disposto nos artigos 40, §10,
da Constituição Federal e 96, inciso II, da Lei 8.213/91”. Desse modo, “considerando que a parte
ré era empregada da iniciativa privada quando dos períodos reconhecidos, a expressa vedação
legal, que vem sendo reconhecida pelos tribunais superiores, impede que se autorize uma
contagem ficta de tempo de contribuição para utilização em regime próprio de previdência social,
o que deve conduzir à rescisão da decisão objurgada”.
Requer a concessão de tutela provisória, para suspender a execução do acórdão rescindendo.
Concedida a tutela requerida, a fim de suspender a execução da decisão rescindenda, até o final
desta rescisória (ID 1371060).
Decretada a revelia da ré, que, devidamente citada, não apresentou contestação (ID 3400169).
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo “processamento sem a sua intervenção” (ID
622130).
É o relatório.
ccc
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº5014716-29.2017.4.03.0000
RELATOR:Gab. 29 - DES. FED. LUIZ STEFANINI
AUTOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RÉU: SONIA MARIA ROCHA NEVES
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A decisão rescindenda transitou em julgado em 09.05.2017 (ID 972046) e esta ação rescisória foi
ajuizada em 16.08.2017 (ID 971813), obedecendo o prazo bienal decadencial e na vigência do
CPC/2015.
De acordo com os autos, a parte ré, apesar deregularmente citada, não apresentou
contestação.Assim, foi decretada a sua revelia, mas sem o efeito da confissão (ID 3400169).
Isso porque, na ação rescisória, o que se ataca não é a sentença, mas ato oficial do Estado
acobertado pelo manto da coisa julgada. Assim sendo, e considerando que a coisa julgada
envolve questão de ordem pública, a revelia não produz confissão na ação rescisória.
Conforme observam FREDIE DIDIER JR. e LEONARDO CARNEIRO DA CUNHA ("Curso de
Direito Processual Civil - Meios de Impugnação às Decisões Judiciais e Processo nos Tribunais",
p. 513, 13ª ed., 2016, Editora Jus Podivm), "A revelia na ação rescisória não produz seu efeito
material, de maneira que, sendo revel o réu na ação rescisória, não haverá presunção de
veracidade das afirmações de fato feitas pelo autor".
Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO A LITERAL
DISPOSIÇÃO DE LEI. NÃO CABIMENTO. ERRO DE FATO . NÃO-OCORRÊNCIA. AÇÃO
RESCISÓRIA JULGADA IMPROCEDENTE.
I. Inaplicável os efeitos da revelia, previstos no art. 319 do Código de Processo Civil, uma vez que
esses não alcançam a demanda rescisória, pois a coisa julgada envolve direito indisponível, o
que impede a presunção de veracidade dos fatos alegados pela parte autora.
(...)
(AR 4.309/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 11/04/2012, DJe
08/08/2012)
Objetiva o INSS desconstituir acórdão transitado em julgado, que reconheceu a natureza especial
das atividades exercidas pela requerente nos períodos de 01.02.1974 a 16.08.1975 e 01.07.1988
a 26.12.1990, determinando a expedição da respectiva certidão por tempo de serviço, para fins
de contagem de tempo em regime próprio de previdência social, mantido pelo Estado de São
Paulo. Fundamenta a pretensão rescisória no artigo 966, V, do CPC/2015 (manifesta violação à
norma jurídica), ante a impossibilidade de contagem ficta de tempo de contribuição para
expedição da sobredita certidão, conforme disposto nos artigos 96, I, da Lei nº 8.213/91 e 40,
§10, da Constituição Federal.
DA MANIFESTA VIOLAÇÃO À NORMA JURÍDICA (ARTIGO 966, V, DO CPC/2015)
Admite-se a rescisão de decisão judicial que viole manifestamente uma norma jurídica:
Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:
(...)
V - violar manifestamente norma jurídica;
Vale sublinhar que a manifesta violação a norma jurídica deve ser flagrante, ou seja, evidente,
direta, que de modo patente deflagre conclusão contrária ao dispositivo legal, não configurando a
decisão rescindenda que se utiliza de uma dentre as interpretações possíveis ou de integração
analógica.
