
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 0012784-09.2008.4.03.0000
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
AUTOR: CARLOS PEREIRA
CURADOR: VALDELINO PEREIRA
Advogado do(a) AUTOR: RODOLFO NASCIMENTO FIOREZI - SP184479-A,
REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 0012784-09.2008.4.03.0000
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
AUTOR: CARLOS PEREIRA
CURADOR: VALDELINO PEREIRA
Advogado do(a) AUTOR: RODOLFO NASCIMENTO FIOREZI - SP184479-A,
REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Senhor Desembargador Federal Newton De Lucca (Relator):
Trata-se de ação rescisória proposta em 08/4/2008, por Carlos Pereira - representado por seu curador - em face do INSS-Instituto Nacional do Seguro Social, com fundamento no art. 485, inc. V, do CPC/73, visando desconstituir a sentença proferida nos autos do processo nº 113/04, que julgou improcedente o pedido de benefício assistencial.Consignou o julgado rescindendo ser impossível a concessão de benefício assistencial, caso a renda familiar per capta seja superior a 1/4 do salário mínimo, nos termos do art. 20, da Lei nº 8.742/93. Afirma ter havido violação ao art. 203, inc. V, da CF; ao art. 34, da Lei nº 10.741/03 e ao art. 20, da Lei nº 8.742/93, além de outros dispositivos. Alega que o benefício recebido pelo curador do autor não pode ser contabilizado no cálculo da renda mensal familiar. Juntou precedentes desta Corte no sentido de ser possível a demonstração do estado de miserabilidade por outros meios de prova, ainda que superado o limite de 1/4 do salário mínimo.
Concedidos ao autor os benefícios da assistência judiciária gratuita (doc. nº 107.465.926, p. 126).
Citada, a autarquia apresentou contestação (doc. nº 107.465.926, p. 136/144) alegando, preliminarmente, carência da ação, bem como a incidência da Súmula nº 343, do C. STF. No mérito, sustenta inexistir violação à lei, pois houve interpretação adequada do art. 20, §3º, da Lei nº 8.742/93, sendo que apenas o benefício assistencial concedido a outro membro da família e idoso pode ser excluído do cálculo da renda familiar, nos termos do art. 34, caput, da Lei nº 10.741/03. Aduz, também, que o referido dispositivo só se aplica aos idosos, não se destinando aos portadores de deficiência mental.
Na sessão de 13/10/2011, esta E. Terceira Seção rejeitou a matéria preliminar e julgou improcedente a rescisória, nos seguintes termos (doc. nº 107.465.927, p. 38/50):
“Trata-se de demanda rescisória manejada por Carlos Pereira, representado por Brasilino Pereira, com fulcro no art. 485, inc. V, do compêndio de processo civil, de 8/4/2008 (fl. 2), contra sentença do Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Monte Azul Paulista, São Paulo, de improcedência de pedido de amparo social (art. 203, inc. V, CF/88 e Lei 8.742/93).
MATÉRIA PRELIMINAR
No tocante à Súmula 343 do Supremo tribunal Federal, já decidiu esta 3ª Seção:
‘PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. BENEFICIO ASSISTENCIAL. SÚMULA 343 DO COLENDO STF. HIPOSSUFICIÊNCIA. CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO. § 3º DO ART. 20 DA LEI N. 8.742/93. VIOLAÇÃO DE LEI NÃO CONFIGURADA.
I - A Súmula 343 do E. STF não é aplicável quando a interpretação controvertida versar sobre matéria constitucional, como se verifica no caso em tela já que o benefício assistencial tem previsão constitucional.
II - O acórdão rescindendo vem fundamentado no exame do conjunto probatório carreado aos autos tendente a comprovar a hipossuficiência econômica da ora ré, cumprindo observar que tal acórdão não declarou a inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da Lei n. 8.742/93, mas sim que este dispositivo legal não é o único critério de aferição de miserabilidade para fins de concessão de benefício assistencial . Assim, não restou caracterizada a hipótese de rescisão de sentença do art. 485, V, do CPC.
III - Preliminar rejeitada. Ação rescisória cujo pedido se julga improcedente.’ (AR 3357, proc. 2003.03.00.063572-7, rel. Des. Fed. Sérgio Nascimento, v. u., DJU 11/3/2008, p. 230)
Sendo assim, rejeito a matéria preliminar.
