Processo
AR - AÇÃO RESCISÓRIA / SP
5004885-49.2020.4.03.0000
Relator(a)
Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA
Órgão Julgador
3ª Seção
Data do Julgamento
10/12/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 16/12/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 966, INCS. V E VIII, DO CPC. VIOLAÇÃO
MANIFESTA À NORMA JURÍDICA. INOCORRÊNCIA. OBJETIVO DE REEXAME DE FATOS E
PROVAS. ERRO DE FATO. PROVAS VALORADAS NA DECISÃO RESCINDENDA.
IMPROCEDÊNCIA DA RESCISÓRIA.
I - Rejeitada a preliminar relativa à necessidade de prequestionamento como requisito para o
ajuizamento de ação rescisória. Sobre o tema esclarece Teresa Arruda Alvim (et al.): “O
prequestionamento é requisito de admissibilidade dos recursos de estrito direito, mas não da ação
rescisória. (...)Enquanto os recursos de estrito direito têm, precipuamente, a função de provocar
os Tribunais Superiores a dar a última palavra acerca do direito federal ou da Constituição
Federal, (...), a ação rescisória, a seu turno, está voltada à proteção do direito da parte.” (Ação
rescisória e querella nullitatis: semelhanças e diferenças, 2. ed. - ebook, São Paulo: Thomson
Reuters Brasil, 2020, p. RB 3.3, grifos meus).
II - É impossível o reconhecimento de violação frontal ao art. 21 da Lei nº 8.212/91, uma vez que
para isso seria necessária a análise de questões de fato e o reexame de provas, que são
incompatíveis com o âmbito de cognição da ação rescisória proposta com fundamento no art.
966, inc. V, CPC.
III – Quanto ao erro de fato, observa-se que a autarquia não pretende a desconstituição do
julgado por não ter havido o exame de fatos e provas relevantes para o julgamento da causa, mas
sim por discordar da forma como as provas foram valoradas na decisão rescindenda.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
IV - A vedação estabelecida no §1º do art. 966, do CPC objetiva impedir que a ação rescisória
seja movida com o mero propósito de promover a substituição do entendimento jurídico de um
órgão jurisdicional pelo de outro.
V - Matéria preliminar rejeitada. Rescisória improcedente.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Seção
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº5004885-49.2020.4.03.0000
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
AUTOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
REU: MARIA IZABEL MENDONCA LEITE
Advogado do(a) REU: RAUAN FLORENTINO DA SILVA TEIXEIRA - MS17826-A
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região3ª Seção
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº5004885-49.2020.4.03.0000
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
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R E L A T Ó R I O
O Senhor Desembargador Federal Newton De Lucca (Relator): Trata-se de ação rescisória
proposta pelo INSS - Instituto Nacional do Seguro Social em face de Maria Izabel Mendonça
Leite, com fundamento no art. 966, incs. V e VIII, do CPC, visando desconstituir o V. Acórdão
proferido nos autos do processo nº 5003988-65.2018.4.03.9999, que concedeu à ré o benefício
de auxílio-doença, determinando a sua conversão em aposentadoria por invalidez a partir da
data da sentença.
Sustenta que o V. Aresto rescindendo incorreu em erro de fato, uma vez que a qualidade de
segurada da ora ré e o cumprimento da carência eram inexistentes.
Informa que a ré promoveu recolhimentos na qualidade de facultativa de baixa renda, os quais,
no entanto, foram realizados de forma irregular, em desconformidade com o art. 21, da Lei nº
8.212/91. Tais recolhimentos não foram validados nem homologados pelo INSS, bem como não
houve comprovação de que a autora atendeu aos requisitos para que fosse enquadrada como
facultativa de baixa renda. Dessa forma, não era possível recolher contribuições na base de 5%
(cinco por cento). Entende não ter havido pronunciamento judicial sobre o fato, limitando-se o V.
Acórdão a dizer que a qualidade de segurada e a carência se encontravam demonstradas.