Segundo o magistério de FREDIE DIDIER JR. e LEONARDO CARNEIRO DA CUNHA ("Curso de
Direito Processual Civil - Meios de Impugnação às Decisões Judiciais e Processo nos Tribunais",
p. 494, 13ª ed., 2016, Editora Jus Podivm), "(...) cabe ação rescisória quando a alegada violação
à norma jurídica puder ser demonstrada com a prova pré-constituída juntada pelo autor" (...) "Se a
decisão rescindenda tiver conferido uma interpretação sem qualquer razoabilidade ao texto
normativo, haverá manifesta violação à norma jurídica. Também há manifesta violação à norma
jurídica quando se conferir uma interpretação incoerente e sem integridade com o ordenamento
jurídico. Se a decisão tratou o caso de modo desigual a casos semelhantes, sem haver ou ser
demonstrada qualquer distinção, haverá manifesta violação á norma jurídica. É preciso que a
interpretação conferida pela decisão seja coerente".
Já os eminentes LUIZ RODRIGUES WAMBIER, FLÁVIO RENATO CORREIA DE ALMEIDA e
EDUARDO TALAMINI, ao analisarem o dispositivo correspondente do anterior CPC, asseveram
que "A doutrina discute e decide unanimemente dizer que a violação precisa ser literal. O que se
quer dizer com isso, segundo a jurisprudência, é o seguinte: se há violação de uma lei que tem
sido objeto de mais de uma interpretação aceitável, essa sentença não pode ser objeto de ação
rescisória. Se se trata de uma lei cuja interpretação era controvertida, no âmbito dos tribunais, à
época da prolação da decisão, não pode se intentar rescisória (Súmula 343 do STF). Deve tratar-
se, portanto, de uma lei que dê origem a uma interpretação só, ou pelo menos a uma
interpretação predominantemente aceita, segundo o que tem prevalecido" ("Teoria Geral do
Processo de Conhecimento" - 5. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: RT, 2002, p. 691).
Sob a égide do CPC/73, o Superior Tribunal de Justiça assentou que a violação a dispositivo de
lei ou de norma jurídica deve ser direta e inequívoca, conforme se depreende dos seguintes
julgados:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. ERRO DE FATO. QUESTÃO NÃO APRECIADA
PELO ACÓRDÃO RESCINDENDO. VIOLAÇÃO DE LITERAL DISPOSITIVO DE LEI. OFENSA
REFLEXA. IMPOSSIBILIDADE
(...)
5. A pretensão rescisória, fundada no art. 485, inciso V, CPC, conforme o entendimento
doutrinário e jurisprudencial, tem aplicabilidade quando o aresto ofusca direta e explicitamente a
norma jurídica legal, não se admitindo a mera ofensa reflexa ou indireta. Nesse sentido: AR
1.192/PR, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, Primeira Seção, DJe 17/11/08.
Ação rescisória improcedente.
(AR 4.264/CE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 27/04/2016,
DJe 02/05/2016)
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. CONCURSO DE REMOÇÃO PARA ATIVIDADE
NOTARIAL E DE REGISTRO. INSCRIÇÕES DISTINTAS PREVISTAS NO EDITAL.
SEGURANÇA CONCEDIDA PARA ANULAR LISTA CLASSIFICATÓRIA UNIFICADA. VIOLAÇÃO
A LITERAL DISPOSITIVO DE LEI. INEXISTÊNCIA.
(...)
8. De acordo com a jurisprudência do STJ, a rescisão de julgado com base no art. 485, V, do
CPC somente é cabível quando houver flagrante violação de norma legal, e não mero
descontentamento com a interpretação que lhe foi dada.
(...)
12. Ação Rescisória julgada improcedente.
(AR 3.920/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/02/2016,
DJe 25/05/2016)
Conclui-se ser inadmissível a desconstituição do julgado com base em mera injustiça, em
interpretações controvertidas, embora fundadas. A rescisória não se confunde com nova instância
recursal. Exige-se mais, que o posicionamento adotado desborde do razoável, que agrida a
literalidade ou o propósito da norma.
Nesse sentido, dispõe a Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal:
"Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se
tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais."
O INSS se insurge quanto a possibilidade deexpedição da respectiva certidão por tempo de
serviço, para fins de contagem ficta de tempo de serviço em regime próprio de previdência social,
mantido pelo Estado de São Paulo, à luz do artigo 96, inciso I, daLei n. 8.213/1991 e artigo40,
§10, da Constituição Federal. Ou seja, nega a possibilidade conversão do tempo de trabalho
especial para comum em relação aos períodos em que a parte ré, titular de benefício em regime
próprio da previdência social (RPPS), laborou vinculado ao RGPS.