(...)
O apontado art. 20 da Lei 8.742/93 impôs espécie de limitação do mandamento constitucional, uma vez que conceituou como pessoa necessitada apenas aquela cuja família tenha renda inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo, tendo em conta, para tanto, cada um dos elementos participantes do núcleo familiar, exceto aquele que já recebe o benefício de prestação continuada, de acordo com o parágrafo único do art. 34 da Lei 10.741/03.
A inconstitucionalidade do parágrafo 3º do art. 20 da Lei 8.742/93 em evidência foi arguida na ADIn. 1.232-1/DF que, por maioria de votos do Plenário do Supremo Tribunal Federal, foi julgada improcedente. (...)
Nota-se, portanto, que o critério fixado pelo parágrafo 3º do art. 20 da LOAS é o único apto a caracterizar o estado de necessidade indispensável à concessão da benesse em tela. Em outro falar, tal situação de fato configuraria prova inconteste de necessidade do benefício constitucionalmente previsto, de modo a tornar dispensável elementos probatórios outros.
Assim, conclui-se dessa exegese o estabelecimento de presunção objetiva absoluta de estado de penúria ao idoso ou deficiente cuja partilha da renda familiar resulte para si montante inferior a ¼ do salário mínimo.
Como visto, o estudo social, elaborado em 30/12/2004, revela que o núcleo familiar constituía-se de três pessoas, a renda familiar mensal declarada era de R$ 260,00 (duzentos e sessenta reais), sendo a renda por pessoa de R$ 86,66 (oitenta e seis reais e sessenta e seis centavos), maior que ¼ do salário mínimo então pago (R$ 260,00, Lei 10.888, de 24/6/2004, DOU 25/6/2004).
Dessa forma, não se vislumbra qualquer ofensa aos dispositivos normativos referidos na exordial deste processo (art. 203, inc. V, CF; art. 20, § 3º, Lei 8.742/93; arts. 3º e 4º, Decreto 2.173/97, que aprova o Regulamento da Organização e do Custeio da Seguridade Social, ou art. 4º, Lei 8.212/91), pelo quê descabido dizer que o pronunciamento judicial, tal como proferido, incorreu na circunstância descrita no inc. V do art. 485 do código processual civil.
Ad argumentandum tantum, relativamente ao art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/03, não se desconhece a jurisprudência que, por analogia, aplica-o para casos não circunscritos a idosos.
Não obstante, independentemente de tal circunstância, com a venia dos que entendem de forma diferente, tenho-me manifestado no sentido de que, ainda que o benefício concedido nos moldes do caput do artigo em tela não deva ser contado para fins de aferição do montante per capita da renda familiar, a contrariu sensu, qualquer prestação que não o amparo social descrito no comando em destaque, necessariamente, haverá, sim, de ser computado para a mensuração proposta:
(...)
Esclareço, por fim, que, conforme pesquisa ‘INFBEN - Informações do Benefício’, de 10/5/2011, ‘NB’ 1161843679, de titularidade de Brasilino Pereira, este recebe aposentadoria por idade, espécie 41, ‘Ramo Atividade: Rural’, ‘Forma Filiação: Empregado’, ‘DIB’ 4/2/1998.
Logo, é de se deduzir, por meio do caderno probatório em testilha, que a parte autora não tem direito ao amparo assistencial, uma vez que não preenche o requisito da hipossuficiência, segundo razões acima alinhavadas.”
Contra a decisão, foi interposto Recurso Especial (doc. nº 107.465.947, p. 3/39), o qual não foi admitido pela E. Vice-Presidência deste Tribunal (doc. nº 107.465.947, p. 50/51).
Inconformado, manejou o autor, Agravo contra a decisão denegatória de REsp (doc. nº 107.465.947, p. 53/67). Em 06/11/2018, o C. Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso, pronunciando o quanto segue (AREsp nº 819.790/SP - doc. 107.465.947, p. 79/84):
“1. Agrava-se da decisão que negou seguimento ao Recurso Especial fundado nas alíneas a e c do art. 105, III da Constituição Federal, interposto por CARLOS PEREIRA - INTERDITO, contra acórdão do Tribunal Região Federal da 3a. Região, assim ementado:
(...)
3. É o relatório.
