
| D.E. Publicado em 24/10/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, REJEITAR a matéria preliminar suscitada, JULGAR IMPROCEDENTE o pedido formulado pelo réu em reconvenção e JULGAR PROCEDENTE o pedido formulado pela parte autora nesta ação rescisória, a fim de desconstituir o v. acórdão e, em novo julgamento, JULGAR PROCEDENTE o pedido de desaposentação formulado na demanda subjacente, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0012014-40.2013.4.03.0000/SP
RELATÓRIO
Trata-se de ação rescisória ajuizada por APARECIDO THEODORO em face do INSS visando rescindir o v. acórdão (fls. 83/94) proferido pela Nona Turma desta Corte que, nos autos da apelação cível n.º 0010202-07.2011.4.03.9999, negou provimento à apelação do autor, afastando, assim, a possibilidade de haver desaposentação, sob pena de violação ao disposto no art. 18, §2º, da Lei nº. 8.213/1991.
A ação rescisória foi ajuizada com fundamento em violação a literal disposição de lei, nos termos do artigo 485, inciso V, do Código de Processo Civil de 1973, dispositivo que, atualmente, corresponde ao art. 966, inciso V, do Código de Processo Civil, o qual prevê a possibilidade de ser rescindida decisão de mérito, transitada em julgado, que "violar manifestamente norma jurídica".
O autor alega, em síntese, que não é aplicável ao caso o disposto na súmula nº. 343 do STF (fl. 03) e que o Superior Tribunal de Justiça já sedimentou a sua posição no sentido da possibilidade de haver a desaposentação, inclusive, sem a necessidade de devolução de valores relativos à primeira aposentadoria, à qual se quer renunciar (fl. 05). Aduz que o disposto no art. 18, §2º, da Lei nº. 8213/1991, "não pode ser interpretado como proibidor da desaposentação (princípio constitucional da legalidade)" - fl. 08, bem como que o artigo 181-B do Decreto nº. 3.048/1999 "não pode ultrapassar os limites impostos pela lei" (fl. 08). Afirma que, em conformidade com o disposto no artigo 195, §5º, da CF, com o princípio da contrapartida (fl. 09) e com o princípio da dignidade da pessoa humana (fl. 12), deve-se permitir ao segurado renunciar à sua aposentadoria para que possa receber uma aposentadoria mais vantajosa (fl. 13).
Requer, assim, a rescisão do acórdão objurgado e, em novo julgamento da ação subjacente, a procedência do pedido de desaposentação.
A ação rescisória foi ajuizada em 23.05.2013 (fl. 02), tendo sido atribuído à causa o valor de R$ 20.000,00 (fl. 14).
A inicial veio instruída com os documentos acostados às fls. 15/99.
Foi deferido à parte autora o benefício da assistência judiciária gratuita (fl. 102).
A parte ré foi regularmente citada (fl. 104 v.) e apresentou contestação às fls. 113/132. Alegou, preliminarmente, "carência de ação" (fl. 113 v.), uma vez que o autor estaria "utilizando a presente ação como sucedâneo de recurso" (fl. 114) e que "o pedido da forma como foi formulado não é adequado para os fins colimados" (fl. 114). Aduziu que deveria ser reconhecida a "inépcia da inicial", pois se teria, na exordial, deixado "de apresentar causa de pedir" (fl. 114 v.). Alegou que deveria ser reconhecida a "prescrição de todo e qualquer direito porventura reconhecido ao autor anterior ao quinquênio contado para trás do ajuizamento da presente ação" (fl. 114 v.), nos termos do art. 103, § único, da Lei nº. 8213/1991, bem como requereu o sobrestamento do feito até a o julgamento pelo Colendo STF do Recurso Extraordinário em que foi reconhecida a repercussão geral da matéria de desaposentação (fl. 114 v.). Afirmou que a concessão de desaposentação resultaria em violação ao artigo 18, §2º, da Lei 8.213/1991 (fl. 115 v.), bem como ao art. 195, §5º, da CF (fl. 125 v.), ao instituto do ato jurídico perfeito (fl. 126) e ao princípio da solidariedade ou universalidade (fl. 116). Subsidiariamente, afirmou que, caso se admitisse a desaposentação, haveria a necessidade de devolução dos valores recebidos, sob pena de "locupletamento ilícito por parte do segurado" (fl. 128 v.).