Sobre o tema, assim dispõe a LBPS:
Art. 94. Para efeito dos benefícios previstos no Regime Geral de Previdência Social ou no serviço
público é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na atividade privada, rural e
urbana, e do tempo de contribuição ou de serviço na administração pública, hipótese em que os
diferentes sistemas de previdência social se compensarão financeiramente. (Redação dada pela
Lei nº 9.711, de 20.11.98)
Art. 96. O tempo de contribuição ou de serviço de que trata esta Seção será contado de acordo
com a legislação pertinente, observadas as normas seguintes:
I - não será admitida a contagem em dobro ou em outras condições especiais;
Ainda, prevê o artigo 40, § 10, da Constituição Federal:
Art. 40. O regime próprio de previdência social dos servidores titulares de cargos efetivos terá
caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente federativo, de servidores
ativos, de aposentados e de pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio
financeiro e atuarial.
§ 10 - A lei não poderá estabelecer qualquer forma de contagem de tempo de contribuição fictício.
Acerca do tema, assim se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO. ATIVIDADE INSALUBRE.
CONTAGEM ESPECIAL PARA FINS DE CONCESSÃO DE APOSENTADORIA NO SERVIÇO
PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. 1. O direito à contagem, conversão e averbação de tempo de
serviço é de natureza subjetiva, enquanto relativo à realização de fato continuado, constitutivo de
requisito à aquisição de direito subjetivo outro, estatutário ou previdenciário, não havendo razão
legal ou doutrinária para identificar-lhe a norma legal de regência com aquela que esteja a viger
somente ao tempo da produção do direito à aposentadoria de que é instrumental. 2. O tempo de
serviço é regido sempre pela lei da época em que foi prestado. Dessa forma, em respeito ao
direito adquirido, se o trabalhador laborou em condições adversas e a lei da época permitia a
contagem de forma mais vantajosa, o tempo de serviço assim deve ser contado. 3. Para fins de
contagem recíproca de tempo de serviço, isto é, aquela que soma o tempo de serviço de
atividade privada, seja ela urbana ou rural, ao serviço público, não se admite a conversão do
tempo de serviço especial em comum, por expressa proibição legal. Inteligência dos Decretos nº
72.771, de 6 de setembro de 1973, 83.080, de 24 de janeiro de 1979 (artigo 203, inciso I), 89.312,
de 23 de janeiro de 1984 (artigo 72, inciso I) e da Lei nº 8.213/91 (artigo 96, inciso I). 4. Recurso
conhecido. (STJ, REsp 448302/PR, 6ª Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJU de 10/03/2003
- grifei).
Conclui-se que não é possível a conversão de tempo especial para comum, prestado junto ao
Regime Geral da Previdência Social, para fins de fruição de aposentadoria no setor público
(RPSP).
Nas hipóteses de contagem recíproca, o INSS, ao expedir Certidão de Tempo de Contribuição -
CTC, considera apenas o período efetivamente laborado pelo à época segurado, sem proceder a
acréscimos pela insalubridade da atividade desempenhada.
Esclareço, por oportuno, que não há divergência acerca da averbação do tempo de serviço
especial reconhecido na sentença e no acórdão, cingindo-se a controvérsia à possibilidade de
expedição de certidão de tempo de contribuição, com base no referido tempo de serviço,
mediante conversão do tempo especial em tempo comum, para fins de revisão de aposentadoria
no serviço público.
Impende registrar, ainda, que esta Colenda 3ª Seção, em julgamento semelhante, proferido em
11.04.2019, assim se pronunciou:
PREVIDENCIÁRIO. RESCISÓRIA DO INSS. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO
FICTÍCIO. PARTE ESTATUTÁRIA. INVIABILIDADE DE ACRÉSCIMO DE TEMPO ESPECIAL,
MEDIANTE APLICAÇÃO DE FATOR MULTIPLICADOR, NA CERTIDÃO DE TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO: ARTS. 96, INC. I, LBPS; 125, § 1º, INC. 1, DECRETO 3.048/99 E 40, § 10,
CF/1988 (REDAÇÃO DA EC 20/98). VIOLAÇÃO DE LEI: CARACTERIZAÇÃO NA ESPÉCIE.