4. Afasto a incidência da Súmula 7/STJ, uma vez que a pretensão recursal não pretende o revolvimento das circunstâncias fáticas e probatórias, mas sim a revaloração jurídica das premissas nos exatos termos em que estas foram delineadas no acórdão hostilizado.
5. Cinge-se a controvérsia acerca da possibilidade de concessão de benefício assistencial à parte autora.
6. A respeito dessa questão, a Constituição Federal prevê, em seu art. 203, caput e inciso V, a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
7. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/1993, alterada pela Lei 9.720/1998, dispõe:
(...)
8. Da leitura do citado dispositivo, constata-se que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover a própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
9. Entretanto, a 3a. Seção desta Corte, no julgamento do REsp. 1.112.557/MG, representativo de controvérsia, pacificou o entendimento de que a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo. Eis a ementa desse julgado:
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V, a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal
relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido (de minha relatoria, DJe 20.11.2009).
10. No caso dos autos, o pedido foi julgado improcedente pelas instâncias ordinárias por não reconhecer a condição de necessidade do autor, tendo sido baseado somente no exame da renda per capita.
11. Esse entendimento encontra-se em dissonância com a orientação acima estabelecida. Ademais, registre-se que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos RE 567.985/MT e 580.963/PR, concluiu pela inconstitucionalidade dos artigos 20, § 3o., da Lei 8.742/1993 e 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003.
12. Diante dessas considerações, conhece-se do Agravo e dá-se provimento ao Recurso Especial, para determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que este se pronuncie acerca dos demais requisitos necessários ao deferimento do benefício assistencial pleiteado.”
(grifos meus)
Devolvidos os autos a esta Corte determinei, em 10/06/2019, a suspensão do processo para fins de apresentação de novo compromisso de curatela, regularizando-se a representação processual do autor, uma vez que o sr. Brasilino Pereira, então curador e pai da parte autora, houvera falecido (doc. nº 107.465.947, p. 91).
Em 10/03/2020, o autor juntou cópia do Termo de compromisso de curador provisório comprovando que a curatela passou a ser exercida por Valdelino Pereira (doc. nº 126.655.405, p. 1). Apresentou, também, em 16/04/2020, nova procuração, regularizando, assim, a sua representação processual (doc. nº 129.962.496).
É o breve relatório.
Newton De Lucca
Desembargador Federal Relator
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 0012784-09.2008.4.03.0000
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
AUTOR: CARLOS PEREIRA
CURADOR: VALDELINO PEREIRA
Advogado do(a) AUTOR: RODOLFO NASCIMENTO FIOREZI - SP184479-A,
REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O Senhor Desembargador Federal Newton De Lucca (Relator):
Trata-se de ação rescisória, proposta com fundamento no então vigente art. 485, inc. V, do CPC/73, visando a desconstituição do julgado que adotou a interpretação segundo a qual o critério econômico previsto no art. 20, §3º, da Lei nº 8.742/93 – renda mensal familiar inferior a 1/4 do salário mínimo – constituiria o único meio para a aferir-se a condição de miserabilidade exigida para a concessão do benefício assistencial.Consoante se extrai da decisão prolatada nos presentes autos pelo C. Superior Tribunal de Justiça (AREsp nº 819.790/SP), o art. 20, §3º, da Lei 8.742/93 deve ser compreendido no sentido de que “a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo” (doc. 107.465.947, p. 82). Afirmou, também, que decisão rescindenda diverge da orientação firmada pelo “Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos RE 567.985/MT e 580.963/PR” (doc. nº 107.465.947, p. 83).
Assim, nos termos da orientação fixada pela C. Corte Superior nos presentes autos, acolho a alegação de violação a literal disposição de lei, desconstituindo a R. sentença impugnada, nos termos do art. 485, inc. V, do CPC/73.
Passo ao juízo rescisório.
Dispõe o art. 203, inc. V, da Constituição Federal, in verbis:
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
(...)
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei
Depreende-se que o benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família.