Aduz, também, violação aos arts. 15, 24 a 27, 42, 50 e 59 da Lei nº 8.213/91 e ao art. 21 da Lei
nº 8.212/91, por ter sido concedido o benefício sem a demonstração da qualidade de segurado
e o cumprimento da carência. Anota que no extrato do CNIS há a indicação de que os
recolhimentos são irregulares. Explica que a ré, intempestivamente, alegou que seria
trabalhadora rural, o que é incompatível com a condição de segurado facultativo. Afirma não
haver documentos que provem a sua qualidade de trabalhadora rural, e que os recolhimentos
feitos como facultativa reforçam a conclusão de que não trabalhou antes do início da
incapacidade. Acrescenta que a ré disse ao perito médico da autarquia ser pessoa “do lar”.
Alega, também, violação ao art. 15, inc. VI, da Lei nº 8.213/91, que prescreve que o facultativo
mantém a sua qualidade de segurado até 6 (seis) meses após a cessação das contribuições.
Isso porque, a ré realizou o último recolhimento como facultativa em 31/12/2014, de modo que,
caso fosse válida a contribuição, a manutenção da sua qualidade de segurada ocorreria até
15/08/2015. Destaca, no entanto, que o laudo pericial indicou que a incapacidade teve início em
01/12/2015, momento em que a ré já não era mais segurada.
Requer a procedência da rescisória para que seja julgado improcedente o pedido originário.
A petição inicial veio acompanhada de documentos (nº 125.859.542, p. 1 a nº 125.859.560, p.
29).
Determinada a emenda da petição inicial e cumprida a providência (doc. nº 129.337.783), deferi
parcialmente a tutela provisória, para suspender a decisão rescindenda apenas com relação à
execução das prestações vencidas (doc. nº 134.620.397).
Citada, a ré ofereceu contestação (doc. nº 144.613.357) alegando, preliminarmente, que a
demanda deve ser extinta por infração ao art. 966, §3º, do CPC, uma vez que “o autor pleiteia
sejam rescindidos vários capítulos do acórdão proferido pela 2ª Câmara Cível do TJMS, a
saber: a) o reconhecimento de fraude à execução; b) declaração de ineficácia dos negócios
jurídicos firmados pelos requeridos; c) reconhecimento de ‘error in judicando’ porque a decisão
aplicou o Código de Processo Civil atual (2015) ao invés do antigo Código de Processo Civil
(1985); d) reconhencimento de ‘error in judicando’ por não ter observado que o tabelião do
Cartório de Registro de Imóveis não teria exigido algumas certidões quando da transação do
imóvel rural para terceiros, etc.” (doc. nº 144.613.357, p. 1/2). Aduz, ainda, que a ação
rescisória foi ajuizada com finalidade recursal e que na ação originária não houve o
prequestionamento dos artigos de lei que teriam sido violados pela decisão rescindenda,
impondo-se a extinção do processo sem exame do mérito.
Entende não haver motivo para a rescisão do julgado, uma vez que o prolator da decisão
rescindenda enfrentou as questões existentes nos autos. Aduz que contribuiu de 01/11/2011 a
31/07/2014, ao passo que o início da incapacidade ocorreu em 02/02/2014, conforme se extrai
de atestado médico apresentado nos autos de Origem e, também, do fato de que a demandada
já vinha perseguindo a obtenção do benefício, tendo a perícia médica do INSS, que resultou no
indeferimento administrativo, sido realizada em 27/01/2014. Destaca não ter havido erro de fato,
nem violação a nenhuma norma jurídica.
Regularizada a representação processual da ré (doc. nº 148.934.322), deferi em seu favor os
benefícios da assistência judiciária gratuita (doc. nº 149.178.590).
Intimada, a autarquia deixou de se manifestar sobre a contestação.
Sobrevieram razões finais de ambas as partes (docs. nº 158.708.026 e 159.949.893).
É o breve relatório.
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AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº5004885-49.2020.4.03.0000
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
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REU: MARIA IZABEL MENDONCA LEITE
Advogado do(a) REU: RAUAN FLORENTINO DA SILVA TEIXEIRA - MS17826-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O Senhor Desembargador Federal Newton De Lucca (Relator): Primeiramente, deixo de
conhecer da preliminar relativa ao art. 966, §3º, do CPC, por não guardar relação com o
presente caso.