Na mesma ocasião, o INSS apresentou reconvenção (fls. 106/112), oportunidade em que alegou que, "ao deixar de reconhecer o decurso do prazo decadencial para que se pudesse rever o ato concessório do benefício, a r. decisão rescindenda acabou por violar literal disposição de lei" (fl. 106 v.), isto é, teria havido violação ao disposto no artigo 103 da Lei nº. 8.213/1991 (fl. 107 v.). Requereu a rescisão do julgado proferido, a fim de que, em novo julgamento, fosse declarado o "decurso do prazo decadencial para revisão do ato concessório do benefício" (fl. 112 v.).
Instada a se manifestar acerca da contestação (fl. 137), bem como a apresentar resposta à reconvenção (fl. 138), a parte autora permaneceu inerte (fl. 139).
À fl. 140, destacou-se que a revelia em sede de ação rescisória não produz o efeito da confissão. Na oportunidade, tendo em vista que a ação rescisória foi ajuizada com fundamento em violação a literal disposição de lei, revelou-se despicienda a produção de provas. Além disso, tratando-se de matéria exclusivamente de direito e não havendo dilação probatória, dispensou-se a apresentação de razões finais pelas partes.
O Ministério Público Federal, em parecer acostado às fls. 142/144, manifestou-se pelo "não conhecimento da ação rescisória" (fl. 144 v.), sob o fundamento de que a parte autora não teria mencionado qual disposição de lei ou da Constituição foi violada pela sentença que julgou improcedente o pedido de desaposentação, bem como opinou "pelo conhecimento e improcedência do pedido em âmbito do juízo rescindendo da reconvenção" (fl. 144 v.),
À fl. 146, determinou-se a redistribuição do feito, nos termos do que dispõe o art. 200 do Regimento Interno desta Corte. Os autos foram, então, redistribuídos a este relator em 07.11.2014 (fl. 147).
É o relatório.
Peço dia para julgamento.
Fausto De Sanctis
Desembargador Federal
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AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0012014-40.2013.4.03.0000/SP
VOTO
O Exmo. Senhor Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS:
Trata-se de ação rescisória ajuizada por APARECIDO THEODORO com fundamento em violação a literal disposição de lei (art. 485, V, do CPC de 1973, correspondente ao art. 966, V, do CPC de 2015), visando à rescisão de acórdão (fls. 83/94) que negou provimento à apelação do segurado, afastando, assim, a possibilidade de haver desaposentação, sob pena de violação ao disposto no art. 18, §2º, da Lei nº. 8.213/1991.
O INSS (réu) apresentou reconvenção (fls. 106/112) sob o fundamento de que teria havido violação à literal disposição do artigo 103 da Lei nº. 8.213/1991 e requereu a rescisão do julgado proferido, a fim de que, em novo julgamento, fosse declarado o "decurso do prazo decadencial para revisão do ato concessório do benefício" (fl. 112 v.).
Inicialmente, destaco que é sabido que o novo Código de Processo Civil, Lei nº 13.115/2015, entrou em vigor no dia 18/3/2016 e que, após o advento do CPC de 2015, houve a elaboração de enunciados administrativos, por parte do E. Superior Tribunal de Justiça, com o objetivo de orientar a comunidade jurídica sobre a questão do direito intertemporal. Dentre estes, destaca-se o enunciado nº. 2, in verbis:
Reputo que, no que concerne às ações rescisórias, o aludido enunciado pode ser aplicado por analogia, de modo que, quanto aos pressupostos de admissibilidade e condições da ação, estes devem ser analisados conforme as previsões do Código de Processo Civil de 1973, uma vez que a presente ação rescisória foi ajuizada quando ainda vigia aquele diploma legal.