RECONHECIMENTO DA ESPECIALIDADE, EM SI, NÃO ATACADO.
- Tratando-se de tempo ficto o tempo de serviço reconhecido como especial convertido em
comum mediante a incidência de um fator de multiplicação, ao servidor público não é admitida a
contagem diferenciada, ainda que trabalhe em condições tidas como especiais.
- Provimento judicial em descompasso com os arts. 96, inc. I, LBPS; 125, § 1º, inc. 1, Decreto
3.048/99 e 40, § 10, CF/1988 (redação da EC 20/98), no que concerne à convolação do interstício
trabalhado (de 25.03.1985 a 01.10.1986), mediante o fator de multiplicação "1.4", e a inserção do
resultado, "a maior", na Certidão de Tempo de Contribuição da parte ré, em substituição a emitida
anteriormente; não, porém, quanto ao reconhecimento, em si, da especialidade da labuta, que
sequer foi objeto da vertente rescisória.
- Havendo sucumbência recíproca, mas sendo vedada a compensação das verbas de advogado
(art. 85, § 14, CPC/2015), condeno as partes litigantes nos honorários advocatícios de R$
1.000,00 (mil reais), como tem sido a praxe na 3ª Seção desta Corte, devendo ser observado,
quanto à parte ré, o art. 98, § 3º, do Codex de Processo Civil de 2015, haja vista sua condição de
hipossuficiente.
- Decisão censurada parcialmente rescindida.
(TRF 3ª Região, TERCEIRA SEÇÃO, AR - AÇÃO RESCISÓRIA - 11276 - 0013665-
05.2016.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS, julgado em
11/04/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:22/04/2019)
Presente esse contexto, conclui-se que a decisão rescindenda violou os artigos 40, § 10, da
Constituição Federal, e 96, I, da Lei nº 8.213/91, pois vedadaexpressamente, para fins de
contagem recíproca, a expedição de certidão de tempo de contribuição com o cômputo de tempo
ficto, resultante da conversão do tempo de serviço especial em comum.
Portanto, em juízo rescisório, deve ser desprovido parcialmente o recurso de apelação da ré, para
vedar a expedição de certidão de tempo de contribuição para fins de contagem recíproca com a
inclusão de tempo ficto, referente à atividade de natureza especial.
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a ação rescisória, para desconstituir o julgado tão
somente quanto a determinação de expedição de certidão de tempo de contribuição para fins de
contagem recíproca com a inclusão de tempo ficto, referente a atividade de natureza especial,
JULGANDO IMPROCEDENTE o respectivo pedido na ação subjacente.
Vencida a parte ré, condeno-a ao pagamento da verba honorária, fixada em R$ 1.000,00 (mil
reais), nos termos da jurisprudência desta C. Seção, devendo ser observado o disposto no artigo
98, § 3º, do CPC/2015, por tratar-se de beneficiária justiça gratuita.
É o voto.
ccc
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. REVELIA. MANIFESTA VIOLAÇÃO A NORMA
JURÍDICA. ARTIGO 966, V, DO CPC. CERTIDÃO DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO
(CTC).ARTIGOS 40, §10, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E 96, INCISO II, DA LEI 8.213/91.
CONTAGEM FICTA DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
1.A decisão rescindenda transitou em julgado em 09.05.2017 (ID 972046) e esta ação rescisória
foi ajuizada em 16.08.2017 (ID 971813), obedecendo o prazo bienal decadencial e na vigência do
CPC/2015.
2. Decretada a revelia da parte ré, sem o efeito da confissão, visto que,na ação rescisória, o que
se ataca não é a sentença, mas ato oficial do Estado acobertado pelo manto da coisa julgada.
Assim sendo, e considerando que a coisa julgada envolve questão de ordem pública, a revelia
não produz confissão na ação rescisória. Precedente:AR 4.309/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP,
TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 11/04/2012, DJe 08/08/2012.
3.Objetiva o INSS desconstituir acórdão transitado em julgado, que reconheceu a natureza
especial das atividades exercidas pela requerente nos períodos de 01.02.1974 a 16.08.1975 e
01.07.1988 a 26.12.1990, determinando a expedição da respectiva certidão por tempo de serviço,
para fins de contagem de tempo em regime próprio de previdência social, mantido pelo Estado de
São Paulo. Fundamenta a pretensão rescisória no artigo 966, V, do CPC/2015 (manifesta
violação à norma jurídica), ante a impossibilidade de contagem ficta de tempo de contribuição
para expedição da sobredita certidão, conforme disposto nos artigos 96, I, da Lei nº 8.213/91 e
40, §10, da Constituição Federal.