Rejeito a preliminar referente à necessidade de prequestionamento como requisito para o
ajuizamento de ação rescisória. Sobre o tema esclarece Teresa Arruda Alvim (et al.): “O
prequestionamento é requisito de admissibilidade dos recursos de estrito direito, mas não da
ação rescisória. (...)Enquanto os recursos de estrito direito têm, precipuamente, a função de
provocar os Tribunais Superiores a dar a última palavra acerca do direito federal ou da
Constituição Federal, (...), a ação rescisória, a seu turno, está voltada à proteção do direito da
parte.” (Ação rescisória e querella nullitatis: semelhanças e diferenças, 2. ed. - ebook, São
Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. RB 3.3, grifos meus).
Já o eventual caráter recursal da demanda é matéria que se confunde com o mérito e com ele
será analisada.
Passo ao exame.
A autarquia fundamenta seu pedido no art. 966, incs. V e VIII, do CPC, que ora transcrevo:
"Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:
..............................................................................................
V - violar manifestamente norma jurídica;
..............................................................................................
VIII - for fundada em erro de fato verificável do exame dos autos.
§ 1º Há erro de fato quando a decisão rescindenda admitir fato inexistente ou quando
considerar inexistente fato efetivamente ocorrido, sendo indispensável, em ambos os casos,
que o fato não represente ponto controvertido sobre o qual o juiz deveria ter se pronunciado."
Com relação à violação à lei, foram apresentados dois fundamentos: a) infração à norma em
razão da invalidade dos recolhimentos realizados como segurada facultativa de baixa renda; b)
ofensa ao art. 15, inc. VI, da Lei nº 8.213/91, por não ter sido reconhecida na decisão
rescindenda, a perda da qualidade de segurada da ré.
O V. Acórdão rescindendo, ao julgar a ação originária, assim se pronunciou (doc. nº
125.859.560, p. 7/9):
“O benefício de auxílio doença está previsto no Art. 59, da Lei nº 8.213/91, que dispõe:
‘Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso,
o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua
atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos’.
Portanto, é benefício devido ao segurado incapacitado por moléstia que inviabilize
temporariamente o exercício de sua profissão.
Por sua vez, a aposentadoria por invalidez expressa no Art. 42, da mesma lei, in verbis:
‘A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será
devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio doença, for considerado incapaz e
insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-
lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição’.
A qualidade de segurada e a carência encontram-se demonstradas (ID 3241812 - fls. 96).
A presente ação foi ajuizada em 27/09/2016, em razão do indeferimento do pedido de auxílio
doença apresentado em 23/04/2015 (ID 3241812 - fls. 13).
Quanto à capacidade laboral, o laudo, referente ao exame realizado em11/09/2017, atesta que
a periciada é portadora de artrite reumatoide e arritmia cardíaca, apresentando incapacidade
parcial e permanente para exercer trabalhos braçais ou qualquer função que exija grandes ou
moderados esforços físicos (ID 3241813 - fls. 63/70).
Ainda que a perícia médica tenha concluído que a parte autora não está total e
permanentemente incapacitada para o exercício de sua atividade laboral, é cediço que o
julgador não está adstrito apenas à prova pericial para a formação de seu convencimento,
podendo decidir contrariamente às conclusões técnicas, com amparo em outros elementos
contidos nos autos, tais como os atestados e exames médicos colacionados.
(...)
Analisando o conjunto probatório e considerando o parecer do sr. Perito judicial, assim como a
soma e a natureza das patologias que acometem a autora, sua idade (55 anos) e sua atividade
habitual (trabalhadora rural), é de se reconhecer o seu direito à percepção do benefício de
auxílio doença e à sua conversão em aposentadoria por invalidez, pois indiscutível a falta de
capacitação e de oportunidades de reabilitação para a assunção de outras atividades.” (grifei)
Note-se que o V. Acórdão afirma que a carência e a qualidade de segurada estão comprovadas
pelo documento de ID 3241812 - fls. 96. Contudo, após consultar os autos virtuais da Apelação
nº 5003988-65.2018.4.03.9999 no sistema desta E. Corte, pareceu-me que a decisão
rescindenda objetivava, na verdade, fazer menção ao documento de ID 3241813 - fls. 96,
consistente em extrato do sistema CNIS, contendo a relação dos recolhimentos previdenciários
realizados pela ré Maria Izabel Mendonca Leite (referido documento corresponde ao doc. nº
129.337.784, p. 133 dos presentes autos).