Válido, nesse passo, mencionar os ensinamentos do jurista Roberto Rosas: "No atinente à ação rescisória, buscar-se-ia um ponto necessário: o trânsito em julgado da sentença. É o premente norteador dos pressupostos para a ação rescisória. A lei fixadora desses requisitos regerá essa ação no prazo para sua propositura. Se a lei nova amplia os fundamentos para a rescisória ou os restringe, não se altera o direito subjetivo do autor da ação, ele é o mesmo do trânsito em julgado da sentença rescindenda. O CPC de 1973 ampliou os pressupostos de rescindibilidade, não se aplicando às sentenças trânsitas em julgado antes da sua vigência" (ROSAS, Roberto, Direito Processual Constitucional, São Paulo: ed. RT, 2ª ed., 1.997, p. 184)
Inclusive, os Tribunais pátrios têm entendido, recentemente, que, se a ação rescisória foi ajuizada antes da entrada em vigor do CPC de 2015, esta deverá ser analisada sob a égide da Lei nº. 5.869/1973 (antigo CPC), conforme se pode observar neste trecho extraído de voto proferido pelo E.TST - AgR-AR: 74025920135000000, Relator: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Data de Julgamento: 17/05/2016, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 20/05/2016:
Pois bem.
A presente ação rescisória foi ajuizada dentro do biênio decadencial previsto no artigo 495 do Código de Processo Civil de 1973, eis que o acórdão rescindendo transitou em julgado em 12.08.2011(fl. 96) e a inicial foi protocolada em 23.05.2013 (fl. 02). Quanto à reconvenção apresentada pelo INSS (fls. 106/112), esta se mostra também tempestiva, uma vez que foi apresentada em 06.08.2013 (fl. 106), dentro do prazo de trinta dias de que o réu dispunha.
As preliminares de "carência de ação" (fl. 113 v.) e "inépcia da inicial" (fl. 114) confundem-se com o próprio mérito da Ação Rescisória e com ele serão analisadas.
Saliento, ainda, que, apesar de não ignorar a existência do RE nº. 661.256/SC e do RE nº. 626.489/SE, em que o STF reconheceu, respectivamente, a repercussão geral da matéria de desaposentação e de decadência, não se haveria de falar em sobrestamento do feito até o julgamento final daqueles recursos. É pacífico o entendimento jurisprudencial no sentido de que, de acordo com o prescrito no art. 543-B, do Código de Processo Civil de 1973 (o qual encontra correspondência no art. 1.036 do CPC), o reconhecimento da repercussão geral em torno de determinada questão constitucional não impõe o sobrestamento de outros processos em que tal questão esteja presente. Apenas os recursos extraordinários eventualmente apresentados é que poderiam ser sobrestados.
Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados proferidos pelo E. Superior Tribunal de Justiça e pela E. Terceira Seção desta Corte:
Quanto à alegação de que deveria ser reconhecida a "prescrição de todo e qualquer direito porventura reconhecido ao autor anterior ao quinquênio contado para trás do ajuizamento da presente ação" (fl. 114 v.), saliento que o exame dessa questão deve ser diferido, pois apenas terá cabimento na hipótese de se adentrar ao juízo rescisório.
Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, passo à análise do juízo rescindente.
O artigo 485, inciso V, do Código de Processo Civil de 1973 dispunha o seguinte:
A violação a literal disposição de lei é, sem dúvida, de todos os enunciados normativos previstos no artigo 485 do Código de Processo Civil de 1973, o que possui sentido mais amplo. O termo "lei" tem extenso alcance e engloba tanto a lei material como a processual, tanto a infraconstitucional como a constitucional, vale dizer, trata-se de expressão empregada como sinônimo de "norma jurídica", independentemente de seu escalão. Quanto ao termo "literal", este é empregado no sentido de "expresso" ou "revelado", vale dizer, qualquer direito expresso ou revelado, seja ele escrito ou não escrito, uma vez violado, poderá ser protegido por meio do ajuizamento da ação rescisória (Nesse sentido, DIDIER JR, Fredie e DA CUNHA, Leonardo Carneiro, em Curso de Direito Processual Civil, vol. 03, Editora Jus PODIVM, 12ª Edição, 2014, pág. 392). O intuito é o de, em casos de reconhecida gravidade, se impedir a subsistência de decisão que viole o valor "justiça", ainda que em detrimento do valor "segurança", de modo que, em se constatando violação a uma norma jurídica (incluída a violação de princípio), revela-se cabível o ajuizamento de ação rescisória.