No que concerne à incapacidade para a vida independente, conforme disposto no art. 20, da Lei nº 8.742/93, não me parece ter sido o intuito do legislador conceituar pessoa portadora de deficiência como aquela que necessita da assistência permanente de outra para a realização das atividades básicas do ser humano. Nem seria razoável que o fizesse. Há de se entender como incapacidade para a vida independente, sim, aquela que não dispõe de recursos para promover, por seus próprios meios, condições para sobreviver com um mínimo de dignidade. Cumpre registrar que a Súmula nº 30 da AGU, de 9 de junho de 2008, dispõe que: "
A incapacidade para prover a própria subsistência por meio do trabalho é suficiente para a caracterização da incapacidade para a vida
independente
, conforme estabelecido no art. 203,V, da Constituição Federal, e art. 20, II, da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993" (grifei). Ademais, a redação do referido artigo foi alterada pela Lei nº 13.146/15: "Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."No tocante ao segundo requisito, qual seja, a comprovação de a parte autora não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, verifica-se – em consonância com a orientação fixada pelo C. STJ no presente feito – que o Plenário do C. Supremo Tribunal Federal, em sessão de 18/4/2013, apreciando o
Recurso Extraordinário nº 567.985/MT
, declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do mencionado §3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93, nos termos do voto do E. Ministro Gilmar Mendes, in verbis:
"
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição.
A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232.
Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que 'considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo'.
O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente.
Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.
3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes.
Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas.
O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos.
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993.
5. Recurso extraordinário a que se nega provimento
."(STF, Recurso Extraordinário nº 567.985/MT, Plenário, Relator para acórdão Ministro Gilmar Mendes, j. em 18/4/2013)
Asseverou o E. Ministro Gilmar Mendes, em seu voto, que "o critério de ¼ do salário mínimo utilizado pela LOAS está completamente defasado e mostra-se atualmente inadequado para aferir a miserabilidade das famílias que, de acordo com o art. 203, V, da Constituição, possuem o direito ao benefício assistencial."
Quadra mencionar, adicionalmente, que o C. Superior Tribunal de Justiça também analisou a questão da miserabilidade por ocasião do julgamento proferido no
Recurso Especial Repetitivo Representativo de Controvérsia nº 1.112.557-MG (2009/0040999-9).
Dessa forma, pacificou-se o entendimento no sentido de que a comprovação de a parte autora possuir (ou não) meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família deve ser analisada pelo magistrado, em cada caso, de acordo com as provas apresentadas nos autos.
Passo, então, à análise do caso concreto.
In casu, encontra-se comprovada a incapacidade da parte autora, consoante se extrai do laudo técnico elaborado nos autos de Origem, concluindo o sr. perito que “O Autor é portador de Oligofrenia (Retardo mental) acentuada”, provavelmente “decorrente de sofrimento cerebral causado por hipoxemia (falta de oxigenação) cerebral ocorrido no momento do parto”, tratando-se de patologia que “se caracteriza pelo déficit acentuado das funções cognitivas, com desorientação total no tempo e espaço”, de modo a ocasionar “invalidez total e permanente” (doc. nº 107.465.926, p. 81/82).
O autor, ainda, encontra-se interditado relativamente à prática de atos da vida civil, conforme já destacado.
No que se refere à miserabilidade, registra o estudo social elaborado (doc. nº 107.465.926, p. 67/71) que “A família reside em casa própria composta por três (03) quartos, sala, copa, cozinha e banheiro, com piso cerâmico e sem forro”, tratando-se de residência “mobiliada com simplicidade”, “Abastecida com água encanada e energia elétrica” (doc. nº 107.465.926, p. 70). A renda mensal familiar foi calculada em R$ 260,00, ao passo que a renda per capta foi estimada em R$ 86,66 – note-se que o salário mínimo da época correspondia a R$ 260,00. Outrossim, os gastos familiares mensais correspondiam a “alimentação, produtos de limpeza ambiental e higiene pessoal” (entre R$ 300,00 e 400,00), “gás” (R$ 30,00) e “taxa de energia elétrica e água” (R$ 41,10).
Dessa forma, a análise de todo o conjunto probatório existente nos autos demonstra o preenchimento do requisito da miserabilidade. Procede, portanto, o pedido de benefício assistencial.
Ressalto ser vedada a acumulação do benefício assistencial de prestação continuada com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da assistência médica, nos termos do art. 20, §4º, da Lei nº 8.742/93, devendo ser deduzidos na fase de execução do julgado eventuais pagamentos feitos pela autarquia na esfera administrativa.
O termo inicial do benefício deve ser fixado na data da citação da ação originária, ante a existência de pedido expresso neste sentido (doc. nº 107.465.926, p. 20).