4.Admite-se a rescisão de decisão judicial que viole manifestamente uma norma jurídica (art. 966,
V, do CPC).Amanifesta violação a norma jurídica deve ser flagrante, ou seja, evidente, direta, que
de modo patente deflagre conclusão contrária ao dispositivo legal, não configurando a decisão
rescindenda que se utiliza de uma dentre as interpretações possíveis ou de integração
analógica.É inadmissível a desconstituição do julgado com base em mera injustiça, em
interpretações controvertidas, embora fundadas. A rescisória não se confunde com nova instância
recursal. Exige-se mais, que o posicionamento adotado desborde do razoável, que agrida a
literalidade ou o propósito da norma.
5. Sobre o tema, já decidiu o STJ (REsp 448302/PR, 6ª Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido,
DJU de 10/03/2003): "Para fins de contagem recíproca de tempo de serviço, isto é, aquela que
soma o tempo de serviço de atividade privada, seja ela urbana ou rural, ao serviço público, não se
admite a conversão do tempo de serviço especial em comum, por expressa proibição legal.
Inteligência dos Decretos nº 72.771, de 6 de setembro de 1973, 83.080, de 24 de janeiro de 1979
(artigo 203, inciso I), 89.312, de 23 de janeiro de 1984 (artigo 72, inciso I) e da Lei nº 8.213/91
(artigo 96, inciso I). No mesmo sentido:TRF 3ª Região, TERCEIRA SEÇÃO, AR - AÇÃO
RESCISÓRIA - 11276 - 0013665-05.2016.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID
DANTAS, julgado em 11/04/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:22/04/2019.
6. Não é possível a conversão de tempo especial para comum, prestado junto ao Regime Geral
da Previdência Social, para fins de fruição de aposentadoria no setor público (RPSP).Nas
hipóteses de contagem recíproca, o INSS, ao expedir Certidão de Tempo de Contribuição - CTC,
considera apenas o período efetivamente laborado pelo à época segurado, sem proceder a
acréscimos pela insalubridade da atividade desempenhada. Cumpre esclarecerque, na hipótese,
não há divergência acerca da averbação do tempo de serviço especial reconhecido na sentença e
no acórdão, cingindo-se a controvérsia à possibilidade de expedição de certidão de tempo de
contribuição, com base no referido tempo de serviço, mediante conversão do tempo especial em
tempo comum, para fins de revisão de aposentadoria no serviço público.
7. No contexto do autos,conclui-se que a decisão rescindenda violou os artigos 40, § 10, da
Constituição Federal, e 96, I, da Lei nº 8.213/91, pois vedadaexpressamente, para fins de
contagem recíproca, a expedição de certidão de tempo de contribuição com o cômputo de tempo
ficto, resultante da conversão do tempo de serviço especial em comum.Portanto, em juízo
rescisório, deve ser desprovido parcialmente o recurso de apelação da ré, para vedar a expedição
de certidão de tempo de contribuição para fins de contagem recíproca com a inclusão de tempo
ficto, referente à atividade de natureza especial.
8. Ação rescisória julgada procedente,para desconstituir o julgado tão somente quanto a
determinação de expedição de certidão de tempo de contribuição para fins de contagem
recíproca com a inclusão de tempo ficto, referente a atividade de natureza especial, JULGANDO
IMPROCEDENTE o respectivo pedido na ação subjacente.
9. Condenada a parte réao pagamento da verba honorária, fixada em R$ 1.000,00 (mil reais), nos
termos da jurisprudência desta C. Seção, devendo ser observado o disposto no artigo 98, § 3º, do
CPC/2015, por tratar-se de beneficiária justiça gratuita. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Seção, por
unanimidade, decidiu julgar procedente a ação rescisória, para desconstituir o julgado tão
somente quanto a determinação de expedição de certidão de tempo de contribuição para fins de
contagem recíproca com a inclusão de tempo ficto, referente a atividade de natureza especial,
julgando improcedente o respectivo pedido na ação subjacente , nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