Inclusive, a atual redação do art. 966, V, do CPC (dispositivo correspondente ao art. 485, V, do CPC de 1973) consolidou essa construção doutrinária ao estabelecer que:
Pois bem.
A hipótese dos autos envolve tanto matéria infraconstitucional quanto constitucional, uma vez que o que se argumenta é que a concessão da desaposentação afrontaria o disposto na lei federal (art. 18, §2º, da Lei nº. 8.213/1991), bem como resultaria em violação a diversos preceitos constitucionais, tais como o princípio da solidariedade no âmbito da seguridade social.
É certo que decisões que não se amoldem ao texto constitucional não devem, em princípio, prevalecer no mundo jurídico, tendo em vista a supremacia da Constituição e a necessidade de sua aplicação uniforme para todos os destinatários. Assim, em se tratando de discussão acerca de matéria constitucional, reputa-se cabível o manejo de ação rescisória por violação a literal disposição de lei, devendo ser afastada, excepcionalmente, a aplicação da súmula nº. 343 do STF, que assim dispõe:
Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados proferidos pela E. Terceira Seção desta Corte:
É preciso se ter em mente que a ação rescisória não é sucedâneo recursal de prazo longo. Trata-se de meio excepcional de impugnação das decisões judiciais, cuja utilização não pode ser banalizada. Assim, para se configurar a hipótese do inciso V do art. 485 do CPC de 1973 (correspondente ao art. 966, V, do CPC), a violação deve se mostrar aberrante, cristalina, observada primo ictu oculi, consubstanciada no desprezo do sistema jurídico (normas e princípios) pelo julgado rescindendo. (STJ, 1ª Turma. Resp 1458607/SC, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 23/10/2014).
Com relação ao que foi alegado em reconvenção, observo que NÃO restou configurada a hipótese de rescindibilidade prevista no inciso V do art. 485 do CPC de 1973 (correspondente ao art. 966, V, do CPC).
A despeito do que alegou o INSS, não se haveria de falar em decadência, uma vez que o pedido formulado nos autos subjacentes foi de renúncia a benefício previdenciário e não de revisão de renda mensal inicial.
É certo que o artigo 103 da Lei nº. 8213/1991, acerca do prazo decadencial aplicado à revisão de benefícios previdenciários, assim dispõe:
Contudo, considerando que a decadência se refere tão-somente ao direito à revisão do ato de concessão de benefício, e não ao ato de concessão em si, não se haveria de falar em decadência no caso em exame.
Veja, nesse sentido, os julgados a seguir:
Inclusive, em julgamento de recurso repetitivo apresentado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (RESP nº. 1348301), a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça decidiu que o prazo de dez anos para a decadência na revisão de benefícios da Previdência não se aplica aos casos em que se requer a desaposentação:
Já com relação às alegações deduzidas pela parte autora em sua exordial, observo que restou sim configurada a hipótese de rescindibilidade prevista no inciso V do art. 485 do CPC de 1973 (correspondente ao art. 966, V, do CPC).
Isto porque o v. acórdão rescindendo, ao afastar a possibilidade de desaposentação, adotou posicionamento diametralmente oposto ao do C. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do RESP 1.334.488/SC, submetido ao regime do art. 543-C do CPC de 1973 (correspondente ao art. 1.036 do CPC), em que se firmou o entendimento de que os benefícios previdenciários são direitos patrimoniais disponíveis e, portanto, suscetíveis de desistência pelos seus titulares, prescindindo-se da devolução dos valores recebidos da aposentadoria a que o segurado deseja preterir para a concessão de novo e posterior jubilamento, in verbis:
Não obstante o v. acórdão rescindendo tenha sido prolatado em 27.06.2011 (fl. 82), ou seja, antes da publicação do aludido acórdão (paradigma) do Superior Tribunal de Justiça (em 14.05.2013), é notório que o E. STJ já vinha adotando o mesmo posicionamento em inúmeros julgados anteriores:
Assim, em tendo sido dada à norma interpretação contrária àquela do C. Superior Tribunal de Justiça, a quem cabe dar a última palavra no âmbito do direito infraconstitucional, conclui-se ter havido, de fato, violação a literal disposição de lei, isto é, manifesta violação de norma jurídica.