A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros moratórios a partir da citação da ação originária, momento da constituição do réu em mora.
Com relação aos
índices de atualização monetária e taxa de juros
, devem ser observados os posicionamentos firmados na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema 810
) e no Recurso Especial Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905
), adotando-se, dessa forma, o IPCA-E nos processos relativos a benefício assistencial e o INPC nos feitos previdenciários. Quadra ressaltar haver constado expressamente do voto do Recurso Repetitivo que “a adoção do INPC não configura afronta ao que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral (RE 870.947/SE). Isso porque, naquela ocasião, determinou-se a aplicação do IPCA-E para fins de correção monetária debenefício de prestação continuada
(BPC), o qual se trata de benefício de natureza assistencial, previsto na Lei 8.742/93. Assim, é imperioso concluir que o INPC, previsto no art. 41-A da Lei 8.213/91, abrange apenas a correção monetária dos benefícios de natureza previdenciária.” Outrossim, como bem observou o E. Desembargador Federal João Batista Pinto Silveira: “Importante ter presente, para a adequada compreensão do eventual impacto sobre os créditos dos segurados, que os índices em referência –INPC
eIPCA-E
tiveramvariação
muitopróxima
no período de julho de 2009 (data em que começou a vigorar a TR) e até setembro de 2019, quando julgados os embargos de declaração no RE 870947 pelo STF (IPCA-E: 76,77%;INPC
75,11), de forma que a adoção de um ou outro índice nas decisões judiciais já proferidas não produzirá diferenças significativas sobre o valor da condenação.” (TRF-4ª Região, AI nº 5035720-27.2019.4.04.0000/PR, 6ª Turma, v.u., j. 16/10/19).A taxa de juros deve incidir de acordo com a remuneração das cadernetas de poupança (art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09), conforme determinado na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no Recurso Especial Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905).
Fixo os honorários advocatícios em 10% sobre o valor da condenação, consideradas as parcelas vencidas até a data da presente decisão, nos termos da Súmula nº 111, do C. STJ.
Por fim, considerando-se o caráter alimentar do benefício pleiteado no presente feito, que envolve recursos indispensáveis à subsistência da parte autora, entendo que estão presentes os requisitos previstos no art. 497, do Código de Processo Civil, motivo pelo qual concedo a tutela específica, determinando ao INSS que proceda à implantação do benefício no prazo de 10 (dez) dias, sob pena de multa diária de R$500,00.
Ante o exposto, julgo procedente a rescisória, com fundamento no art. 485, inc. V, do CPC/73 e, em juízo rescisório, julgo procedente o pedido originário. Concedo, ainda, a tutela específica prevista no art. 497, do CPC, para que a autarquia implante o benefício no prazo de 10 dias, sob pena de multa diária de R$500,00. Comunique-se o MM. Juiz a quo.
É o meu voto.
Newton De Lucca
Desembargador Federal Relator
E M E N T A
AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. CRITÉRIO ECONÔMICO. ART. 20, §3º, DA LEI Nº 8.742/93. PEDIDO DE RESCISÃO JULGADO IMPROCEDENTE. REFORMA DA DECISÃO PELO C. STJ. NOVO JULGAMENTO. JUÍZO RESCINDENTE. VIOLAÇÃO À LEI CARACTERIZADA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO ORIGINÁRIO.
I- Diante da orientação fixada pelo C. Superior Tribunal de Justiça nos presentes autos (AREsp nº 819.790/SP), procede a alegação de violação a literal disposição de lei formulada na petição inicial, impondo-se, em juízo rescindente, a desconstituição da sentença impugnada, nos termos do art. 485, inc. V, do CPC/73.
II- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família.
III- Comprovados os requisitos necessários, conforme se extrai do laudo técnico e do estudo social elaborados nos autos de Origem.
IV- Rescisória procedente. Em juízo rescisório, procedência do pedido originário. Tutela específica concedida, nos termos do art. 497, do CPC.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Seção, por unanimidade, decidiu julgar procedente a rescisória, com fundamento no art. 485, V, do CPC/73 e, em juízo rescisório, julgar procedente o pedido originário, concedendo, ainda, a tutela específica prevista no art. 497, do CPC, para que a autarquia implante o benefício no prazo de 10 dias, sob pena de multa diária de R$500,00, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