O mencionado extrato do sistema CNIS demonstra que Maria Izabel promoveu recolhimentos
como segurada facultativa de baixa renda, no período de 01/11/2011 a 31/07/2014, bem como
nos meses de setembro/2014 e dezembro/2014.
Do exame do trecho acima transcrito do V. Aresto rescindendo, é possível observar que o
julgador originário afirmou que se encontrava comprovada a qualidade de segurada da ré, por
entender que ela ainda mantinha esta condição quando formulou o requerimento administrativo
do benefício em 23/04/2015, conforme demonstrado pelo documento de ID 3241812 - fls. 13 do
processo de Origem (doc. nº 129.337.784, p. 13 dos presentes autos).
Registro, ademais, que outros documentos existentes nos autos apontam que a segurada já
apresentava complicações em seu estado de saúde desde o ano de 2014 (doc. nº 129.337.784,
p. 22), indicando ainda que havia sido submetida a exames periciais administrativos do INSS
em 27/01/2014 e em 05/05/2015 (docs. nº 129.337.784, p. 93/94).
Nesse contexto, entendo ser impossível, com fundamento em violação manifesta à norma,
ingressar em novo exame do acervo probatório formado nos autos subjacentes, com a
finalidade de fixar a data de início da incapacidade em 01/12/2015, com base no laudo pericial
judicial (doc. nº 129.337.784, p. 103) para, assim, declarar que houve a perda da qualidade de
segurada da ré, nos termos do art. 15, inc. VI, da Lei nº 8.213/91.
Embora o julgado rescindendo não tenha examinado em profundidade a questão relativa à data
de início da incapacidade, competia à autarquia ter oportunamente oferecido embargos de
declaração com a finalidade de sanar eventuais omissões ou obscuridades a respeito deste
tema.
Incabível, porém, é realizar novo juízo em relação às provas dos autos para concluir que a ré
não ostentava a qualidade de segurada no momento do requerimento administrativo, ou, ainda,
para dizer que houve a perda desta condição em data posterior. Sob a ótica da decisão
rescindenda, a incapacidade constatada na perícia judicial confirmou que a ré efetivamente
tinha razão ao procurar a proteção previdenciária por meio do requerimento administrativo, pois
possuía os problemas de saúde que alegava. Não é possível que tal conclusão seja alterada
com base no reexame do conjunto probatório.
Da mesma forma, é impossível o revolvimento do acervo probatório com o propósito de, em
sede de ação rescisória, demonstrar que a ré não pode ser enquadrada como segurada
facultativa de baixa renda, na forma do art. 21, da Lei nº 8.212/91. Não há meios de saber se a
ré preenche os requisitos previstos no referido dispositivo, sem proceder ao exame das provas
coletadas na ação originária.
O argumento de que a ré alegou, ao longo do processo, que exercia atividade rural não é
suficiente para que se diga que existiu violação ao art. 21 da Lei nº 8.212/91. Primeiramente
porque, caso ela fosse efetivamente trabalhadora rural segurada especial, sua qualidade de
segurada estaria garantida por força do art. 11, inc. VII, da Lei nº 8.213/91. Além disso, penso
haver espaço para indagar se o segurado especial -- em razão da sua condição de baixa renda
e das dificuldades inerentes ao caráter informal de sua atividade --, poderia promover o
recolhimento de contribuições, na qualidade de segurado facultativo de baixa renda, com o
objetivo de assegurar a obtenção da proteção previdenciária assim que dela necessitasse, sem
a necessidade de apresentar documentos e testemunhas comprobatórias da sua condição de
segurado especial. Registro, a propósito, que a IN nº 77/2015 da PRES/INSS até mesmo
contém a previsão da figura do “segurado especial que contribui facultativamente”.