Válida, neste passo, a transcrição dos seguintes julgados proferidos pela E. Terceira Seção desta Corte:
Passo, pois, à análise do juízo rescisório.
A desaposentação é qualificada por Marisa Ferreira dos Santos como a desconstituição do ato de concessão da aposentadoria, que depende da manifestação de vontade do segurado.
O seu conceito pressupõe a renúncia a uma aposentadoria já existente, visando o aproveitamento do tempo de contribuição ou de serviço para uma nova ou uma melhor aposentadoria, em regime idêntico ou diverso.
Cabe destacar que, ao se realizar uma interpretação sistemática dos princípios e normas que estruturam o ordenamento jurídico brasileiro, haveria fundamento legal para a adoção do instituto.
Nessa tarefa não se poderia adentrar no tema sem, é claro, levar em conta os princípios, os fundamentos e objetivos da República Federativa do Brasil consignados na Carta Magna desde o seu Preâmbulo, não se podendo deixar de bem observar os artigos 1º a 3º, numa análise, inclusive, topográfica.
Importante sublinhar que os preceitos alinhavados no texto constitucional (não apenas nos artigos 1º a 3º) encontram gênese e destino no Preâmbulo da Constituição Federal, que foi extraordinariamente capaz de condensar valores legítimos que se tornam vetores de interpretação de todo o ordenamento jurídico brasileiro.
À medida que é feita a análise do tema proposto, leva-se, necessariamente, em consideração esses elementos axiológicos acima referidos.
Pois bem. O Brasil adotou e prestigia o positivismo-normativista com base na legalidade, inspirando-se certamente nos ensinamentos de Miguel Reale, em cuja escola positiva o Direito por excelência revela-se pelas leis. A norma passa a ser de fato a principal regedora da convivência social. Isto é praticamente aceito como verdade por conta do escólio de Hans Kelsen que, com genialidade, via na lei o elemento estabilizador social no qual a legalidade representa o princípio fundamental de segurança.
Entretanto, a rigidez do que se convencionou chamar de "jurisprudência de conceitos" mostrou-se insuficiente, parte em razão das exigências do mundo moderno, parte pelos fundamentos, princípios e objetivos ora imperantes na sociedade brasileira, de tal forma que acabou sendo ultrapassada cientificamente, obrigando a um temperamento, que, por vezes, já pode ser constatado de decisões das mais altas Cortes de Justiça.
Veja que Kelsen, o grande mestre positivista, ao tratar e prestigiar a Escola que acabou concebendo (juspositivismo), enaltece o Direito Natural. Em seu sábio entendimento, acima do imperfeito Direito Positivo, existe um outro, perfeito, o Direito Natural, este sim, absolutamente justo, e que torna o Direito Positivo legítimo à medida que o corresponda.
Portanto, qualquer análise que se faça do Direito Positivo, o intérprete deve inspirar-se naqueles valores constitucionais, que nada mais representam que expressões da dignidade humana em um regime que valoriza a igualdade e os valores democráticos.
A despeito de se ter argumentado que a concessão da desaposentação resultaria em violação ao disposto no artigo 18, § 2º, da Lei n. 8.213, de 24.07.1991, a interpretação sistemática dos princípios constitucionais aliados às normas previdenciárias não permite esta conclusão. A melhor exegese deste dispositivo legal é a de que, para o aposentado que continua ou volta a exercer atividade sujeita ao RGPS, seria proibida a concessão de novo benefício previdenciário em acréscimo àquele já percebido, isto é, a vedação existe quanto ao recebimento concomitante de dois benefícios previdenciários, com exceção do salário-família, quando empregado. No caso da desaposentação, todavia, não existiria o percebimento simultâneo de duas prestações previdenciárias de cunho pecuniário, mas o recebimento de um único benefício previdenciário que seria sucedido por outro, mediante novo recálculo, não havendo, portanto, qualquer óbice legal.