É de se atentar, ademais, que os segurados especiais são geralmente pessoas com pouco
conhecimento a respeito de seus direitos e de parco grau de escolaridade não sabendo, com
precisão, como funcionam os complexos institutos e figuras da legislação previdenciária.
Outrossim, ainda que fosse incabível esta possibilidade, penso que, ao invés do indeferimento
do benefício, a solução correta consistiria em conceder ao interessado o direito à regularização
das contribuições previdenciárias, complementando-se o valor já recolhido, uma vez que a
alíquota prevista para o segurado facultativo de baixa renda é de apenas 5% (cinco por cento).
Não há nada que indique que a ré efetuou os recolhimentos de má-fé ou com o objetivo de
fraudar a Previdência, de modo que não pode ser penalizada com a invalidação das
contribuições recolhidas anos atrás somente agora, no momento do exame do direito ao
benefício. É notório, neste caso, o prejuízo para a segurança jurídica, princípio que também é
primordial no direito previdenciário.
Sobre o tema, destaco a jurisprudência do E. TRF-4ª Região:
“PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-RECLUSÃO. QUALIDADE DE SEGURADO. CONTRIBUINTE
FACULTATIVO DE BAIXA RENDA.
(...)
2. Na vigência da Lei 8.213/91, após a Emenda Constitucional nº 20, são requisitos à
concessão do auxílio-reclusão: a) efetivo recolhimento à prisão; b) demonstração da qualidade
de segurado do preso; c) condição de dependente de quem objetiva o benefício; d) prova de
que o segurado não está recebendo remuneração de empresa ou de que está em gozo de
auxílio-doença, de aposentadoria ou abono de permanência em serviço; e) renda mensal do
segurado inferior ao limite legal estipulado; f) cumprimento da carência de 24 contribuições
mensais (a partir da edição da Medida Provisória nº 871/2019).
3. Havendo filiação como contribuinte facultativo, a questão relativa à alíquota devida, no caso
de contribuinte de baixa renda, não afasta a condição de segurada, pois competia ao INSS
orientar a requerente quanto à forma de obter a filiação pretendida, mesmo que isto implicasse
na cobrança de diferente alíquota.”
(AC nº 5040088-56.2018.4.04.7100, Sexta Turma, Rel. Des. Fed. João Batista Pinto Silveira,
v.u., j. 07/07/2021, grifos meus)
Extrai-se deste julgado:
“Pelo §4º do art. 21 da Lei 8.212/91 é considerada família de baixa renda aquela inscrita no
Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Social - CadÚnico -, cuja renda mensal
seja de até dois salários-mínimos.
É de se observar, entretanto, o entendimento deste Tribunal segundo o qual a inscrição no
CadÚnico não é indispensável para a comprovação da condição de baixa renda, podendo ser
considerados outros meios de prova para tanto.
(...)
No caso dos autos, a parte autora realizou sua inscrição no CadÚnico.
A renda declarada pela requerente, corresponde a R$ 100,00, está dentro do limite de dois
salários mínimos previstos no parágrafo 4º do artigo 21 da Lei 8.212/91.
Neste contorno, se ainda mantida a irresignação autárquica em função da exigência de
absolutamente nenhuma renda, tenho que competiria a esta orientar a requerente quanto ao
procedimento necessário para obter a filiação ao RGPS inclusive porque a requerente
contribuiu por interregno de 03 anos e 06 meses nessa condição, mesmo que para tanto fosse
necessária a cobrança de diferente alíquota.” (grifei)
“PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. INCAPACIDADE PARCIAL E PERMANENTE.
REABILITAÇÃO. QUALIDADE DE SEGURADO E CARÊNCIA. RECOLHIMENTO COMO
SEGURADO FACULTATIVO DE BAIXA RENDA. EQUÍVOCO. POSSIBILIDADE DE
COMPLEMENTAÇÃO DE RECOLHIMENTOS.
1. Comprovada a incapacidade parcial e permanente para o exercício das atividades laborais
habituais, com possibilidade de reabilitação profissional, e considerando a pouca idade da
autora, cabível a concessão de auxílio-doença.
2. O § 3º, do art. 21 da Lei 8.212/91, prevê a possibilidade de complementação do valor das
contribuições mensais recolhidas irregularmente na condição de segurado facultativo de baixa
renda.
3. As diferenças de contribuição deverão ser descontadas do pagamento das parcelas
vencidas, por ocasião do cumprimento de sentença.
4. O INSS é isento do pagamento de custas processuais quando demandado perante a Justiça
Estadual do RS.”
(AC nº 5032226-67.2018.4.04.9999, Sexta Turma, Rel. Des. Fed. Taís Schilling Ferraz, v.u., j.
25/09/2019, grifos meus)
“PROCESSO CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. REMESSA OFICIAL. DESCABIMENTO. SALÁRIO-
MATERNIDADE. SEGURADA URBANA. CONTRIBUINTE FACULTATIVO DE BAIXA RENDA.
1. Não se conhece da remessa oficial porque jamais os quatro salários-mínimos que receberia a
requerente (quatro parcelas de valor mínimo) gerariam o montante exigido do art. 496, I e §3º
do CPC/2015.
2. É devido o salário-maternidade à segurada da Previdência Social que fizer prova do
nascimento de filho e da qualidade de segurada na data do parto.
3. Havendo filiação como contribuinte facultativo, a questão relativa à alíquota devida, no caso
de contribuinte de baixa renda, não afasta a condição de segurada, pois competia ao
INSSorientara requerente quanto à forma de obter a filiação pretendida, mesmo que isto
implicasse na cobrança de diferente alíquota.”
(AC nº 5042187-03.2016.4.04.9999, Sexta Turma, Rel. Des. Fed. Vânia Hack de Almeida, v.u.,
j. 19/04/2017, grifos meus)
Também já decidiu esta E. Corte:
“PREVIDENCIÁRIO - CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ OU AUXÍLIO-
DOENÇA - INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE - DEMAIS REQUISITOS
PREENCHIDOS - TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO - JUROS DE MORA E CORREÇÃO
MONETÁRIA - ENCARGOS DE SUCUMBÊNCIA - APELO PROVIDO - SENTENÇA
REFORMADA.
(...)
8. Comprovado, nos autos, que a parte autora é segurada da Previdência Social e cumpriu a
carência de 12 (doze) contribuições, exigida pelo artigo 25, inciso I, da Lei nº 8.213/91.
9. Havendo previsão na Lei nº 8.212/91, art. 21, II, § 3º, de complementação dos recolhimentos
mensais nos casos em que o segurado pretender computar recolhimentos efetuados na
condição de facultativo de baixa renda para fins de aposentadoria por tempo de contribuição ou
de contagem recíproca do tempo de contribuição, é o caso de se considerar os valores
recolhidos como complementação de recolhimentos efetuados a menor pelo segurado,
desinformado e de boa-fé, que contribuiu como segurado facultativo de baixa renda e, em
momento posterior, teve seu benefício negado, por não restar configurada a condição de baixa
renda. Nesse sentido, já decidiu esta Colenda Turma: ApCiv nº 6111670-28.2019.4.03.9999,
Relator Desembargador Toru Yamamoto, intimação via sistema em 14/08/2020.
(...)
14. Apelo provido. Sentença reformada.”
(ApCiv nº 5006830-47.2020.4.03.9999, Sétima Turma, Rel. Des. Fed. Inês Virgínia, v.u., j.
25/03/2021, DJe 05/04/2021, grifos meus)
Dessa forma, não é possível o reconhecimento de violação frontal ao art. 21, da Lei nº 8.212/91,
uma vez que para isso seria necessária a análise de questões de fato e o reexame de provas,
que são incompatíveis com o âmbito de cognição da ação rescisória proposta com fundamento
no art. 966, inc. V, do CPC.
Com relação ao art. 966, inc. VIII, do CPC, afirma a autarquia que a decisão rescindenda
incorreu em erro de fato por considerar preenchidas a carência e a qualidade de segurada da
ré, fatos estes inexistentes.
Conforme expôs com brilhantismo o E. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, “A ação rescisória
fundada em erro de fato pressupõe que a decisão tenha admitido um fato inexistente ou tenha
considerado inexistente um fato efetivamente ocorrido, mas é indispensável que não tenha
havido controvérsia nem pronunciamento judicial sobre o fato (art. 966, § 1º, do CPC/2015).”