Consigno que a intangibilidade do ato jurídico perfeito é garantia do cidadão-segurado e não do órgão gestor, de modo que esta proteção não poderia ser utilizada como justificativa para, em proveito do Estado, se prejudicar o segurado. Observado o princípio da paridade das formas, é perfeitamente possível o desfazimento do ato administrativo que concedeu a primeira aposentadoria, a fim de se possibilitar a concessão de uma nova aposentadoria mais benéfica, já que a proteção ao ato jurídico perfeito não poderia significar um impedimento ao livre exercício de um direito pelo cidadão.
Atente-se que os princípios constitucionais invocados, tais como o da solidariedade, devem ser ponderados sempre à luz da finalidade do sistema da seguridade, que é a de proteção aos segurados, e em harmonia com os princípios do valor social do trabalho e da dignidade da pessoa humana.
Por seu turno, a possibilidade de desaposentação não viola o princípio da solidariedade previdenciária, que está relacionado à necessidade de custeio da Previdência Social por toda a sociedade. Tendo o segurado promovido o recolhimento das contribuições previdenciárias devidas ao tempo em que estivera trabalhando, mesmo que depois de sua jubilação, restaria adimplido seu dever de contribuição para o financiamento do Sistema da Seguridade Social. Assim, se, em momento anterior à concessão da desaposentação, o segurado teve descontado de seus vencimentos valores para o custeio da Previdência Social, não se haveria de falar em inobservância do princípio da solidariedade.
Saliente-se, ainda, que a concessão da desaposentação não poderia significar burla à incidência do fator previdenciário, uma vez que, em atendimento à regra da contrapartida, prevista na Constituição Federal, não se poderia deixar de levar em conta as contribuições efetuadas pelo segurado após o seu jubilamento. Estas devem se traduzir em um aumento do valor do benefício a que ele teria direito, já que, se foram vertidas novas contribuições para o INSS, o segurado faz jus à contrapartida adequada.
Ademais, não obstante o Decreto nº. 3.048/1999, em seu artigo 181-B, mencionar que as aposentadorias por idade, tempo de contribuição e especial seriam irreversíveis e irrenunciáveis, reputo não existir qualquer óbice à renúncia, pois, sendo o direito disponível, não poderia o regulamento, como mero ato administrativo normativo, criar, modificar ou restringir direitos, sob pena de extrapolar os limites da lei a que está sujeito.
Por fim, saliente-se que o ato de renunciar ao benefício não envolve a obrigação de devolução de parcelas, pois, enquanto perdurou a aposentadoria, o segurado fez jus aos proventos, sendo a verba alimentar indiscutivelmente devida, consoante acórdão proferido pelo STJ nos autos do RESP nº. 1334488/SC.
Assim, nos termos do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, há que se reconhecer o direito da parte autora à renúncia do atual benefício, devendo a autarquia conceder nova aposentadoria, a contar do ajuizamento da ação subjacente, não se havendo de falar, portanto, em incidência de prescrição quinquenal.
Mister esclarecer, outrossim, que os juros de mora e a correção monetária devem ser aplicados na forma prevista no novo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal em vigor na data da presente decisão.
Condeno a parte ré (INSS) ao pagamento das verbas de sucumbência, bem como fixo a verba honorária em R$ 800,00 (oitocentos reais), considerando o valor e a natureza da causa (inteligência do art. 85, §8º, do CPC).
Tendo em vista que os autos subjacentes tramitaram perante o Juízo de Direito da 3ª Vara de Matão-SP, oficie-se àquele Juízo dando-lhe ciência do inteiro teor desta decisão.
Ante o exposto, voto no sentido de REJEITAR a matéria preliminar suscitada, JULGAR IMPROCEDENTE o pedido formulado pelo réu em reconvenção e PROCEDENTE o pedido formulado pela parte autora, a fim de desconstituir o v. acórdão da 9ª Turma, com fulcro no art. 485, inc. V, do CPC de 1973 (correspondente ao art. 966, V, do CPC) e, em novo julgamento, JULGAR PROCEDENTE o pedido de desaposentação formulado na demanda subjacente.
É o voto.
Fausto De Sanctis
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