(AgInt no AREsp nº 1.315.063/RS, Terceira Turma, v.u., j. 15/04/19, DJe 24/04/19). Impossível,
portanto, a utilização da ação rescisória para mero reexame de prova, com fundamento na
alegação de que houve "má apreciação" do conjunto probatório.
No presente caso, não se encontra caracterizada a hipótese de erro de fato.
O V. Acórdão rescindendo proferiu juízo a respeito do documento em relação ao qual a
autarquia aponta haver erro de fato, expressamente indicando que a “qualidade de segurada e
a carência” foram comprovadas pelo documento ID 3241812 - fls. 96. Logo, não é possível novo
exame do extrato do CNIS da ré, para afirmar que a decisão rescindenda deveria ter
considerado irregulares os recolhimentos realizados na condição de segurado facultativo de
baixa renda.
Também é claro que a decisão rescindenda examinou o laudo pericial judicial elaborado nos
autos de Origem, o que impossibilita o novo exame de tal documento para conduzir o
julgamento a resultado diverso.
Cabe destacar que a vedação estabelecida no §1º, do art. 966, do CPC objetiva impedir que a
ação rescisória seja movida com o mero propósito de promover a substituição do entendimento
jurídico de um órgão jurisdicional pelo de outro. In casu, a alegação de erro de fato tem inegável
caráter recursal, uma vez que não se busca a rescisão porque o julgador deixou de examinar
fatos e provas relevantes para o julgamento, mas sim por haver discordância com relação à
forma como as provas foram valoradas na decisão rescindenda.
Ante o exposto, rejeito a matéria preliminar e, no mérito, julgo improcedente a rescisória. Arbitro
os honorários advocatícios em R$ 1.000,00 (um mil reais), em favor da ré. Comunique-se o MM.
Juiz a quo do inteiro teor deste.
É o meu voto.
Newton De Lucca
Desembargador Federal Relator
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 966, INCS. V E VIII, DO CPC. VIOLAÇÃO
MANIFESTA À NORMA JURÍDICA. INOCORRÊNCIA. OBJETIVO DE REEXAME DE FATOS E
PROVAS. ERRO DE FATO. PROVAS VALORADAS NA DECISÃO RESCINDENDA.
IMPROCEDÊNCIA DA RESCISÓRIA.
I - Rejeitada a preliminar relativa à necessidade de prequestionamento como requisito para o
ajuizamento de ação rescisória. Sobre o tema esclarece Teresa Arruda Alvim (et al.): “O
prequestionamento é requisito de admissibilidade dos recursos de estrito direito, mas não da
ação rescisória. (...)Enquanto os recursos de estrito direito têm, precipuamente, a função de
provocar os Tribunais Superiores a dar a última palavra acerca do direito federal ou da
Constituição Federal, (...), a ação rescisória, a seu turno, está voltada à proteção do direito da
parte.” (Ação rescisória e querella nullitatis: semelhanças e diferenças, 2. ed. - ebook, São
Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. RB 3.3, grifos meus).
II - É impossível o reconhecimento de violação frontal ao art. 21 da Lei nº 8.212/91, uma vez
que para isso seria necessária a análise de questões de fato e o reexame de provas, que são
incompatíveis com o âmbito de cognição da ação rescisória proposta com fundamento no art.
966, inc. V, CPC.
III – Quanto ao erro de fato, observa-se que a autarquia não pretende a desconstituição do
julgado por não ter havido o exame de fatos e provas relevantes para o julgamento da causa,
mas sim por discordar da forma como as provas foram valoradas na decisão rescindenda.
IV - A vedação estabelecida no §1º do art. 966, do CPC objetiva impedir que a ação rescisória
seja movida com o mero propósito de promover a substituição do entendimento jurídico de um
órgão jurisdicional pelo de outro.
V - Matéria preliminar rejeitada. Rescisória improcedente.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Seção, por
unanimidade, decidiu rejeitar a matéria preliminar e, no mérito, julgar improcedente a rescisória,
nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA